Afrografias Brasileiras: memória, cultura e sociedade

Autores

  • Osmar Pereira Oliva Professor Titular de Literatura na Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Estudos Literários - G.E.L.

Resumo

P
assados quinhentos anos de colonização do Brasil, ainda somos testemunhas de ações e discursos preconceituosos e discriminatórios em
relação a tudo aquilo que não é branco nem europeu.
Os negros e sua cultura representam parcela significativa da nossa sociedade, e comumente são vítimas
desse processo de exclusão, mesmo que conheçamos
a nossa complexa e híbrida formação identitária. São
muitos os discursos de poder que regulam a legitimidade e a visibilidade da afrocultura neste país que,
apesar de mestiço, lida mal com a cor que tem.
A história do Brasil, em sua linha positivista, quase
nada valorizou das muitas contribuições que os negros deram para a nossa sociedade. Ao contrário, em
relação aos africanos que eram trazidos escravos para
trabalhar nas grandes fazendas do nordeste e nas
minas de ouro de Minas Gerais, o que sabemos é que
a maioria passava por um ritual de “apagamento” de
suas crendices, histórias e dialetos antes de embarcarem nos navios de tráfico negreiro, os quais, por si
mesmos, configuravam-se como um espaço de imundície, de fome, de pestes e de sacrifícios, a exemplo

do que nos descreve, ficcionalmente, o poeta Castro
Alves, reencenando em sua poesia um inferno
dantesco pelo qual os negros atravessavam para chegar em terras brasileiras.
Aqui instalados, como animais de carga pesada, forçados aos mais árduos trabalhos e longas jornadas nas
lavouras, o negro foi impedido de manifestar suas tradições orais e suas crenças, sufocados pela religião,
pela língua e pela cultura do branco europeu,
dominador, mau e, muitas vezes, de personalidade
luxuriosa incontrolável, o que levou à exploração sexual dos seus escravos e favoreceu a rápida miscigenação, em relações senhoriais e de trocas simbólicas não
tão “harmoniosas” como parece sugerir Gilberto Freyre
em sua Casa Grande e Senzala. No entanto, sob o luar
tropical, essas manifestações religiosas e culturais se
fizeram ouvir nos terreiros das grandes propriedades,
ou nos silêncios das frias senzalas: as devoções espirituais, os ritmos frenéticos dos tambores, os ágeis lances de braços e pernas, as danças e músicas e as muitas narrativas sobreviveram. O sangue derramado nas
lavouras, os gritos abafados pelo estalar dos chicotes

não foram em vão. Uma cultura afro se impõe fortemente entre nós e é impossível não a notar. Não temos
nenhum objetivo ou ilusão messiânica de “compensar” os marginais da História, mas temos a obrigação
de trazer para o debate acadêmico e científico as reverberações de uma cultura escamoteada pelos discursos de poder sob os quais o Brasil fez-se nação, nos
moldes europeus. Este dossiê pretendeu, pois, reunir

trabalhos que discutissem a formação do povo brasileiro, sob a influência da cultura negra, a fim de refletir
sobre a sua participação na nossa sociedade. Assim, os
artigos propõem reflexões sobre a nossa diversidade
cultural, que somente pode ser pensada em pontos de
tensão, de diálogo e de fricções e, nunca, sob a perspectiva homogênea e harmônica no encontro entre os
muitos povos e culturas que nos constituem.

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Publicado

2020-05-07

Como Citar

PEREIRA OLIVA, O. . Afrografias Brasileiras: memória, cultura e sociedade. Revista Unimontes Científica, [S. l.], v. 8, n. 2, 2020. Disponível em: https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/unicientifica/article/view/2304. Acesso em: 29 mar. 2024.

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