REVISTA NORTE MINEIRA
DE ENFERMAGEM
ISSN: 2317-3092
Recebido em:
24/02/20
21
Aprovado em:
10/09/202
1
Como citar este artigo
Silva RAR, Araújo TL, Colares KTP, Galvão EL,
Silva GS, Guedes HM. Resposta de governos
locais à pan
demia do novo coronavírus no
interior de Minas Gerais. Rev Norte Mineira de
enferm. 2021; 10(1):85-93.
Autor correspondente
Roberto Allan Ribeiro Silva
Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri
Correio eletrônico: roberto.allan@ufvjm.edu.br
ARTIGO ORIGINAL
RESPOSTA DE GOVERNOS LOCAIS À PANDEMIA DO NOVO
CORONAVÍRUS NO INTERIOR DE MINAS GERAIS
Response of local governments to the new coronavírus pandemic
in Minas Gerais, Brazil
Roberto Allan Ribeiro Silva
, Thainá Letícia Araújo
, Karla Taísa Pereira Colares
, Endi Lanza Galvão
,
George Sobrinho Silva
5
, Helisamara Mota Guedes
6
.
1 Enfermeiro, Mestrando em Ensino em Saúde na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha
e Mucuri – MG, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG, BR,
roberto.allan@ufvjm.edu.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3664-2430
2 Graduanda em Enfermagem na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – MG,
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG, BR,
thaina.leticia@ufvjm.edu.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3423-7386
3 Mestra em Ensino em Saúde na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – MG,
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Janaúba, MG, BR,
karla.colares@ufvjm.edu.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1451-7938
4 Doutora em Saúde Coletiva Instituto René Rachou – MG, Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG, BR, endilanza@yahoo.com.br, ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-5648-3932
5 Doutor em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Minas Gerais – MG, Universidade
Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG, BR,
georgesobrinho@yahoo.com.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9965-6576
6 Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais – MG, Universidade Federal
dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG, BR, helisamaraguedes@gmail.com, ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-9848-4936
DOI: https://doi.org/10.46551/rnm23173092202100109
Objetivo: analisar o quão restritivas foram as medidas de distanciamento social
adotadas pelos municípios do norte de Minas Gerais, Brasil. Metodologia: Pesquisa
documental realizada nos sites oficiais das 54 prefeituras que compõem a
Superintendência Regional de Saúde de Montes Claros entre março e junho de 2020. O
grau de rigidez das medidas foi aferido pelo Índice de Medidas Legais à Distância Social
(IDS). Resultados: A rigidez de resposta média dos municípios (6,22) foi superior à
adotada pelo estado de Minas Gerais (4,4). A maior parte das medidas se concentrou no
início da pandemia, em março de 2020. Os municípios tenderam a flexibilizar o grau de
restrição das medidas, o que pode estar relacionado ao contexto epidemiológico local
ou pressões de grupos econômicos. Conclusão: as medidas de distanciamento social
foram adotadas em caráter preventivo. O grau de restrição sofreu variações ao longo do
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tempo, conforme decisões tomadas localmente
DESCRITORES: Covid-19; Pandemias; Governo Municipal; Regulamentação
Governamental; Normas
Legais.
Objective: analyze how restrictive were the measures of social distancing adopted by
municipalities in the north of Minas Gerais, Brazil. Methodology: This is documentary
research carried out on the official websites of the 54 city halls that make up the
Regional Health Superintendence of Montes Claros between March and June 2020. The
degree of rigidity of the measures was gauged by the Social Distance Legal Measures
Index (IDS). Results: The average response stiffness of the municipalities (6.22) was
higher than that adopted by the state of Minas Gerais (4.4). Most of the measures were
concentrated at the beginning of the pandemic, in March 2020. Municipalities tended to
relax the degree of restriction of measures, which may be related to the local
epidemiological context or pressure from economic groups. Conclusion: the measures of
social distancing were adopted on a preventive basis. The degree of restriction varied
over time, according to decisions made locally.
DESCRIPTORS: Covid-19; Pandemics; Local Government; Government Regulation;
Enacted Statutes
INTRODUÇÃO
Desde o surgimento na China, em dezembro de 2019, o novo coronavírus, posteriormente denominado SARS-Cov-2,
rapidamente se espalhou por todos os continentes promovendo uma grave crise sanitária global desencadeando a pandemia
da Covid-19
(1)
.
No mundo, o início da disseminação da doença acompanhou grandes centros aeroportuários e, num segundo momento,
apresentou um padrão de difusão hierárquico dos casos associado ao tamanho populacional das cidades. Ou seja, atingindo
primeiramente as cidades mais populosas e distantes entre si e, posteriormente cidades menores e mais próximas. No Brasil,
este processo de interiorização se intensificou no início do mês de abril
(2)
.
Uma vez que a disseminação da Covid-19 passou a ocorrer em grande proporção, uma parte considerável dos países
implantaram políticas de controle para se preparar e responder de forma efetiva
(3)
. Dentre estas medidas não farmacológicas
incluem medidas de proteção individual, medidas ambientais e medidas de distanciamento físico
(4)
.
No Brasil, mensagens controversas e contraditórias por parte de autoridades e da própria Presidência da República sobre as
medidas a serem tomadas interferiram negativamente no impacto das medidas de distanciamento social adotadas no
enfrentamento da pandemia
(2)
. Diante da falta de articulação com o governo federal, os governos estaduais passaram a adotar
suas próprias medidas de enfrentamento, nem sempre de modo coordenado com o posicionamento do governo federal
(2)
.
Em um cenário com informações limitadas que exige respostas rápidas no intuito de minimizar as consequências sanitárias,
sociais, econômicas e políticas pouco previsíveis em meio às incertezas e informações contraditórias. Dessa forma, a resposta
descentralizada à pandemia foi a saída do governo federal para o enfrentamento brasileiro
(4)
. Na ausência de uma política
nacional coerente, clara e ágil, governos estaduais adotaram diferentes políticas de contenção, em diferentes períodos e níveis
de restrição com alguns estados delegando cada vez mais poder às prefeituras
(5)
.
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No estado de Minas Gerais, foi implementado a partir de 30 de abril de 2020, o programa Minas Consciente, a partir do qual o
governo estadual concedeu um maior poder de decisão aos prefeitos, ao mesmo tempo em que se estabeleceu critérios mais
claros para a adoção de distanciamento social. O programa classifica os municípios em três níveis de risco e para cada
estratificação, recomenda medidas mais ou menos restritivas de modo que, a decisão em seguir ou o, respeita a autonomia
da gestão local
(6)
.
Existe uma lacuna na literatura científica sobre as medidas adotadas pelos municípios do interior do estado de Minas Gerais,
no enfrentamento da pandemia da Covid-19, enquanto maior clareza sobre as medidas implementadas em níveis
nacionais
(3,7)
e subnacionais nos estados e capitais
(5,8)
. Portanto, este trabalho tem como objetivo analisar o quão restritivas
foram as medidas de distanciamento social adotadas pelos municípios que compõem a área de jurisdição da Superintendência
Regional de Saúde (SRS) de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, através do Índice de Medidas Legais de Distanciamento
Social (IDS).
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa documental, retrospectiva, realizada nas páginas digitais oficiais das prefeituras que compõem a área
de abrangência da SRS de Montes Claros. A partir da análise documental pretende-se compreender documentos de forma a
relacioná-los com circunstâncias sociais e econômicas que envolvem determinado fato
(9)
.
A SRS de Montes Claros é a maior das três unidades regionais de saúde que compõem a Região Ampliada de Saúde do Norte de
Minas, sendo composta por 54 municípios organizados em cinco microrregiões de saúde: Montes Claros/Bocaiúva,
Janaúba/Monte Azul, Coração de Jesus, Francisco e Salinas/Taiobeiras
(9)
. Esta região é marcada por vulnerabilidades
socioeconômicas e baixos indicadores de desenvolvimento. Os municípios concentram pequena população em grande
extensão territorial, resultando em uma baixa densidade demográfica e grandes distâncias entre os municípios
(9)
. De acordo
com o último censo do IBGE
(10)
, as cidades desta região são em sua maioria de pequeno porte, sendo que 12 (22,2%) possuem
até 5.000 habitantes, 23 (42,6%) possuem de 5.000 a 10.000 habitantes, seis (11,1%) possuem de 10.000 a 20.000 habitantes,
onze (20,4%) possuem de 25.000 a 50.000 habitantes e apenas duas cidades (3,7%) possuem mais de 50.000 habitantes.
A coleta de dados consistiu no levantamento de instrumentos normativos a vel municipal disponíveis em modo público ao
dia 10 de junho de 2020 nas páginas digitais dos oficiais dos municípios. A fim de se obter maior fidedignidade nos dados,
foram incluídos neste estudo, apenas os municípios que apresentaram as normativas de maneira acessível, organizadas em
campos específicos com normativas dispostas na íntegra. As buscas e a coleta dos dados foram realizadas por dois
pesquisadores independentes e as divergências foram resolvidas por um terceiro pesquisador. Foram acessados todos os
dispositivos legais relacionados ao tema “coronavírus”, publicados nas páginas digitais oficiais das prefeituras. Após a leitura na
íntegra destes documentos, foram identificados aqueles que disciplinaram os aspectos utilizados para o cálculo do Índice de
Medidas Legais de Distanciamento Social elaborado por Moraes
(5)
.
Este índice composto mede o quão restritivas são as medidas legais de distanciamento social. Para calcular o índice neste
estudo, foram atribuídos os valores 2, 1 ou 0 conforme a suspensão ou restrição de cinco variáveis, as quais consideram: 1) se a
realização de eventos, assim como o funcionamento de estabelecimentos culturais, esportivos ou religiosos, foi suspensa; 2) se
as atividades de bares, restaurantes e similares foram suspensas; 3) se as atividades de estabelecimentos comerciais e de
serviços em geral (exceto os essenciais) foram suspensas; 4) se as aulas foram suspensas; 5) se foram introduzidas restrições ao
transporte de passageiros. Quando a restrição ou suspensão se apresentasse de forma total, foi atribuído o valor 2, quando
parcial, o valor 1, e quando inexistente foi atribuído o valor 0. Como a soma dos valores variava entre 0 e 12, assim como no
estudo de Moraes
(5)
, os valores do índice foram ajustados para uma escala mais intuitiva, variando entre 0 e 10, sendo que o
valor 10 representou os casos de maiores restrições.
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RESULTADOS
Dos 54 municípios que compõem a área de jurisdição da SRS de Montes Claros, 38 divulgaram ao menos uma medida legal
relacionada ao enfrentamento da Covid-19 em suas páginas digitais oficiais, sendo que 26 destes divulgaram apenas
instrumentos legais isolados e alguns em fragmento de modo a não possibilitar o acesso a todas medidas legais decretadas no
período de estudo. Desta forma, foram considerados elegíveis 12 municípios cuja características são apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1: Caracterização dos municípios segundo variáveis demográficas e de medidas legais. SRS de Montes Claros, 2020.
Municípios Área (km²) População
Densidade
Demográfica
(hab/km²)
Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal Medidas Legais
Coração de Jesus 2.225,22 26.602 11,7 0,642 17
Fruta de Leite 762,837 5.369 7,79 0,544 4
Jaíba 2.635,47 38.909 12,79 0,638 8
Janaúba 2.181,32 71.648 30,63 0,696 25
Lagoa dos Patos 600,547 4.102 7,04 0,634 12
Montes Claros 3.589,81 409.341 101,41 0,770 28
Ninheira 1.108,26 10.295 8,86 0,556 11
Nova Porteirinha 120,943 7.500 61,17 0,641 18
Novorizonte 271,61 5.299 18,25 0,616 25
Porteirinha 1.749,68 37.906 21,51 0,651 29
Salinas 1.862,12 41.527 20,75 0,679 25
Taiobeiras 1.220,05 34.132 25,88 0,67 28
Fonte: (IBGE 2020) e sites dos municípios.
Das 230 medidas legais publicadas, 226 eram decretos e quatro eram portarias. Deste total, 153 versavam sobre aspectos
avaliados no IDS, sendo que o funcionamento de bares e restaurantes foi o mais mencionado (71 menções), seguido pelas
restrições ao comércio não essencial (63 menções), suspensão de eventos (58 menções), atividades escolares (32 menções),
restrição ao transporte coletivo (27 menções) e por fim restrição ao funcionamento de indústrias não essenciais (4 menções).
Cabe salientar que em um mesmo decreto várias medidas de distanciamento podem ser regulamentadas.
Fruta de Leite foi o primeiro município a instituir regras para evitar aglomerações, em 13 de março de 2020. A partir do dia 16
do mesmo mês, os outros municípios começaram a implementar as medidas que se concentraram no início da pandemia: 61
(39,9%) no mês de março, 52 (34%) em abril, 26 (17%) em maio e 14 (9,2%) até o dia 10 de junho.
Quanto à intensidade das medidas adotadas, conforme se observa na Figura 1 (próxima página), o grau de restrição subiu
continuamente na segunda quinzena de março, mantendo-se por um período em níveis estáveis e a partir de maio a maioria
dos municípios seguiu uma trajetória de redução. Isto indica que: as medidas foram se tornando mais restritivas, se
mantiveram estáveis a partir de um certo ponto, e começou a ocorrer recuos, ou seja, a revogação de medidas e flexibilização
do distanciamento social.
Cada município seguiu uma dinâmica de implementação das medidas de distanciamento social diferente, mesmo de forma
descentralizada. O início da adoção das medidas foi bem próximo, entre os dias 13 e 18 de março de 2020, nesse período ainda
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não havia sido notificado nenhum caso confirmado da Covid-19 na região, o que indica que as restrições foram adotadas de
maneira preventiva.
Em alguns aspectos as políticas adotadas foram semelhantes nos municípios. Todos suspenderam as aulas desde o começo da
pandemia e continuaram com elas suspensas durante todo o período deste estudo, assim como todas suspenderam eventos,
restringiram as atividades comerciais não essenciais, bares e restaurantes. Em relação às restrições ao transporte coletivo
apenas a cidade de Lagoa dos Patos não editou nenhuma regulamentação no período estudado e apenas seis municípios
fizeram alguma regulamentação do funcionamento das indústrias não essenciais.
Figura 1: Caracterização dos índices de medidas legais de dimensionamento social dos 12 municípios. SRS de Montes Claros,
2020.
A Figura 2, próxima página, demonstra a média do grau de restrição no primeiro mês de enfrentamento da pandemia e no final
do período de coleta, do dia 25 de maio ao dia 10 de junho.
A média do IDS nos municípios foi de 6,22 sendo que a cidade com o maior índice foi Salinas com 7,73, e a menor foi Nova
Porteirinha com 4,91. Comparando-se o grau de rigor por município em dois períodos no tempo: o primeiro corresponde aos
primeiros dias logo após a introdução de medidas amplas de distanciamento social no mês de março, enquanto o segundo
corresponde aos dias mais recentes coletados, entre os dias 25 de maio de 10 de junho. Entre estes dois períodos, houve uma
diminuição no grau de rigor em metade das cidades e em duas cidades permaneceu o mesmo, ainda que a gravidade da
epidemia tenha crescido.
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Figura 2: Distribuição da média dos índices de medidas legais de dimensionamento social dos 12 municípios. SRS de Montes
Claros, 2020.
As cidades que apresentaram a maior variação foram Fruta de Leite que aumentou o grau de restrição em 58,1% e Janaúba
que diminuiu a restrição em 25%. Dentre os municípios que aumentaram o grau de restrição, Montes Claros era a única que
havia adotado um grau de restrição maior que a média de IDS e entre os que diminuíram o grau de restrição Novorizonte era o
único que já estava com um IDS menor que a média.
Analisando-se todo o período, percebe-se que as medidas de restrição foram implementadas inicialmente com um rigor
elevado com tendência de crescimento do grau de rigor até o final do mês de abril quando houve um platô que se estendeu na
maioria dos munícipios até meados de maio quando três cidades mantiveram o grau de rigor estável no platô, metade das
cidades apresentou tendência de queda no grau e três cidades apresentaram tendência de elevação do grau de restrição das
medidas legais.
DISCUSSÃO
Os dados coletados nos municípios do interior do norte de Minas Gerais em relação a tomada de decisões no combate à
pandemia da Covid-19 ocorreram em momentos distintos da crise epidêmica. Os municípios foram proativos, buscando-se
antecipar e reduzir o crescimento da curva de casos.
Dos municípios estudados, Fruta de Leite foi o primeiro a adotar medidas restritivas, em 13 de março, de acordo com Freitas et
al
(11)
, mesma data em que foram publicados os primeiros decretos estaduais relacionados à Covid-19 no Brasil. Os outros
municípios analisados implementaram medidas restritivas a partir do dia 16 de março junto com as primeiras medidas
adotadas pelo governo de Minas Gerais. Neste período, o estado possuía 280 casos confirmados da doença, sem confirmação
de óbitos. Após 20 dias, ocorreu o primeiro caso confirmado e óbito registrado no norte de Minas Gerais.
De acordo com dados da Secretária Estadual de Saúde de Minas Gerais
(12)
, foram registrados casos de morte em cinco das doze
cidades em estudo, três óbitos em Montes Claros sendo um em abril e dois em maio de 2020, todos os outros registros de
óbito ocorreram no mês de junho sendo dois casos em Janaúba e as outras cidades, Salinas, Nova Porteirinha e Taiobeiras, com
um óbito cada.
Quanto aos casos confirmados da doença, ainda com base nos dados da Secretária Estadual de Saúde de Minas Gerais
(12)
,
verifica-se que ao logo do período em análise (quatro cidades em estudo não apresentaram nenhum caso confirmado de
Covid-19 (Fruta de Leite, Jaíba, Lagoa dos Patos e Novorizonte) e três apresentaram um único caso ao longo do período em
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seus territórios (Coração de Jesus, Ninheira e Salinas). Dentre as outras cidades a que teve o maior número de confirmações foi
Montes Claros com 116 casos, seguida por Janaúba com 93 casos, Taiobeiras com 19 casos e Porteirinha e Nova Porteirinha
com 12 casos cada. Destes 255 casos confirmados, 189 (74,1%) foram confirmados entre os dias 25 de maio e 10 de junho.
Estes meros demonstram que o comportamento epidemiológico da Covid-19 nos municípios avaliados não foi um fator
decisivo para a implementação das medidas restritivas locais, tendo um caráter majoritariamente preventivo se espelhando
em ações de outras regiões, em estágios diferentes da pandemia.
Em comparação, o fechamento de escolas e universidades para toda a Itália iniciou-se no dia 4 de março, quando o país
tinha 2.502 casos e o fechamento do comércio foi decretado no dia 11 de março com 12.462 casos neste país
3
. Isso sugere um
aprendizado a partir do cenário mundial: a antecipação na adoção de políticas restritivas, simulou o processo adotado em
regiões/países que tiveram maior sucesso no controle epidemiológico, compatíveis com os achados científicos e
recomendações da OMS
(13)
.
Concomitantemente os municípios tiveram que redimensionar a capacidade dos serviços de saúde para atender esta nova
demanda que estaria por vir, enfrentando as dificuldades impostas pela necessidade de uma resposta rápida e falta de
coordenação nacional e também as dificuldades de operacionalização que políticas públicas implementadas e consolidadas a
décadas ainda enfrentam como a fragilidade na organização da estrutura e oferta dos serviços, características individuais e
socioeconômicas dos grupos populacionais, diferenças regionais e geográficas entre outras
(2,15)
.
No que tange à fadiga da intervenção, Moraes
(16)
, através de um modelo matemático, relacionou o índice de medidas legais de
distanciamento social e o grau de isolamento social de fato alcançado no Brasil, mesurado a partir de dados de localização de
telefones celulares, demonstrou que a cada dia adicional de medidas legais em vigor, os níveis de isolamento diminuem cerca
de 0,16 pontos percentuais o que demonstra que a efetividade das medidas de distanciamento está relacionada à duração dos
efeitos.
Um estudo italiano
(17)
identificou que a existência de uma expectativa clara sobre a duração das medidas de isolamento social e
a severidade dos custos (econômicos e psicológicos) do isolamento influenciam a intenção do público de cumpri-las.
Em decorrência da autonomia dada aos municípios mineiros, verifica-se que cada município adotou políticas que variaram em
termos de tipo, grau de rigor e de duração. De acordo com Moraes
(16)
a descentralização do enfrentamento facilita a contenção
da pandemia e minimiza custos,que pode compensar deficiências de outros veis de governo, permite que governos locais
adaptem políticas a cada contexto, visto que as medidas de enfrentamento à pandemia impactam governos e populações de
formas diferentes.
As prefeituras dos municípios estudados possuem protagonismo no enfrentamento da pandemia, apesar disso, algumas
medidas também foram implementadas pelos outros níveis de governo. Enquanto a média do índice de rigor das medidas
adotadas pelos municípios estudados foi de 6,22, no mesmo período, a média do mesmo índice no estado de Minas Gerais foi
de 4,4, resultados que corroboram o estudo de Toscano et al.
(17)
, o que sugere que os governos locais aumentaram o rigor para
compensar a falta de medidas no nível estadual.
A maioria dos municípios diminuiu o grau de rigor das medidas com o passar do tempo, o que não significa necessariamente
que a política tenha enfraquecido. Mais importante do que simplesmente suspender atividades de estabelecimentos é fazê-lo
de forma racional. No entanto, como salienta Moraes
(16)
, nem sempre essas alterações seguiram critérios epidemiológicos
estando mais sujeitos à influência da pressão de certos grupos sociais e setores da economia ou discursos de autoridades que
defendiam menor rigor nas normas de distanciamento social.
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O índice utilizado possui algumas limitações que precisam ser consideradas. Ele não é capaz de captar diversas mudanças de
comportamento na população decorrentes da pandemia e nem outras ações que impactam na contenção da epidemia. Vale
lembrar que se trata de uma avaliação de medidas formalmente implementadas. Ainda assim, apesar de suas limitações, os
resultados deste estudo evidenciam um panorama sobre como os municípios têm reagido à pandemia de Covid-19.
CONCLUSÃO
O estudo demonstra como a descentralização do enfrentamento da pandemia da Covid-19 se desenhou em cidades do interior
do estado de Minas Gerais, com resposta rápida e baseada em caráter preventivo. O grau de rigor de todos os municípios
analisados foi maior que o adotado pelo estado, o que sugere uma compensação por parte dos municípios às medidas
implementadas em nível estadual. A maior parte dos municípios apresentou tendência de flexibilização do grau de restrição, o
que pode estar relacionado à adequação com o contexto das cidades ou pressões de grupos econômicos.
A descentralização do enfrentamento e a ausência de alinhamento com o governo federal, provocou uma grande variação nas
ações tomadas nos municípios estudados, de modo que alguns foram mais radicais (Salinas), mais flexíveis (Nova Porteirinha),
ou simplesmente inexistentes (possivelmente o caso dos municípios que não divulgaram dispositivos legais).
Chama atenção ao fato de que em 16 das 54 cidades da área de abrangência da SRS de Montes Claros não foi encontrada a
divulgação de medidas legais adotadas, o que deixa dúvida sobre o enfrentamento da pandemia nestes territórios. Isso não
significa que não adotaram medidas nestas localidades, mas pode caracterizar uma fragilidade na comunicação efetiva das
políticas adotadas, que é essencial para um melhor controle da pandemia e resposta da população às iniciativas
governamentais.
Por fim, este estudo mostra que governos locais desempenharam um papel fundamental no enfrentamento da pandemia. A
descentralização da tomada de decisões por um lado fortaleceu a autonomia dos municípios, fazendo com que as decisões
fossem mais alinhadas com cada realidade. Por outro lado, não se pode garantir que as meditas adotadas com maior ou menor
rigor tenham seguido a devida orientação técnica e epidemiologia, estando mais sujeitas a influência de atores externos.
A partir destes dados, espera-se que possa contribuir para direcionar o planejamento das políticas públicas na região
referentes ao enfrentamento da pandemia, observando as peculiaridades das necessidades locais. Novos estudos são
necessários para avaliar a resposta da população a estas medidas, visto que cada população responde às políticas de
distanciamento de formas diferentes, em alguns casos são necessárias doses maiores de rigor para atingir o mesmo nível de
isolamento social que doses menores em outros cenários.
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