REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM

ISSN: 2317-3092

 

 

 

Como citar este artigo

 

Calvão TF, Vieira BDG, Alves VH, Rodrigues DP, Almeida VLM, Marambaia CG. A perceptividade das mulheres em relação aos cuidados obstétricos durante o parto e nascimento. Rev Norte Mineira de enferm. 2019; 8(2): 65-72.

Autor correspondente

 

Diego Pereira Rodrigues4.

Universidade Federal do Pará (UFPA)

Correio eletrônico: diego.pereira.rodrigues@gmail.com

 

 

 

ARTIGO ORIGINAL

A PERCEPTIVIDADE DAS MULHERES EM RELAÇÃO AOS CUIDADOS OBSTÉTRICOS DURANTE O PARTO E NASCIMENTO

 

Women’s perception of obstetric care during childbirth and birth

Tatyane Ferreira Calvão1, Bianca Dargam Gomes Vieira2, Valdecyr Herdy Alves3, Diego Pereira Rodrigues4, Vivian Linhares Maciel Almeida5, Caroline Gomes Marambaia6

 

1. Enfermeira, Unidade de Pronto Atendimento de Araruama, Araruama, RJ, Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-1092-1044

2. Enfermeira, Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil.Orcid: http://orcid.org/0000-0002-0734-3685

3. Enfermeiro, Doutor em Enfermagem. Professor Titular, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0001-8671-5063

4. Enfermeiro, Doutor em Enfermagem. Professor Adjunto, Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA,Brasil. Orcid: http//orcid.org/0000-0001-8383-7663

5. Enfermeira, Mestre em Ciências do Cuidado em Saúde, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-3101-024X

6. Enfermeira, Residente de Enfermagem, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Orcid:  http://orcid.org/0000-0003-4648-0540

 

 

 

Objetivo: analisar a perceptividade das mulheres acerca do cuidado obstétrico no campo do parto e nascimento. Método: estudo descritivo, exploratório, com abordagem qualitativa, realizado com quinze puérperas que tiveram o parto no Hospital Universitário Antonio Pedro, Rio de Janeiro, Brasil. Utilizou-se entrevistas semiestruturadas aplicadas durante os meses de julho a agosto de 2018. Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo na modalidade temática. Resultados: Observou-se que a assistência obstétrica é repleta, ainda, de práticas do modelo tecnocrático, contudo há uma lógica de cuidados embasados nas evidências científicas, um dos preceitos do modelo humanizado, havendo necessidade de intensa mobilização para revisão dos cuidados obstétricos. Considerações Finais: portanto, os resultados traduzem a busca de uma assistência qualificada e segura, respeitando o protagonismo das mulheres e a promoção de estratégias para a promoção do modelo humanizado no parto e nascimento.

 

Descritores: Saúde da Mulher; Obstetrícia; Enfermagem Obstétrica; Parto Humanizado.

 

Objective: the objective was to analyze women's perceptions about obstetric care from the perspective of childbirth and birth. Method: descriptive, exploratory study with a qualitative approach, conducted with fifteen postpartum women who had childbirth at the Antonio Pedro University Hospital, Rio de Janeiro, Brazil. Semi-structured interviews were applied during the months of July to August 2018. The collected data were subjected to content analysis in thematic mode. Results: it was observed that obstetric care is still full of practices of the technocratic model, however there is a logic of care based on scientific evidence, one of the precepts of the humanized model, requiring need for intense mobilization for review of obstetric care. Final Considerations: therefore, the results reflect the search for qualified and safe care, respecting the protagonism of women and the promotion of strategies to promote the humanized model in childbirth and birth.

 

Descriptors: Women's Health; Obstetrics; Obstetric Nursing; Humanizing Delivery.

INTRODUÇÃO

 

O paradigma que influencia a atenção ao parto e nascimento até os dias atuais construiu-se, historicamente, a partir do século XVIII, com a inserção da Medicina.(1) Atualmente, percebe-se um processo contínuo de transição desse modelo de assistência à mulher em busca de um modelo humanizado, tendo como perspectiva o resgate da sua autonomia e do seu corpo, visto que o modelo tecnocrático anulou esses direitos ao tornar o parto um evento patológico e institucionalizado, que precisava ser submetido a inúmeras intervenções, tendo como pano de fundo um processo ideológico para a garantia da segurança do parto.(2)

 

Essa tentativa cada vez mais crescente de instituir o processo de parto como um evento de risco, culminou na anulação do processo fisiológico, além do aumento gradativo, ao longo dos anos, de diversas intervenções no cotidiano obstétrico(3), elevando os índices de cesarianas que alcançou um total de 55% nas instituições públicas de saúde, chegando a 90% nas instituições particulares, mostrando a realidade desfavorável em que o país se encontra.(4) Considerando que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que a taxa de cesarianas não ultrapasse 15% dos partos realizados, na tentativa de reduzir esta verdadeira “epidemia” de cesáreas, o Brasil tem sido orientado a utilizar a classificação de Robson como um importante instrumento de monitoramento dessas taxas.(3)

 

Ressalta-se que a utilização das boas práticas no parto normal, recomendadas em 1985 pela OMS, favorecem a desconstrução do modelo tecnocrático em favor da humanização. Desse modo, quaisquer condutas obstétricas devem ser baseadas em evidências científicas, segundo os seus critérios de utilidade, eficácia e risco.(5)

 

Nesse sentido, essas recomendações originaram as seguintes categorias de práticas na assistência ao parto normal: A - práticas, demonstradamente úteis, que devem ser encorajadas; B - práticas claramente prejudiciais ou ineficazes, que devem ser eliminadas; C - práticas sem evidências para apoiar sua recomendação, devendo ser utilizadas com cautela até que novas pesquisas esclareçam a questão; D - práticas frequentemente utilizadas inadequadamente.(5)

 

Com o incentivo para a aplicabilidade dessas recomendações, como estratégias para reforçar a importância da Enfermagem Obstétrica e sua atuação em relação ao modelo obstétrico vigente, em paralelo promoveu-se a inserção das enfermeiras obstétricas nesse campo, conforme as diretrizes da OMS, além da qualificação dos profissionais de saúde para fornecer um cuidado integral, seguro e qualificado frente às necessidades das mulheres.(6)

 

Assim, em 2018, a OMS atualizou essas diretrizes em consonância com as evidências científicas, fato que culminou na revisão de processos de cuidados obstétricos e na redução de intervenções desnecessárias no cotidiano do parto e nascimento(7,8), destarte contribuindo para a implantação do modelo humanizado, tendo como foco o respeito, a coparticipação e a corresponsabilidade do cuidado da equipe de saúde quanto às altas taxas ocasionadas pelo excesso de intervenções desnecessárias.(6)

 

Nesse sentido, este estudo teve como objetivo analisar a perceptividade das mulheres acerca do cuidado realizado pelas enfermeiras obstétricas no campo do parto e nascimento.  

 

MÉTODOS

 

Estudo descritivo, exploratório, com abordagem qualitativa, realizada com 15 (quinze) mulheres em puerpério, atendidas em um Hospital Universitário, localizado na Região Metropolitana II do Estado do Rio de Janeiro. Essa Unidade hospitalar integra o Sistema Único de Saúde (SUS) para atendimento de mulheres grávidas consideradas de alto risco.

 

Realizou-se o convite às mulheres internadas, em puerpério, para participarem da pesquisa e, em caso de aceite, ficaram as mesmas submetidas aos seguintes critérios de inclusão: serem maiores de dezoito anos; em puerpério imediato; em condições físicas e em estado de lucidez para participar do estudo. Foram excluídas aquelas em processo de abortamento ou alta hospitalar.

 

Após a aplicações desses critérios, as participantes selecionadas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo-lhes assegurado o sigilo e o anonimato das respectivas falas, mediante utilização de código alfanumérico: P (de Puérpera), seguido de numeral, conforme a ordem de realização das entrevistas (P1 a P15).

 

A coleta das informações ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas de julho a agosto de 2018 em uma sala reservada para este fim no alojamento conjunto. Os dados foram gravados em aparelho digital com prévia autorização das participantes, transcritos integralmente pela pesquisadora principal e submetidos à análise de conteúdo na modalidade temática(9) que prevê três fases fundamentais: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, sendo utilizada a Unidade de Registro (UR) a partir da temática, como estratégia de organização do seu conteúdo. A colorimetria permitiu a identificação e o agrupamento de cada Unidade, assim possibilitando uma visão geral da temática.

 

As entrevistas originaram as seguintes UR: práticas humanizadas no parto, liberdade da mulher, métodos não farmacológicos de alívio da dor, toque vaginal, acompanhante e tratamento. Essas UR fundamentaram a construção da seguinte categoria temática: A assistência obstétrica durante o processo parturitivo.

 

Atendendo à Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) n°466, de 12 de dezembro de 2012, o estudo foi aprovado em 19 de junho de 2018 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, sob Protocolo nº 2721.342/2018.

 

RESULTADOS

 

A assistência obstétrica durante o processo parturitivo

 

É notório que muitas mulheres acabam procurando outros hospitais por meios próprios, assim deixando a sua rede de apoio por temer um atendimento de qualidade duvidosa durante o seu processo parturitivo, como fizeram duas participantes cujos relatos foram os seguintes:

 

Entrei pela emergência mesmo, fiz o pré-natal no convênio, mas tinha carência, mas me falaram que se eu chegasse ganhando poderia ter aqui, eu queria aqui porque falaram que é bom. Eu estava com muito medo das maternidades do local onde moro. (P1)

 

Não me referenciaram para esse hospital, aqui é hospital de alto risco, minha conhecida teve bebê aqui e me falou. Quando senti dores vim, porque sei que é bom. (P8)

 

As participantes disseram que foram estimuladas por terceiros a procurar o hospital durante o trabalho de parto, tendo como justificativas: liberdade de posição para o parto, estímulos para deambulação, poder desfrutar de banho morno e da bola suíça, consideradas técnicas que favorecem a fisiologia do trabalho de parto, culminando em um cuidado seguro e qualificado.

 

Fiquei na bola, alternando, até dancei. Amei o parto! Foi um momento mágico, que recebi a atenção, foi maravilhoso. (P1)

 

Eles me mandavam andar, podia tomar banho, ir na bola, mas eu preferia ficar quietinha, mas eles sempre me estimulavam. (P4)

 

Foi bom, ótimo, me colocaram para fazer os exercícios com a bola, caminhando (...) gostei dos exercícios, porque facilitou mais e foi rápido na hora do parto, auxiliou bastante, e vi que eles me ajudaram muito. (P5)

 

A perspectiva da mulher em relação à livre movimentação, à autonomia sobre o próprio corpo e à decisão acerca da posição em que se sente mais segura e confortável para o parto, mostra que a posição ginecológica ainda é a principal posição adotada para o nascimento da criança, por ter sido estabelecida pelo modelo hegemônico e biomédico que preza a autoridade do médico a respeito de onde e como deve ser realizado o parto. A propósito, seguem-se depoimentos das participantes:

 

Não tinha sonho de posição. Foi deitada, o médico me ajudou a segurar no ferro, eu acho que nem daria pra mudar de posição. (P1)

 

Tinha médica e uma enfermeira, foi deitada eles me colocaram na salinha. É normal, não penso em nada diferente, a posição de nascer é essa. (P8)

 

Foi deitada mesmo, não deu tempo de nada, quase nasceu lá fora, quase não dá pra chegar. Tinha sonho de nada, na verdade eu programei ele para cesárea, era arriscado ter ele normal. (P10)

 

Quanto aos toques vaginais, percebe-se que as participantes apontaram tais práticas como sendo normativas de avaliação das condições fetais e do trabalho do parto. Em seus depoimentos, relataram os muitos toques” recebidos e as situações em que foram realizados:

 

Recebi diversos toques, muitos. No início eu fiquei meio assim, no final já nem ligava. (P3)

 

Sim, umas 4 vezes, de médicos diferentes, mas avisavam, não tocaram em outros lugares, não. Nem me senti invadida, porque eu sei que é para o meu bem. (P5)

 

Cheguei, a médica deu um toque, só uma pessoa (...) as enfermeiras deram toque. A bolsa estourou já. Com respeito ao toque. (P8)

 

As participantes também mencionaram que os toques foram realizados por distintos profissionais, configurando situações em que a privacidade da gestante talvez não tenha sido preservada adequadamente, seja qual for o motivo da sua ocorrência, até mesmo para explicar uma questão de ensino/aprendizagem:

 

Bastante exame de toque. Foram vários profissionais diferentes. (P11)

 

Recebi, levei mais de 12 exames de toque. Várias, uma médica, 2 professores, 1 na ultra, 3 estagiários, 3 meio dia, 3 seis da manhã. Levei uns 12 toques. Acho que por isso que estou sentindo essa dor. (P13)

 

Cabe ressaltar que, na atualidade, evidências científicas consideram não ser necessário que os toques vaginais continuem ocorrendo, o que só se justifica pela carência de conhecimento por parte das gestantes a respeito, carência esta que permite entendê-los como importantes no processo de parto e nascimento e, assim, não podendo negá-los.

 

Em relação à alimentação, as mulheres relataram que foram ofertados alimentos e líquidos durante o trabalho de parto, mostrando práticas que devem ser implementadas no cuidado obstétrico, sem prejuízo às gestantes:

 

Me alimentei antes e durante me ofereceram suco e biscoito, foi muito bom porque a gente se sente muito fraca. (P1)

 

Ofereceram, mas não estava com vontade (P3)

 

Ofereceram, mas não estava com vontade. Nem almocei direito, só tomei água. (P5)

 

De acordo com as entrevistadas, a Unidade hospitalar promove o contato pele a pele logo após o nascimento, favorecendo a criação do vínculo inicial, em conformidade com as diretrizes da OMS e do Ministério da Saúde (MS). Seguem-se depoimentos a respeito:

 

Colocaram ele logo em cima de mim, foi lindo! Ele (companheiro) até cortou o cordão. Eu tinha sonho de ter normal, eu li muito sobre o parto humanizado. (P1)

 

Tirou, já colocou ele (bebê) em cima de mim, é uma sensação única. (P8)

 

Botaram ele (bebê) em cima de mim, ele mamou logo. Dá uma sensação tão especial, a gente fica muito feliz de ver. (P10)

 

Em relação ao acompanhante de livre escolha previsto em Lei, as participantes relataram que este direito lhes foi assegurado no momento do parto:

 

Minha avó estava comigo. Ela não assistiu porque eu não quis. Ela foi avisada, não queria ninguém me olhando não. (P8)

 

Podia entrar sim, eles chamam. Foi uma correria, mas deu tempo de ver. Queria sim, que ele estivesse comigo na hora. (P10)

 

Assistiu, não ligo muito porque era uma cesárea, se fosse um parto normal, talvez fosse mais importante. A gente fica mal, grogue. (P14)

 

Em se tratando de parto cesáreo, chama atenção o fato de que o(a) acompanhante somente foi chamado(a) no momento do nascimento do bebê, conforme relatos das participantes: 

 

Assistiram sim, na verdade eles chamam quando estava nascendo, assim que sai. (P9)

 

Minha mãe entrou comigo, só entra quando vai tirar o bebê, fala: chama a acompanhante que vai entrar. Eu queria que ela fosse. Até entra quando a gente vai na maca, mas fica numa sala. Na sala de operação quando é chamada. (P15)

 

Assim, corrobora-se que a assistência obstétrica é repleta de práticas remanescentes do modelo tecnocrático, contudo, já há uma lógica de cuidados embasados nas evidências científicas de resgate dos preceitos do modelo humanizado, havendo intensa mobilização para que ocorra uma revisão dos cuidados obstétricos.

 

DISCUSSÃO

 

O atendimento à mulher deve ser determinado por uma rede de serviços à saúde, que se relacionam com os distintos níveis de atenção e devem ser vinculados entre si, tendo em vista a obtenção de uma cooperação para oferecer um cuidado especializado, contínuo, integral, de forma humanizada e com responsabilidade.(10) Por meio das redes de atenção à saúde promove-se um cuidado mais especializado para a garantia do direito da mulher e a criação do vínculo com a maternidade para a qual a gestante foi referenciada, destarte contribuindo para que não ocorra a peregrinação da gestante. Para tanto, são necessários investimentos no que se refere à vinculação da gestante à maternidade de referência.

 

A rede de atenção tem por objetivo garantir à mulher a integralidade do cuidado, com uma atenção integrada e harmônica, assim evitando a sua peregrinação durante o anteparto e o parto, como já referido, estando obrigada a assegurar-lhe o transporte e a transferência para outra maternidade onde ela poderá ter acolhimento e cuidado na perspectiva de vaga certa.(11)  Cabe ressaltar que, na iminência do parto, a gestante poderá ser acolhida e atendida, mas isto não invalida o fato de ser importante ter em mente que para evitar a sua peregrinação, torna-se necessário o seu vínculo com a Unidade de referência, como preconizado pelas diretrizes da Rede Cegonha/MS, a fim de permitir-lhe maior tranquilidade, além de um cuidado obstétrico satisfatório e de qualidade, com base nos princípios da segurança da mulher e de seu concepto.

 

Deve-se permitir que a mulher participe do seu processo de parir, consentindo que escolha a posição mais confortável, prevenindo a dor iatrogênica, informando-a sobre todos os procedimentos e suas finalidades, assim preservando os seus direitos de cidadania relacionados à segurança do parto.(12) Nesse sentido, a liberdade de movimentos é uma prática de cuidado obstétrico a ser realizado com a utilização de métodos não farmacológicos para alívio da dor, com o banho morno, a bola suíça e a deambulação, que visa favorecer o cuidado humanizado, o respeito à mulher e o direito a um parto em que ela seja a figura central.

 

Dar à luz “deitada de costas com as pernas levantadas”, na posição litotômica, é prejudicial à fisiologia do nascimento e contribui para a ocorrência de novos estímulos dolorosos durante o parto. Todavia, ainda assim, configura-se como processo normativo na rotina protocolar das diversas instituições de saúde, sustentando-se no modelo tecnocrático da parturição.(13) Nesse sentido, por desconhecerem as alternativas para o processo de parir, como as posições mais verticalizadas, as participantes consideraram como algo “normal” a posição litotômica, o que reforça a necessidade de mudanças nos modelos hegemônicos instituídos, a fim de proporcionar às gestantes o direito à melhor opção de escolha do processo de parir.

 

O principal meio de avaliação utilizado pelos profissionais de saúde para a progressão do parto, é o toque vaginal. Apesar de se constituir em intervenção que auxilia essa avaliação, a sua forma de execução, muitas vezes sem a devida privacidade da mulher ou mesmo sem a sua autorização, pode caracterizar um desrespeito a ela, além do fato de que muitos profissionais de saúde não seguem criteriosamente as recomendações da OMS/MS quanto a esse procedimento, que deve ocorrer a cada quatro horas ou quando há parada de progressão.(7,8) Mesmo com as evidências científicas, muitos desses profissionais não seguem tais recomendações, demonstrando um cuidado que valoriza a própria autonomia e a prática de saber instituída, embora desatualizada frente às novas diretrizes do cuidado obstétrico, manipulando o corpo da mulher como se fosse um objeto e mantendo em vigor um dos princípios do modelo tecnocrático de cuidado.

 

A oferta de alimentos e líquidos, durante o trabalho de parto, foi observada pelas participantes como um cuidado positivo. Houve a constatação de que a ingesta de alimentos, naquele momento, além de não causar nenhum transtorno durante o parto, propiciou às mulheres a reposição energética necessária e melhores condições físicas para o período expulsivo do concepto. Nota-se que a ingestão hídrica e alimentar não constitui qualquer risco para a mulher, como no caso de broncoaspiração, já que a oferta de alimentos e líquidos configura a promoção do modelo humanizado centrado na mulher e nas suas necessidades.(7,8,14)

 

Quanto à Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), o quarto passo dessa iniciativa recomenda aos profissionais de saúde que coloquem o recém-nascido em contato com a pele de sua mãe imediatamente após o nascimento por, no mínimo, uma hora, ajudando-a a reconhecer quando o bebê está pronto para a amamentação, oferecendo-lhe ajuda, se necessário.(15) Esse cuidado é fundamental para promover a interação inicial e o vínculo entre mãe e filho, além do incentivo ao aleitamento materno, como recomendado pela OMS/MS, determinantes para a promoção do cuidado humanizado.

 

No Brasil, desde a aprovação da Lei nº 11.108, de 07 de abril de 2005, mais conhecida como “Lei do Acompanhante”, está determinada nos âmbitos no Sistema Único de Saúde (SUS) e da rede privada, a presença do acompanhante de livre escolha da gestante durante o período de trabalho de parto, parto e puerpério imediato, desconsideradas as questões de gênero, etnia, idade ou condição social e econômica. Assim, a regulamentação trouxe a garantia do direito da mulher ao acompanhante e, sobretudo, seguiu as recomendações estabelecidas para contribuir com o modelo de cuidado humanizado no campo obstétrico.(16,17)

 

Não é demais lembrar que a presença do acompanhante contribui para a segurança e a tranquilidade da mulher durante o parto, uma vez que a sua ausência pode gerar sentimentos negativos diante da perspectiva de anulação de um direito, culminando em insatisfação e insegurança que poderão se refletir negativamente no concepto.(16,18)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Demonstrou-se a importância de um olhar mais amplo a respeito do cuidado centrado da mulher, focalizado no modelo humanizado do cuidado na atenção ao parto e nascimento. Apesar de ser um modelo de transição, deve-se considerar a necessidade de profissionais de saúde e gestores atuarem na produção de estratégias para a discussão do cuidado obstétrico, em prol do direito a um parto com qualidade, tendo como objetivo a diminuição, no cotidiano das maternidades, das intervenções obstétricas consideradas desnecessárias face às evidências científicas. 

 

Faz-se importante refletir a respeito de como a assistência tem sido levada a efeito, mesmo observando-se um grande esforço para que a sua realização ocorra de forma humanizada. A reflexão pode levar os profissionais de saúde à analise de todos os aspectos acerca do assunto e permitir, sobretudo, que as gestantes sejam ouvidas para que possam fazer valer o direito de participação ativa em todas as questões relacionadas com a assistência que lhes será prestada durante o parto e nascimento, salvo aquelas consideradas rigorosamente técnicas.

 

Como limitação, o estudo apresentou a dificuldade das mulheres em conversar a respeito do cuidado obstétrico que receberam, assim demonstrando que não compreendem a forma como são cuidadas, o que leva a inferir que há necessidade de ampliar a discussão a respeito, tendo em vista um maior entendimento entre elas e a equipe profissional em busca do cuidado humanizado a que todas fazem jus.

 

Desse modo, constata-se a necessidade de novos estudos que suscitem a reflexão a respeito do cuidado obstétrico e dos modelos de atenção ao parto e nascimento, capazes de viabilizar a promoção de estratégias de aprimoramento da qualidade assistencial às gestantes, além de um cuidado centrado nas suas necessidades.

 

REFERÊNCIAS

 

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