REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM

ISSN: 2317-3092

 

 

Recebido em:

13/04/2020

Aprovado em:

08/06/2020

Como citar este artigo

 

Souza RG, Menezes MSD, Castro PS, Carneiro JA, Pinho L, Caldeira AP. Atraso do desenvolvimento neuropsicomotor entre recém-nascidos de alto risco acompanhados em um ambulatório de seguimento. Rev Norte Mineira de enferm. 2020; 9(1):57-66.

Autor correspondente

 

Antônio Prates Caldeira.

Universidade Estadual de Montes Claros

Correio eletrônico: antonio.caldeira@unimontes.br

 

 

 

ARTIGO ORIGINAL

ATRASO DO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR ENTRE RECÉM-NASCIDOS DE ALTO RISCO ACOMPANHADOS EM UM AMBULATÓRIO DE SEGUIMENTO

 

Delay of neuropsychomotor development among high-risk newborns accompanied in a follow-up ambulatory

Rafael Gomes Souza1, Micheline Soares Diniz Menezes2, Patrícia Soares Castro3, Jair Almeida Carneiro4, Lucineia de Pinho5, Antônio Prates Caldeira6.

 

1 Graduando de Enfermagem pela Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, BR; rafaelgsjp@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0532-857X;

2 Médica. Especialista em Pediatria e Neonatologia pelo Hospital Governador Israel Pinheiro; Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, BR; micheline.menezes@yahoo.com.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4316-3689;

3 Médica. Mestre em Cuidado Primário em Saúde pela Universidade Estadual de Montes Claros, Centro Universitário FIPMoc, Montes Claros, MG, BR; patcastro83@hotmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5364-4737;

4 Médico. Doutor em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Montes Claros; Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, BR; jairjota@yahoo.com.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9501-918X;

5 Nutricionista. Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Montes Claros; Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, BR; lucineiapinho@hotmail.com, ORC

6 Médico. Doutor em Pediatria pela Universidade Federal de Minas Gerais; Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, BR; antonio.caldeira@unimontes.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9990-9083;

 

Fonte de incentivo: Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG (APQ:02030/15).

 

DOI: https://doi.org/10.46551/rnm23173092202090107

 

 

 

Objetivoestimar a prevalência de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (DNMP) e identificar fatores associados em ambulatório de seguimento de recém-nascidos de alto risco. Métodos: Estudo transversal e analítico com coleta de dados em prontuários de crianças egressas de unidades de terapia infantil neonatal (UTIN), com eventuais entrevistas às mães. O atraso no DNPM foi considerado a partir do registro em prontuário, avaliado pela escala de Denver II. Também foram coletadas informações sobre condições de gestação e estadia na UTIN. Foram realizadas análises bivariadas seguidas de análise de regressão de Poisson. Resultados: Foram coletadas informações de  282 crianças aos 12 meses de idade gestacional corrigida, sendo que 100 (35,5%) apresentaram atraso do DNPM. As variáveis associadas foram o peso de nascimento <1500 gramas e a reanimação em sala de parto.

 

Conclusão: Registrou-se elevada prevalência de atraso do DNPM, com ênfase para crianças de muito baixo peso e com sofrimento fetal agudo.

 

DESCRITORES: Recém-nascido prematuro; desenvolvimento infantil; fatores de risco.

 

Objective: to estimate the prevalence of neuropsychomotor development (NPMD) delay (DNMP) and to identify associated factors in an outpatient follow-up clinic for high-risk newborns. Methods: Cross-sectional and analytical study with data collection from medical records of children discharged from neonatal child therapy units (NICU), with possible interviews with mothers. The NPMD delay was considered from medical records, evaluated by the Denver II scale. Information on pregnancy conditions and NICU stay was also collected. Bivariate analyzes were performed followed by Poisson regression analysis. Results: We collected data from 282 children at 12 months of corrected gestational age, with 100 (35.5%) showing delayed NPMD. The associated variables were birth weight <1500 grams and resuscitation in the delivery room. Conclusion: There was a high prevalence of DNPM delay, with an emphasis on very low weight children and those with acute fetal distress.

 

KEYWORDS: Infant premature; child development; risk factors.

 

INTRODUÇÃO

 

Os avanços tecnológicos e a melhoria dos cuidados implementados para assistência imediata ao recém-nascido, tanto nas salas de parto como nas Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) têm auxiliado na redução das taxas de mortalidade e propiciado a sobrevida de crianças cada vez mais prematuras(1,2). Todavia, a sobrevida para muitas crianças não implica em qualidade de vida, e se associa a um elevado número de sequelas(3,4).

 

A prematuridade por si já representa um importante fator de risco para complicações diversas e comprometimento do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) e da saúde mental da criança(3,5). Além disso, as intercorrências próprias do período neonatal podem complicar ainda mais a imaturidade neurológica de recém-nascidos prematuros(6). As UTIN são efetivas em prover cuidados intensivos oportunos e efetivos para a vida do recém-nascidos prematuros, mas, ao mesmo tempo, representam um ambiente potencialmente nocivo para esse grupo, considerando a estimulação e manipulação excessivas(3).

 

Em função dos potenciais impactos da prematuridade e das intervenções recebidas no período neonatal, é desejável que as crianças nascidas prematuramente sejam adequadamente acompanhadas em ambulatórios específicos(7,8). Esses espaços, reconhecidos como ambulatórios de follow-up ou ambulatórios de seguimento, e devem contar com equipe multiprofissional para oferecer cuidados contínuos e oportunos às crianças e suas famílias, com acompanhamento do crescimento e desenvolvimento global das crianças e identificação e possíveis intercorrências(8). 

 

 

 

Na região norte de Minas Gerais, para uma área extensa que inclui mais de 80 municípios, existe um único centro de seguimento de recém-nascidos prematuros egressos de UTIN. Não existem estudos na região sobre esse grupo populacional, com ênfase no desenvolvimento dessas crianças. O presente estudo teve como objetivo estimar a prevalência de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor e identificar fatores associados para crianças no primeiro ano de vida entre recém-nascidos de alto risco acompanhados pelo ambulatório de seguimento de recém-nascidos de alto risco do norte de Minas Gerais.

 

MÉTODOS

 

Trata-se de um estudo transversal e analítico, com dados de crianças acompanhadas no ambulatório de seguimento de recém-nascidos de alto risco, em Montes Claros. Foram elegíveis para este estudo crianças acompanhadas ao longo do primeiro ano de vida no período de julho de 2014 a junho de 2018.

 

A coleta de dados foi realizada por meio de busca e análise dos prontuários ambulatoriais, entrevistas com as mães e, eventualmente, foram feitas consultas aos prontuários hospitalares, para completude de dados ausentes. Além das informações referentes ao atraso do DNPM (variável resposta), o instrumento de coleta de dados continha ainda dados definidos a partir dos objetivos específicos do estudo abordando características demográficas, sociais, condições de gestação e parto e intercorrências no pós-parto, inclusive durante a permanência na UTIN. A coleta desses dados foi realizada por estudantes de medicina e de enfermagem, especialmente treinados para identificação dos dados em prontuários e conduzida entre março a dezembro de 2018.

 

O registro de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor para o grupo estudado foi aferido a partir da avaliação clínica e desempenho no Teste de Triagem de Denver II(9). Todas as avaliações foram realizadas pela médica responsável pelo serviço de Follow-up, neonatologista com experiência em terapia intensiva neonatal. O Teste de Triagem de Denver II é o mais frequente método utilizado na prática pediátrica, sendo de fácil aplicação. Consiste na identificação de marcos de desenvolvimento que são divididos em quatro dimensões: a) motor grosseiro, que avalia grandes grupos musculares e a capacidade de controle motor corporal global para sentar, ficar de pé sem apoio, andar etc.; b)  motor fino: que avalia grupos musculares envolvidos com movimentos mais delicados, incluindo habilidades de pinçar, manipular e/ou empilhar pequenos objetos, por exemplo;  coordenação olho/mão, manipulação de pequenos objetos; c) linguagem: que representa a interação comunicada por meio da produção de som e/ou capacidade de reconhecer e usar a linguagem; e d) pessoal/social: que avalia aspectos da interação social da criança com o ambiente, incluindo capacidade de reconhecer os pais ou apresentar um sorriso social. Na avaliação do DNPM considerou-se atraso quando a criança acompanhada não realizava dois ou mais itens da escala que são referidos/realizados por mais de 90% das crianças da mesma faixa etária.

 

A seleção dos prontuários foi realizada de forma aleatória, considerando como critério de inclusão, o acompanhamento no serviço ao longo do primeiro ano de vida, nos últimos cinco anos de acompanhamento (2014 a 2018). Não houve cálculo amostral. Foram inseridos no estudo todos os prontuários e fichas de atendimentos de crianças que se enquadravam no critério de inclusão do estudo. Foram excluídos prontuários de crianças portadoras de malformações graves.

 

 

Todos os dados coletados foram codificados e analisados através do software IBM-SPSS for Windows versão 22.0. Além de distribuição de frequência simples das variáveis estudadas, foram realizadas análises bivariadas e as variáveis que se mostraram associadas ao atraso do DNPM até o nível de 20% (p<0,20), foram avaliadas de forma conjunta em análise de regressão de Poisson, com variância robusta. Para a etapa final da análise múltipla, assumiu-se o nível de significância de 5% (p<0,05).

 

O projeto da pesquisa foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sede do estudo, conforme o Parecer nº 1.800.915.

 

RESULTADOS

 

Foram avaliados os dados de 282 crianças que realizaram acompanhamento no ambulatório de seguimento do município. Para o grupo estudado, houve ligeiro predomínio do sexo masculino (53,9%). A maior parte das mães era multípara (58,2%) e muitas delas registraram intercorrências durante a gestação, sendo que a hipertensão arterial foi a mais citada (35,8%). A principal via de parto foi a cesariana (67,7%). Cerca de um quinto dos recém-nascidos foi classificado como pré-termo de extremo baixo peso e quase 40% do grupo tinha registro de peso de nascimento entre 1000 e 1499 gramas. Mais de dois terços das crianças acompanhadas tinham idade gestacional de até 32 semanas (70,9%) (Tabela 1).

 

Tabela 1: Caraterísticas das condições de gestação e nascimento de recém-nascidos acompanhados em ambulatório de alto risco; Montes Claros (MG), 2014-2018.

 

Variáveis

(n)

(%)

Sexo

 

 

     Masculino

152

53,9

     Feminino

130

46,1

Paridade materna

 

 

     Primípara

118

41,8

     Multípara

164

58,2

Intercorrências maternas na gestação

 

 

     Sim

154

54,6

     Não

128

45,4

Hipertensão arterial durante a gestação

 

 

     Sim

101

35,8

     Não

181

64,2

Tipo de parto

 

 

     Normal

91

32,3

     Cesárea

191

67,7

Idade gestacional (semanas)

 

 

     25-28

71

25,2

     29-32

129

45,7

     ≥ 33

82

29,1

 

 

 

Tabela 1: Caraterísticas das condições de gestação e nascimento de recém-nascidos acompanhados em ambulatório de alto risco; Montes Claros (MG), 2014-2018 (Continuação).

 

Reanimação em sala de parto

 

 

     Sim

135

47,9

     Não

147

52,1

Peso ao nascer

 

 

     < 1000g

59

20,9

     1000-1499g

109

38,7

     1500-2499g

101

35,8

     > 2500g

13

4,6

Classificação RN

 

 

     AIG

187

66,3

     PIG

85

30,1

     GIG

10

3,5

 

A tabela 2 apresenta a distribuição de algumas das principais intercorrências apresentadas pelas crianças avaliadas durante o período de permanência nas UTIN. A sepse neonatal foi identificada para quase dois terços dos neonatos (58,9%) durante a permanência na UTIN. O uso de aminas vasoativas foi necessário para aproximadamente um terço dos neonatos (32,3%). Os distúrbios respiratórios foram os mais prevalentes, com registro de uso de oxigenioterapia igual ou superior a 15 dias para quase metade do grupo (47,9%).

 

 

Tabela 2: Principais intercorrências durante estadia na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal para recém-nascidos acompanhados em ambulatório de alto risco; Montes Claros (MG), 2014-2018.

Variáveis

(n)

(%)

Intercorrências infecciosas (sepse)

166

58,9

Anemia com necessidade de hemotransfusão

96

34,0

Instabilidade hemodinâmica, com uso de aminas vasoativas

91

32,3

Intercorrências gastrointestinais

52

18,4

Intercorrências neurológicas

51

18,1

Uso de oxigenioterapia suplementar por mais de 15 dias

135

47,9

Uso de oxigenioterapia suplementar por mais de 30 dias

64

22,7

 

A tabela 3 apresenta os resultados das análises bivariadas. As variáveis intercorrências durante a gestação, hipertensão arterial durante a gestação, reanimação em sala de parto, tempo de oxigenioterapia igual ou superior a 15 dias, uso de ventilação mecânica, peso de nascimento menor que 1500 gramas, idade gestacional menor ou igual a 32 semanas, registro de hemotransfusão e sepse no período neonatal foram avaliadas de forma conjunta pela regressão de Poisson, com variância robusta.

 

 

 

Após análise final, permaneceram com variáveis estatisticamente associadas ao atraso de DNPM aos 12 meses de idade gestacional corrigida o peso de nascimento abaixo de 1500 gramas (p<0,001; RP=1,30; IC95%=1,17-1,45) e o registro de reanimação em sala de parto (p=0,044; RP=1,07; IC95%=1,02-1,16).

 

Tabela 3Associação entre características de recém-nascidos prematuros e atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (análises bivariadas), em ambulatório de seguimento de alto risco; Montes Claros (MG), 2014-2018.

Variável

Atraso DNPM

p-valor

OR (IC 95%)

Bruto

 

 

Sim

Não

 

(n)

(%)

(n)

(%)

Sexo

 

 

 

 

0,784

 

Feminino

45

34,6

85

65,4

 

0,95 (0,70 - 1,31)

Masculino

55

36,2

97

63,8

 

1,0

Paridade materna

 

 

 

 

0,969

 

         Primípara

42

35,6

76

64,4

 

1,01 (0,73-1,39)

         Multípara

58

35,4

106

64,6

 

1,0

Tempo de bolsa rota (horas)

0,215

 

> 18 

28

41,8

39

58,2

 

1,25 (0,89- 1,75)

≤ 18

72

33,5

143

66,5

 

1,0

Tipo de parto

 

 

 

 

0,846

 

Operatório

67

35,1

124

64,9

 

0,97 (0,69 – 1,35)

Normal

33

36,3

58

63,7

 

1,0

Intercorrência na gestação

 

 

0,065

 

         Sim

38

29,7

90

70,3

 

0,74 (0,53-1,02)

         Não

62

40,3

92

59,7

 

1,0

Hipertensão na gestação

 

 

0,108

 

         Sim

42

41,6

59

58,4

 

1,30 (0,95-1,78)

         Não

58

32,0

123

68,0

 

1,0

Reanimação ao nascer

 

 

 

 

0,006

 

          Sim

59

43,7

76

56,3

 

1,57 (1,14-2,16)

          Não

41

27,9

106

72,1

 

1,0

Tempo de oxigenioterapia (dias)

0,043

 

          ≥ 15

55

40,7

80

59,3

 

1,64 (1,01-2,70)

          < 15

45

29,4

108

70,6

 

1,0

Uso de Ventilação mecânica

 

 

0,012

 

          Sim

65

41,9

90

58,1

 

1,52 (1,09-2,13)

          Não

35

27,6

92

72,4

 

1,0

Peso de nascimento (gramas)

<0,001

 

          < 1500

79

47,0

89

53,0

 

2,55 (1,68-3,88)

          ≥ 1500

21

18,4

93

81,6

 

1,0

Idade gestacional (semanas)

0,002

 

≤ 32

82

41,0

118

59,0

 

1,87 (1,20-2,90)

> 32

18

22,0

64

78,0

 

1,0

 

Tabela 3Associação entre características de recém-nascidos prematuros e atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (análises bivariadas), em ambulatório de seguimento de alto risco; Montes Claros (MG), 2014-2018 (Continuação).

 

 

Uso de aminas

 

 

 

 

0,321

 

         Sim

36

39,6

55

60,4

 

1,18 (0,86-1,63)

         Não

64

33,5

127

66,5

 

1,0

Hemotransfusão

 

 

 

 

0,096

 

         Sim

40

42,1

55

57,9

 

1,31 (0,96-1,80)

         Não

60

32,1

127

67,9

 

1,0

Sepse

 

 

 

 

0,194

 

         Sim

64

38,6

102

61,4

 

1,24 (0,89-1,73)

         Não

36

31,0

80

69,0

 

1,0

(*) OR: Odds Ratio; IC95%: Intervalo de confiança de 95%.

 

 

DISCUSSÃO

 

O presente estudo possibilitou a identificação de uma elevada prevalência de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor em crianças egressas de UTIN para a região avaliada. O acompanhados em ambulatório de seguimento, ao longo do primeiro ano de vida tem como premissa o acompanhamento de recém-nascidos de alto risco, sendo a maior parte deles prematuros. Esse grupo se caracteriza por um elevado risco de comprometimento do DNPM, nos primeiros anos de vida(2-4).

 

A literatura apresenta grande variabilidade dos dados em relação à ocorrência de atrasos do desenvolvimento para recém-nascidos prematuros. Em geral, essa variabilidade pode ser atribuída aos instrumentos utilizados para avaliação, à idade de avaliação e ao fato de se levar em consideração a correção da idade gestacional. Estudo realizado na região Central do Rio Grande do Sul, revelou que 39% de prematuros avaliados aos quatro meses apresentaram alto risco para atraso do desenvolvimento motor e esse número passou para 33% aos oito meses. Os autores destacam a importância da correção da idade gestacional(10). Percentual ainda mais elevado foi registrado em estudo realizado em Minas Gerais, onde os autores destacam percentuais acima de 45% de atrasos do desenvolvimento para recém-nascidos de baixo peso extremo(11).

 

Avaliando crianças ainda em UTIN, alguns autores identificaram que, com uma idade pós-conceptual média de 37 semanas, quase 40% das crianças nascidas prematuramente apresentaram desenvolvimento motor alterado (atípico ou suspeito)(12). Outro estudo conduzido longitudinalmente, também utilizando a escala de Dever II, registrou um percentual de aproximadamente um terço de recém-nascidos prematuros com atrasos do desenvolvimento entre o segundo e o oitavo mês de idade gestacional corrigida(13).

 

 

 

 

Em um estudo que avaliou especificamente a trajetória do desenvolvimento motor de recém-nascidos prematuros ao longo de dois anos, os autores observaram que eles apresentaram três trajetórias motoras distintas: desenvolvimento normal e estável (55%), desenvolvimento motor deteriorando-se (32%) e estável, mas persistentemente atrasado (13%). Para esses autores, os fatores perinatais, incluindo menor peso ao nascer, sexo masculino, displasia broncopulmonar moderada a grave, quadros mais graves de retinopatia da prematuridade e danos cerebrais importantes foram associados ao risco de deterioração e trajetórias persistentemente atrasadas e não foram identificadas associações com fatores socioambientais(14).

 

Em relação aos fatores associados, o presente estudo identificou que apenas peso de nascimento abaixo de 1500 gramas e o registro de reanimação em sala de parto se mostraram associados a algum atraso do DNPM aos 12 meses de idade gestacional corrigida. Em relação ao peso de nascimento, trata-se de um marcador objetivo que retrata, para os recém nascidos de muito baixo peso (menor que 1500 gramas) importante grau de prematuridade. A literatura registra que prematuridade representa o principal fator de risco para o comprometimento do DNPM e que existe uma relação inversamente proporcional entre o risco de danos ao desenvolvimento e a idade gestacional(3,15).

 

Em um estudo de metanálise que envolveu mais de 64 mil crianças, os autores concluem que a prematuridade de qualquer grau afeta o desempenho cognitivo de crianças nascidas prematuras. Registram ainda que os danos aos neurodesenvolvimento persistem em várias idades de acompanhamento(16).

 

Para o presente estudo, considerando que todo o grupo avaliado era de crianças nascidas prematuramente, o peso de nascimento passou a ser o principal marcador objetivo de maior prematuridade. Outros autores também registraram resultados similares(17). Mesmo para recém-nascidos prematuros limítrofes o peso de nascimento se mostra associado a priores resultados em avaliações do desenvolvimento motor(18). Acredita-se que recém-nascidos de baixo peso tenham apresentado dificuldades de crescimento intrauterino e que esse fato tenha repercussões na estrutura e no metabolismo cerebral dessas crianças(19).

 

Em relação à associação entre reanimação em sala de parto atraso do DNPM, entende-se que pode ser um marcador de asfixia perinatal importante, o que pode repercutir de forma danosa sobre o desenvolvimento da criança. A encefalopatia hipóxico-isquêmica em uma estreita relação com prejuízos ao DNPM. A extensão de danos cerebrais nesses casos depende do mecanismo de morte da célula nervosa, podendo levar a danos mais ou menos extensos e de longa duração(20).

 

Não foram identificadas associações entre atraso do DNPM e variáveis demográficas, sociais ou relacionadas às condições de gestação, resultado similar ao que já foi registrado em outros estudos(11,13,18). Todavia, é preciso destacar que variáveis como o número de consultas pré-natais e maior tempo de permanência na unidade de terapia intensiva e unidade neonatal foram identificados com fatores de risco em outro estudo(12). É relevante ainda considerar que os aspectos sociais são fundamentais ao longo do primeiro ano de vida da criança, especialmente daquelas nascidas prematuramente, para um bom DNPM(21).

 

 

 

 

Os resultados do presente estudo devem ser considerados a partir de algumas limitações. A primeira delas diz respeito à falta de algumas informações que não foram inseridas no estudo pelo fato da coleta de sido, em grande parte, realizada a partir de prontuários médicos. O uso de diferentes escalas para a avaliação do desenvolvimento também poderia ser considerado, como a Alberta Infant Motor Scale ou a Bayley Scales of Infant Development III, que são igualmente instrumento válidos e poderiam ser tomados para análise comparativa. Todavia, deve-se destacar a carência de estudos para a região e a possibilidade de revelar resultados desconhecidos para profissionais e gestores de saúde.

 

CONCLUSÃO

 

O presente estudo identificou uma importante parcela de crianças que, nascidas prematuramente, chegam aos 12 meses de idade gestacional corrigida com importantes atrasos no desenvolvimento. Esse fato destaca a relevância dos serviços de acompanhamento e de medidas de intervenção precoce para esse grupo populacional, cada vez mais crescente. Nesse sentido, salienta-se a importância de equipes multiprofissionais para os cuidados dessas crianças, orientando e intervindo precocemente, de modo a melhor a qualidade de vida das crianças e suas famílias.    

 

REFERÊNCIAS

 

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