REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM

ISSN: 2317-3092

 

 

Recebido em:

11/02/2020

Aprovado em:

16/03/2020

Como citar este artigo

Gráfico de linhas

 

Souza RP, Zanin L, Motta RHL, Ramacciato JC, Flório FM. Parada cardiorrespiratória: avaliação teórica das condutas emergenciais de pessoas leigas. Rev Norte Mineira de enferm. 2020; 9(1):29-39.

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Autor correspondente

Gráfico de linhas

 

Flávia Martão Flório.

Faculdade São Leopoldo Mandic, Campinas, SP Correio eletrônico: flavia.florio@slmandic.edu.br

 

 

 

ARTIGO ORIGINAL

PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA: AVALIAÇÃO TEÓRICA DAS CONDUTAS EMERGENCIAIS DE PESSOAS LEIGAS

 

Cardipulmonary resuscitation: theoretical evaluation of emergency conduct of lay people

Reginaldo Pereira de Souza1, Luciane Zanin2, Rogério Heládio Lopes Motta3, Juliana Cama Ramacciato4, Flávia Martão Flório5.

 

 

1 Enfermeiro. Mestre em Saúde Coletiva. Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade São Leopoldo Mandic, Campinas, SP, Brasil; Faculdade de Enfermagem – Universidade do Estado de Mato Grosso. http://orcid.org/0000-0003-1979-3269

2 Cirurgiã-dentista. Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade São Leopoldo Mandic, Campinas, SP, Brasil. http://orcid.org/0000-0003-0218-9313

3 Cirurgião-dentista. Departamento de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica Medicamentosa Médicas, Faculdade São Leopoldo Mandic, Campinas, SP, Brasil. http://orcid.org/0000-0002-6983-7883

4 Cirurgiã-dentista. Departamento de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica Medicamentosa Médicas, Faculdade São Leopoldo Mandic, Campinas, SP, Brasil. http://orcid.org/0000-0002-3081-1504

5 Cirurgiã-dentista. Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade São Leopoldo Mandic, Campinas, SP, Brasil. http://orcid.org/0000-0001-7742-0255

 

 

 

Objetivo: avaliar o conhecimento e condutas relatadas por leigos frente a uma situação de parada cardiorrespiratória (PCR) em vítima adulta, considerando a vigente diretriz da American Heart Association (2015). Métodos: Estudo quantitativo, transversal, de caráter descritivo. Amostra probabilística, com representatividade municipal, de 397 transeuntes respondeu questionário estruturado pré testado. Resultados: Os respondentes tinham idade média de 31,1 (±11,9) anos e a maioria possuía ensino médio completo e/ou ensino superior incompleto (71,8%). A identificação teórica da PCR foi respondida corretamente por 51,6% dos participantes e 41,8% acertaram sobre as ações mais importantes de Suporte Básico de Vida (SBV) no adulto. O local da compressão no tórax foi respondido corretamente por 72,8% embora a minoria tenha referido corretamente a profundidade (11,3%) e o número de compressões (9,8%). Conclusão: Os participantes possuem conhecimentos limitados sobre o SBV e uso do desfibrilador externo automático (DEA), e diante de uma situação real, poderiam comprometer o prognóstico das vítimas de PCR.

 

Descritores: Parada Cardíaca; Reanimação Cardiopulmonar; Socorristas; Parada Cardíaca Extra-Hospitalar; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde.

 

Objective: to evaluate the knowledge and attitude of lay rescuers during a sudden cardiac arrest (SCA) in adults based on the current guidelines of basic life support (BLS) of the American Heart Association (2015). Methods: the study design was transversal, observational and descriptive. Probabilistic sample with local representation in which a total of 397 passers-by answered a pre-tested structured questionnaire. Results: The average age of the respondents was 31,1 (±11,9) years and the majority had completed high school education and/or had incomplete higher education (71.8%). The theoretical identification of cardiorespiratory arrest was correct for 51.6% of the participants and 41.8% answered appropriately about the most important actions of BLS in adults. The site of hand position to achieve a good quality compression was correct in 72.8%, although only 11.3% answered properly about depth of the compressions and rate (9.8%). Conclusion: the participants have limited knowledge about BLS and automated external defibrillator (AED), and when faced with a real situation they could compromise the prognosis of victims of cardiorespiratory arrest.

 

Keywords: Heart Arrest; Cardiopulmonary Resuscitation, Emergency Responders; Out-of-Hospital Cardiac Arrest; Health Knowledge, Attitudes, Practice.

INTRODUÇÃO

 

As doenças cardiovasculares representam a principal causa de óbito no mundo. Dados de 2015, mostram que aproximadamente 40 milhões de mortes ocorreram devido a doenças não transmissíveis (DNT), representando 70% do total de 56 milhões mortes, e as doenças cardiovasculares representaram 45% de todos estes eventos1. Dois terços de mortes súbitas ocorrem em ambientes extra hospitalares, o que representa uma parada cardiorrespiratória (PCR) a cada 1000 pessoas no ambiente comunitário a cada ano2.

 

A PCR, intercorrência inesperada que constitui grande ameaça à vida3, permanece como um problema mundial de saúde pública e caracteriza-se pela interrupção da atividade mecânica cardíaca, pulmonar e cerebral que em conjunto promovem perda da responsividade e ausência de batimentos cardíacos e respiração4.

 

No Brasil, os avanços se estendem à legislação sobre acesso público à desfibrilação e obrigatoriedade de disponibilização de desfibriladores externos automáticos (DEAs), bem como no treinamento em  ressuscitação cardiopulmonar (RCP), podendo-se estimar cerca  de 200.000 PCRs ao ano, das quais metade ocorre em ambientes como  residências,  shopping centers, aeroportos, estádios5. Em 2011 foi lançado o Plano Nacional de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) 2011-2022 e para a prevenção da morbimortalidade das doenças do coração, foram organizadas e implementadas, dentre outras, ações para a melhora no diagnóstico, prevenção e tratamento da hipertensão arterial sistêmica e o diabetes, bem como o controle e orientação sobre o tabagismo, o consumo de álcool, a alimentação inadequada, o sedentarismo e a obesidade6.

 

Apesar destes esforços, muitas vidas ainda são perdidas todos os anos no Brasil, relacionadas às doenças cardíacas que evoluem em paradas cardiorrespiratórias5. Assim, o reconhecimento e identificação pelo leigo na comunidade é imperativo visto que a chance de sobreviver está diretamente relacionada ao atendimento rápido, seguro e eficaz7.

A assistência prestada no atendimento pré-hospitalar é de suma importância sendo estimado que o índice de sobrevivência do indivíduo seja reduzido entre 7 a 10% para cada minuto de espera sem assistência2. Porém, quando há intervenção, a taxa de sobrevida é de 75% nos primeiros quatro minutos, 15% entre quatro e 12 minutos e apenas 5% após 15 minutos8.

 

Com base no exposto, a Sociedade Brasileira de Cardiologia ressalta a importância da educação, implementação e treinamento da população para que o início da cadeia de sobrevivência seja precoce, conforme enfatizado na I Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência5. Neste mesmo documento, destaca-se que infelizmente, as habilidades adquiridas após um treinamento em RCP podem ser perdidas em tempo muito curto (3 a 6 meses), caso  não  utilizadas  ou  praticadas, o que reforça  a  necessidade da simplificação do treinamento para leigos com o intuito  de  que  aspectos  importantes  e  de  impacto  nos  desfechos  tenham  maior  chance  de  ser  retidos  por  maiores intervalos de tempos5.

 

Desta maneira é primordial o conhecimento e habilidade técnica-científica visando a rápida recuperação, diminuição do sofrimento e ocorrência mínima de sequelas para o paciente3. Entretanto, um problema muito comum na comunidade é a dificuldade em reconhecer os sintomas correspondentes a um evento trágico como a PCR, levando à demora nas ações em reanimação cardiopulmonar e desta maneira promovendo sequelas neurológicas graves e antecipando o fim da vida4,9. O desfecho das vítimas de PCR na comunidade somente será favorável se a RCP for iniciada precocemente por pessoas da própria comunidade e posteriormente por profissionais capacitados e receber um suporte avançado de vida no pré-hospitalar e em centros de referências7.

 

Embora a literatura apresente estudos realizados em cidades brasileiras que demonstraram que o público leigo avaliado apresentou conhecimento incompleto ou incorreto sobre o atendimento à pessoas desacordadas e/ou em parada cardiorrespiratória10-11, ainda são escassos os estudos recentes sobre o tema realizados em outras regiões do Brasil. Adicionalmente, nenhum destes estudos considerou o conhecimento do leigo de acordo com o mais recente protocolo da American Heart Association (AHA)12, o que direcionou a realização do presente estudo. Neste contexto, o objetivo do presente estudo foi avaliar o conhecimento e condutas teóricas relatados por leigos frente a uma situação de parada cardiorrespiratória (PCR) em vítima adulta, considerando as vigentes diretrizes da American Heart Association, publicadas em 2015.

 

MÉTODOS

 

Trata-se de um estudo quantitativo, transversal, de caráter descritivo. A coleta de dados foi realizada em março de 2017, em município de médio porte localizado na região centro-oeste do país (Mato Grosso), que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentava, em 2019, uma população estimada de 94.376 habitantes, IDH considerado médio (0,708) e 97,8% de taxa de escolarização de 6 a 14 anos.

 

A amostra deste estudo foi probabilística. Para o cálculo amostral foi considerada a população do município, que conforme dados do IBGE apresentava, em 2017 uma população de 60.764 pessoas com mais de 18 anos. Estabeleceu-se a prevalência de 50%, já que este valor possibilita o maior grau de variância, correspondendo ao tamanho mínimo aceito para a amostra ser representativa da população, com nível de confiança de 95%, precisão de 5% resultando em um tamanho amostral mínimo de 382 transeuntes.

 

Os transeuntes foram aleatoriamente abordados no perímetro urbano em locais de grande circulação, como praças, pronto atendimento médico, feira livre e nas imediações de uma universidade pública da cidade e participaram do estudo após aceite e confirmação da adequação aos critérios de inclusão pré-estabelecidos: idade superior a 18 anos, não fossem estudantes da área da saúde, profissionais de saúde e militares11,13. Excluiu-se os participantes que não responderam à todas as perguntas.

 

A equipe de pesquisa foi constituída por seis pesquisadoras que foram calibradas em duas reuniões previamente agendadas quanto às condutas para a realização da abordagem dos transeuntes e comportamento durante a coleta de dados. A abordagem ao transeunte respeitou as seguintes etapas: apresentação, execução e conclusão, seguindo as orientações que constam no Plano de Ações de Serviços de Saúde para pesquisa de usuários do Sistema Único de Saude (SUS)14.

 

A apresentação se deu em abordar, cumprimentar, se apresentar, e expor o conteúdo incluindo os principais benefícios para o transeunte e a solicitação da sua colaboração no estudo. Todos os que decidiram participar foram convidados para assinar o Termo de Conhecimento Livre e Esclarecido. O participante foi informado de que poderia interromper a sua participação a qualquer momento e tirar dúvidas sobre a formulação das questões a serem respondidas antes de qualquer apontamento no questionário.

 

A etapa da execução ocorreu por meio do fornecimento de informações sobre o questionário e o número de perguntas. O instrumento de coleta de dados foi baseado no utilizado em estudo anterior13 e atualizado segundo a mais recente diretriz em reanimação da American Heart Association12, que contemplou, para leigos, a eliminação de avaliação de presença de respiração bem como da manobra de ventilação; incluiu-se a verificação simultânea da responsividade e respiração ausente ou apenas agônica (gasping), devendo-se nestes casos presumir PCR e tomar três atitudes: acionar o serviço médico de emergência, pedir o desfibrilador e iniciar compressões sem interrupções em ritmo de 100 a 120 por minuto. Após estas adaptações no instrumento original, o novo instrumento passou por um pré-teste para que as perguntas fossem avaliadas quanto a pertinência, objetividade e qualidade por dois médicos especialistas emergencistas, dois profissionais do Corpo de Bombeiros e quatro leigos.

 

O instrumento de avaliação de conhecimento e de condutas teóricas diante de uma parada cardiorrespiratória contemplou dois eixos: no primeiro buscou-se identificar o perfil sócio demográfico do participante (idade, sexo, escolaridade e ocupação). O segundo contemplou a investigação téorica do conhecimento e das condutas que seriam adotadas sobre o suporte básico de vida na vítima adulta, em sete questões de múltipla escolha, organizadas em 3 blocos relacionados ao conhecimento sobre a identificação de uma PCR no adulto; as condutas que seriam adotadas após a identificação de uma PCR em vítima adulta na comunidade, envolvendo a decisão em realizar ou não compressões no tórax e o consequente conhecimento relacionado à esta conduta além do entendimento sobre o desfibrilador externo automático e sobre qual serviço acionar para solicitar socorro.

 

Cada pergunta continha quatro opções de respostas sendo que apenas uma era a correta segundo a AHA12 e em todas as questões incluiu-se a opção “não sei responder”. O entrevistado pontuava com um X a opção adequada ao seu entendimento.

Finalizava-se com um agradecimento e entrega de um folder ilustrativo com orientações gerais sobre as principais recomendações para RCP no adulto.

 

Os dados foram analisados e tabulados utilizando ferramentas do Microsoft Office Excel 2010, utilizando a estatística descritiva por meio de média, desvio padrão, frequências absoluta e relativa. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade São Leopoldo Mandic (Campinas, São Paulo), sob parecer número 2.019.448 e CAAE 62972216.8.0000.5374.

 

RESULTADOS

 

Foram abordadas 412 pessoas sendo que 11 delas não quiseram participar do estudo em função do desinteresse com o tema e/ou ausência de disponibilidade de tempo no momento da abordagem, e 04 questionários foram excluídos por não terem respondidos todas as questões, resultando então em uma amostra de 397 transeuntes respondentes. Na tabela 1 verifica-se o perfil dos transeuntes abordados, envolvendo adultos jovens, em sua maioria estudantes com ensino médio completo e/ou ensino superior incompleto.


 

Tabela 1 - Perfil dos respondentes do questionário sobre reanimação cardiopulmonar (Cáceres – MT, Brasil, 2017).

Características

Média (± DP*) Idade em anos

Frequência absoluta

Frequência relativa

Sexo

 

 

 

Feminino

28,3±11,8

221

55,7

Masculino

33,7±12,0

176

44,3

Escolaridade

 

 

 

Médio completo ou superior incompleto

 

285

71,8

Fundamental completo ou médio incompleto

 

41

10,3

Superior completo

 

37

9,3

Sem instrução ou fundamental incompleto

 

34

8,6

Ocupação

 

 

 

Estudantes (ensino médio completo e/ou ensino superior incompleto.

 

174

43,8

Serviços Domésticos

 

30

7,6

Vendedores

 

28

7,1

Professores

 

10

2,5

Outras ocupações

 

155

39,0

* DP - desvio padrão

 

Os resultados referentes aos conhecimentos e condutas em casos de PCR estão apresentados nas tabelas a seguir e as respostas adequadas à evidência atualmente disponível estão marcadas em itálico. A tabela 2 aponta que a maioria das respostas foi a correta para as questões relacionadas à identificação da parada cardiorrespiratória (51,6%, 205) e tipo de socorro prestado por transeuntes (41,8%, 166), embora chame atenção a soma das frequências das opções incorretas e “não sei”.

 

Tabela 2 - Respostas dos transeuntes a respeito da identificação, tipo de socorro em uma parada cardiorrespiratória na comunidade na vítima adulta (Cáceres – MT, Brasil, 2017).

Características

Frequência absoluta

Frequência relativa

Identificação da parada cardiorrespiratória

 

 

Na ausência de movimentos no tórax e sem resposta aos chamados e/ou estímulos dolorosos

205

51,6

Não sei responder

82

20,7

Quando a vítima não apresenta movimentos, somente gemidos aos estímulos dolorosos

76

19,1

Fechando o nariz e boca para identificar se a vítima tem alguma reação

34

8,6

Tipo de socorro prestado por transeuntes

 

 

Chama ajuda e faz compressões (fortes e rápidas) no tórax até a chegada do socorro especializado

166

41,8

Não faço nenhuma manobra, mas encaminho-o para o pronto atendimento mais perto

118

29,7

Liga para o socorro, faz-se boca-a-boca e algumas compressões no tórax até a chegada do socorro especializado

99

24,9

Não sei responder

14

3,5

Total

397

100,0

 

A tabela 3 apresenta a descrição das respostas relacionadas às ações e/ou conhecimentos fundamentais em casos de uma parada cardiorrespiratória no adulto. Embora a maioria das pessoas tenha marcado a correta localização da compressão no tórax (72,8%, 289), a minoria soube indicar a profundidade (11,3%, 45) e o número de compressões (9,8%, 39) corretos. Sobre o desfibrilador externo automático (DEA), a minoria dos respondentes (9,3%, 37) soube apontar a resposta correta.

 

Tabela 3 - Decisão do transeunte quanto a profundidade e quantidade da compressão torácica, a localização das mãos no tórax durante e o uso do Desfibrilador Externo Automático (DEA) na reanimação cardiopulmonar no adulto (Cáceres – MT, Brasil, 2017).

Características

Frequência absoluta

Frequência relativa

Localização da compressão no tórax

 

 

No meio do peito (sobre o osso do centro do tórax)

289

72,8

Do lado esquerdo do peito

52

13,1

Não sei responder

46

11,6

Em qualquer local do peito, o importante é comprimir o tórax

10

2,5

Profundidade da compressão do tórax

 

 

Não sei responder

186

46,9

03 a 04 centímetros

118

29,7

02 centímetros

48

12,1

05 a 06 centímetros

45

11,3

Quantidade de compressões por minuto no tórax

 

 

Aproximadamente 30 vezes

208

52,4

Não sei responder

118

29,7

De 100 a 120 vezes

39

9,8

De 80 a 100 vezes

32

8,1

Conhecimento sobre o Desfibrilador Externo Automático

 

 

É um aparelho de uso exclusivo hospitalar para dar choques em vítimas de parada cardiorrespiratória

173

43,6

É um aparelho que comprime e dispara choque em tórax de vítimas de parada cardiorrespiratória

104

26,2

Não sei responder

83

20,9

Aparelho que verifica ritmo cardíaco de vítimas em parada cardiorrespiratória e quando indicado dispara choque

37

9,3

Total

397

100,0

 

Na tabela 4 pode-se notar que a maioria dos respondentes (93,2%, 370) soube responder corretamente o serviço a ser acionado em caso de PCR.

 

Tabela 4 - Onde as pessoas leigas solicitam socorro diante de uma reanimação cardiopulmonar (Cáceres – MT, Brasil, 2017).

Opção de solicitar socorro do transeunte

Frequência absoluta

Frequência relativa

192 Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) ou 193 Corpo de Bombeiros

370

93,2

Para o hospital mais próximo

17

4,3

190 Polícia militar

6

1,5

Não sei responder

4

1,0

Total

397

100,0

 

 

DISCUSSÃO

 

Identificou-se na presente investigação que embora os leigos tenham demonstrado conhecer conceitualmente alguns aspectos do atendimento da PCR e manobras de RCP, as respostas relacionadas às condutas relatadas para a ressuscitação, apontam que estas seriam realizadas de forma incorreta, levando inevitavelmente ao prognóstico indesejável e com risco de sequelas neurológicas permanentes e/ou a morte. A parada cardiorrespiratória súbita coloca o socorrista leigo frente a decisões e condutas desafiadoras, já que ele deve ser capaz de identificar se a vítima está responsiva, e não confundir a PCR com outros eventos como desmaios ou convulsão e, acima de tudo, iniciar a RCP imediata e corretamente além de chamar socorro especializado.

 

Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, estudos revelam que o treinamento de indivíduos leigos pode elevar substancialmente a probabilidade de um espectador realizar a RCP e aumentar a sobrevida de uma vítima que sofreu parada cardíaca, além disso, leigos devem ser treinados para desempenhar as instruções dadas pelo serviço médico de emergência por telefone5.

 

Dentro deste contexto, verificou-se que pouco mais da metade dos leigos abordados demonstraram reconhecer os sinais de uma PCR, frequência esta menor e maior do que a verificada em estudos anteriores: 83,1% e 27,3% respectivamente11,13, que pautaram-se em recomendações anteriores à vigente utilizada no presente estudo12. Tais diferenças podem estar associadas ao grau de instrução da amostra avaliada, visto que 34% participantes de um destes estudos13 possuía cursos e/ou orientações em SBV enquanto que no outro11 19,9% possuía. Embora no presente estudo não tenha sido verificada a qualificação dos respondentes quanto ao SBV, os resultados obtidos podem ter sido influenciados pelo cenário atual, no qual jovens, grupo etário predominante no estudo, obtêm informações com elevada rapidez, principalmente por meio das mídias eletrônicas e redes sociais que facilitam a comunicação em decorrência de compartilhamentos de mensagens, fotos e vídeos. Este fenômeno potencializa diretamente a aprendizagem formal e informal15.

 

As respostas citadas sobre o que fariam diante de uma PCR resultaram com 41,8% (166) respondendo adequadamente a opção chamam ajuda e fazem compressões (fortes e rápidas) no tórax até a chegada do socorro especializado, atitude esperada de quem assiste a parada ocorrer fora de ambiente hospitalar12, frequência maior do que a encontrada na literatura - 18,7%13. Ressalta-se que há relato de que 75,5% dos respondentes11 corretamente ligariam para o serviço especializado. Todavia 72,5% e 94,2% respectivamente da população em geral dos dois estudos já citados afirmaram não se sentir preparada para socorrer emergências na comunidade.

 

Nesta linha, 54,7% dos respondentes do presente estudo apontaram respostas incorretas sobre as ações iniciais diante de uma PCR, porém é necessário exaltar que, como na afirmativa liga para o socorro, faz-se boca-a-boca e algumas compressões no tórax até a chegada do socorro especializado, o trecho liga para o socorro e faz-se compressões no tórax até a chegada do socorro especializado, são condutas corretas após a identificação de uma PCR na comunidade5,12, porém as demais afirmativas compostas por estes trechos foram consideradas incorretas, por ser avaliada no seu contexto geral, e conter intervalos com  erros básicos, boca-a-boca – conduta retirada do protocolo de RCP em adultos para leigos5,12. A atual orientação é para que seja dada ênfase às compressões no tórax, buscando facilitar a execução pelo socorrista não treinado e assim obter maior iniciativa por parte deste público.

 

Se o SBV for iniciado imediatamente a chance de uma vítima de PCR sobreviver pode duplicar ou até mesmo triplicar16, e iniciado nos primeiros 4 minutos a taxa de sobrevida poderá chegar a 75% e após 15 minutos, ela cai para média de 5%8. Em contraponto, sendo o diagnóstico inadequado e demorado, além da adoção de condutas incorretas e ineficientes, as sequelas neurológicas serão graves e o fim da vida antecipado2,4.

 

A maioria dos respondentes demonstrou conhecer o local das compressões torácicas, com o posicionamento das mãos no meio do peito sobre a região esternal entre os mamilos12. No entanto, tanto a força de compressão e consequente profundidade, quanto a frequência de realização foram respondidas de maneira incorreta fato também observado em estudos anteriores11,17, mesmo após treinamento em manequins de alta precisão, os resultados mostram-se insatisfatórios no quesito profundidade17. Neste contexto, quanto maior a frequência (superior à 120/minuto) menor é a profundidade torácica, a exemplo quando o reanimador implementa frequências acima de 140/minuto há um déficit de até 70% na profundidade.

 

Desta forma, frequências menores que 100 ou maiores que 120/minuto, ou ainda profundidades menores que 5 ou maiores que 6 centímetros geram fluxos sanguíneos inadequados12.  O início das compressões fortes e rápidas deve ser imediato12,18 visto que estas ações são fundamentais para o fornecimento de fluxo sanguíneo, oxigênio e energia para órgãos críticos, como coração e cérebro e, quando realizada corretamente aumenta a taxa de sobrevida5,12.

 

O cenário encontrado sobre a percepção do desfibrilador externo automático neste estudo representa a realidade de como a população é carente de informações visto que 9,3% dos respondentes referiram conhecer o que é o desfibrilador. Embora preocupante é necessário enfatizar que na região avaliada no presente estudo, não é conhecido nenhum local com a disponibilização de um DEA e, portanto, talvez seja um dos motivos deste resultado. Este equipamento verifica o ritmo cardíaco e condiciona a desfibrilação em casos de fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular sem pulso (TVSP) e, portanto, pode interromper a PCR e reorganizar o ritmo cardíaco12. 

 

O DEA está inserido no terceiro elo da cadeia de sobrevivência, ou seja, o leigo ao iniciar uma reanimação, deverá solicitar que alguém chame o socorro especializado e busque um DEA, iniciar compressões no tórax e ao chegar o DEA, desfibrilar imediatamente. Este procedimento pode ser realizado por profissional de saúde ou pelo leigo12 e quando usado precoce e corretamente, melhora o prognóstico das vítimas no pré-hospitalar9,12,19. Estudos realizados no Japão20 e nos Estados Unidos19 evidenciam estes resultados com índices de sobrevivência sem sequelas neurológicas aparentes de 46,6% de uma amostra de 43.762 vítimas de PCR por fibrilação ventricular e 46,3% de uma amostra de 203 acometidos, respectivamente. Em ambos os estudos, as vítimas foram atendidas por leigos no ambiente extra hospitalar e receberam terapia elétrica com o DEA.

 

Em contraponto, no Brasil, estudos apontam que as pessoas da comunidade apresentam conhecimentos limitados sobre o SBV9,13, especialmente quanto ao uso dos desfibriladores, o que pode ser contornado mediante a participação em cursos e atualizações em SBV9,12,21.

 

A maioria dos respondentes demonstrou conhecer o serviço a ser acionado em casos de urgência e emergência na comunidade na cidade de Cáceres-MT, assim como verificado em estudos anteriores11,13, o que é bastante relevante já que esta conduta faz parte do primeiro elo da cadeia de sobrevivência no SBV12, sendo que todos estes estudos consideraram os dois serviços principais de solicitação de socorro (192 e 193). Porém, quando considerado apenas o 192,  estudo prévio5 apontou que dentre as 814 pessoas avaliadas em quatro cidades brasileiras, somente 35% reconheciam  o 192 como número telefônico nacional de emergência médica.

 

Considerando os resultados desta pesquisa torna-se evidente que os leigos possuem dificuldades para apresentar um conhecimento teórico e iniciativas eficientes frente a uma PCR no adulto na comunidade. Neste sentido, evidencia-se que a assistência e iniciativas prestadas por pessoas da comunidade são fracas e inadequadas, em função da insegurança, da demora na identificação da PCR e nas ações básicas de socorro16. Desta forma, a American Heart Association12 e outros autores11,13,16 reforçam a necessidade de planejamentos em saúde coletiva com amplo investimento e abordagem reflexiva sobre este assunto ao público em geral por meio de materiais ilustrativos, divulgação nas mídias, escolas, universidades e disposição de desfibriladores para acesso ao público, a fim de treinar e capacitar estas pessoas -  para melhorar o conhecimento, as iniciativas e ações dos transeuntes com a intenção de aprimorar o cenário atual e diminuir a morbimortalidade nestas emergências na comunidade.

 

Sugere-se, portanto, que sejam realizadas ações sociais com vistas a orientações e treinamentos para este público como implementação de projetos que ensinem condutas de reanimação em PCR nas escolas em parcerias com as faculdades da área da saúde, e promova-se ações de certificação com os participantes durante os testes para condutores ou ainda quando do registro da Carteira de Trabalho. E ainda que novas pesquisas sejam realizadas para investigar como os socorristas sem instrução promovem suporte básico de vida na comunidade de forma prática, visto que no presente estudo não foram contemplados conhecimentos baseados em prática, o que se constitui a limitação do estudo.

 

CONCLUSÃO

 

Aproximadamente metade dos leigos avaliados sabem identificar a PCR e proceder condutas adequadas como chamar o socorro especializado bem como o local em que se deve fazer as compressões no tórax. Entretanto apresentam saberes limitados que podem comprometer o prognóstico das vítimas, especialmente quanto as iniciativas, a profundidade e quantidade de compressões no tórax e sobre o uso desfibrilador externo automático. Embora o presente estudo tenha se pautado apenas na avaliação teórica dos conhecimentos e condutas que seriam adotadas por um leigo e não em simulações realísticas, os resultados obtidos colaboram com a possibilidade de simplificação do treinamento para leigos, por ter possibilitado a identificação dos  aspectos de maior confusão e erros, que devem ser enfatizados nesse tipo de treinamento, sugerindo-se como oportunidades para sua realização a oferta de cursos de certificação para a população em geral quando da habilitação ou ainda como requisito para o registro da Carteira de Trabalho.

 

REFERÊNCIAS

 

1.                     

World Health Statistics 2017: monitoring health for the SDGs, Sustainable evelopment Goals. Geneva: World Health Organization; 2017. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO.

2.                     

Knopfholz J, Kusma SZ, Medeiros YRCD, Matsunaga CU, Loro LS, Ortiz TM, et al. Capacidade de manuseio da parada cardíaca em locais de alto fluxo de pessoas em Curitiba. Rev Soc Bras Clin Med. [Internet]. 2015 abr-jun [cited  agost 3, 2017];13(2):114-8. Avaliable from: http://files.bvs.br/upload/S/1679-1010/2015/v13n2/a4739.pdf

3.                     

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