REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM

ISSN: 2317-3092

 

 

Recebido em:

16/12/2019

Aprovado em:

16/03/2020

Como citar este artigo

Gráfico de linhas

 

Gautério FPF, Rocha LP, Juliano LF, Silveira RS, Carvalho DP, Gutierres ED. Fragilidades e fortalezas do trabalho de enfermeiros atuantes no perioperatório de cirurgia cardíaca. Rev Norte Mineira de enferm. 2020; 9(1):48-56.

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Autor correspondente

Gráfico de linhas

 

Laís Farias Juliano.

Universidade Federal do Rio Grande

Correio eletrônico: laisfjuliano@gmail.com

 

 

 

ARTIGO ORIGINAL

FRAGILIDADES E FORTALEZAS DO TRABALHO DE ENFERMEIROS ATUANTES NO PERIOPERATÓRIO DE CIRURGIA CARDÍACA

 

Fragilities and strengths of the work of nurses acting in the perioperative of heart surgery

 

Extraído da dissertação: Processo de trabalho do enfermeiro no período perioperatório de cirurgia cardíaca, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal do Rio Grande, 2018

Fabiane Pinho Furtado Gautério1, Laurelize Pereira Rocha2, Laís Farias Juliano3, Rosemary Silva da Silveira4, Deciane Pintanela de Carvalho5, Évilin Diniz Gutierres6.

 

1 Enfermeira. Universidade Federal do Rio Grande- FURG. Mestre em Enfermagem. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3469-0145

2 Docente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande- FURG. Doutora em Enfermagem. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9334-6550

3 Enfermeira. Universidade Federal do Rio Grande. Mestranda em Enfermagem no Programa de Pós Graduação em Enfermagem da FURG. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0593-0181

4 Docente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande- FURG. Doutora em Enfermagem. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0671-0022

5 Enfermeira. Universidade Federal do Rio Grande- FURG. Doutoranda em Enfermagem no Programa de Pós Graduação em Enfermagem da FURG. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1598- 6602

6 Enfermeira. Universidade Federal do Rio Grande- FURG. Doutoranda em Enfermagem no Programa de Pós Graduação em Enfermagem da FURG. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2263- 6520

 

 

Objetivo: conhecer a percepção do enfermeiro quanto ao processo de trabalho no período perioperatório de cirurgia cardíaca. Métodos: estudo qualitativo, exploratório e descritivo com 14 enfermeiros atuantes em um complexo hospitalar referência em cirurgia cardíaca no extremo Sul do Brasil. A coleta de dados ocorreu entre julho a agosto de 2018, por meio de entrevista semiestruturada, os registros foram submetidos à análise de conteúdo de Bardin. Resultados: emergiram duas categorias: Fragilidades encontradas por enfermeiros no processo de trabalho no período perioperatório de cirurgia cardíaca e Fortalezas vivenciadas por enfermeiros no processo de trabalho no período perioperatório de cirurgia cardíaca. Considerações finais: identificou-se como fragilidades as atribuições desempenhadas pelo enfermeiro, falta de trabalhadores, materiais e manutenção de equipamentos e preparo emocional dos pacientes; como fortalezas destacou-se a busca pelo conhecimento, a recuperação, orientações e apoio ao paciente, suporte da equipe e rotina específica das unidades.

 

DESCRITORES: Cardiologia; Trabalho; Enfermagem Perioperatória.

 

Objective: to determine nurses perception regarding the work process in the perioperative period of cardiac surgery. Methods: to perform qualitative, exploratory and descriptive studies with 14 nurses who work on cardiac surgeries in an outstanding hospital complex located in the south of Brazil. The data collection took place between July and August 2018, through semistructured interviews and the records were submitted to Bardin's content analysis. Results: there were two categories unveiled: Weaknesses & Strengths were identified in nurses during the perioperative period of cardiac surgery. Final considerations: weaknesses identified as the nurse's workload, lack of workers, material and equipment maintenance, and emotional support for patients; Meanwhile, strengths identified as the pursuit for knowledge, the patient’s recovery, guidance and support, nurses’ team support and specific routine for each hospital wing.

 

DESCRIPTORS: Cardiology; Work; Perioperative Nursing.

INTRODUÇÃO

 

A Organização Mundial de Saúde estima que até 2030, mais de 23,6 milhões de pessoas morrerão anualmente por apresentarem alguma doença cardiovascular no mundo. No Brasil essas doenças são responsáveis por cerca de 30% dos óbitos, principalmente quando relacionado ao infarto agudo do miocárdio(1). Apesar do avanço no tratamento clínico das cardiopatias e da abordagem minimamente invasiva, a cirurgia cardíaca permanece como intervenção de escolha para esses casos.

 

Entretanto, os pacientes submetidos a essas cirurgias normalmente são encaminhados para Unidades de Terapia Intensiva (UTI) no pós-operatório, diante destas cirurgias serem consideradas complexas e de grande porte(2).

 

As cirurgias cardíacas exigem das equipes de saúde planejamento de ações que visem a assistência de qualidade, tanto para a recuperação quanto para a desospitalização dos pacientes. O enfermeiro tem papel fundamental no planejamento e organização da assistência individual dos pacientes, buscando atender as necessidades de cada um deles, no período pré-operatório e pós-operatório imediato, mediato ou tardio(3).

 

A assistência de enfermagem tem como objetivo pôr em prática as ações planejadas, assegurando que o paciente receba um atendimento integral. Entre as intervenções realizadas pelo enfermeiro e pela equipe de saúde destacam-se a monitoração cardíaca, administração de líquidos, controle de diurese, controle da pressão arterial e cuidados psicossociais, como a explicação da rotina pós-operatória, redução de ansiedade e entendimento perante as limitações provenientes do procedimento cirúrgico. Além disso, também envolve incluir os familiares no cuidado, pois estes se tornam fundamentais no sucesso e efetividade da recuperação(3).

 

O enfermeiro é considerado como um gerenciador do serviço de saúde, nas instituições hospitalares promove as relações entre equipes, pois articula e interage com os diferentes trabalhadores e é identificado por importantes ações de liderança e coordenação do processo de trabalho(4).

 

Acredita-se que durante o período perioperatório de cirurgia cardíaca, o enfermeiro desenvolva atividades de diferentes complexidades e específicas de acordo com o acometimento cardíaco do paciente. Nesse contexto, este estudo teve como objetivo conhecer a percepção do enfermeiro quanto ao processo de trabalho no período perioperatório de cirurgia cardíaca.

 

METODOLOGIA

 

Estudo qualitativo, do tipo exploratório e descritivo, desenvolvido em um hospital referência em cirurgia cardíaca localizado no Sul do Brasil. Foram convidados a participar do estudo enfermeiros que desenvolviam suas atividades em quatro unidades pertencentes ao referido Complexo Hospitalar: Unidade de Internação Pré-Operatória, Unidade de Internação Pós-Operatória, Centro Cirúrgico e Unidade de Terapia Intensiva Pós-operatória (UPO).

 

Participaram do estudo 14 enfermeiros, sendo três enfermeiros administrativos, responsáveis pelo gerenciamento e organização do trabalho nas unidades, com carga horária de 40 horas semanais e 11 assistenciais com 36 horas semanais, distribuídos da seguinte maneira nas unidades: um enfermeiro administrativo e quatro enfermeiros assistenciais das unidades de internação pré e pós-operatória; um enfermeiro administrativo, um enfermeiro perfusionista e dois enfermeiros assistenciais do Centro Cirúrgico e um enfermeiro administrativo e quatro enfermeiros assistenciais da UPO.

 

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da área da Saúde, com o CAAE nº 88598818.2.0000.5324. A coleta de dados ocorreu após a autorização da instituição e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes, no período de julho a agosto de 2018, nos turnos manhã, tarde e noite.

 

Realizou-se entrevista semiestruturada individual, a partir de um roteiro contendo questões fechadas para caracterização dos participantes e questões abertas relacionadas ao processo de trabalho da Enfermagem aos pacientes em perioperatório de cirurgia cardíaca e as dificuldades e potencialidades para o desenvolvimento do trabalho. As entrevistas oportunizaram ao participante a possibilidade de falar livremente sobre o tema proposto manifestando seu ponto de vista, percepções e sentimentos sobre a temática. A identidade dos participantes foi preservada e identificada a partir da sigla ENF seguida do número referente à ordem sequencial de realização das entrevistas.

 

Os dados foram submetidos à análise de conteúdo de Bardin(5) que se configura como um conjunto de procedimentos que norteiam a interpretação das mensagens, permitindo fazer deduções sobre o conteúdo. A técnica de análise obedeceu a três etapas propostas: pré-análise, onde ocorreu a organização e exploração do material, a escolha das mensagens que foram analisadas e formulação das hipóteses; exploração do material consistindo na definição das categorias através da interpretação dos achados da pesquisa; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação, utilizando-se análise crítica e reflexiva do conteúdo.

 

RESULTADOS

 

Participaram do estudo, 14 enfermeiros, 13 deles do sexo feminino e um do sexo masculino, com idade entre 24 e 50 anos. Com relação ao tempo de atuação profissional, identificou-se o mínimo de nove meses e máximo de 24 anos de atuação. Quanto à formação, os trabalhadores relataram a continuidade de seu aperfeiçoamento: um realizou mestrado em enfermagem, um especialização em saúde do trabalhador, um especialização em atenção ao paciente crítico, urgência, emergência e UTI, cinco possuíam especialização em andamento e um possuía curso profissionalizante de perfusionista.

 

A partir da análise dos resultados elaboraram-se duas categorias: Fragilidades encontradas por enfermeiros no processo de trabalho no período perioperatório de cirurgia cardíaca; Fortalezas vivenciadas por enfermeiros no processo de trabalho no período perioperatório de cirurgia cardíaca.

 

Fragilidades encontradas por enfermeiros no processo de trabalho no período perioperatório de cirurgia cardíaca

 

Entre as fragilidades encontradas pelos enfermeiros no processo de trabalho destacaram-se a desvalorização da categoria profissional, evidenciada pelo reconhecimento inadequado do seu papel e das suas atribuições como enfermeiro, tendo em vista, que desenvolvem diversas atividades de responsabilidade de outros profissionais da equipe de saúde.

 

“A questão da desvalorização da categoria. A gente acaba se submetendo a diversas situações que muitas vezes não condizem com a formação que a gente buscou [...]. A prioridade é que entre o maior número de cirurgias e que o faturamento aumente. Mas ninguém vê a questão da qualidade.” (ENF-02)

“Particularmente aqui eu não faço serviço de enfermeiro, eu faço mais o serviço de técnico. Muitas vezes circulante, me revezo na sala com o circulante. [...] Por isso que eu digo que é mais complicada essa parte, porque eu acho que não fica bem definida a parte do enfermeiro por exemplo, o que eu faço como enfermeiro?” (ENF-09)

 

Os enfermeiros também citaram como uma fragilidade, o prédio da Instituição não possuir um Centro de Material e Esterilização no Hospital, fazendo com que p o material seja enviado para outro prédio para a realização do processo de esterilização. Além disso, os trabalhadores precisam fazer o processo de lavagem e acondicionamento do material para que o mesmo seja enviado ao setor específico. Tal fato é responsável por ocasionar a falta de materiais para realização das cirurgias, como pode ser observado nas falas a seguir:

 

“A nossa maior dificuldade aqui na cardiologia é a gente não ter um Centro de Material e Esterilização, e o Centro de Material e Esterilização do hospital não fazer os serviços para nós. Então a gente além de trabalhar nas salas, as gurias além de ser circulantes das salas quando tem uma cirurgia, elas têm que sair de sala e tem que lavar todo o material e encaminhar para o Centro de Material e Esterilização. Quando elas não tem que se disponibilizar se o material está muito contaminado a encaminhar na caixa suja e ir junto para o Centro de Material e Esterilização para fazer todo o processo de lavagem.” (ENF-01)

“Acho que não somente a função das caixas, mas também até campos, aventais essas coisas todas. Muitas vezes acaba faltando ou atrasando não por causa do nosso trabalho e sim por causa do trabalho dos outros. A gente faz o nosso e a gente tenta que os outros façam, mas muitas vezes não acontece isso, e ai [...] muitas vezes da uns estresses, do cirurgião ficar brabo que falta coisa.” (ENF-10)

 

Outro fator destacado pelos enfermeiros, que compromete as demandas de cirurgias cardíacas da instituição é a falta de materiais e de manutenção dos equipamentos para suprir as necessidades do trabalho.

 

“Tem épocas que a gente tem que poupar em luva, às vezes não tem determinado medicamento, antibiótico, aí a gente faz pedido de compra, demora um pouco pra vir, faltam determinados materiais até medicamentos por causa da crise financeira”. (ENF-05)

“Quando a gente enfrenta dificuldades em aparelhos, quando precisa de um respirador e o respirador não funcionou, tem que ligar para o colega da outra unidade. Essa parte é bem complicada. Precisa de bomba de infusão e não tem suficiente. Então e complicado isso.” (ENF-13)

“A manutenção com certeza também. Muitos aparelhos aqui que deveriam, uma vez por ano ao menos, passar por uma manutenção e isso não tem há muitos anos.” (ENF-05)

O número reduzido de trabalhadores foi identificado como uma fragilidade encontrada para o desenvolvimento do processo de trabalho, o que compromete a qualidade da assistência prestada aos pacientes e as demandas para a realização das cirurgias cardíacas.

 

 

“Como aqui a gente está sempre trabalhando com um déficit de funcionários a gente não tem condições de ficar o tempo todo acompanhando aquele paciente. Então a gente sempre solicita que obrigatoriamente tenha um familiar pelo menos na véspera da cirúrgia, que o paciente seja acompanhado de familiar por causa das medicações.” (ENF -14)

“Dificuldade com número reduzido de funcionários. Eu não posso abrir mão, o médico não vai abrir mão, a instituição não vai abrir mão isso é protocolo das Unidades de Terapias Intensivas Pós-operatórias, A gente não pode abrir mão porque todas as Unidades de Terapias Intensivas Pós-operatórias têm que ter um técnico por paciente. Então está bem difícil.” (ENF-04)

Ainda, foram relatadas como fragilidades no trabalho do enfermeiro no período perioperatório de cirurgia cardíaca: a ausência de preparo do paciente no pré-operatório, assim como o estado emocional do paciente. Ambos são apontados pelos enfermeiros como dificultadores na qualidade do cuidado, diante da ausência ou não compreensão das limitações no pós-operatório.

 

Quando o paciente faz o preparo aqui, que é bem mais raro, a gente percebe que o paciente vem mais calmo, porque eu já expliquei ou as técnicas de enfermagem já explicaram tudo o que vai acontecer [...]. Quando o paciente não sabe o que vai acontecer, eles acordam e eles já começam a se debater. Aí tem a questão do sangramento, de perder um acesso, eles tentam retirar o tubo, eles tentam arrancar o dreno. Ai às vezes por efeito da ação da anestesia tu tenta explicar o que está acontecendo e ele não entendem.” (ENF-04)

“A fragilidade para mim é o emocional deles. Eles ficam muito emocionais. A gente conversa com eles: ah porque antes eu agia de uma maneira, antes eu fazia isso e agora eu não vou poder fazer. Ai a gente começa a trabalhar com eles, começa a conversar com eles, que eles fizeram, mas vamos ter calma agora. Já passou por um processo muito mais difícil.” (ENF-03)

 

Fortalezas identificadas por enfermeiros no processo de trabalho no período perioperatório de cirurgia cardíaca

 

Entre as fortalezas evidenciadas pelos enfermeiros, destaca-se a busca pelo conhecimento através da educação continuada ou por meio da identificação de cada trabalhador com relação as suas necessidades de atualização. Os enfermeiros consideram importante adquirir conhecimentos, com a finalidade de realizar suas atribuições com mais segurança e ofertar suporte para os pacientes e equipe.

“Aqui no hospital, na instituição tem a educação continuada. Então geralmente eles fornecem cursos. O pessoal vai e faz palestras. Se a gente acha que tem alguma coisa dentro da nossa rotina e acha que o pessoal podia fazer uma palestra sobre eletrocardiograma, a gente solicita e eles promovem.” (ENF-01)

“O primordial é o conhecimento. Tu precisas saber do que se trata para antever, prever tudo o que pode acontecer, porque do contrário não há tempo hábil para corrigir. Então é necessário ter conhecimento sobre o paciente, a patologia, possíveis intercorrências, funcionamento da máquina.” (ENF-02)

“Quando eu vim para cá, aqui tem muito cateterismo e angioplastia e eu não sabia o que era e eles te perguntam. Então eu vou, eu busco, vou ler. As vezes entro em contato com alguma colega para saber algo que eu não sei. [...]  as meninas perguntam também “a essa medicação tem que diluir em quanto?’’ “tal coisa não tem, como eu faço?’’ Então a gente está sempre buscando conhecimento, e disposta a isso.” (ENF-14)

Um dos enfermeiros destacou como fortaleza, o sentimento de satisfação em ver a recuperação dos pacientes, identificando que a comunicação e o cuidado baseado no conhecimento são considerados o diferencial para uma recuperação e reabilitação mais adequada.

 

 

“Eu acho que o conhecimento, a comunicação e a tua disponibilidade de dar o teu melhor para o teu trabalho. O paciente sair daqui muito bem te deixa satisfeito. Quando o paciente acha que já não tem mais esperança para aquele, e ele consegue sair daqui bem e conversando, caminhando isso é muito gratificante para toda a equipe.” (ENF-05)

 

Os enfermeiros afirmam sobre a importância das orientações, tanto para os pacientes, quanto para os acompanhantes ou familiares, como uma fortaleza no processo de trabalho, a qual proporciona melhor recuperação e reabilitação do pós-operatório.

 

“Nós enfermeiros trabalhamos muito com a parte de orientação. Os pacientes são bem solicitantes quanto ao esclarecimento de dúvidas, a duração da cirurgia, dos riscos, das medicações, de como vai ser a função do pós-operatório na Unidade de terapia Intensiva Pós-operatória. Então eles são bem solicitantes assim quanto a essas orientações.” (ENF-14)

“Quando eles internam aqui às vezes eles não sabem que é para procedimento cirúrgico. Então passa por todo procedimento de exame, cateterismo. Eles levam aquele susto quando vão ter que ir para a cirurgia e a gente tem que passar toda orientação, tentar acalmar e explicar como é o pré-operatório, como é o pós-operatório [...]” (ENF-06)

O apoio e o suporte entre os colegas da equipe são vistos como fortalezas do processo de trabalho do enfermeiro. Assim como, a rotina e organização do trabalho, pois acreditam que o trabalho em equipe e a experiência de alguns trabalhadores no setor, permite o planejamento das atividades de assistência.

 

“A equipe que me ajudou, que eu perguntava e eles me respondiam, por que tu tens que ter humildade, e tu pergunta. Então o apoio da equipe é fundamental. Se tu não tiver o apoio da equipe tu não trabalha, e o contrário é verdadeiro.” (ENF-04)

“Eu acho que o suporte que a gente tem um no outro. A gente vai e tenta adaptar, e geralmente, a gente consegue obter sucesso [...] Às vezes duas mentes pensam melhor do que uma.” (ENF-07)

“A nossa fortaleza é a nossa rotina. Quando eles montaram o serviço aqui no hospital a equipe foi toda para o instituto em Porto Alegre para ser treinada. Então a gente mantém a mesma rotina desde que se criou a cirurgia cardíaca aqui na cardio. Então a gente tenta manter essa rotina, essa comunicação. Então acho que essa é a nossa fortaleza, as cirurgias mesmo levando de 4 à 5h. A gente já está capacitado para isso. A gente não tem correria, não gera tumulto, não gera estresse. A equipe é capacitada para atender. A gente tem essa rotina. Eu acho que essa é a nossa fortaleza. Todo mundo capacitado, a equipe treinada. Acho que a equipe tem essa educação para trabalhar na cirurgia cardíaca. Ela foi treinada pra isso.” (ENF-01)

“Na cirurgia cardiaca nós deixamos tudo já organizado para a cirurgia que vai ter no outro dia. Então quando precisa de um suporte, precisa de uma caixa de coronária, precisa de determinados materiais específicos da cirurgia cardiaca, já estão em sala. Ah precisa de cânula tamanho 32, tamanho 36. A gente tem no mínimo 3 ou 4 se essa cair no chão. A gente ter a de reposição. Então é bem organizado.” (ENF-10)

 

DISCUSSÃO

 

Entre as fragilidades encontradas pelos enfermeiros para desenvolver o processo de trabalho no período perioperatório de cirurgia cardíaca destaca-se a dificuldade em prestar a assistência, realizando atribuições que não são do enfermeiro, o que pode gerar desvalorização da profissão. Corroborando com isto, estudo(6) realizado com 91 enfermeiros em uma Unidade de Terapia Intensiva revelou que os participantes apresentaram altos níveis de exaustão emocional, despersonalização e baixo nível de realização profissional, podendo relacionar entre esses motivos a falta de incentivo e a realização de atividades que não competem a função.

 

Entre as atividades que os enfermeiros desenvolvem durante a realização de cirurgias cardíacas, evidencia-se a responsabilidade de gerenciamento da equipe, buscando o funcionamento adequado e atendimento de qualidade aos pacientes, incluindo supervisão dos cuidados, interação com a equipe multidisciplinar e controle materiais e equipamentos. Após o procedimento cirúrgico, o enfermeiro recebe o paciente na unidade pós-operatória e realiza acompanhamento contínuo, desenvolvendo procedimentos complexos em virtude da possível desestabilização do paciente, que exige cuidados imediatos e uso de tecnologias(7).

 

Os enfermeiros também relataram que o prédio da Instituição onde está situada as unidades de cardiologia, não possui um Centro de Materiais e Esterilização próprio e que necessitam realizar as atividades de limpeza dos materiais no setor e encaminhá-los para outro local da instituição, o que pode dificultar a realização de cirurgias, devido a falta de materiais disponíveis. A falta de recursos, tanto materiais quanto humanos compromete a qualidade da assistência e, concomitantemente, pode vir a interferir na segurança dos pacientes, uma vez que, ao não dispor de materiais e pela sobrecarga de trabalho pelo número inferior de trabalhadores, leva a necessidade de improvisar para que as atividades de assistência continuem sendo realizadas(8).

 

O número reduzido de trabalhadores foi identificado como uma fragilidade do processo de trabalho de cirurgia cardíaca. A equipe de enfermagem realiza as atividades em constante sobrecarga de trabalho, devido ao número reduzido de profissionais, dificuldade da delimitação dos papéis dentro da equipe, turnos excessivos de trabalho e falta de reconhecimento. O reconhecimento dessas fragilidades é um desafio, que deva ser mensurado e superado, por meio de melhorias no ambiente de trabalho(9).

 

A falta de materiais disponibilizados pela Instituição e a falta de manutenção dos equipamentos para suprir as necessidades da demanda de cirurgias cardíacas são consideradas pelos enfermeiros fragilidades no processo de trabalho. Este resultado corrobora com o estudo que evidenciou que entre as dificuldades para melhorar a segurança do paciente, está à falta de uma estrutura adequada, tendo como implicações a ausência de materiais, equipamentos velhos e instalações antigas(10). O preparo emocional dos pacientes, anterior a cirurgia, é outro aspecto relacionado a fragilidades do processo de trabalho no período perioperatório, uma vez que, o paciente que não recebe orientações, apresenta dificuldade para lidar com o seu processo de saúde e doença.

 

Destaca-se que os principais estressores percebidos pelos pacientes no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca estão relacionados aos pacientes possuírem sede, estarem com tubos ou sondas e não conseguirem dormir. As ações da equipe de saúde podem controlar esses estressores, por meio do conhecimento das necessidades dos pacientes, auxiliando na implementação de práticas que visem à redução do estresse e na educação em saúde aos pacientes(11).

 

Quanto às fortalezas identificadas no estudo, os enfermeiros referiram à busca por conhecimentos, que auxiliam na assistência ao paciente. Corroborando com isso, um estudo(12) descreveu que os enfermerios são profissionais responsáveis e possuem iniciativa na busca por atualização e aperfeiçoamento do conhecimento para a atuação em áreas de maior especificidade. Além disso, o desenvolvimento de capacitações em diferentes temáticas proporciona atualização e complementa o conhecimento dos trabalhadores, possibilitando melhor desempenho, assim como, constitui-se como uma necessidade da área da saúde, pois possui constantes mudanças e exige do enfermeiro, qualificação profissional permanente e atualização(12).

 

Neste sentido, a equipe de enfermagem envolvida no processo de trabalho deve receber treinamento adequado para o desenvolvimento adequado e de qualidade do serviço. Ademais, observa-se que ao termino da cirurgia, o enfermeiro realiza procedimentos como a conferência de compressas, a identificação de peças para anatomia patológica, o preenchimento de impressos e a organização do prontuário, a transferência do paciente para cama, o transporte e a passagem de plantão para UTI que são de suma importância no ambiente perioperatório(13).

 

A satisfação da recuperação do paciente também foi caracterizada como uma fortaleza do processo de trabalho, e a equipe de enfermagem é considerada fundamental neste cuidado, pois são os trabalhadores que lidam direta e continuamente com o paciente. Estudo(14) afirma que a atuação do enfermeiro é o diferencial no pós-operatório para a recuperação do paciente, no entanto, são necessários, recursos materiais e humanos adequados, equipe capacitada, com embasamento científico e habilidades necessárias para o cuidado do paciente em período perioperatório de cirurgia cardíaca.

 

Os enfermeiros reafirmam que as orientações realizadas para o paciente compreendem uma fortaleza para o desenvolvimento do processo no período perioperatório de cirurgia cardíaca. Outro estudo(15) destaca que educar o paciente é responsabilidade do enfermeiro e da equipe de enfermagem, para tanto, deve-se realizar uma avaliação da compreensão que os pacientes possuem sobre a doença e assim, desenvolver um plano de ensino, que vise à troca de conhecimentos. Na cirurgia cardíaca, são temas fundamentais, a educação, a fisiopatologia, a importância do equilíbrio hídrico, dieta hipossódica e identificação de sinais de sobrecarga hídrica.

 

Por fim, os enfermeiros evidenciaram como fortalezas, o apoio e suporte da equipe e a rotina já estabelecida na instituição, como elementos que contribuem para a integração do enfermeiro no local de trabalho e qualificam a assistência prestada. Destaca-se que para a atuação dos enfermeiros em unidades de cirurgia cardíaca, é necessário à realização de um treinamento admissional, posterior a isso, o trabalhador é acompanhado para adaptação ao cotidiano do serviço, o que pode ser realizado por meio de educação continuada(7).

 

Desta forma, o trabalho em equipe pode ser qualificado, por meio de elementos constitutivos, como a comunicação, que é compreendida como transversal entre os demais elementos, a confiança e vínculo, os quais podem relacionar-se ao tempo de trabalho com a mesma equipe. Assim como, o compartilhamento de experiências positivas conjuntas, respeito, reconhecimento do trabalho do outro e colaboração, que se fortalecem pela participação do trabalhador em discutir diferentes opiniões(16).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este estudo identificou as fragilidades e fortalezadas encontradas pelos enfermeiros em desenvolver o processo de trabalho no período perioperatório de cirurgia cardíaca, entre as fragilidades, destacam-se a desvalorização profissional, pelo fato dos enfermeiros desempenharem funções diferentes das suas atribuições profissionais. Além do déficit de trabalhadores, que podem comprometer a qualidade da assistência, a falta de materiais e manutenção de equipamentos, responsáveis por adiamento de procedimentos cirúrgicos e o preparo adequado do paciente, que envolve o conhecimento acerca do pós-operatório de cirúrgica cardíaca.

 

As fortalezas evidenciadas pelos enfermeiros estão relacionadas à busca constante de conhecimento, por meio de educação continuada e que fundamenta a prática de enfermagem. Assim como, a recuperação do paciente e a realização de orientações no período perioperatório, que são responsáveis por empoderar o paciente para o cuidado. E, por fim, o desenvolvimento das atividades de assistência com apoio e suporte da equipe e a rotina organizada e específica da instituição.

 

As fragilidades do processo de trabalho, que podem interferir na qualidade da assistência prestada e na qualidade de vida do trabalho do enfermeiro, podem ser superadas focando nas fortalezas também presentes no processo de trabalho. Para isso, a discussão acerca da temática deve ocorrer tanto durante a formação profissional, quanto continuamente entre os trabalhadores nas instituições de saúde, de forma que os enfermeiros desenvolvam o processo de trabalho em período perioperatório de cirurgia cardíaca com qualidade.

 

Declaramos que não há conflitos de interesse.

 

REFERÊNCIAS

 

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