Editorial

Autores

  • Cláudia Maia Editora Geral (2002-2007)

Resumo

Nas últimas décadas, temos presenciado a passagem de uma “ética do silêncio”, conforme
definiu a historiadora Hebe Mattos para designar a ausência do signo negro nos documentos oficiais e públicos, mas também no texto visual, para o
que a antropóloga Rita Laura Segato chamou de “eficácia comunicativa”, ou seja, a colocação deste signo
em discurso e nos “ambientes pelos quais transitamos”. Esta “passagem” tem criado condições para o
reconhecimento do racismo pelo Estado e da permanência de práticas de exclusão na sociedade brasileira. De outra parte, este reconhecimento abriu novas
preocupações e espaços de pesquisa no âmbito das
ciências sociais e humanas; tornou obrigatório o ensino de “História da África” em escolas públicas e
justificou a adoção de políticas de discriminação positiva, como a das cotas nos concursos públicos, que,
dentre outros efeitos, (re)introduziu o debate sobre
a questão racial na universidade, nos órgãos
decisórios e na mídia em geral. O polêmico debate
que a política de cotas suscitou nos últimos anos,
tem contribuído para desvelar definitivamente o mito
da “democracia racial” brasileira, elaborado por intelectuais durante os anos 1930 e que serviu de base
para construção da identidade nacional, revelando,
ao contrário, a permanência de estruturas hierárquicas e discriminatórias herdadas do sistema escravista.
Na tentativa de contribuir com este debate, a
Unimontes Científica traz, neste número, o “Dossiê

Afrografias Brasileiras: memória, cultura e sociedade”, organizado pelo professor Osmar Pereira Oliva
do Departamento de Comunicação e Letras da
Unimontes. Sob uma perspectiva interdisciplinar, o
dossiê parte das análises discursivas de imagens e
representações do negro em textos literários e cinematográficos de conhecidos autores brasileiros,
escritos em diferentes épocas, passando, assim pelo
drama “Mãe” de José de Alencar escrito em 1859 –
artigo de Maria Elizabeth Carneiro –, pelo conto
“Bocatorta” de Monteiro Lobato escrito em 1918 –
artigo de Alexsandra Loiola Sarmento – e pelo recente documentário “Adão ou somos todos filhos da
terra” (1999) de Walter Salles e Daniela Thomas –
artigo de Elen Doppenschmitt. Em seguida, apresenta algumas heranças históricas da escravidão no Brasil presentes nas idas e vindas da comunidade Negra
Rural de Brejo dos Crioulos no norte de Minas, enredada nas “tramas do aparelhamento estatal”, em busca
do reconhecimento do seu direito sobre o território ancestralmente ocupado – artigo de João Batista
Costa –; nos dados da escravidão do município de
Chapada do Norte durante o século XIX – artigo de
Liliana Mendonça Porto –; na ausência de estudos
sobre África no Brasil, mas também nas chamadas
“trocas culturais” que se deram nas relações entre o
continente africano e a América Portuguesa – artigo
de Alysson Freitas de Jesus. O dossiê fecha com a
discussão sobre a política de cotas para afro-descendentes que fomentou o debate atual;

assim apresenta a criteriosa pesquisa de Geisa Magela Veloso sobre a reserva de vagas no âmbito da Unimontes, as
concepções docentes analisadas se alteraram entre a
crença de que o processo promove a discriminação
racial e a afirmação de que ele apenas faz vir à tona a
discriminação já existente na sociedade; por fim,
uma entrevista com a professora Rita Laura Segato
que, juntamente com o professor José Jorge de Carvalho, apresentou o projeto de cotas da UnB que foi
pioneiro no Brasil e que desencadeou a discussão no
âmbito da universidade pública brasileira.
A seção de artigos neste número, também
interdisciplinar, contemplou as áreas das ciências
humanas, biológicas e agrárias. A capa evoca a
temática do dossiê com uma tela da artista plástica
montesclarense, formada em filosofia, Maria Socorro
Isidoro. Conforme a artista os “textos” de suas telas
versam sobre alteridade e cultura enquanto “cimento de um povo que se constrói, com seus valores,
modos de ser, lutar e festejar a vida”. A base é a África com seus equívocos e espelhos colocados por
“mãos européias” que refletiam a imagem de um
povo “estranho” e “esquisito”. A marca do seu trabalho, que já a torna conhecida, sem dúvida é o colorido e o grande número de figuras femininas, a
exemplo da tela “Africanas” selecionada para a capa.

Com este número, a Unimontes Científica encerra a
seção de dossiês temáticos e a gestão do atual Conselho Editorial (2002-2007) para dar lugar a um novo
formato e a novos editores, mas permanecendo
com seu conteúdo interdisciplinar. Em nome do Conselho Editorial que se despede, agradeço a todos
os autores e revisores que contribuíram conosco
neste número e nos números anteriores, ao professor Mário Rodrigues de Melo Filho, pró-reitor
de pesquisa durante nossa gestão, e ao reitor professor Paulo César Gonçalves de Almeida que sempre nos deram pleno apoio e incentivos; a imprensa
universitária parceira desde o início; e, em especial, a Fapemig pelo financiamento integral da publicação dos exemplares deste número que possibilitou a ampliação da divulgação, e, conseqüentemente, da nossa credibilidade entre as instituições de
pesquisa de todo país.

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Publicado

2020-05-07

Como Citar

MAIA, C. . Editorial. Revista Unimontes Científica, [S. l.], v. 8, n. 2, 2020. Disponível em: https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/unicientifica/article/view/2303. Acesso em: 9 dez. 2024.

Edição

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