O INTERMEZZO DA METAMORFOSE: QUAL O SUPLEMENTO DO ABSURDO?
DOI:
https://doi.org/10.46551/2448-30952025v30n108Palavras-chave:
Intolerável. Absurdo. Metamorfose. Revolta. Suplemento.Resumo
Neste ensaio, mergulhamos nas dobras cortantes do absurdo, intermezzo pulsante onde o absurdo e a metamorfose se encontram, rasgando as superfícies do intolerável. O que resta do humano quando a máquina técnica da contemporaneidade, insaciável, consome sentidos, devora corpos e normaliza a violência? O que grita quando o silêncio molda uma ontologia da submissão, ventre que engole o humano, reduzindo a vida a fragmentos de uso, cifras de controle? Kafka, Camus, Deleuze e
Guattari são nossos cúmplices nessa exploração, onde a carne do real é exposta e o espírito confronta o vazio. Gregor Samsa, transformado em inseto em A Metamorfose, não é apenas esmagado; ele grita em sua resistência muda, no silêncio do apodrecimento, recusa a ser reduzido a fragmentos de utilidade. Kafka nos dá a metamorfose como insurgência: um corpo que recusa ser absorvido pela ordem técnica, contestando sua redução a fragmentos utilitários. Camus, por sua vez, encontra no
absurdo um despertar ético. Quando a vida, apodrecida, não nos responde, a revolta se torna a única resposta: não uma busca por sentido, mas a recusa em se submeter à fatalidade, uma força que força o mundo a ser reinventado pelas fissuras do intolerável e extrair dali uma potência intensiva, algo que excede. Ato de insurgência contra a máquina. Vórtice transitório de um sentido sempre nômade em si mesmo. Para Deleuze e Guattari, o intolerável já não causa estranhamento; tornou-se um produto, o subproduto, da máquina social e técnica. Como resistir quando o intolerável já não grita, mas sussurra em estatísticas de corpos descartados, terras violadas, vidas esmagadas sob o pretexto da ordem? A técnica não é neutra, mas uma máquina viva que codifica a violência estrutural em silêncio normativo. Nas crianças baleadas no lugar de sonhos, nos corpos indígenas massacrados em suas terras, nos corpos negros violentados nas periferias, a tecnocracia opera como estética de controle, alimentandose do sangue da liberdade. A arte, nesse abismo, não é refúgio, mas máquina de guerra: um campo de batalha, fenda no tecido técnico, onde o intolerável é exposto e o absurdo transfigurado em criação. A metamorfose kafkiana e a revolta camusiana convergem aqui. O absurdo não é resignação, mas a faísca que reinventa o humano. Qual o suplemento do absurdo, senão o grito que rasga a máquina, expondo suas vísceras, recusando o silêncio e reinventando a existência?
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Referências
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