O Vale do Jequitinhonha em vários olhares

Autores

  • Maria Aparecida de Moraes Silva Professora livre docente do Departamento de Sociologia – UNESP – Campus de Ararquera

Resumo

O presente dossiê da UNIMONTES CIENTÍFICA contempla a realidade da região
do Vale do Jequitinhonha a partir de vários olhares.

Meu primeiro contato com esta região ocorreu nos idos de 1987, quando
realizava uma pesquisa com trabalhadores rurais da região de Ribeirão Preto/SP. Num
domingo do mês de junho daquele ano, durante uma pesquisa de campo numa grande
fazenda de café, fui informada sobre a existência de muitos mineiros, que estavam alojados
num barracão. Era um grupo composto por 60 pessoas, homens, mulheres e crianças. Ao
serem inquiridos sobre as razões de migrar e estar naquele lugar – cujas condições eram
precaríssimas – suas respostas incidiam sempre sobre as necessidades financeiras. Na
realidade, aquele não era o lugar deles e, sim, o não-lugar. “Aqui não é a terra da gente”,
era a frase emitida e eivada de um profundo sentimento de tristeza.

Em busca da compreensão do significado daquela mensagem, naquele ano, elaborei outro
projeto de pesquisa cujo objetivo era a análise das condições de vida e trabalho dos
migrantes, provenientes do Vale do Jequitinhonha para a região de Ribeirão Preto/SP,
levando-se em conta o lugar (a terra da gente) e o não-lugar (a terra que não é da gente).
Em meados de 1988, realizei a pesquisa de campo nas áreas rurais dos municípios de
Turmalina, Chapada do Norte, Berilo, Minas Novas e Araçuaí1
.
Minhas pesquisas atuais apontam – decorridos mais de 15 anos – para a permanência da
migração temporária de milhares de migrantes, provenientes não somente desta região,

como também de estados do nordeste do país, e também para a permanência das formas de
exploração da força de trabalho. São milhares de pessoas, sobretudo, homens jovens, que,
ano após ano, suportam o fardo do trabalho nos canaviais, laranjais e cafezais desta região,
considerada uma das mais ricas do país.
Naquele momento, procurei acompanhar a trajetória daqueles homens e mulheres em dois
espaços-tempos: lá e cá. Lá, um mundo diferente: sua terra, sua gente, seus valores, seus
referenciais, suas festas. Cá, o mundo do outro: outros valores, terra do outro, terra do
salário, do dinheiro, da mercadoria, terra onde trabalho vira tempo de trabalho.
Lá, a terra se misturava ao humano. Não havia a disfunção. Havia um todo, onde a terra, as
coisas complementavam o homem, incorporando-se a sua materialidade e subjetividade.
Cá, ao contrário, o registro foi o da disfunção. A terra é a terra-capital. O homem aparecia
separado do produto de seu trabalho. Lá, a ausência de individualidade e existência de
indivisibilidade. Cá, a individualidade e a divisibilidade necessárias, reais. Lá e cá: dois
mundos, separados no espaço, unidos no tempo.
Na verdade, nunca me afastei da realidade dos camponeses migrantes. Desde aquele
longínquo domingo junino, passei a fazer parte de sua comunidade de destino, quer pelos
meios acadêmicos, quer pela práxis política. No momento atual, em razão do incremento
da mecanização, sobretudo do corte da cana, o grau de exploração tem aumentado
progressivamente, fato este que tem mobilizado vários setores da sociedade civil – dentre
eles, a Pastoral Migratória e a Universidade – em defesa dos direitos destes trabalhadores.
Portanto, apresentar este dossiê da revista UNIMONTES CIENTÍFICA, sobre a temática do
Vale do Jequitinhonha, é, para mim, motivo de enorme alegria e reconhecimento da
importância desta realidade social para um conhecimento científico comprometido com a
práxis política transformadora.
Os trabalhos aqui reunidos contemplam a memória da organização das fazendas e
agregados, as vivências/experiências de camponeses migrantes, formas de solidariedade
camponesa – levando-se em conta o recorte de gênero –, a memória da escravidão, a
degradação do meio ambiente e também a descrição das fontes existentes sobre a história
do Vale do Jequitinhonha.

Sem sombras de dúvida, trata-se de uma coletânea que trará uma contribuição efetiva para
os estudos sobre esta temática, além de revelar às pessoas que vivem no mundo dominado
pela mercadoria, que os camponeses pobres têm muito a lhes ensinar sobre solidariedade,
cultura e outros valores, além da riqueza produzida por eles nas terras do grande capital.

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Publicado

2020-05-19

Como Citar

DE MORAES SILVA, M. A. O Vale do Jequitinhonha em vários olhares . Revista Unimontes Científica, [S. l.], v. 5, n. 2, 2020. Disponível em: https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/unicientifica/article/view/2495. Acesso em: 7 maio. 2024.

Edição

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