eISSN 2236-5257

 

 

Concepção de corpo na percepção de graduandos do curso de licenciatura em educação física durante o processo de formação

 

Conception of body of the perception graduants of course in physical education at the process in formation

 

Priscylla Teixeira Lima[1]

 

 

Resumo: Objetivo: analisar e comparar as concepções de corpo na percepção dos graduandos ingressantes e concluintes do curso de Educação Física no processo de formação, na tentativa de identificar as relações estabelecidas entre corpo, mídia e a educação física. Metodologia: trata-se de pesquisa de campo de caráter qualitativo, composta por uma amostra de vinte e três graduandos, sendo onze ingressantes e doze concluintes do curso. Como instrumento para coleta de dados foi utilizado um questionário contendo seis questões abertas e sua interpretação se efetivou a partir da análise de conteúdo. Resultados: apontou-se para uma perspectiva, ainda, fragmentada sobre concepção de corpo dos ingressantes com relação aos concluintes, que mencionam discussões amplas e reflexivas da temática. Considerações finais: cabe então à Educação Física questionar o papel que vem assumindo na sociedade contemporânea, principalmente, frente à idolatria e fragmentação do corpo, buscando entendê-lo com base em sua construção e manifestação histórica, cultural, estética, política e social.

 

Palavras-chave: Corpo. Mídia. Educação Física. Graduandos. Formação.

 

Abstract: Objective: analyze and compare the conceptions of body of the beginners and graduates of the Physical Education course at the process of formation, in an attempt to identify the of relationships established between body, media and physical education. Methodology: this is a field research qualitative, composed of a sample of twenty-three graduates, eleven beginners and twelve graduates of the course. As an instrument for data collection, a questionnaire containing six open questions was used and its interpretation was carried out based on content analysis. Results: pointed out to a still fragmented perspective on the conception of body of the beginners, in relation to the graduates, who mention broad and reflexive discussions about the themes. Final considerations: it is then up to Physical Education to question the role it has been assuming in contemporary society, especially in the face of the idolatry and fragmentation of the body, seeking to understand it based on its construction and manifestation historical, cultural, aesthetic, political and social.

 

Keywords: Body. Media. Physical Education. Graduates. Formation.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A concepção de corpo sempre esteve atrelada aos valores predominantes em cada momento histórico da sociedade. Nos últimos anos, os debates relacionados a este tema tomaram grandes proporções, tornando-se de extrema importância, principalmente, àqueles que lidam com esse tema em diferentes espaços sociais.

A atenção e os cuidados com o corpo foram ou não se adaptando a mudanças de valores e interesses políticos, sociais e econômicos, de acordo com os objetivos a serem alcançados em cada sociedade.1-2As concepções sobre o corpo, elaboradas durante o período medieval,, não resultaram unicamente de uma ruptura com os modelos da Antiguidade Clássica. Os modelos corporais, os valores e a utilização do corpo se transformam, mas também guardam o registro de sensibilidades vindas de épocas diferentes. Algumas concepções presentes nos séculos I e II prepararam o terreno para as concepções cristãs durante o período medieval.3

Na Idade Média, “o corpo era percebido como centro dos acontecimentos, tendo uma idolatria divina sobre ele e uma consequente separação do corpo profano e espírito-mente (cogito) sagrado”, segundo Gonçalves e Azevedo4 (2007, p.204). Assim, a moral cristã impedia qualquer tipo de prática corporal com fins de culto ao corpo, pois o mesmo poderia tornar a alma sagrada, em impura. Por muito tempo, este pensamento se mantém presente nos pensamentos dos filósofos antigos e medievais.

De acordo Medina5 (1991), com o “cogito cartesiano” de Descartes é a mente quem passa a ser privilegiada em detrimento a matéria, dando a entender que estas são coisas separadas e distintas. Este fato exerceu grande influência sobre o pensamento ocidental, ensinando-nos a valorizar mais o trabalho intelectual do que o manual e a aprendermos, de modo fragmentado, sem possuir a compreensão do todo. 

Na Renascença, “o significado [do corpo] passa a ter bases científicas, servindo de objeto de estudos e experiências, no qual a disciplina e o controle corporais eram preceitos básicos” de acordo com Gonçalves e Azevedo4 (2007, p.205). Assim, todas as atividades físicas, relacionadas ao corpo, eram prescritas por regras rígidas, buscando a saúde corpórea.

Na Idade Moderna, devido ao desfacelamento da estrutura feudal e a desestruturação de poder da Igreja Católica, surge um novo modo de pensar o homem e sua relação com o corpo. Este novo contexto traz um modelo de “corpo-máquina”, socialmente oprimido, manipulável e domesticado. 

Segundo o Coletivo de Autores6 (1992), a Europa em fins do século XVIII e início do século XIX tornou-se palco da edificação e materialização de uma nova sociedade onde os exercícios físicos tiveram um papel de destaque. Nesse contexto, a nova sociedade exigia a construção de um novo homem, que atendesse às suas necessidades.

 É dentro deste contexto, de acordo com Soares7 (2001), que a Educação Física (Ginástica) surge a serviço dos interesses do modo de produção capitalista, como um meio/disciplina que deve ser capaz de viabilizar a construção deste novo homem, forte, viril e adestrado, que atenda aos interesses da nova burguesia em ascensão. A Educação Física passa a cuidar igualmente dos aspectos mentais, intelectuais, culturais e físicos, devendo ser viabilizada em todas as instâncias para a consolidação deste novo homem, seja no campo, na fábrica, na família, na escola7, desempenhando assim, seu papel disciplinador e moralizador. A autora elucida, ainda, que a Educação Física passa a se ocupar de um corpo a-histórico, “meticulosamente estudado e cientificamente explicado”, dentro de uma visão positivista, negando-se o funambulismo, as práticas circenses ou qualquer outra prática que levasse o homem a indolência, letargia, imoralidade7.

E, por muito tempo, a Educação Física esteve a serviço dos ideais médico-higienistas e do eugenismo, promovendo a assepsia social, moralizando a sociedade, “melhorando e regenerando a raça”. Desse modo, cuidar do corpo significava, também, “cuidar da nova sociedade em construção, uma vez, que a força de trabalho produzida e posta em ação pelo corpo [era] fonte de lucro”, segundo Coletivo de autores6 (1992, p.51). 

No século XX, como retrata Costa e Otesbelgue8 (2011), a sociedade capitalista traz consigo uma contradição que, ainda, se faz presente em nossas estruturas sociais. Por um lado, o individualismo exacerbado, por outro, a busca de uniformização dos pensamentos, sentimentos e ações humanas. Neste contexto, cada vez mais, a padronização de corpos, o narcisismo e a sua transformação em mercadoria crescem, tornando-o palco de experiências, mutilações e consertos, para melhor atender a produtividade corporal e a um padrão socialmente aceito como o “ideal”.

 

E na contemporaneidade, que ou quais faces assumem o corpo em relação à educação física?

 

Como já mencionada anteriormente, a influência médico-higienista foi marcante no século XIX e início do século XX. Segundo Bracht9 (1999), no Brasil, esse pensamento exerceu grande influência sobre a sociedade em que a Educação Física foi vista como a “síntese perfeita da educação e da saúde”, colaborando para formar um indivíduo produtivo, robusto e saudável. Posteriormente, ela serviu a preceitos militaristas (1930 a 1945), ao competitivismo, voltando-se à técnica e ao desempenho (1964), e, a partir da década de 80 e 90, incorporou discursos das áreas humanas e sociais, possibilitando a abertura de uma postura mais crítica ou progressista sobre o corpo e a própria Educação Física como elucidam Silva, Ludorf, Silva e Oliveira10 (2009).

Para os autores supracitados, a popularização das academias de ginástica e das atividades de fitness, em fins dos anos 80, vinculou a Educação Física ao fenômeno do culto ao corpo. Este fato vem ganhando hoje, cada vez mais, destaque dentro da lógica de produção capitalista que evidencia a todo o momento, principalmente através do discurso midiático, a preocupação com a aparência corporal.

No decorrer dos últimos anos, a tentativa de tornar o corpo, “independente” e mais “belo”, vem ganhando um número de adeptos cada vez maior.  Reconstruí-lo mediante ao auxílio dos avanços científicos e tecnológicos de modo a ganhar mais juventude e saúde não deixa de ser uma promessa fascinante a diferentes épocas da civilização, mas foi na atual sociedade que o corpo conquistou um espaço inédito na mídia e uma banalização importante no cotidiano, tanto das grandes quanto das pequenas cidades.3

Para Mugnaini2 (2007), uma das marcas da sociedade moderna é a valorização e o interesse pelo corpo sobre diferentes justificativas. Segundo Nicolino et al11 (2010, p.439), dizem que “na atual conjuntura, privilegia-se a aparência física como definidora da representação social, a busca por um corpo belo, esculpido e delineado”. Se este ideal não for alcançado, o que foi propagado pelo discurso midiático contemporâneo, gera um sentimento de culpa, de irresponsabilidade, o que acaba justificando a utilização de inúmeros métodos de intervenção, sejam eles: implantes de silicone, anabolizantes, cirurgias a laser, exercícios físicos, dentre outros.12

Assim, cria–se, a todo instante, a necessidade de consumo dentro de uma cultura que privilegia a aparência física como definidora da “representação social do corpo”, o que incentiva a busca por um corpo “belo”, esculpido e delineado, apontado como o “ideal” como sinônimo de saúde e de uma melhor aceitação social. Diante deste contexto, a graduação de Educação Física deve constituir-se em um espaço que oportunize, aos discentes, a compreensão crítica e o questionamento a essa “idolatria” narcisista de corpo. A Educação Física entendida como produtora de saúde vinculada socialmente na contemporaneidade.

Sendo assim, o estudo se propôs analisar e comparar as concepções de corpo na percepção dos graduandos do curso de Licenciatura em Educação Física no processo de formação, na tentativa de identificar as relações estabelecidas entre corpo, mídia e a Educação Física, tendo a pretensão de contribuir para uma reflexão sobre a formação destes profissionais.

MÉTODOS         

                                                     

 Trata-se de uma pesquisa direta de campo de caráter qualitativo. A pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações acerca de um problema.13 O estudo de cunho qualitativo deve apresentar característica “compreensiva, holística, ecológica, humanista, bem adaptada para a análise minuciosa da complexidade, próximas das lógicas reais, sensível ao contexto no qual ocorrem os estudos”, como elucidam Silva e Silveira14 (2007, p.151).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Seres Humanos da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, conforme a Revolução 466/2012/CONEP/CNS/MS, tendo como protocolo de aprovação de número 1.048.429 e CAAE: 43810117.4.0000.0057.

Como instrumento para levantamento dos dados, utilizou-se de questionário, por entender que deixaria os participantes da pesquisa mais livres para explanarem suas opiniões. O questionário continha seis questões abertas, com pontos referentes ao objetivo do estudo. As questões foram elaboradas pelas autoras, a partir de dados da literatura.

Procedeu-se, então, a coleta dos dados, através da aplicação de questionários a vinte e três acadêmicos, sendo distribuídos de forma aleatória com adesão voluntária, para onze ingressantes e doze concluintes do Curso de Licenciatura em Educação Física em uma Universidade do Estado da Bahia.

Somente responderam aos questionários aqueles que consentiram em participar da pesquisa, conforme as diretrizes éticas para esse tipo de estudo. A aplicação dos questionários ocorreu nas salas dos ingressantes e concluintes, com termo de autorização institucional da universidade.

A interpretação dos dados se efetivou a partir da análise de conteúdo, mediante o estabelecimento de três temáticas: ‘Concepção de corpo’, ‘Visão de corpo pela sociedade’ e ‘Como é visto o corpo pela Educação Física’. Vale ressaltar, que as temáticas foram elaboradas de acordo os contextos histórico e social das imagens do corpo na sociedade, atribuídas ao corpo, a mídia e a Educação Física.

A análise do conteúdo compreendeu três fases: a pré-análise (organização), exploração do material (administrar as decisões tomadas na pré-análise) e tratamento de dados, inferência e interpretação (tornar os dados válidos e significativos).15

Para contextualizar cada temática, foi utilizado o referencial teórico. As respostas de todas as questões foram agrupadas de acordo com as temáticas, sendo analisadas a partir dos critérios de repetição e de relevância.16

                                                                                                                                                            

 

 

 

DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS

 

Concepção de Corpo

Na primeira questão, o objetivo era saber quais as opiniões dos ingressantes sobre concepção de corpo. Eles o relacionaram de tal forma,

 

Corpo é um conjunto de membros, formados por células que em conjunto formam essa estrutura física chamada corpo físico e em suas demandas, se divide em físico (órgãos e membros) e psíquico (mente) capaz de pensar e agir com autonomia. (ingressante 1)

 

É todo o meio físico que constitui o meu eu. Na visão de mundo o corpo seria uma espécie de embalagem de produto, ele sendo bonito, terá uma influência positiva sobre o todo. (ingressante 8)

 

 

Nota-se nos depoimentos acima, que os ingressantes possuem visões superficiais sobre a referida temática, eles veem o corpo apenas como um conjunto de estruturas que formam um físico e um ser psíquico. Também, é notório uma visão do discurso midiático, que traz o corpo humano como um mero objeto. Essas compressões são vindas do histórico dualismo corpo-alma e corpo-mente que, para Romero (2005, p. 37 apud SILVA, 2009)10, é a partir dele “que a civilização se faz e se impregna de divisões. Divisões essas, nitidamente, presentes na Educação Física de hoje. Nos dias atuais, “o corpo é um simples suporte da pessoa, um objeto dissociado do homem, uma estrutura passível de ser modificada, cujas peças podem ser substituídas”. 10

            Diante da mesma questão, os concluintes mencionaram,

 

O corpo não é somente um pedaço de carne que se move, somos corpos pensantes, dotados de sentimentos, emoções, expressões e dores (concluinte 1).

 

Corpo sujeito, que possui características individuais. Diferentes do corpo objeto massificado pela sociedade (concluinte 2).

 

Hoje tenho entendimento que o corpo tomou denotações diferentes ao longo da história, onde não é um objeto “escravo da mente”, mas sim eles correlacionam-se (concluinte 6).

 

 

Pode ser constatado que os concluintes possuem uma maior maturidade ao tratar do tema proposto, visto que eles deixam de lado o discurso midiático e partem para discussões mais aprofundadas adquiridas ao longo da vida acadêmica, em que o corpo deixa de ser apenas estruturas e ganha denotações diferentes. Como elucida Medina5 (1991, p.24), o “corpo é o próprio homem e como tal não pode ser somente um objeto, mas sim o sujeito, o produtor e o criador da história”. O corpo, como se sabe, é mutável. Ele muda e é valorizado de acordo com a época, com a idade, com as pessoas, com as culturas. Sua forma se altera a depender da situação. Além disso, as concepções de corpo foram construídas e transformadas em objeto manipulável pela produção capitalista que o evidencia a todo momento através do discurso midiático.

Depois de confrontarmos as respostas, foi observado uma visão menos ampla e poucos argumentos para uma discussão mais elaborada, por parte dos ingressantes. Em relação aos concluintes, eles conseguiram criticar e discutir os conceitos sobre corpo veiculados pela mídia, devido a sua trajetória dentro da universidade, o que proporcionou uma reflexão acerca da Educação Física.

 

Visão de corpo pela sociedade

Com base na questão, quais os modelos de corpo perfeito veiculados pela mídia? Foi possível averiguar que todos os ingressantes participantes da pesquisa conseguiram perceber e fizeram críticas à imposição, de um ideal de corpo a ser atingido, e, a transformação dele pela sociedade, em mercadoria a ser consumida, como se verifica nas falas abaixo,

 

Para a mídia, “corpo perfeito” é um corpo bem definido para homens e mulheres, com formas estruturais, magros e definidos. Se não estamos dentro dos padrões tidos como “corpo perfeito,” recebemos críticas influência na auto-estima, no comportamento é uma imposição injusta que acaba por envolver a maioria das pessoas (ingressante 1).

 

A mídia divulga um produto, que imediatamente se expande por toda a sociedade. A idéia de corpo perfeito se torna pelo exterior: seios perfeitos, sem gorduras, a beleza estética e mais importante do que a saúde [...].  (ingressante 2).

 

Os modelos de corpo veiculado pela mídia e um corpo bem definido, isso acaba prejudicando a construção da imagem corporal, que tenho em mente, onde as pessoas buscam a perfeição a cada dia, e colocando sua saúde em risco, para agrada a sociedade e ser aceita por ela (ingressante 11).

 

 

Diante da mesma temática, os concluintes relataram,

 

A mídia coloca como “corpo perfeito” aquele corpo magrinho com belas curvas, bumbum empinado, pernas torneadas, enfim um corpo malhado. Esses modelos de “corpo perfeito” não interferem em nada na construção da minha imagem corporal por que sou feliz com o corpo que tenho e ele não está dentro dos padrões que a mídia [...] (concluinte 5).

 

O corpo perfeito vinculado pela mídia se configura em um corpo objeto, onde o mesmo deve seguir os parâmetros de medidas voltados a um corpo magro [...]. (concluinte 7).

 

Além das visões e constituições estabelecidas e postas pela mídia. Em busca do corpo perfeito através da estética e está necessariamente não se coloca vinculada a melhora qualidade de vida, da saúde, do bem-estar, e sim a formação de um corpo belo e robusto (concluinte 8).

 

A mídia estabelece um padrão de corpo perfeito de homens e mulheres, com formas estruturais de músculos a mostra, além de divulgar seu produto de bens de consumo, que auxiliam na busca de um corpo ideal, com o intuito de formar um corpo único. Para Nicolino et al.11 (2010), a busca por um corpo esculpido e delineado, atribui-se uma melhor aceitação social. Se este ideal não for alcançado, gera um sentimento de culpa, de irresponsabilidade, o que acaba justificando a utilização de inúmeros métodos de intervenções, sejam eles, implantes, cirurgias a laser, silicone, anabolizante e medicamentos.

Neste sentido, a cultura do corpo passou por vários momentos, ora por uma valorização excessiva, ora por uma desvalorização, como postula Medina17 (1993, p. 75-76), que “a partir do século passado, com a ascensão da burguesia, é cristalizada uma nova ordem social e sedimentada a toda escala de valores que, calçada na ideologia burguesa, determina e condiciona a cultura do corpo nessa nossa era tecnológica”. Segundo o autor, em se tratando de lucro, as ciências acabam deixando de lado a questão da qualidade de vida, pois muitos indivíduos só querem o resultado imediato de um corpo que se enquadra nos padrões de beleza, sem levar em conta as consequências.

Os relatos dos ingressantes apontam que os modelos de corpo perfeito, transmitido pela a mídia, influenciam na imagem corporal deles, apesar de ter em mente a sua própria imagem corporal. Já os concluintes, relatam que esse modelo ideal de corpo não interfere na sua imagem, pois estão satisfeitos com seu próprio corpo, demonstrando pouca influência em suas vidas, tanto que traz a questão da qualidade de vida, a saúde e o bem-estar, em destaque.

 

Como é visto o corpo pela Educação Física

Após o ingresso no curso, apenas dois ingressantes relataram que sua compreensão sobre corpo mudou com pouco tempo como universitário. Veja nas falas abaixo,

 

Acreditava que só era saudável aquele que era musculoso. Mais entrei em contanto com outras realidades e chequei ao ponto de que o corpo não é um produto, mais sim, um bem nosso (ingressante 3).

 

Agora eu reflito sobre o que é corpo. Com pouco tempo como universitário, já pude percebe dimensões de corpo que nunca havia pensado antes (ingressante 4).

 

Ao serem questionados de que forma o corpo deve ser tratado pela Educação Física, os ingressantes mencionaram,

 

Devem ser tratados de forma inclusiva, visando a melhora na qualidade na vida das pessoas, fazendo com que as pessoas mudem essa visão de que “corpo perfeito” é aquele bem definido, mas sim um corpo saudável (ingressante 1).

 

A educação física busca educar o corpo, fazer dele saudável, a postura, a força, a agilidade, o bem-estar do corpo (ingressante 3).

 

O corpo deve ser tratado como um bem-estar, saúde e não como modelo (ingressante 11).

 

É possível identificar nas falas acima, que ainda há ranços de uma visão de Educação Física com ideais higienistas, associadas a regeneração e purificação da raça, que era defensora de um corpo saudável e disciplinado, com o intuito de ter uma sociedade limpa, ordenada e moralizada.6  

Neste contexto, a Educação Física (Ginástica) surge a serviço dos interesses do modo de produção capitalista, como um meio disciplinador capaz de viabilizar a construção de novo homem, forte, viril e adestrado que atenda aos interesses da nova burguesia em ascensão. Ela deveria cuidar igualmente dos aspectos mentais, intelectuais, culturais e físicos, necessitando ser viabilizada em todas as instâncias, para a consolidação deste novo homem, seja no campo, na fábrica, na família e na escola.7

Outra resposta, mencionada pelo ingressante (7), é que a Educação Física deve abordar o corpo em toda sua totalidade. Ainda, percebe-se certa dicotomia no entendimento que esse ingressante tem sobre o corpo,

 

A Educação Física deve ser tratada em toda sua totalidade “corpo e mente” (ingressante 7).

 

 

Diante disso, a dicotomia corpo e mente ganhou força na modernidade, caracterizando um dualismo psicofísico entre a matéria (corpo) e espírito (alma). Com isso, a Educação Física trabalharia com “mexe” o corpo. Dessa forma, o corpo era compreendido como físico.18 Porém, segundo Merleaw- Ponty19 (1994), o corpo não pode ser visto como uma soma de partes, mas sim um meio de vivência e de experiências em sua integralidade.

Após o ingresso no curso, as compreensões sobre o corpo, pelos concluintes, mudaram em relação aos novos conhecimentos que são oferecidos, discutidos, levando-os a possuírem novas visões em termos de concepções e percepções de corpo, adquirindo um senso crítico mais amplo e reflexivo. Veja,

 

Pude perceber com o curso que o corpo é mais que um objeto ele se torna um sujeito a partir no momento que se percebe no mundo como se pensante (concluinte1).

 

Após o ingresso no curso passei a ter uma visão mais ampla em relação ao corpo. Entender como esse corpo é vinculado pela mídia foi construído, e compreender melhor a concepção de corpo (concluinte 9).

 

Impossível não mudar, pois novos conhecimentos são oferecidos, discutidos e novas percepções são feitas, observadas, e diante disso a compreensão sobre corpo é formada e também desenvolvida (concluinte 11).

 

 

            Os concluintes mencionam respostas com conceitos diferenciados de como corpo deve ser tratado pela Educação Física. Veja nas falas abaixo,

 

O corpo sofreu denotações diferentes através da história. Esses corpos históricos criaram elementos que foram passados por gerações, tais elementos são considerados os elementos da cultura corporal que foi produzido historicamente pelo homem devem ser acessíveis para os outros homens. A Educação Física tem o papel de disseminar de maneira pedagógica esses elementos da cultura corporal (concluinte 6).

          

A Educação Física por ser o principal elemento em que tem o “movimento” como principal foco, acaba por vincular-se integralmente ao corpo imparcial do individuo. Devendo ser tratado e discutido com características, distinções de ser para ser, sem parcialidade física e psicológica, sempre posta pela sociedade, principalmente pelo produto da mídia (concluinte 8).

 

 

 

O concluinte (6) faz uma discussão ampla sobre o corpo, desde Antiguidade até Contemporaneidade. Durante esses períodos, o corpo foi adaptando a mudanças de valores e interesses políticos, sociais e econômicos de acordo com os objetivos a serem alcançados em cada sociedade. 1-2

Percebe-se que o ser humano, através do seu corpo, pode assimilar e apropriar valores, normas e costumes sociais. Nesta perspectiva, o corpo não foge das influências culturais contidas na sociedade. Essas influências culturais de movimentos estão inseridas nos principais conceitos da Educação Física. Conceitos esses que a Educação Física deve ter na sua atuação na cultura de movimento. Segundo Daolio (2001, p. 35),20 “há que se considerar, primeiro, a história, a origem e o local daquele grupo específico e, depois, suas representações sociais, emolduradas pelas suas necessidades, seus valores e seus interesses”.

Diante disso, entende-se a Educação Física, como uma área de conhecimento da cultura corporal de movimento, tem como objetivo produzi-la, reproduzi-la, transformá-la e introduzi-la, em qualquer uma das suas modalidades, que são: os jogos, os esportes, as danças, as lutas e as ginasticas. Cada uma, dessas modalidades, possui benefícios aos seus praticantes, desde a manutenção à melhoria na qualidade de vida.

Diante dos relatos apresentados, foi verificado que ingressantes possuem uma visão de ideais higienista e uma certa dicotomia no entendimento sobre o corpo. E, os concluintes trazem argumentos amplos e reflexivos acerca do tema.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Nos relatos dos ingressantes foi perceptível perceber visões fragmentadas no que se referem ao corpo, como: estruturas físicas e psíquicas, deixando prevalecer essa dicotomia, e, respaldam muito em discursos midiáticos, não tendo maturidade para o discernimento, pelo fato de ter curto espaço de tempo de ingresso no curso.

Em relação aos concluintes, que já passaram por uma série de discussões amplas e reflexivas ao longo do curso, é garantida uma maturidade acerca do tema, deixando de lado a dicotomia estruturas física/psíquicas, que tanto prevalece nas falas dos ingressantes. Eles veem o corpo em toda sua totalidade, sabendo que não é possível dividi–lo. Além disso, os concluintes deixaram os discursos midiáticos, pois o modelo ideal de corpo não interfere na sua imagem, demonstrando pouca influência em suas vidas, tanto que traz a questão da qualidade de vida e a saúde. Isso são apontamentos de uma trajetória dentro da universidade que trazem reflexões críticas e discernimento.

Vale ressaltar, que o curso contribui muito para a formação, trazendo pensamentos e reflexões, desmistificando o que a sociedade acredita, dando aos graduandos condições de tecerem discussões mais aprofundadas, questionar e repensar criticamente as visões de corpo, presentes nesta área, e a quem ou quais interesses ela serviu e vem servindo.

Abstrai-se da pesquisa um importante papel a Educação Física questionar a função que vem assumindo na sociedade contemporânea, principalmente, frente à idolatria e fragmentação do corpo, buscando entendê-lo com base em sua construção e manifestação histórica, cultural, estética, política e social.

 

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Recebido em 25/03/2018

Correções em 25/07/2019

Aceito em 23/10/2019

      Publicado em 14/05/2020

 



[1] Especialização em Atividade Física, Saúde e Sociedade (UNEB). Bahia. Brasil. * (pris_cylla_t_l@hotmail.com).  (https://orcid.org/0000-0002-9308-7779 ).