REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM

ISSN: 2317-3092

 

 

 

Como citar este artigo

 

Candeias R, Silva Filho JA, Silva MNV, Moreira MRL, Pinto AGA. Acolhimento na Estratégia Saúde da Família: concepções e práticas. Rev Norte Mineira de enferm. 2019; 8(1):49-57.

Autor correspondente

 

José Adelmo da Silva Filho2.

Universidade Regional do Cariri - URCA

Correio eletrônico: adelmof12@gmail.com

 

 

 

ARTIGO ORIGINAL

ACOLHIMENTO NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

 

Hosting in the Family Health Strategy: conceptions and practices

Raimunda das Candeias1, José Adelmo da Silva Filho2, Maria Nágela Valéria da Silva3, Maria Regilânia Lopes Moreira4, Antonio Germane Alves Pinto5.

 

1. Enfermeira, Mestra em Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza (CE), Brasil. E-mail: raica_candy@hotmail.com ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-5614-8897.

2. Enfermeiro, mestrando em Enfermagem pela Universidade Regional do Cariri. Especialista em Saúde Mental Coletiva pela Escola de Saúde Pública do Ceará. Crato (CE), Brasil. E-mail: adelmof12@gmail.com ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-0261-2014.

3. Enfermeira, Universidade Regional do Cariri. Iguatu (CE), Brasil. E-mail: nagila1976@hotmail.com ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-2338-3406;

4. Enfermeira, Mestre em Enfermagem pela Universidade Regional do Cariri. Crato (CE), Brasil. E-mail: mregilania_enf@hotmail.com ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-3862-8536;

5. Enfermeiro, Doutor em Saúde Coletiva. Professor Adjunto K da Universidade Regional do Cariri. Crato (CE), Brasil. E-mail: germanepinto@hotmail.com ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-4897-1178.

 

 

 

Objetivo: Descrever as concepções sobre o acolhimento e as experiências na prática cotidiana da Estratégia Saúde da Família. Método: Pesquisa descritiva e exploratória, de abordagem qualitativa. Participaram 49 profissionais das equipes multiprofissionais de 12 unidades de Saúde da Família do município de Iguatu/Ceará. Utilizou-se a entrevista semiestruturada para coleta de dados, que foram analisados de acordo com a análise hermenêutico-dialética proposta por Minayo. A pesquisa recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional do Cariri sob o Nº 1.836.797. Resultados: verificou-se que os profissionais desconhecem o acolhimento em todas as suas dimensões e o consideram como uma atribuição específica do recepcionista relacionada a uma triagem com classificação de risco dos usuários ou ao repasse de informações. Considerações Finais: percebe-se que a compreensão e a prática do acolhimento ainda são fragmentadas, distantes do necessário para uma atenção integral à saúde.

 

Descritores: Acolhimento; Estratégia Saúde da Família; Sistema Único de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Assistência Integral à Saúde.

 

Objective: To describe the conceptions about welcoming and experiences in the daily practice of the Family Health Strategy. Method: Descriptive and exploratory research with a qualitative approach. 49 professionals from the multidisciplinary teams of 12 Family Health Units of the municipality of Iguatu / Ceará participated. Semi-structured interviews were used to collect data, which were analyzed according to the hermeneutic-dialectic analysis proposed by Minayo. The research received a favorable opinion from the Research Ethics Committee of the Regional University of Cariri under No. 1,836,797. Results: it was found that professionals are unaware of the reception in all its dimensions and consider it as a specific receptionist assignment related to screening with risk classification of users or the transfer of information. Final Considerations: it is clear that the comprehension and practice of welcoming are still fragmented, far from what is necessary for comprehensive health care.

 

Descriptors: Health; User Embracement; Family Health Strategy; Unified Health System; Primary Health Care; Comprehensive Health Care.

INTRODUÇÃO

 

O modelo de saúde no Brasil foi, ao longo da sua história, baseada em um modelo hospitalocêntrico, em que a concepção de saúde concentrava-se na ausência de doenças. Incentiva-se a inversão dessa concepção desde a criação do Sistema Único de Saúde a partir da compreensão da saúde no seu processo de forma holística, a qual considera, entre outros aspectos, a influência de determinantes e condicionantes sobre o processo saúde-doença(1-2).

 

A Política Nacional de Humanização (PNH) destaca-se como ferramenta importante nesse contexto de transformações, que tem como um dos seus objetivos a melhoria e a mudança no modelo de atenção e gestão da saúde, por intermédio da humanização e do caráter transversal atribuídos à política. Busca-se por meio da humanização da saúde garantir um sistema de saúde mais integral, democrático e de qualidade(3).

 

Em 2003 cria-se a PNH com a perspectiva de tornar ainda mais evidente a necessidade da integralidade na assistência em saúde, considerando-se os atores envolvidos nesse processo. Assim, busca-se uma visão unilateralizada para sanar as necessidades não só individuais, mas, com a compreensão de um ser coletivo, as carências comunitárias(4).

 

Diante do panorama da PNH destaca-se o acolhimento, uma vez que representa uma das diretrizes da política, realçando-se a indispensabilidade do protagonismo dos envolvidos no modo de fazer saúde, desde os gestores, profissionais e usuários(4).

 

O acolhimento designa-se como um conjunto de ações que viabiliza melhora do serviço, colocando no centro do cuidado o paciente que o receberá. Entende-se que o processo de acolher deve se perpetuar por todas as esferas da assistência, desde o primeiro contato até a resolubilidade das demandas de maior complexidade, quando possível(5-6).

 

Nesse sentido, destaca-se que o processo de acolhimento se constitui, no seu sentido mais amplo, como uma ferramenta que possibilita a interação entre a comunidade e os profissionais, de forma sistemática e proativa, visando dispensar um cuidado direcionado às necessidades de saúde da comunidade(7). Dessa forma, o estudo objetiva-se descrever as concepções sobre o acolhimento e as experiências, na prática cotidiana da Estratégia Saúde da Família (ESF).

 

 

 

MÉTODOS

 

O estudo caracteriza-se como descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa. Optou-se por tais métodos de pesquisa por proporcionarem a exploração e interpretação de um fenômeno gerado no meio social, considerando as crenças, valores e significados das pessoas desse meio(8-9).

 

Fora realizado o estudo no município de Iguatu-Ceará. Entrevistaram-se os profissionais de saúde que compõem as equipes de saúde da família das Estratégias Saúde da Família do município, o qual possui 29 unidades de saúde distribuídas entre zona rural e urbana, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde.

 

Participaram do estudo os profissionais médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, cirurgiões-dentistas, técnicos em saúde bucal e agentes comunitários de saúde. Convidaram-se os participantes para a pesquisa mediante apresentação da pesquisadora e assinatura no Termo de Consentimento Livre Esclarecido, no ato do exercício da profissão na ESF.

 

As equipes em que, após três visitas consecutivas à unidade, não foi possível a realização da entrevista com pelo menos três dos profissionais integrantes, seja por indisponibilidade de tempo ou por afastamento para férias, licença ou adoecimento durante o período de realização da pesquisa, foram excluídas da pesquisa.

 

Para coleta dos dados, utilizou-se a técnica de entrevista semiestruturada direcionada por instrumento do tipo roteiro composto por seis perguntas sobre a identificação do profissional, a compreensão deste sobre o acolhimento, a forma como se realizava o acolhimento na sua unidade, os instrumentos/estratégias utilizados para efetivação, as facilidades e dificuldades encontradas, bem como a avaliação do profissional quanto à realização do acolhimento na unidade de saúde em que trabalhava.

 

Este tipo de entrevista foi escolhhido por esta possibilitar o entrevistado falar livremente, porém, de forma direcionada, sobre suas vivências, experiências e opiniões sobre a temática.

 

Realizaram-se as entrevistas entre fevereiro a abril de 2017. Utilizou-se um gravador portátil para áudio gravação, como forma de assegurar maior fidedignidade na transcrição dos depoimentos, os quais foram apresentandos posteriormente em categorias segundo a análise hermenêutico-dialética operacionalizada por Minayo(9), que se desdobra em três etapas: pré-análise, exploração do material ou codificação e tratamento dos resultados alcançados/Interpretação.

 

Nesta primeira etapa realiza-se a organização das informações do material coletado para uma posterior análise. Na segunda, o material é explorado, as categorias são definidas e os conteúdos da análise são codificaçados e classificados.  Na terceira e última etapa,  realiza-se a condensação de todas as informações adquiridas, abrindo espaço para uma análise crítica e reflexiva dos resultados(9).

 

Os profissionais foram identificados pelo nome de sua formação profissional em caixa alta, seguido pelo número cardinal referente à sua ESF atribuído por ordem de sorteio, por exemplo: ENFERMEIRA 1, MÉDICO 2, ACS 3, e assim sucessivamente.

 

A pesquisa, durante a sua execução, respeitou os preceitos éticos e legais contidos na Resolução Nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, a qual recebeu aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional do Cariri sob o Nº 1.836.797 e CAAE 55335616.4.0000.5055.

 

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Foram entrevistados 49 profissionais da saúde, entre médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, cirurgiões-dentistas, técnicos em saúde bucal e Agentes Comunitários de Saúde (ACS), gerando 245 discursos. Sortearam-se 15 unidades para a coleta de dados, porém, devido a algumas limitações no decorrer do estudo, como a exclusão de algumas equipes a partir dos critérios anteriormente elencados e a recusa de profissionais, restringiu-se a coleta a profissionais de 12 ESF.

 

Foram entrevistados ainda seis médicos (12,2%), dos quais quatro com nacionalidade cubana; oito enfermeiros (16,3 %); dez técnicos em enfermagem (20, 4%); nove cirurgiões-dentistas (18,3%); seis auxiliares/ técnicos em saúde bucal (12,2%) e dez ACS (20,4 %). Salienta-se que três das unidades de saúde visitadas funcionavam com mais de uma equipe e, em duas destas, o médico, o cirurgião-dentista e o técnico em saúde bucal correspondiam à mesma equipe.

 

Mediante os dados, verificou-se o predomínio de profissionais do sexo feminino principalmente com idade entre 31 e 50 anos, mas variando ente 20 e 65 anos. Destaca-se, ainda, que quando ao tempo de formação, grande parte dos participantes (40,8%) possuíam mais de dez anos de formação profissional e atuavam em ESF entre um e dez anos.

 

Os profissionais participantes foram questionados sobre o que compreendiam a respeito do acolhimento e alguns profissionais demonstraram visão mais ampliada e até empática, outros, porém, evidenciaram concepção limitada do acolhimento, remetendo à recepção do usuário. Agregando-se as diversas opiniões sobre o tema, observou-se familiaridade com o termo, conforme ilustram as falas a seguir:

 

“Acolhimento é a recepção do usuário, é a escuta qualificada, saber qual é a demanda, o que é que ele está demandando da unidade, saber se pode ser resolvido apenas com uma orientação ou se precisa triar para passar em consulta médica, enfermeiro ou dentista, de acordo com o problema.”  (ENFERMEIRA 1)

“[...] a gente que trabalha na unidade, ao facilitar o acesso do paciente à unidade, seja por meio de visita, atividades coletivas na área ou outra coisa que facilite o acesso. É isso.”  (CIRURGIÃO-DENTISTA 3)

“Acolhimento é só a forma que a gente recebe o paciente que vem aqui. Eu entendo por isso.” (TECNICO/AUXILIAR EM HIEGIENE BUCAL 4)

“Entendo por colhimento es la recepción del paciente, víu? É que o paciente chega e seria então [...] Siempre pergunta lo estado general de el paciente, viu? [...]Preguntar cuál es la queja que tiene en este momento, como poderá ajudar ele [...] sería la tomada de su pressão, temperatura, Y ver cómo se puede ir resolviendo sus problemas, viu?” (MÉDICA 11)

 

No concernente às dimensões de acolhimento trazidas pelo Ministério da Saúde, como sendo prevenir, cuidar, proteger, tratar, recuperar, promover, enfim, produzir saúde, os profissionais compreendem o acolhimento como um modo de receber bem o usuário na unidade, direcionando-o ou referenciando-o.

 

Foi possível evidenciar que, predominantemente essa concepção de acolhimento nas falas dos entrevistados. Averiguou-se que, apesar de a maioria dividir mesma concepção, ainda existem aqueles que valorizam a dimensão subjetiva do outro, o compreendendo em sua singularidade e como parte de um contexto cultural e socioeconômico, permitindo a visão mais ampla que um simples problema de saúde, como é observado nas falas abaixo:

 

“[...] ele é muito importante, porque a pessoa chega na unidade, muitas vezes, com muitos problemas, né? Muitas vezes não está nem sentindo aquela dor, mas às vezes ela está passando dificuldade na casa dela e ela chega na unidade até para conversar [...] precisando de um carinho, de uma conversa, que muitas vezes não encontra em casa [...].” (ACS 1)

 

É sabido que o acesso, recepção e triagem compõem a estrutura organizacional das unidades de saúde e devem ser realizados quando o usuário chega ao serviço, diferente do acolhimento, assim, não essas práticas não devem ser confundidas como é perceptível nas seguintes falas:

 

“Mas aqui o acolhimento ele acontece principalmente por parte do atendente, né?” (ENFERMEIRA 1)

“Esse acolhimento, na verdade, não é direcionado a nós como agente de saúde. Essa parte aí fica na porta de entrada, com o pessoal que trabalha no balcão de atendimento, né? Com as atendentes.” (ACS 7)

“Primeiro eu cumprimento a pessoa, né? Dou bom dia, boa tarde, conforme o horário seja, e digo o procedimento que vou realizar, porque o acolhimento parte da recepção, né?” (TÉCNICO EM ENFERMAGEM 8)

 

A partir das falas, percebe-se que o processo de trabalho ocorre de forma fragmentada e individualizada. Aponta-se como atribuição dos atendentes/recepcionistas a preparação dos atendimentos, escuta das necessidades e expectativas dos usuários, portanto, o acolhimento. Percebe-se ainda que, com esse pensamento, o acolhimento é uma estratégia de trabalho restrita apenas aos limites internos da ESF.

 

“[...] quando o paciente chega, a gente aborda ele, [...] pergunta se ele vai passar no médico, na enfermeira, o que é que está sentindo, para gente fazer tipo uma triagem […].” (TÉCNICO EM ENFERMAGEM 2)

“Se ele chegar me pedindo qualquer tipo de informação, aí eu peço para ele entrar, peço para ele explicar o que é que tá acontecendo. Aí eu tento resolver o problema dele dando conselho [...].” (TÉCNICO EM ENFERMAGEM 6)

“[...] o acolhimento, de fato, não acontece! Porque os nossos pacientes, dos programas específicos são agendados, e eles são, por exemplo: gestante, hipertenso, puericultura... Eles já são agendados, né? E os pacientes, aqueles que vêm para demanda livre, eu juntamente com a atendente, a gente faz um agendamento e, assim, uma classificação de risco [...].” (ENFERMEIRA 3)

 

No que tange à relação ao acolhimento como triagem dos usuários com a classificação de risco, verifica-se que os depoimentos acima apontam para uma fragmentação dos saberes, que deve ser trabalhada e discutida em reuniões da equipe. Identifica-se que, quando o acolhimento é também descrito como passagem de informações e orientações, os resultados são igualmente insatisfatórios, como se observa nas falas a seguir:

 

“[...] a estratégia que a gente tem é o agendamento de toda a demanda. É uma das estratégias que a gente procura fazer dentro da unidade. [...] Assim a gente procura proporcionar o melhor acolhimento pra ele.” (CIRURGIÃO-DENTISTA 6)

 

Os profissionais desenvolvem suas atividades semanais utilizando o cronograma como sinônimo de acolhimento. Perdem-se, a partir disso, as oportunidades de aproximação com usuário para a criação de vínculo, cumplicidade, escuta qualificada e acesso, que tanto são necessários no processo de cuidado. Apontam-se, ainda, estratégias para o controle do acesso aos serviços e organização para atender a demanda espontânea. Observe:

 

“[…] nós temos […] uno posto aquí na porta, una pancarta informativa que ella fala sobre atendimiento que se faz por a parte de médico acá no PSF. […] fala do atendimiento, día que to acá con a crianza, el día que eres salud mental, el día que é para atendimiento demanda libre e hacer mas cosa así, orientando el paciente que día ten que chegar aquí no […] nosso PSF para procurar atendimento.” (MÉDICO 4)

“Antes de tudo eu cumprimento a pessoa, né? Faço sempre perguntas abertas, né? ´A senhora está sentindo o quê? Aí eu deixo a pessoa contar tudo.” (MÉDICA 9)

 

Se posicionar respeitosa e humanamente ao tratar o usuário também foi apontado como prática cotidiana de acolhimento. Assim, compreendem que a resolutividade de problemas envolve tanto aspectos organizacionais do serviço, bem como a postura profissional mediante o usuário e suas demandas.

 

O relacionamento respeitoso e empático entre o profissional e o paciente possibilita o acolhimento do usuário em suas condições. Sabe-se ainda que uma assistência prestada com qualidade é fortemente influenciada pela habilidade de comunicação do profissional frente ao sujeito envolvido.

 

Quando questionados sobre as facilidades encontradas para acolher os usuários em suas demandas, identificaram-se os seguintes aspectos que influenciavam positivamente um acolhimento fácil e espontâneo:

 

“Compreensão dos pacientes, né? Graças a Deus, os nossos pacientes são bastante compreensíveis, né?” (ENFERMEIRA 2)

“Assim, eu já acho que já conta o meu tempo de serviço. Já me ajuda, porque a experiência já nos coloca como mais aptas a atender aquilo ali, né?” (TÉCNICA EM ENFERMAGEM 10)

“Eu acho que las facilidades que eu encontro para acolher mejor aos usuários son los recursos necessários para atender de forma apropriada aos pacientes: medicamientos, privacidad, boa iluminação, ventilação... essas coisas.” (MÉDICO 12)

“O vínculo que eu tenho com a minha comunidade [é uma facilidade]. [...] Conhecê-los bem, eles confiarem em mim e eu ter respaldo pra isso, entendeu? De eu ser primeiro elo que eles vão correr atrás até pra falar da própria vida familiar, da própria vida pessoal dele.” (ACS 11)

 

Quando paciente e profissionais se mostram dispostos e acessíveis ao diálogo, observa-se que a inviabilidade da assistência no momento passa a ser mais facilmente compreendida pelos usuários quando dá. Entretanto, que isso remonta ainda ao conhecimento e práticas limitadas sobre o acolhimento. Pode-se comprometer a atenção integral e dissolver a confiança do usuário com o serviço por não ter sido atendido no momento em que precisava.

 

Em relação às dificuldades, verifica-se que as equipes elencaram diversos desafios como o imediatismo, a falta de capacitação profissional, o desconhecimento dos usuários sobre o processo de trabalho na ESF, a grande demanda e a sobrecarga burocrática. Compartilharam-se muitas destas dificuldades entre as equipes, sobressaindo, entretanto, os aspectos relacionados aos usuários, conforme a seguir:

 

“[...] a população dificulta o acolhimento porque ela quer um atendimento imediato. [...] O pessoal tem muito aquela coisa do imediatismo, né?” (ENFERMEIRA 3)

“[...] muitas vezes também o paciente não entende a dinâmica do PSF e cria confusão. Aí, se não tiver paciência, tem briga.” (TECNICO EM ENFERMAGEM 3)

 

Também como fator que inviabiliza o acolhimento as sobrecargas pessoais de cada profissional. Sabe-se que o preenchimento do dia com atividades acumuladas e o estresse diário, bem como problemas de ordem pessoal e a necessidade de usufruir de vida social são algumas demandas que os profissionais precisam gerenciar. Entende-se que a capacidade de organização de cada item é algo muito particular e seu enfrentamento inadequado pode ocasionar desajustes, recaindo em consequências que podem afetar a relação profissional-usuário, conforme demonstra o seguinte relato:

 

“[...] algum profissional que venha a ter algum tipo de problema para acolher. [...] Porque tem alguns profissionais que são complicados, são difíceis de lidar... São impacientes, estão cansados, estressados e, às vezes, acolhem o paciente da forma indevida, né? Não escuta bem, né?” (ENFERMEIRO 1)

 

Também o não comparecimento dos usuários às consultas devido à visão errônea de buscar o serviço somente em situações de urgência, como ilustrado a seguir:

 

“[...] posso dizer que [as dificuldades para o acolhimento] são mais em relação ao paciente que não quer ser atendido. A gente faz de tudo, a gente disponibiliza muitos meios dele ser atendido, sem muita burocracia e não precisar vim marcar aqui, mas tem gente que não quer!” (CIRURGIÃO-DENTISTA 3)

“Às vezes você marca e ele não vem. Isso é uma grande dificuldade. Eles fazem a fila, você marca e, no dia do atendimento, eles não vêm.” (TECNICO EM HIGIENE BUCAL 7)

 

Situações como essas normalmente podem relacionar-se ao desconhecimento da população sobre a importância da promoção da saúde bucal e prevenção dos agravos orais, ou ainda remeter a um pensamento sólido de uma odontologia mutiladora. Neste sentido, é imprescindível a orientação destes aspectos aos usuários.

 

Na literatura apresenta-se consenso quanto aos sentidos sobre o acolhimento, que vão desde recepção do usuário até a atenção resolutiva de seus problemas. Porém, mesmo diante de variados conceitos e definições, todos confluem para descrições que abordam o acolhimento como uma diretriz do processo de trabalho direcionada ao usuário, que organiza os serviços de saúde, visando à garantia dos princípios do Sistema Único de Saúde e ao atendimento mais humanizado(5-6-10).

 

Em estudo semelhante, verifica-se que os profissionais compreendem o acolhimento ainda de forma muito restrita, relacionando tal fato à falta de capacitação desses profissionais quanto às diretrizes da PNH antes de ingressarem no mercado de trabalho(6-11).

 

No cotidiano das unidades das ESF, sabe-se que, adaptam-se várias atividades às condições da unidade, por isso, confundem-se com o acolhimento, como acontece com as ações realizadas na recepção para ouvir e conversar com usuários e/ou resolver os seus problemas. Salienta-se que, todos os profissionais que trabalham na Atenção Primária à Saúde precisam desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes para este tipo de atendimento(12).

 

Portanto, reconhece-se o acolhimento como uma fase do atendimento nos serviços de saúde. Busca-se, desde a criação da PNH, visibilidade quanto a sua importância e conceitos próprios, para além da definição limitada de recepção do usuário(13-14).

 

Por conseguinte, deve-se compreendê-lo como um exercício diário dos profissionais a ser ativamente praticado por todos e entre todos os profissionais em saúde, em todos os setores, em cada sequência de atos e modos que compõem o processo de trabalho. Assim, não se deve atribuí-lo como atividade específica de um determinado profissional(6-15).

 

Assim, faz-se necessário esclarecer que a triagem com classificação de risco é abordada na PNH, com a finalidade de otimizar o atendimento. Identifica-se, através dessa estratégia, o grau de necessidade do usuário por meio de avaliação clínica criteriosa para se ordenar sua prioridade de atendimento. Entende-se, portanto, que deve ser realizado por profissional capacitado em um protocolo de avaliação previamente definido. Tenta-se, com isso, substituir o conceito tradicional de triagem, caracterizado por usuários atendidos por ordem de chegada, demanda de pacientes disposta em filas extensas e, muitas vezes, exclusão e atendimento insuficiente(16-17). Compreender o acolhimento como um esforço multiprofissional, envolvendo os usuários e a coletividade, não o restringindo apenas a agendamentos(18).

 

O número de atendimentos limitados, além da determinação de dia específico para agendar consulta e atender cada faixa etária como medidas desnecessárias e até injustas. Compreende-se, então, que a limitação no número de atendimentos representa uma forma de trabalho fundamentada na divisão de responsabilidades e tarefas(19).

 

Cabe considerar que diversas vezes o paciente se apresenta frágil e inseguro pelo estado de saúde e necessidade de ajuda. Para além disso o profissional deve ser cauteloso, saber falar e também ouvir, concentrando-se no paciente e mantendo postura neutra, para favorecer o conforto, a confiança e a segurança. Portanto, compreende-se que a excelência profissional está mais relacionada à forma de tratamento do paciente como ser humano, respeitando suas opiniões e dialogando sobre a melhor forma de conduzir suas demandas de saúde(20).

 

Para que as experiências adquiridas em decorrência do enfrentamento das situações difíceis e inesperadas do trabalho favoreceram o aprendizado tão quanto o conhecimento teórico. Aponta-se, então, que os saberes da experiência instrumentalizam o profissional a partir do que se vivencia e aprende cotidianamente com os outros e consigo mesmo(21).

 

Tais experiências também contribuem para o desenvolvimento de uma relação de confiança e respeito entre os profissionais e usuários, essencial como parte organizacional do processo de trabalho quando da correspondência às necessidades dos usuários(22). Enfatiza-se que o vínculo como diretriz para a construção da integralidade na ESF se representa como uma ferramenta importante na construção de elos entre os profissionais e usuários(23).

 

Muito embora as condições do ambiente não forem agradáveis e adequadas às expectativas dos usuários e profissionais, podem acarretar frustração e insatisfação para ambos, caracterizando outro fator negativo no processo de acolhimento(24).

 

Nesse contexto, o conhecimento dos usuários sobre o serviço de saúde associa-se ao protagonismo de cada indivíduo diante das situações. Acredita-se que práticas de educação desenvolvidas com a população torna o indivíduo mais disposto ao acordo e mais ativo na busca de melhorias. Ressalta-se, nesse contexto, que para que ocorra uma prática educativa dialógica, é indispensável estabelecer a participação da comunidade nas ações da unidade, vista que protagonismo destes pode levar à melhorias na qualidade dos cuidados de saúde(25).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Desse modo nota-se que a concepção de acolhimento ainda é fragmentada, contribuindo para o distanciamento da integralidade da saúde e que, possivelmente, esta lacuna se relaciona à compreensão equivocada do conceito de acolhimento, como se observou em muitos discursos.

 

Destarte, ainda que, no processo de trabalho das equipes, a compreensão de acolhimento é incumbência dos atendentes e/ou recepcionistas, ficando esta prática restrita ao ambiente interno da unidade. Assim, evidenciou-se a grande fragilidade existente nas ações cotidianas dos profissionais, distanciando-os cada vez mais de conduta acolhedora. Ressalta-se, portanto, que o trabalho deve pautar-se na construção e fortalecimento do vínculo com os usuários, na confiança e no respeito, elementos essenciais à garantia de uma assistência mais humanizada e com elevado nível qualidade.

 

Logo, deve-se compreender que o acolhimento ainda se configura como um grande desafio na estruturação de um cuidado integral na Atenção Primária à Saúde, apesar de reconhecê-lo como essencial para construção de vínculos, satisfação dos usuários, bem como para a instrumentalização e operacionalização da gestão dos serviços de saúde. Ademais, acredita-se que a mobilização para a formação dialógica de profissionais para o acolhimento pode também reconfigurar a concepção dos usuários a respeito ESF como um espaço de pronto atendimento, contribuindo para solidificar a Atenção Primária à Saúde brasileira.

 

Por fim, aponta-se como principal limitação do estudo a recusa significativa de profissionais em participar do estudo. Sugere-se, concernente às mudanças no cenário da saúde brasileira, que o processo de acolhimento seja elencado em pesquisas e debates posteriores, uma vez que esse se figura com relevância diante de uma assistência integral.

 

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