5
AP Maciel, DCS Freitas, GHS Cruz
Conviver com a mastectomia: O cotidiano de mulheres mastectomizadas em
um centro de atendimento à mulher
Living with mastectomy: The daily life of women mastectomized in a service center
for women
Bruna Rodrigues de Jesus
1
Clara de Cássia Versiani
2
Bruna Mariane Nogueira Ruas
3
Nayara Ruas Cardoso
4
Danuse Silveira Martins
4
Geane Christie do Carmo Veloso
4
1
Enfermeira Especialista em Saúde da Mulher pela UNIMONTES.
2
Mestre em Enfermagem. Professora de Ensino Superior do Departamento de Enfermagem da UNIMONTES.
3
Enfermeira Graduada pela Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES.
4
Enfermeira Especialista em Saúde da Mulher pela UNIMONTES
Autor para correspondência:
Bruna Rodrigues de Jesus
Montes Claros-MG
Email: brunarodrije@gmail.com
Resumo: Este artigo visa conhecer o significado da mastectomia no cotidiano de mulheres em um
centro de referência de atendimento à mulher. É um estudo do tipo descritivo e exploratório, com
abordagem qualitativa, realizado em um em um centro de Programa Saúde da Mulher, situada na
cidade de Montes Claros, estado de Minas Gerais Brasil, desenvolvido com seis mulheres que
tiveram uma ou ambas as mamas extirpadas. Emergiram duas categorias temáticas: o diagnóstico
e o impacto da descoberta do câncer de mama, a influência e o enfrentamento do tratamento do
câncer de mama no cotidiano das mulheres. Os resultados mostraram vários tipos de situações que
variam dependendo do contexto em que a mulher está vivendo. É necessário um olhar holístico a
essa clientela auxiliando no enfrentamento dessa realidade, além da sensibilização e da reflexão
dos profissionais na assistência a essas mulheres.
Descritores: Qualidade de Vida; Saúde da Mulher; Mastectomia.
Abstract: This article aims to know the meaning of mastectomy in the daily lives of women in a
referral center for care for women. A descriptive and exploratory study with a qualitative approach,
carried out in one of a center of Women 's Health Program, located in the city of Montes Cla-
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 43
ros, Minas Gerais Brazil, developed with six women who had one or both breasts removed. Two
thematic categories emerged: the diagnosis and impact of the discovery of breast cancer, the influ-
ence and the confrontation of the treatment of breast cancer in the daily life of women. The results
showed various types of situations that vary depending on the context in which the woman is living.
It is necessary to have a holistic view of this clientele, helping to confront this reality, as well as the
awareness and reflection of the professionals in the care of these women.
Descriptors: Quality of life; Womens health; Mastectomy
Introdução
O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no mundo e o mais acomete a população
feminina brasileira. Segundo estimativa do Instituto Nacional do Câncer (INCA), para 2018 deverão
ocorrer 59.700 casos novos de câncer de mama
1
. Sendo considerado, em geral, um câncer de bom
prognóstico quando diagnosticado e tratado precocemente. As taxas de mortalidade por câncer da
mama continuam elevadas no Brasil. Provavelmente, devido ao diagnóstico em estádios
avançados
1
.
Na América Central e do Sul, as mais altas taxas de incidência e mortalidade foram
verificadas na Argentina, Brasil e Uruguai. A Mortalidade por esse tipo de câncer aumentou nas
cinco macrorregiões brasileiras. Esse crescimento se deve a maior exposição das mulheres a fatores
de risco consequentes do processo de urbanização e de mudanças no estilo de vida, agravados pelo
envelhecimento populacional
2
.
Condições endócrinas moduladas pela função ovariana, como a menarca precoce,
menopausa e gestação tardias, assim como a utilização de estrógenos exógenos, são componentes
relevantes do risco de desenvolvimento do câncer de mama. Em sinergismo com os fatores
hormonais, estudos observacionais indicam que o comportamento humano relacionado ao estilo
de vida como a inatividade física e os descuidos com a dieta tipo obesidade ou alcoolismo, podem
contribuir para o aumento da incidência do câncer de mama em todo o mundo
3
.
Ainda hoje, o diagnóstico de câncer é percebido como sendo uma sentença de morte,
mesmo com o avanço da medicina em relação ao tratamento e com o aumento de informações
veiculadas pela mídia
4
. O câncer de mama e seu tratamento podem levar a mulher a alterações na
sua autoimagem, além de perda funcional e mudanças a nível psíquico, emocional e social
5
.
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 44
As principais estratégias para o controle do câncer da mama são: prevenção primária
(identificação e correção dos fatores de risco evitáveis), prevenção secundária (detecção precoce e
tratamento) e prevenção terciária (reabilitação e cuidados paliativos). As estratégias de prevenção
secundária se destacam quanto à promoção de reduções nas taxas de mortalidade e, por esse
motivo, são as que vêm recebendo maior atenção dos sistemas nacionais de saúde
6
.
Além disso, vem ganhando grande destaque na saúde pública o Movimento Outubro Rosa,
que surgiu na última década como forma de prevenção primária. A ação foi criada no intuito de
mobilizar empresas, entidades e toda a população, com o intuito de conscientizar e chamar a
atenção para a importância da prevenção e da detecção precoce do câncer de mama
7
.
A literatura hoje está dividida. Algumas fontes não estimulam o autoexame mamário como
método isolado de detecção precoce do câncer de mama. A recomendação é que o exame das
mamas pela própria mulher faça parte das ações de educação para a saúde que contemplem o
conhecimento do próprio corpo. Evidências científicas sugerem que o autoexame das mamas não é
eficiente para a detecção precoce e não contribui para a redução da mortalidade por câncer de
mama. Além disso, traz consequências negativas, como aumento do número de biópsias de lesões
benignas, falsa sensação de segurança nos exames de diagnósticos falsamente negativos e impacto
psicológico negativo nos exames falsamente positivos
1
.
A mamografia, entre os métodos de diagnóstico por imagem, é o mais utilizado para o e
diagnóstico do câncer de mama, sendo Padrão Ouro em mastologia, principalmente, por seu baixo
custo e pela relativa acessibilidade. É eficaz para detectar lesões pequenas e impalpáveis ou em
estádios iniciais em mulheres acima de 40 anos
3
.
O INCA preconiza como utilização para tratamento de câncer de mama a cirurgia, quimioterapia,
radioterapia e hormonioterapia
1
.
A mastectomia ou cirurgia de remoção da mama é um dos tratamentos utilizados para
combater esse tipo de neoplasia, sendo realizada por meio de procedimento médico cirúrgico em
três abordagens: simples, que é a remoção somente da mama; radical, que a remoção da mama,
linfonodos regionais, músculos, tecido adiposo e pele; e modificada, que é a remoção da mama e
de uma parte da musculatura, com preservação de um ou ambos os sculos peitorais. A cirurgia
a ser realizada vai depender do tipo e do tamanho do tumor, da velocidade de disseminação das
células cancerosas e do estado geral da paciente
1
.
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 45
Esse procedimento, embora essencial no tratamento dos cânceres de mama, gera na mulher
um turbilhão de sentimentos causando um impacto físico e emocional que leva a repercussões
diversas nas diferentes esferas da mulher, tanto pessoais, quanto familiares e sociais
8
.
O câncer da mama e seu tratamento podem conduzir a mulher a alterações na sua
autoimagem, perda funcional, alterações psíquicas, emocionais e sociais. O câncer ainda é
entendido pelas pessoas, em geral, como sinônimo de dor, morte e sofrimento
5
.
Diante do exposto e considerando a relevância do assunto, espera-se que os resultados
obtidos ampliem os conhecimentos da comunidade específica sobre esta neoplasia e subsidiem
ações destinadas a garantir a melhoria no cotidiano da população feminina acometida pela
mastectomia.
O objetivo desse estudo é conhecer o significado da mastectomia no cotidiano de mulheres
em um centro de referência de atendimento à mulher, localizada em Montes Claros Minas Gerais
(MG), Brasil.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, de abordagem qualitativa, O cenário desta
investigação foi o Programa Saúde da Mulher, situado na cidade de Montes Claros, estado de Minas
Gerais Brasil. Desenvolvido com seis mulheres que tiveram uma ou ambas as mamas extirpadas e
participantes do Programa Viva Mulher.
Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário semiestruturado, contendo duas
partes. A primeira, referente à caracterização sociodemográfica (idade, naturalidade, estado civil,
escolaridade, profissão, data do diagnóstico e mastectomia) e a segunda tendo como base as
seguintes questões norteadoras: O que significou para você a mastectomia no seu cotidiano? Quais
foram às mudanças causadas pela mastectomia na sua vida? As entrevistas foram gravadas e
transcritas na íntegra para posterior análise. Ressalta-se que esta aconteceu somente após a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta de dados sucedeu no período
de agosto a outubro de 2015 sendo encerrada mediante a saturação dos depoimentos.
Para apreciação dos resultados, utilizou-se a Análise do Conteúdo, seguindo-se as fases: I
Pré-exploração do material ou leituras flutuantes do corpus das entrevistas; II Seleção das
unidades de análise (ou unidades de significados); e III O processo de Categorização
9
.
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 46
Após a análise foi realizado o processo de categorização dos dados que envolvem os temas,
segundo seu grau de intimidade ou proximidade, sendo dividido em duas etapas: a primeira delas
contemplou as informações referentes à caracterização dos sujeitos da pesquisa, e a segunda, a
análise temática dos depoimentos desses sujeitos.
Para manter o sigilo e o anonimato das mulheres, foi estabelecido um código para identificá-
las, utilizando-se de nomes de pedras preciosas: Ágata, Safira, Jade, Pérola, Esmeralda e Rubi. Estas
codificações estão presentes nesse estudo na fase de análise dos dados, expressas nos códigos
existentes após cada enunciação dos sujeitos envolvidos.
De acordo com as normas da Resolução nº 466/2012
10
, o Projeto de pesquisa desse estudo
foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros, para
apreciação, sendo aprovado por meio do Parecer Consubstanciado nº024036/2015. Todas as
participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da entrevista
realizada.
Resultados e discussão
Por meio da leitura e análise exaustiva dos conteúdos das entrevistas, foi possível, num
primeiro momento, caracterizar as participantes envolvidas na pesquisa, e, por conseguinte,
organizar os discursos em duas categorias: o diagnóstico e o impacto da descoberta do câncer de
mama, a influência e o enfrentamento do tratamento do câncer de mama no cotidiano das
mulheres, relacionando-os com as mudanças ocorridas em suas vidas pós-mastectomia, bem como
os modos de enfrentamento utilizados por elas frente à mastectomia.
Como resultados obtidos destacam-se breve caracterização das entrevistadas na faixa etária
entre 45 a 65 anos. Possuíam o nível de escolaridade variado, algumas tendo ensino médio
completo, outras, ensino fundamental incompleto e completo. Do total de mulheres, a maioria é do
lar e uma é cantineira. Quanto ao estado conjugal, continham casadas e viúvas. Metade das
mulheres se declarou católica, e a outra metade, evangélica. O tempo em que a cirurgia da
mastectomia foi realizada teve variação de 5 a 18 anos. Todas as mulheres, quando foram
entrevistadas, estavam com mais de 10 anos de cirurgia.
O diagnóstico e o impacto da descoberta do câncer de mama
As entrevistas apontam que a descoberta do nódulo mamário foi feita pelas próprias
mulheres.
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 47
Um dia, não sei que mexida foi, sei que eu peguei no meu peito e senti que parecia
um carocinho de arroz no peito direito. Ele não movia de lugar. minha vizinha
falou assim: isso não é normal. Eu falei que eu não sentia dor, pra quê procurar
médico?’”(Ágata).
Eu tava tomando banho, eu tava passando o sabonete assim, e o sabonete caiu
e minha o passou. Na hora que minha mão passou, eu senti um carocinho, aí eu
fui apalpando e vi que era um caroço. (Jade).
O diagnóstico de neoplasia da mama geralmente é associado em 60% dos casos com a
presença de um nódulo palpável
11
.
Porém, mesmo com o impacto da descoberta, as mulheres demoraram a procurar
assistência conforme relatos a seguir:
eu fiquei um ano sem procurar médico. O caroço já tava bem maior (Ágata).
um dia eu fui no posto, falei com a menina, ‘ó, eu tô com um caroço no peito que
crescendo, e ele o sai do lugar, firme e não i. Ela pegou e falou:
menina do céu, quê isso? Ó, você vai ter que arrumar um dico pra te ajudar,
você ainda é muito nova, dá tempo se cuidar’” (Pérola)
Apesar das informações que as mulheres recebem sobre o câncer de mama e as medidas
necessárias para sua detecção precoce, esse conhecimento parece ser insuficiente para modificar
hábitos e comportamentos, impedindo a busca e o acompanhamento médico ainda na fase
assintomática
11
.
As preocupações sobre a ameaça à vida e à saúde, bem como o medo do desfiguramento,
invalidez e angústia associados ao tratamento são comuns para todas as mulheres que enfrentam
um diagnóstico de câncer de mama
12
.
A confirmação da doença trouxe uma rie de sentimentos dolorosos que se refletiram no
cotidiano das mulheres, trazendo preocupações e produzindo a sensação de condenação. A vida
pareceu para essas mulheres desmoronar junto com todos os projetos, expectativas, desejos e
conquistas.
Mas foi uma luta. Achei que eu tava condenada à morte, isso é uma doença que
mata. (Ágata).
Os relatos de algumas participantes demonstram claramente que a doença provocou uma
série de mudanças em suas vidas, interferindo sobremaneira no modo como se sentem em relação
a si mesmas e no modo como percebem a vida
8
.
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 48
O sentimento de medo é frequentemente associado à palavra câncer, pois algumas
mulheres carregam o estigma de uma doença letal e assustadora, transmitindo toda a vivência de
uma cultura na qual ter câncer é sinônimo de morte
12
.
A influência e o enfrentamento do tratamento do câncer de mama no cotidiano das
mulheres
A fala das mulheres mastectomizadas, no que se refere à alteração na percepção do próprio
corpo, revela a insatisfação e a não aceitação de alguma delas, logo após a cirurgia. A percepção
que têm de seu corpo atual, alterado e estranho, gera sentimentos de auto depreciação e
impotência, como demonstra o seguinte relato:
Eu me via estranha, sabe? Eu me olhava o espelho e me sentia parecendo um ET
faltando um pedaço do meu corpo (risos) (Pérola).
A mastectomia, por ser uma cirurgia de amputação, leva a uma grande mudança na vida da
mulher, pois, além de representar a extração de uma parte do corpo considerado como símbolo da
feminilidade, ocasiona alterações no universo biopsicossocial da mulher
12
.
A cirurgia é uma etapa do tratamento adjetivada pelas mulheres como difícil, horrível, ruim.
Pois as dificuldades vivenciadas pelas mulheres que passam pela mastectomia, giram em torno do
comprometimento da sua autoimagem, da dor, das dificuldades físicas e a tristeza com a retirada
da mama
13
.
Foi horrível saber que ia ter que tirar um peito. Nossa, eu chorava, mais eu
chorava (Pérola).
As mulheres acometidas pelo câncer de mama apresentam um comprometimento no
exercício da sexualidade, em decorrência da mutilação e alterações na imagem corporal, dor, fadiga,
mal-estar após a quimioterapia, perda do desejo sexual, estresse emocional e pelo medo de agravar
a atual condição. O medo em relação à perda da feminilidade e atração sexual, que poderiam
ocorrer no relacionamento conjugal pós-mastectomia, foi expresso neste trecho da entrevista:
Eu me alembro que eu falava com meu marido assim: ah, você vai me largar.
Mesmo com todo o apoio que ele me deu, eu ficava com medo, sabe? Vai que ele
ia deixar de ter sentimento por mim? (Pérola).
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 49
Alguns autores relatam a dificuldade de ficar com alguém em uma situação amedrontadora
e de tanto sofrimento como a mastectomia, que requer reestruturação relacional, familiar e
dedicação frente a uma sociedade que valoriza a estética. Certamente a reação do parceiro afetará
o restabelecimento, a recuperação da identidade corporal, sexual e relacional
12
.
Além da mastectomia, a mulher com câncer é submetida a tratamentos não cirúrgicos, como
a radioterapia e a quimioterapia. Os efeitos da quimioterapia geralmente são vivenciados com
angústia e estresse pela mulher em tratamento, uma vez que uma série de alterações físicas
importantes como fadiga, menopausa induzida, ganho ou perda de peso e perda dos cabelos
16
.
Alguns desses fatos podem ser expressos neste depoimento:
Ah, a gente passa muito mal, né? É muito enjoo, mal estar, começa a repugnar as
comida. Nossa, é muito difícil. Ah, menina, eu senti vergonha demais depois que o
cabelo caiu. Eu tinha um cabeo, sabe? Pretim, pretim (risos). foi todo embora.
Eu tinha que tacar pano na cabeça pra ver se despistava pelo menos um pouco, né”
(Esmeralda).
A alopecia como um dos efeitos colaterais do tratamento quimioterápico pode levar a um
sentimento de vergonha, preconceito, rejeição e a busca pelo isolamento.
Mas a pior coisa é a gente perder o cabelo. Fica envergonhada, não queria ir mais
à igreja, em lugar nenhum. A gente fica assim, e as pessoas ficam olhando ainda
pra gente (Rubi).
Os cabelos femininos e a simetria corporal são considerados atributos presentes em ideais
de feminilidade, de beleza e de saúde que circulam nas sociedades e no cotidiano das mulheres que
passam pelo câncer de mama; assim, mulheres apegadas a tais ideais podem ter maior sofrimento
e angústia por terem vivenciado alterações corporais
A alopecia para a mulher com câncer de mama é considerada como um dos pontos mais
complicados de ser encarados em relação ao tratamento quimioterápico, todavia, apesar da sua
importância e relevância
16
, para uma das participantes do estudo a cura sobressai aos sentimentos
negativos em relação a alopecia, conforme relato:
Quando eu fui fazer o tratamento, o médico me falou assim, meu cabelo era grande
né, assim, maior que o seu, ‘ó Dona Tereza, vai ter que cortar o cabelo porque
costuma cair um pouco do cabelo. Eu falei ‘ó doutor, eu num quero saber do cabelo
o, euquero que Deus me cura. O Cabelo cai um, nasce outro’”(Safira).
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 50
Por outro lado, no retrato da vida atual, as informantes relataram poucas dificuldades
encontradas na retomada da vida social após a mastectomia.
Hoje em dia num faz diferença nenhuma, eu não sinto falta do pedaço de peito,
não sinto nada(Safira).
Ah, agora alto astral (risos). Às vezes até esqueço que passei por aquilo tudo
(Jade).
Assim, a alto-estima das mulheres mastectomizadas está intimamente correlacionada com
as questões físicas e psicológicas, reafirmando a valorização de um pensamento positiva em relação
a si mesma e nas diferentes experiências vivenciadas
17-18
.
A fase do diagnóstico e pós-tratamento são as mais difíceis para uma mulher
mastectomizada, porém visualizando o relato das mulheres entrevistadas foi possível observar
que as mulheres conseguem criar estratégias de enfrentamento para o adoecimento, e para tentar
substituir ou suprir a falta da mama com simples ações.
A em Deus foi à principal alternativa que as mulheres com câncer de mama buscaram para
enfrentarem o tratamento. Mesmo nas pacientes que citam o avanço da medicina como um apoio
na esperançada cura, à espiritualidade aparece. A busca divina é uma opção alternativa,
culturalmente marcada nas vidas de pacientes oncológicos
19-20
. Os relatos mostram que a em um
ser superior traz forças abstratas para encarar melhor a enfermidade:
A gente tem que ter muita fé em Deus, porque cada pessoa nasce com uma coisa
que tem que vencer, a pessoa tem que ter paciência, tem que ter e confiar
(Pérola).
Deus não me deixou ficar com medo, nem preocupada (...). Foi tudo tranquilo,
graças a Deus. (Safira).
Também se torna evidente a importância do apoio do parceiro de forma integral para
recuperação delas neste momento de enfrentamento da doença. O sofrimento psicológico da
mulher que passa pela circunstância de ser portadora de um câncer de mama e de ter que
submeter-se a um tratamento difícil transcende o sofrimento configurado pela doença. Esse
sofrimento comporta representações e significados atribuídos à doença ao longo da história e da
cultura interferindo nas relações interpessoais, principalmente nas mais íntimas e básicas da mulher
17
. A maioria dos relatos mostra aspectos positivos de apoio do parceiro:
Não tive diferença com meu marido. Quanto a isso o. Mas que deu medo na
época deu. Eu me olhava no espelho e pensava: como que meu marido ainda vai
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 51
ter algum tipo de atração por mim? Eu aqui com um peito só, toda esquisita. Mas
o, ele nem um minuto me desprezou (Esmeralda).
Meu marido me apoiou também, que eu tinha meu marido esse tempo. Tem uns
que tem briga, confusão, mas comigo não (Safira).
Os maridos poderão adquirir capacidade de dar suporte emocional a sua esposa, à medida
que desenvolverem uma sustentação moral e afetiva, o que implicará numa nova adaptação da
mulher a nova condição de saúde. Porém é valido ressaltar, que o marido deve ser incluído na
problemática da doença como objeto de cuidado, porque os mesmos sentimentos que as mulheres
experenciam também podem ser vivenciados por eles. Essa condição pode torná-lo próximo da
mesma ou afastá-lo, caso ele não tenha mecanismos de adaptação e enfrentamento
potencializados
20
.
Além disso, a participação da família no tratamento do câncer torna-se essencial. A situação
vivenciada por ambas as partes poderá ser o início para a abertura de uma interação e uma
comunicação mais afetiva e mais significativa. O apoio familiar auxilia a mulher a lutar contra a
doença, supre suas carências emocionais e alcança uma maior aceitação e estabilidade
comportamental. Esse apoio pode ser observado nos seguintes discursos:
Eita, se não fosse minha família, sei não (risos). Eles em apoiaram demais (Jade).
Ela me deu muito apoio. Minha irmã sempre esteve do meu lado e sempre falava
pra mim não preocupar, que ela tava ali era pra ajudar (Safira).
A atenção e o suporte oferecido pela família permitem que a mulher enfrente os desafios do
processo terapêutico com segurança e força, porquanto os familiares desenvolvem papel
importante na vida do doente em todos os aspectos - sociais, emocionais ou afetivos
8-19
.
Por meio da comunicação, as mulheres podem aliviar suas tensões, trocar experiências com
mulheres que se submeteram ao mesmo tratamento, tirar dúvidas sobre o câncer e manter-se
informadas sobre assuntos do seu interesse
21-22
.
A experiência pessoal de participação em Grupos de Apoio a mulheres que se submeteram
à mastectomia vem sendo de grande valia para a melhoria da qualidade de vida destas, no que
concerne ao resgate de sua autoestima e da cidadania
15
.
(...) e começa as amizades. Estou no grupo desde quando fiz a cirurgia. Deus é tão
bom que aparece umas pessoas na vida da gente que fica assim como se fosse da
família da gente mesmo, aquela amizade tão bonita sabe? Que não consegue nem
parar de se comunicar (Ágata).
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 52
O grupo de apoio na vivência de uma experiência traumática como a mastectomia para a
mulher é uma peça fundamental na melhora da expectativa de vida, devendo ser valorizado em sua
singularidade com uma visão holística e humanizado
23
.
Considerações finais
As repercussões da mastectomia na vida da mulher acarretaram vários tipos de
enfrentamentos que variam dependendo do contexto que a mesma se encontra. É certo que a
experiência da mastectomia é ampla e distinta para cada mulher, envolvendo implicações na vida
diária, além das relações entre ela e as pessoas do seu convívio.
Como suportes essenciais para superação das dificuldades e evidência para a força dessas
mulheres, a família e o grupo de apoio trazem benefícios para o enfretamento de suas carências
emocionais. Outros aspectos importantes se expressaram nas expectativas voltadas para cura, na
fé e em atitudes positivas em relação à autoestima.
Por fim, por se tratar de um assunto de magnitude importante, seria necessário que os profissionais
de saúde auxiliem as mulheres com câncer de mama a enfrentar e mediar às mudanças que ocorrem
em suas vidas devido à mastectomia. Nesse sentido, a enfermagem como parte da equipe
multiprofissional pode contribuir para esse desafio na vida das mulheres, focada na integralidade
do processo saúde e doença. É necessário um olhar holístico a essa clientela auxiliando no
enfrentamento dessa realidade, além da sensibilização e da reflexão dos profissionais na assistência
a essas mulheres.
Referências
1.INCA, Instituto Nacional de Câncer JoAlencar Gomes da Silva. Estimativa do câncer no Brasil,
2018. <Disponível em: https://www.inca.gov.br/números-de-casos> Acesso em: 01/02/2019.
2. Arn Migowski
A, Silva GA, DIAS AMB, DIZ, ADPE, et al. Diretrizes para detecção precoce do
câncer de mama no Brasil. II Novas recomendações nacionais, principais evidências e
controvérsias. Cad. Saúde Pública 2018; 34(6):e00074817.< Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2018000600502&script=sci_abstract&tlng=pt>
Acesso em: 01/02/2019.
3.Martins MMB, Farias MDBS, Silva IS. Sentimentos pós mastectomia em mulheres atendidas em
uma associação de apoio às pessoas com câncer. Rev. Gest.Saúde(Brasília) Vol.07, N°. 02, Ano
2016.p 596-07. < Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5555898>
Acesso em: 01/02/2019.
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 53
4.Cavalcantea MLF, Chavesb F,Ayalac ALM. Câncer de mama: sentimentos e percepções das
mulheres mastectomizadas. Rev. Aten. Saúde, São Caetano do Sul, v. 14, n. 49, p. 41-52, jul./set.,
2016.<Disponível em:
http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_ciencias_saude/article/view/3736>
Acesso em:02/02/2019.
5.Faria
NC, Fangel
LMV, Almeida
AM, et al. Ajustamento psicossocial após mastectomia - um olhar
sobre a qualidade de vida. Psic., Saúde & Doenças vol.17 no.2 Lisboa set. 2016. <Disponível
em: http://dx.doi.org/10.15309/16psd17020> Acesso em: 05/02/2019.
6- Ohl ICB, Ohl RIB, Chavaglia SRR, Goldman RE. Public actions for control of breast cancer in
Brazil: integrative review. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016;69(4):746-55. < Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690424i> Acesso em: 05/02/2019.
7.Oncoguia, I. Outubro Rosa: O mês em que o mundo é colorido de rosa em prol da
conscientização e detecção precoce do câncer de mama. Set. 2015. <Disponível em:
http://www.oncoguia.org.br/conteudo/artigo-outubro-rosa-o-mes-em-que-o-mundo-e-colorido-
de-rosa-em-prol-da-conscientizacao-e-deteccao-precoce-do-cancer-de-mama/919/8> Acesso em:
05/02/2019.
8- Ambrósio ACM,Santos MA. Apoio social à mulher mastectomizada: um estudo de revisão.
Ciência & Saúde Coletiva, 20(3):851-864, 2015
9- Bardin, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2016.
10- Conselho Nacional de Saúde (Brasil). Resolução n
o
466, de 12 de dezembro de 2012. Brasília,
2012 Disponível em: http://www.conselho.saude.gov.br/web_comissoes/conep/index.html.>
Acesso em: 05/02/2019.
11. Paiva, CJK de; Cesse, EAP. Aspectos Relacionados ao Atraso no Diagnóstico e Tratamento do
Câncer de Mama em uma Unidade Hospitalar de Pernambuco. Revista Brasileira de Cancerologia,
v.61(1): 23-30, 2015. < Disponível em: ww1.inca.gov.br/rbc/n_61/v01/pdf/05-artigo-aspectos-
relacionados-ao-atraso-no-diagnostico-e-tratamento-do-cancer-de-mama-em-uma-unidade-
hospitalar-de-pernambuco.pdf> Acesso em: 05/02/2019.
12- Batista KA, Merces MC, Santana AIC , Pinheiro SL, et al. Sentimentos de mulheres com câncer
de mama após mastectomia. Revista de Enfermagem, Recife, v. 11, n. 7, p.2788-2794, 2017.
Disponível em: http://bases.bireme.br/cgi-
bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=BDENF&lang=p&nextAction
=lnk&exprSearch=32348&indexSearch=ID> Acesso em: 05/02/2019.
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 54
13- Cavalcante, MLF; Chaves, F; Ayalac, ALM. Câncer de mama: sentimentos e percepções das
mulheres mastectomizadas. Rev. Aten. Saúde, São Caetano do Sul, v. 14, n. 49, p. 41-52, jul./set.,
2016. < Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/324236052_Cancer_de_mama_sentimentos_e_percep
coes_das_mulheres_diante_do_diagnostico_Breast_cancer_feelings_and_perceptions_of_women
_before_the_diagnosis> Acesso em: 05/02/2019.
14.Oliveira FBM, Silva FS, Prazere ASB. Impacto do câncer de mama e da mastectomia na
sexualidade feminina. Revista de Enfermagem, Recife, v. 11, n. 6, p.2533-2540, 2017<. Disponível
em: https://bases.bireme.br/CGI
bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=BDENF&lang=p&nextAction
=lnk&exprSearch=32216&indexSearch=ID> Acesso em: 05/02/2019.
15.Varela, AIS, Rosa LM, Sebold N, et al. Comprometimento da sexualidade de mulheres com
câncer de mama. Enfermagem em Foco: Revista oficial do Conselho Federal de Enfermagem, v. 8,
n. 1, p.67-71, 2017.< Disponível em:
http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/764> Acesso em: 05/02/2019.
16. Reis APA , Gradim CVC. A alopecia no câncer de mama. Rev enferm UFPE on line., Recife,
12(2):447-55, fev., 2018. < Disponível em: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i2a25097p447-
455-2018> Acesso em: 05/02/2019.
17.Barros AES , Conde CR , Lemos TMR , Kunz JA, Ferreira MLSM. Sentimentos vivenciados por
mulheres ao receberem o diagnóstico de câncer de mama. Rev enferm UFPE on line., Recife,
12(1):102-11, jan., 2018<Disponível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/23520/25902> Acesso
em: 05/02/2019.
18. Gomes NS, Soares MBO, Silva SR da S. Autoestima e qualidade de vida de mulheres
submetidas à cirurgia oncológica de mama. Rev Min Enferm. 2015 abr/jun; 19(2): 120-
126.<Disponível em: http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/1010> Acesso em: 05/02/2019.
19. Santos IDL, Alvares RB, Lima NM , et al. Câncer de mama: o apoio recebido no enfrentamento
da doença. Rev enferm UFPE on line., Recife, 11(Supl. 8):3222-7, ago., 2017< Disponível em:
http://bases.bireme.br/cgibin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=B
DENF&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=33225&indexSearch=ID> Acesso em:11/01/2019.
20.Yoshimochi LTB, Santos MA, Loyola EAC, Magalhães PAP, Panobianco MS. The experience of
the partners of women with breast cancer. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e 03366. DOI: <
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017025203366> Acesso em:11/01/2019.
21. Campbell-Enns HJ, Woodgate RL. The psychosocial experiences of women with breast cancer
across the. Psico-histologia 2017 Nov; 26 (11): 1711-1721. doi: 10.1002 / pon.4281. Epub 2016 4
de outubro. < Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26447012> Acesso
em:10/01/2019.
BR de Jesus, et al.
Revista Norte Mineira de Enfermagem. 2018;7(2): 42-55 55
22.Martins ARB, Ouro TA, Neri
M. Compartilhando vivências: contribuição de um grupo de Apoio
para mulheres com câncer de mama. Rev. SBPH vol.18 no.1 Rio de Janeiro jun. 2015. Disponível
em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582015000100007>
Acesso em:10/01/2019.
23. Farias LMA, Aguiar VCFA, Carvalho AMF, et al. Grupo de mulheres mastectomizadas:
construindo estratégias de cuidado. Rev. de Políticas Públicas, Sobral, V.14, n.02, p.91-97, jul./dez.
2015. <Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27648726> Acesso
em:10/01/2019.

Apontamentos

  • Não há apontamentos.