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Revista Desenvolvimento Social, vol. 30, n. 2, jul/dez, 2024
PPGDS/Unimontes-MG
arraial do Curral del Rey, logo após a chegada da CCNC ao local, pode ser considerada a
primeira violência, realizada sob anuência do Estado, ocorrida no sítio da nova capital.
Para se ter ideia, dentro dos preceitos higienistas e sanitaristas que nortearam
não só a construção da capital, mas também as reformas urbanas ocorridas nos
principais centros urbanos brasileiros durante o período da República Velha (1889-
1930), cronistas e funcionários da CCNC como Alfredo Camarate e Fábio Nunes Leal por
diversas vezes afirmaram que a população do arraial era “atrofiada e fraca, doentia e
defeituosa” (Minas Geraes, 1894, p.14) e não eram com certeza “dignos deste torrão de
primor, pelo clima, pela posição, pela beleza os seus possuidores em 1894” (Minas
Gerais, 1894, p.15).
Os preceitos segregacionistas são bastante claros nas palavras de Camarate e
Nunes Leal que, alinhados com o discurso oficial, buscaram criar justificativas para a
remoção forçada da população do arraial. Nesse contexto, como observado por Nixon
(2011, p.3) em relação à violência lenta, “um desafio importante é representacional:
como conceber histórias, imagens e símbolos cativantes adequados à violência
disseminada, mas elusiva de efeitos deferidos”.
Na busca incessante por justificativas da expulsão dos curralenses do seu arraial,
Nunes Leal afirmou que nunca sairia do arraial algum indivíduo ilustre que o tiraria das
trevas da ignorância e da indolência, observando ainda que a quase totalidade das
crianças do Curral del Rey andavam descalços, exemplos que, para o secretário, atestam
um atraso incompatível com os planos para a nova capital, ao afirmar que os habitantes
no futuro ficarão “surpreendidos de ter habitado nela uma população tão mesquinha, e
não haver, há muitos anos, sido escolhido este arraial para a construção de uma grande
cidade”. (Minas Gerais, 1894, p.4).
A expulsão dos moradores se deu em um curto espaço de tempo, sendo então
obrigados a buscarem novos locais de moradia nos arrabaldes da nova capital, em
particular os povoados do Calafate e Piteiras, “transformados em bairros suburbanos
nos primeiros anos da nova capital” (Aguiar, 2006, p.293). Em menor escala os povoados
de Cachoeira, João Carlos, Bento Pires e Cardoso também receberam os curralenses
expulsos ou parcialmente indenizados pelo Estado, como Dias (1897, p.85), pároco e
testemunha das expulsões ocorridas no arraial, observou ao falar da emigração forçada
do arraial quando, por muitas vezes com lágrimas nos olhos, os curralenses se