O DEPOIS COMO ANTES: 221 NOTAS SOBRE A CRIAÇÃO DE UM DICIONÁRIO PARA O INCÊNDIO

Autores

  • Marcelo Coutinho

DOI:

https://doi.org/10.46551/2448-30952025v30n113

Resumo

Este ensaio-fala foi organizado em forma de notas para que sua escrita guardasse qualquer coisa de partitura. Assim, pensado próximo da música, quem sabe algo da cadência e temporalidade próprias da oralidade de um corpo afetado por sua leitura pública, pudesse nela manter-se. Nesse ensaio-fala, procuro me aproximar de um lado-de-fora da linguagem e, inutilmente, descrevê-lo. Nomeei esse avesso das nomeações de Isso. Isso que toma o corpo e arrasta a percepção não é linguagem. Mas impele a linguagem a falar. Falar essa fala sempre arruinada, criada no atrito febril entre o acometimento e o relato pôs em curso, há 28 anos, a construção de um dicionário montado sobre este paradoxo: nomear Isso cuja natureza é escapar das nomeações.

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Biografia do Autor

Marcelo Coutinho

Artista visual, doutor em poéticas visuais pela UFRGS, professor do Departamento de Artes Visuais da UFPB e do Programa Interinstitucional de Pós-graduação em Artes Visuais UFPB-UFPE.

Referências

ELIADE, Mircea e Couliano, Ioan P. Dicionário das Religiões. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1999, p.32.

OTTO, Rudolf. O Sagrado. Petrópolis: Ed. Vozes, 2007. p.46.

ARMSTRONG, Karen. Jerusalém: Uma Cidade, Três Religiões. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2001. p.75.

SESBOÜÉ, Bernard e Joseph Wolinski. História dos Dogmas. Tomo I. O Deus da Salvação (séc. I a VIII). São Paulo: Edições Loyola, 2002. p.33.

Existiria um campo também para a arte? Haveria também para seu germinar os sulcos de um arado nos quais ela possa ser cultivada e brote em safras? Existiria tal produtividade extensiva até mesmo para a arte moderna que adotou para si, há mais de 100 anos, a ruptura como mito fundador e que se justifica contemporaneamente com as bandeiras do “desvio”, da “mestiçagem” e da “desterritorialização”? Teria a arte deixado de ser o emblema máximo da fuga, da brecha aberta pela cultura ocidental contemporânea de onde surgiria, como alerta Edson Souza, um “espaço de exílio” para que “possamos nos proteger das garras do imutável”? (SOUSA, Edson Luis André de. Uma Invenção da Utopia. São Paulo: Lumme Editor, 2007. p.17.)

Diz Kaiser sobre o grotesco contido em um conto do séc. XIX, do suíço Gottfried Keller: “No começo rimos (...) mas, aos poucos, à medida que a atmosfera se torna cada vez mais tensa, o riso se converteu em sorriso angustiado e, finalmente, desapareceu de todo. Ficamos perplexos; sobretudo diante dos fracassos, não sabemos como devemos entendê-los”. (KAISER, Wolfgang. O Grotesco. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987. p.13)

Cor. subs.fem. 1. propriedade de radiação eletromagnética, com o comprimento de onda pertencente ao espectro visível, capaz de produzir no olho uma sensação característica. (Outras condições fisiológicas podem resultar na mesma sensação). 2. a coloração predominante de um ser, de conjunto, etc; colorido. 3. A cor ou o conjunto de cores que constituem elementos distintivos ou simbólicos de alguma coisa. (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa).

O conceito de alíngua vem da psicanálise lacaniana. Seria o não-todo da linguagem, ou seja, aquilo que pode e não pode ser dito. A lalangue de Lacan é aquilo que incapaz de referir-se e representar na língua e assim estabelece um sem sentido fundador. É nesse laço nunca feito que se sustenta a própria fala sempre atada à falta.

É assim que o físico-químico Ilya Prigogine define a ciência. Ao menos se esta quiser ser uma “nova ciência”. Prigogine estudou a organização química de partículas subatômicas e a partir destas pesquisas criou o conceito de “estruturas dissipativas”. Este conceito descreve como na termodinâmica a entropia (a aparente “desordem” e “caos” molecular) leva a matéria, da instabilidade, a novos e inauditos platôs de reorganização. Esta “desordem organizadora” impõe sobre nossas observações da natureza uma incontornável incerteza, demolindo a idéia de “leis da natureza”. Restaria à ciência uma mudança de posição, abrindo mão da idéia de controle e abraçando a idéia de “escuta” e “diálogo” com a natureza. Curioso reparar o quanto esta definição, vinda das chamadas ciências duras, possui laços com a noção desenvolvida por Heidegger do poético como sendo, simultaneamente, a “essência da linguagem” e o acesso ao Ser. (PRIGOGINE, Ilya e Isabelle Stengers. O Fim das Certezas: Tempo, Caos e as Leis da Natureza. Ed. Unesp, 1996. p. 157-167)

Do grego metanoein, metanoia indica uma ação autoimposta de modificação de uma forma de pensar. Em contexto cristão ortodoxo, a metanóia é o gesto de curvar o corpo diante de um ícone ou das palavras de um orientador espiritual.

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Publicado

2025-04-06

Como Citar

Coutinho, M. (2025). O DEPOIS COMO ANTES: 221 NOTAS SOBRE A CRIAÇÃO DE UM DICIONÁRIO PARA O INCÊNDIO. Revista Poiesis, 30(1). https://doi.org/10.46551/2448-30952025v30n113

Edição

Seção

Ensaio do Dossiê Técnica e Arte: Singularidades