Vol. 30, n. 2, jul/dez, 2024
ISSN: 2179-6807 (online)
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Revista Desenvolvimento Social, vol. 30, n. 2, jul/dez, 2024
PPGDS/Unimontes-MG
TERRITÓRIOS DO AMANHÃ: O QUILOMBO DO MOLA, AMAZÔNIA, BRASIL
Diogo Menezes Costa
1
Resumo:
A pesquisa busca expandir o território quilombola para o ambiente digital, propondo a
criação de um arquivo de memória colaborativa e um território virtual que atua como
extensão protética do espaço físico. Práticas como a modelagem eletrônica e a
cartografia afetiva oferecem suporte para preservar e comunicar o legado histórico e
contemporâneo das comunidades quilombolas da Amazônia, promovendo
continuidades culturais em novas espacialidades. Este estudo explora as interações
materiais e não-materiais em um quilombo amazônico, incorporando uma abordagem
arqueológica e digital para compreender a construção de identidades e a preservação
do patrimônio quilombola. Utilizando métodos de observação de campo e análise
material, examinamos fragmentos de cerâmica, latas de alumínio, chinelos e outros
artefatos cotidianos, enfatizando a relevância de uma arqueologia do tempo presente e
futuro. Conclui-se que a sobreposição de temporalidades e a transposição de elementos
físicos para o virtual são cruciais na reinterpretação e gestão do patrimônio cultural,
garantindo representatividade e continuidade identitária no contexto digital.
Palavras-chave: Arqueologia digital. Quilombos amazônicos. Memória colaborativa.
Patrimônio cultural. Cartografia afetiva.
TOMORROW’S TERRITORY: THE QUILOMBO OF MOLA, AMAZON, BRAZIL
Abstract: The research proposes expanding quilombola territory into the digital
environment by creating a collaborative memory archive and a virtual territory that acts
as a prosthetic extension of the physical space. Practices such as electronic modeling
and affective cartography support the preservation and communication of the historical
and contemporary legacies of Amazonian quilombola communities, promoting cultural
continuity in new spatialities. This study explores material and non-material interactions
within an Amazonian quilombo, employing both archaeological and digital approaches
1
Professor de Arqueologia na FACS/PPGA/FACORE/PPGPATRI da UFPA e Pesquisador CAPES/CNPq, Grupo
GAhIA de pesquisas/LAARQ+. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4220-8232. E-mail: dmcosta@ufpa.br.
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to understand identity construction and quilombola heritage preservation. Using field
observation and material analysis, we examine ceramic fragments, aluminum cans, flip-
flops, and other everyday artifacts, emphasizing the importance of an archaeology of
the present and future. We conclude that the overlap of temporalities and the
transposition of physical elements into the virtual realm are crucial in the
reinterpretation and management of cultural heritage, ensuring representativity and
identity continuity in the digital context.
Keywords: Digital archaeology. Amazonian quilombos. Collaborative memory. Cultural
heritage. Affective cartography.
TERRITORIOS DEL MAÑANA: EL QUILOMBO DEL MOLA, AMAZONÍA, BRASIL
Resumen: La investigación propone expandir el territorio quilombola al entorno digital
mediante la creación de un archivo de memoria colaborativa y un territorio virtual que
actúe como una extensión protética del espacio físico. Prácticas como la modelación
electrónica y la cartografía afectiva apoyan la preservación y comunicación del legado
histórico y contemporáneo de las comunidades quilombolas amazónicas, promoviendo
la continuidad cultural en nuevas espacialidades. Este estudio explora las interacciones
materiales y no materiales en un quilombo amazónico, empleando enfoques
arqueológicos y digitales para comprender la construcción de identidades y la
preservación del patrimonio quilombola. Utilizando la observación en campo y el análisis
de materiales, examinamos fragmentos de cerámica, latas de aluminio, chancletas y
otros artefactos cotidianos, destacando la importancia de una arqueología del presente
y del futuro. Concluimos que la superposición de temporalidades y la transposición de
elementos físicos al ámbito virtual son cruciales en la reinterpretación y gestión del
patrimonio cultural, garantizando representatividad y continuidad identitaria en el
contexto digital.
Palabras-clave: Arqueología digital. Quilombos amazónicos. Memoria colaborativa.
Patrimonio cultural. Cartografía afectiva.
INTRODUÇÃO
Este estudo, intitulado "Territórios do Amanhã: O Quilombo do Mola, Amazônia,
Brasil", não pretende falar em nome de nenhuma comunidade quilombola específica,
mas sim refletir um pensamento dialógico dedicado ao estudo de quilombos históricos
e senzalas arqueológicas na Amazônia brasileira a uma década.
O trabalho se desenvolve a partir de duas pesquisas independentes, mas
complementares, no campo das tecnologias do patrimônio, com um robusto histórico
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de publicações e um database abrangente sobre o tema em todo o Brasil. A primeira
pesquisa é de natureza empírica, característica essencial da prática arqueológica,
focando na análise de materiais e estruturas que revelam a organização social e
econômica dos quilombos. A segunda pesquisa adota uma abordagem dialética,
propondo uma síntese entre o real e o virtual, explorando como as tecnologias digitais
podem servir como ferramentas para a preservação e promoção da cultura quilombola.
A justificativa para ambas as pesquisas reside na necessidade de preservar e valorizar o
patrimônio cultural quilombola, enfrentando os desafios contemporâneos de
invisibilização e marginalização dessas comunidades. A pesquisa arqueológica busca
desenterrar e interpretar vestígios materiais que contam a história de resistência e
adaptação dos quilombolas, enquanto a pesquisa digital visa criar uma presença virtual
que amplifique suas vozes e narrativas culturais.
Os objetivos das pesquisas são interligados e antropológicos, promovendo uma
retroalimentação entre o estudo arqueológico e a inovação digital. A metodologia
empregada é prática e já validada em publicações anteriores, envolvendo: Modelagem
Eletrônica e Simulação Computacional: Para recriar digitalmente aspectos do quilombo,
permitindo uma interação com o passado de forma imersiva. Memória Digital
Colaborativa e Arquivo Vivo: Para desenvolver um repositório digital onde a
comunidade pode contribuir com histórias, imagens e documentos, mantendo a
memória coletiva viva e acessível. Redes Sociais e Espaços de Relacionamento: Para
utilizar plataformas digitais como meios de comunicação e fortalecimento da identidade
quilombola. Aplicação de Realidade Aumentada (RA): Para integrar informações digitais
ao ambiente físico do quilombo, enriquecendo a experiência educativa e cultural.
Cartografia Afetiva e Mapas Colaborativos: Para mapear as conexões emocionais e
culturais dos membros da comunidade com seu território, criando um registro dinâmico
e participativo.
O presente trabalho é significativamente norteado pelo livro "Poética da
Relação" de Édouard Glissant, traduzido por Eduardo Jorge e Marcela Vieira (2021).
Glissant oferece uma perspectiva crítica e poética sobre a interconexão cultural e a
identidade, dialogando de maneira profunda com a filosofia de Gilles Deleuze e Félix
Guattari, especialmente em sua concepção de rizoma em oposição ao "tronco-
centrismo" da raiz. Enquanto a raiz sugere um ponto fixo, uma origem estável e uma
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hierarquia, o rizoma representa a multiplicidade, a conexão não-linear e a fluidez das
relações. Glissant, ao reinterpretar esses conceitos, desafia a noção de identidade
cultural como algo estático e homogêneo, propondo, em vez disso, uma visão dinâmica
e relacional, "depurada" de uma perspectiva kantiana que tende a fixar e categorizar.
Essa abordagem é essencial para o entendimento do território virtual do Quilombo do
Mola, onde a identidade e a memória cultural são vistas como entidades em constante
transformação e interação, resistindo a qualquer tentativa de simplificação ou
imobilização conceitual.
AS INTERAÇÕES MATERIAIS NO TERRITÓRIO “NÃO-URBANO” DE UM QUILOMBO
No dia 29 de julho de 2013, realizou-se uma visita arqueológica à comunidade
remanescente de quilombo do Igarapé Mola, situada no município de Cametá, no
nordeste do estado do Pará (imagem 1). Essa expedição foi fruto de um convite do
professor Hilton P. Silva, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e presidente do
Instituto Socioambiental e Arqueológico da Amazônia (ISAAR). O campo foi coordenado
pelo professor João Arroyo, reforçando o caráter interdisciplinar da investigação
arqueológica na região. Além disso, contou com a participação do secretário Ivon e
outros integrantes, o que evidencia o esforço coletivo e a integração de diferentes
agentes no estudo das memórias e heranças materiais dos quilombolas amazônicos. A
visita representou um passo significativo no reconhecimento e preservação do
patrimônio cultural afrodescendente na região do Pará, contribuindo para a valorização
da história e das tradições locais.
A visita ao Quilombo do Igarapé Mola teve início por volta das 7:00h, com a
equipe partindo de Cametá em direção ao povoado de Juaba, navegando pelo rio
Tocantins, em direção sul. A travessia fluvial, que durou aproximadamente uma hora,
proporcionou uma visão panorâmica das paisagens ribeirinhas características da região
amazônica. Ao chegarem ao entreposto de Juaba, a viagem continuou por terra,
utilizando motocicletas para atravessar o trajeto até a comunidade quilombola de
Tomásia, numa jornada de cerca de 30 minutos. Essa combinação de meios de
transporte ilustra os desafios logísticos enfrentados nas pesquisas de campo em áreas
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remotas da Amazônia, além de evidenciar a importância da acessibilidade nas
comunidades tradicionais quilombolas, muitas das quais dependem de rotas fluviais e
trilhas. A chegada à comunidade de Tomásia marcou o primeiro contato desta expedição
com o território quilombola, ponto de partida para o estudo arqueológico e etnográfico
das memórias e vestígios culturais afrodescendentes na região.
Imagem 1: Mapa esquemático dos quilombos estudados (Autor, 2025).
A partir da comunidade de Tomásia, continuei a viagem de moto, acompanhado
pelo morador local Carlinhos, por mais 30 minutos até chegar ao quilombo do Itapocu,
e em seguida ao quilombo do Igarapé Mola. A travessia por caminhos de terra, passando
por áreas de mata e pequenas vilas, reflete a natureza isolada e rural dessas
comunidades quilombolas, situadas nas profundezas da Amazônia. Ao chegarmos ao
quilombo do Mola, conforme as orientações prévias, buscamos o senhor Benedito
Gonzaga Coelho, uma figura de referência local, que gentilmente nos recebeu em sua
casa O encontro com senhor Benedito marcou o início das interações diretas com os
membros da comunidade, essenciais para o trabalho arqueológico e etnográfico, e
possibilitou o acesso a histórias orais, memórias e informações valiosas sobre a cultura
e as práticas tradicionais do quilombo. Essas interações reforçam a importância do
diálogo e da colaboração com os moradores locais no processo de pesquisa, valorizando
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seus conhecimentos e suas experiências como parte fundamental do estudo
arqueológico.
A imagem do Quilombo mostra uma área rural em ambiente amazônico,
caracterizada por uma vegetação abundante de árvores frutíferas e solo exposto, com
algumas folhas secas dispersas. Ao fundo, é possível observar uma construção simples,
com paredes de madeira e telhado de telhas cerâmicas, sugerindo uma habitação típica
de comunidades rurais da região. No lado direito da imagem, o senhor Benedito está de
à sombra de uma árvore, sugerindo a interação cotidiana dos moradores com o
ambiente ao redor. À esquerda, a motocicleta esparcialmente visível, indicando a
adaptação das comunidades locais ao uso de tecnologias modernas para facilitar a
locomoção em áreas remotas.
Do ponto de vista acadêmico, essa cena pode ser interpretada como parte do
contexto material e social das comunidades quilombolas ou rurais amazônicas. O
ambiente mostra uma organização espacial que reflete práticas tradicionais de manejo
de terra, com o cultivo de árvores frutíferas no quintal e a manutenção de espaços livres
para circulação e atividades cotidianas. A casa de madeira, integrada à paisagem, é um
exemplo das técnicas construtivas locais que buscam utilizar os recursos disponíveis,
enquanto a motocicleta evidencia as influências modernas no modo de vida da
comunidade. Essas evidências apontam para a resiliência cultural e a adaptabilidade
dessas populações, temas centrais em estudos de arqueologia e antropologia
contemporâneas na Amazônia.
Segundo informações fornecidas pelo senhor Benedito Coelho, de 77 anos, a
ocupação do Quilombo do Igarapé Mola ou Tapucú remonta aproximadamente ao
século XVIII (“A história do Quilombo do Mola”, 2018). No entanto, é apenas no final do
século XIX que surgem registros documentais sobre a área, como uma nota publicada
no “Diário do Pará em 1878” (imagem 2). Essa lacuna documental é um reflexo comum
nas histórias de comunidades quilombolas, cujas origens e dinâmicas muitas vezes
permanecem à margem dos registros oficiais e coloniais, sendo preservadas
principalmente através da memória oral e das tradições locais. A menção ao “Diário do
Pará” oferece uma importante pista para o reconhecimento histórico formal da
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existência e relevância dessas comunidades, indicando que, apesar da invisibilidade
imposta, as populações quilombolas eram parte ativa e constituinte da sociedade
regional desde períodos coloniais. A arqueologia, juntamente com a história oral,
desempenha um papel crucial ao preencher essas lacunas, permitindo uma
reconstrução mais rica e detalhada das trajetórias dessas comunidades na Amazônia.
Imagem 2: Edição 41 do Diário do Pará de 1878. (Fonte: BNDigital).
De acordo com o senhor Benedito, o Quilombo do Igarapé Mola teria sido
fundado sob a liderança de uma mulher chamada Felipa Maria Aranha em 1885, com o
auxílio de suas sucessoras Maria Luiza Pirina e Juvita. Juntas, elas teriam comandado
mais de 300 pessoas que se refugiaram na região. Esse relato destaca a centralidade das
mulheres na organização e liderança de comunidades quilombolas, um aspecto que
muitas vezes é subestimado nas narrativas históricas tradicionais. A figura de Felipa
Maria Aranha e sua atuação como líder quilombola exemplifica a capacidade de
resistência e organização social entre os africanos fugitivos na Amazônia, desafiando as
estruturas opressivas do sistema escravista. A história de Felipa Maria também sugere
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uma rede de solidariedade e estratégia coletiva, por meio da qual essas comunidades
conseguiram sobreviver e prosperar em um ambiente hostil. Essas lideranças femininas
reforçam a importância de repensar as narrativas históricas de resistência e insurgência
no Brasil colonial, reconhecendo o protagonismo de mulheres negras na construção de
espaços de liberdade e resiliência.
Felipa Maria Aranha foi uma figura central na história dos quilombos na
região do Tocantins. Ela é lembrada como uma líder corajosa e determinada que
desempenhou um papel crucial na formação e manutenção de comunidades
quilombolas. Possivelmente nascida na Costa da Mina, Felipa foi capturada jovem, por
volta de 1740, e vendida como escravizada em Santa Maria de Belém do Grão-Pará,
posteriormente sendo enviada a Cametá, onde trabalhou em uma fazenda de cana-de-
açúcar. Sua liderança e resistência simbolizam a luta pela liberdade e a resistência contra
a opressão escravista. Felipa Maria Aranha é uma figura emblemática na memória
coletiva dos quilombos, representando a força e a resiliência dos escravos que buscaram
a liberdade e a autonomia em meio a adversidades extremas. Maria Luiza Piriá, por sua
vez, também desempenhou um papel crucial no quilombo do Mola, organizando e
liderando a Dança do Bambaê do Rosário, uma prática cultural de caráter religioso. Além
disso, ela administrou a vida dos quilombolas que ali viveram, contribuindo
significativamente para a manutenção e organização da comunidade (PINTO, 2001,
2012, 2016).
Segundo ainda o senhor Benedito, o Quilombo do Igarapé Mola foi o ponto de
origem de todas as demais comunidades quilombolas da região, como Laguinho, Frade,
Monte Alegre e Tomásia, que se formaram ao longo do século XIX. Já no século XX, teria
surgido a comunidade de Juaba, também derivada desse processo de expansão. Essa
genealogia de formação comunitária demonstra o papel central do Quilombo do Mola
como um núcleo de resistência e refúgio para os fugitivos, que não apenas
sobreviveram, mas também criaram redes de apoio e novas comunidades ao seu redor.
A dispersão de quilombolas pela região evidencia um processo contínuo de luta por
autonomia, marcando a paisagem amazônica com a presença de territórios
afrodescendentes. Essas comunidades, conectadas por laços históricos e culturais,
formaram verdadeiros territórios de resistência e preservação cultural, que
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sobreviveram às pressões do sistema escravista e, posteriormente, às dinâmicas de
marginalização no período pós-abolicionista. O reconhecimento desse processo
histórico de fundação e ramificação de quilombos reforça a importância de valorizar e
proteger o patrimônio cultural e territorial dessas comunidades.
Os quilombos no norte do Brasil começam a surgir desde o período colonial,
porém seu aumento definitivo ocorre no final do século XVIII, e o grande impulso vem
no século XIX. A desorganização das lavouras em meados do século XVIII, o aumento da
procura pelas drogas do sertão com a expulsão dos missionários, deu impulso para o
aumento de fugas. Entre os principais quilombos do período na Amazônia podemos
destacar o Quilombo do Mola, que era conhecido desde o século XVIII, mas só foi
localizado segundo Arthur Vianna quando as autoridades coloniais tentaram construir
um fortim na região de Alcobaça. Em 1895 Ignácio Moura encontra somente restos onde
segundo o autor os negros teriam vivido largos anos em uma comunidade com
organização política e judicial própria (SALLES, 2005).
O senhor Benedito, embora não seja nativo do Quilombo do Igarapé Mola, reside
na comunidade mais de 30 anos, acumulando um vasto conhecimento sobre a
história local. Ele relata que, quando chegou ao quilombo, já havia um cemitério
desativado na área, com árvores crescendo dentro do espaço, sinalizando o abandono
do local. Esse cemitério está localizado próximo ao campo de futebol da comunidade, o
que sugere um vínculo histórico e simbólico entre o espaço sagrado e as atividades
cotidianas da vida social atual. A presença do cemitério desativado é uma importante
evidência arqueológica e memorial, pois reflete as transformações do uso do solo ao
longo do tempo, além de oferecer pistas sobre os antepassados da comunidade. Esses
vestígios materiais de sepultamento, ainda que abandonados, podem revelar
informações sobre práticas funerárias, a organização social e as mudanças
demográficas, sendo potenciais pontos de estudo para a arqueologia da diáspora
africana na Amazônia. O relato de Benedito Coelho contribui, assim, para a construção
de uma narrativa histórica que liga o presente e o passado do quilombo, reforçando a
continuidade da presença afrodescendente no território.
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Após a entrevista com o senhor Benedito, recebemos autorização para realizar
um caminhamento com observação apenas em superfície na área ao redor de sua
residência. Durante essa exploração preliminar, constatamos uma grande quantidade
de telhas fragmentadas, que segundo Coelho, o indicativos de que o local teria
abrigado anteriormente uma "olaria". A presença dessas telhas sugere a existência de
uma antiga estrutura de produção cerâmica, possivelmente associada à ocupação
quilombola ou a um período anterior, durante o qual a fabricação de materiais de
construção, como tijolos e telhas, era comum em muitas comunidades rurais. Essa
prática, além de indicar um nível de organização produtiva e econômica local, também
revela como as comunidades se adaptavam ao ambiente amazônico, utilizando os
recursos disponíveis para atender às suas necessidades materiais. A descoberta dessas
evidências em superfície pode fornecer pistas valiosas sobre as atividades produtivas e
o cotidiano do quilombo no passado, oferecendo um ponto de partida para
investigações arqueológicas mais detalhadas que visem compreender o papel das
olarias na economia e na dinâmica social da região.
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Imagem 3: Material arqueológico (Autor, 2013).
A imagem 3 mostra um acúmulo significativo de fragmentos de cerâmica,
principalmente restos de tijolos ou telhas, dispostos em uma pilha sobre o solo. Esse
tipo de material, muitas vezes proveniente de estruturas desmanteladas ou
deterioradas, pode ser associado a ocupações humanas anteriores, como olarias ou
construções residenciais. Porém, a presença de latas modernas de bebidas ao lado do
montante sugere uma interação contínua entre materiais arqueológicos e atividades
contemporâneas no local, o que pode complexificar a integridade do registro
arqueológico.
A arqueologia do tempo presente é uma abordagem que visa investigar o
passado recente e o impacto de fenômenos contemporâneos na construção da
memória, identidade e espaço. Essa prática arqueológica rompe com a noção de que a
arqueologia deve se concentrar exclusivamente em tempos remotos, estendendo seu
foco para contextos recentes e em transformação. Segundo González-Ruibal (2008), a
arqueologia do presente se volta aos "restos materiais das vidas contemporâneas" para
examinar as estruturas de poder, desigualdade e resistência que moldam sociedades
atuais, permitindo uma análise crítica das relações entre passado e presente. Harrison
(2011) também ressalta que essa abordagem expande o papel social da arqueologia, ao
engajar-se diretamente com comunidades e com questões éticas contemporâneas,
como o patrimônio cultural e os direitos de memória coletiva. Schofield (2005)
acrescenta que a arqueologia do tempo presente incorpora perspectivas de
interdisciplinaridade, conectando a arqueologia a outras ciências sociais para investigar
eventos históricos recentes e suas repercussões no cenário atual. Dessa forma, essa
abordagem explora tanto a materialidade quanto a memória social, sendo uma
ferramenta importante para a construção de um arquivo vivo que integre narrativas do
passado e demandas do presente.
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Imagem 5: Material arqueológico (Autor, 2013).
A imagem 5 revela uma dispersão de fragmentos arqueológicos misturados com
detritos e sedimentos superficiais. Entre os elementos visíveis, encontram-se pedaços
de cerâmica vermelha, possivelmente de tijolos ou vasilhames, e pequenos fragmentos
de vidro, alguns translúcidos, com uma tonalidade esverdeada que pode indicar a
presença de óxido de ferro, característico de vidros antigos do século XIX. Além disso,
um pequeno fragmento de louça decorada com padrões geométricos e florais, típico
de faianças finas, datáveis do mesmo período pós-colonial.
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Imagem 6: Material arqueológico (Autor, 2013).
A imagem 6 mostra três artefatos dispostos sobre o solo, evidenciando uma
variedade de materiais arqueológicos. No canto inferior esquerdo, há um fragmento de
cerâmica de cor avermelhada, provavelmente parte de um pote ou outro recipiente
utilitário, cuja superfície parece ter marcas de confecção manual ou em torno. No centro
superior, -se um pequeno fragmento circular, possivelmente uma tampa de cerâmica,
com um orifício central característico, sugerindo seu uso em algum tipo de recipiente
vedado ou instrumento funcional, como uma lamparina ou jarro. Ao lado deste, um
fragmento escuro, possivelmente de vidro, com uma forma mais arredondada e
concava, que pode ter pertencido a um frasco ou garrafa, com seu brilho ainda
preservado. O posicionamento de uma caneta esferográfica azul ao lado dos objetos
oferece uma escala de referência, destacando as dimensões modestas dos fragmentos.
Porém, e sobre o futuro deste e de outros territórios quilombolas na Amazônia
e no Brasil? Aqui apresentaremos agora uma proposta de pesquisa ainda não iniciada,
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mas pensada como uma forma de intersecção entre a tradição e a contemporaneidade.
Onde os espaços não são entendidos apenas como dados físicos, mas também
construções sociais, marcados por interações, relações de poder e práticas culturais. Por
outro lado, o projeto com sua visão de "relações de enraizamento e
desterritorialização," enfatiza o espaço como uma construção fluida e rizomática, onde
a identidade é reconstituída e expandida através do contato com outros lugares e
sujeitos.
O QUILOMBO DO MOLA AMANHÃ:
A criação de um território virtual para o Quilombo do Mola pode ser pensada
como uma extensão simbólica e quase protética do território físico e cultural deste
quilombo amazônico não urbano.
Henri Lefebvre, em sua obra "A Produção do Espaço" (LEFEBVRE, 1974), oferece
uma base teórica rica para refletir sobre os espaços virtuais, ainda que não tenha
diretamente abordado o conceito nos moldes digitais atuais. Para Lefebvre, o espaço é
uma construção social, um produto das relações de produção e poder, onde se
manifestam práticas, representações e experiências de diferentes atores sociais. Ele
descreve o espaço não como um vazio neutro, mas como um processo contínuo de
criação e transformação, onde práticas culturais, políticas e econômicas se entrelaçam.
A análise lefebvriana do espaço se estrutura em uma tríade conceitual espaço
percebido, espaço concebido e espaço vivido que se torna essencial para entender os
espaços virtuais como uma extensão do espaço social. O espaço percebido é aquele
material e tangível, onde ocorrem as práticas cotidianas e sensoriais; o espaço
concebido é o planejado e representado, modelado pelas ideologias e pela lógica das
instituições; e o espaço vivido é a experiência simbólica e subjetiva dos indivíduos,
carregada de significados e afetos. No contexto de um território virtual para o Quilombo
do Mola, essa tríade pode ser reinterpretada para o ciberespaço: o espaço percebido
seria as interfaces e plataformas utilizadas, o espaço concebido incluiria as intenções e
designs por trás dessas tecnologias, e o espaço vivido representaria as experiências
subjetivas e identitárias dos quilombolas no ambiente digital.
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Para ampliar a discussão sobre a relevância das ideias de Lefebvre no contexto
dos espaços virtuais, autores contemporâneos como Rob Shields (1998), exploram como
a dialética espacial lefebvriana pode ser aplicada para entender a virtualidade como
uma "terceira natureza" uma camada adicional onde os espaços digitais funcionam
como extensões ou “camadas” dos espaços físicos. Shields argumenta que, no
ciberespaço, uma hibridização de práticas e significados que transcendem as divisões
tradicionais entre o físico e o imaginário, ressoando com o conceito de "espaço vivido"
de Lefebvre.
David Harvey também contribui para essa discussão ao recontextualizar a obra
de Lefebvre para a era contemporânea. Em (2001), Harvey observa como os avanços
tecnológicos e a globalização intensificaram a produção de espaços desterritorializados,
onde a circulação de capitais, informações e pessoas redefinem continuamente as
fronteiras. Aplicando isso ao conceito de um território virtual para o Quilombo do Mola,
podemos pensar em como as relações econômicas, culturais e sociais são projetadas
digitalmente, permitindo a construção de um espaço onde identidades e tradições são
preservadas, reinterpretadas e disseminadas globalmente.
A obra de Manuel Castells “The Rise of Network Society” (2011), também pode
ser convocada para contextualizar a produção do espaço virtual com base na teoria de
Lefebvre. Castells introduz a ideia de uma "sociedade em rede" onde o espaço flui e a
lógica de redes redefine as dinâmicas espaciais e temporais. Embora Castells e Lefebvre
partam de premissas diferentes, ambos convergem na ideia de que o espaço é moldado
por práticas sociais que articulam, atualmente, o digital e o material de forma
indissociável.
Em resumo, a base filosófica fornecida por Lefebvre sobre a produção social do
espaço se adapta de maneira crítica ao conceito de espaços virtuais como um terreno
de criação simbólica, resistência e identidade. Em um território virtual para o Quilombo
do Mola, as práticas tradicionais e a ancestralidade ganham nova visibilidade e fluidez,
permitindo que o espaço digital funcione como um meio de resistência cultural e uma
extensão identitária multifacetada.
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Édouard Glissant, em sua obra seminal Poética da Relação (GLISSANT, 2021),
oferece uma perspectiva profundamente relevante para se pensar o conceito de um
território virtual para o Quilombo do Mola. A partir de uma abordagem que valoriza a
complexidade, a hibridização e a multiplicidade cultural, Glissant propõe uma visão do
mundo onde a identidade não é fixa, mas relacional e continuamente em
transformação. Sua teoria da "relação" explora como os indivíduos e coletividades se
conectam e se definem a partir das interações, trocas e interdependências com o outro,
numa dinâmica de abertura e resistência simultânea.
No contexto de um espaço virtual para o quilombo, a "poética da relação" de
Glissant permite pensar o ciberespaço não apenas como uma extensão física, mas como
um território onde a identidade quilombola se manifesta de maneira relacional e
expansiva. Para Glissant, a identidade enraizada na terra pode ser tanto uma
"identidade-para-si" quanto uma "identidade-na-relação". Essa identidade-na-relação,
central para o autor, permite que os quilombolas não apenas preservem sua
ancestralidade, mas também se engajem em uma dinâmica intercultural que é ao
mesmo tempo aberta ao mundo e resistente à homogeneização cultural. No espaço
digital, o quilombo não é apenas representado, mas vive uma "relação" expandida, em
que as tradições, a memória coletiva e a cultura se renovam através das trocas e
interações com outras culturas e experiências.
Glissant também introduz o conceito de "opacidade", que é particularmente útil
na criação de um território virtual. A opacidade, para Glissant, é o direito de existir sem
precisar ser completamente compreendido ou traduzido pelo outro. No ambiente
virtual, onde a exposição e a visibilidade são quase obrigatórias, a ideia de opacidade
oferece uma estratégia de resistência contra a hegemonia e a instrumentalização das
identidades minoritárias. Para o Quilombo do Mola, construir um espaço virtual que
acolha a opacidade permite preservar a singularidade e a complexidade de sua
identidade, sem a necessidade de se adequar totalmente às expectativas externas ou
ao escrutínio da sociedade global.
Autores como Celia Britton e Françoise Lionnet exploram a relevância de Glissant
para o estudo das diásporas e do ciberespaço. Britton (1999), aponta como a relação
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glissantiana é uma ferramenta de análise poderosa para compreender diásporas
digitais, onde a identidade é recriada em múltiplos contextos e plataformas. Lionnet
(2005), reflete sobre como a teoria da relação permite uma compreensão mais matizada
das interações transculturais, onde o ciberespaço se torna um “terreno relacional” onde
vozes marginalizadas podem coexistir sem perder suas particularidades.
Além disso, o conceito de "arquivo vivo" ou "memória rizomática" de Glissant,
que ele aborda ao discutir as culturas caribenhas, é crucial para pensar o espaço virtual
do quilombo como um arquivo em constante movimento e expansão. O rizoma, como
metáfora de um sistema de raízes que se espalha sem hierarquia, conecta-se com a
estrutura descentralizada da internet e a ideia de um espaço virtual onde histórias e
práticas culturais do Quilombo do Mola se propagam sem uma linearidade ou
centralidade definidas, permitindo uma memória coletiva que se espalha e interage de
maneira horizontal.
Assim, ao aplicar as ideias de Glissant ao território virtual do Quilombo do Mola,
vislumbramos um espaço onde a identidade quilombola se desdobra e se reconfigura,
ao mesmo tempo que mantém seu direito à opacidade e à resistência cultural. Esse
território não é apenas uma reprodução digital do espaço físico, mas um ambiente onde
a "poética da relação" encontra novas possibilidades de expressão e continuidade,
permitindo que o quilombo projete suas raízes e sua resistência em um mundo
conectado, mas mantendo sempre sua integridade e autonomia cultural. Nesse sentido,
o território virtual para o Quilombo do Mola representa uma forma de
“reterritorialização” cultural e política, um espaço onde a ancestralidade, as práticas
coletivas e a resistência se conectam ao ciberespaço, criando possibilidades de
enraizamento e visibilidade em qualquer dimensão (imagem 7).
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Imagem 7: Quilombo “Virtual” (Autor, 2024)
Para efetivar um território virtual para o Quilombo do Mola, ou outros; é
essencial ir além da simples transposição do real para o digital, evitando uma
representação superficial. Inspirando-se nos experimentos realizados nas Lavras do
Abade, pode-se explorar a criação de um espaço virtual que não apenas mapeie
fisicamente o território, mas que incorpore elementos da memória coletiva, práticas
culturais e saberes tradicionais de maneira dinâmica e interativa. Para isso podemos
definir algumas etapas a serem cumpridas: Modelagem Eletrônica e Simulação
Computacional; Memória Digital Colaborativa e Arquivo Vivo; Redes Sociais e Espaços
de Relacionamento; Aplicação de Realidade Aumentada (RA); Cartografia Afetiva e
Mapas Colaborativos.
MODELAGEM ELETRÔNICA E SIMULAÇÃO COMPUTACIONAL
A Modelagem Eletrônica e Simulação Computacional é uma técnica que utiliza
ferramentas digitais para criar representações visuais e interativas de espaços físicos,
fenômenos ou sistemas complexos. No contexto da arqueologia e da antropologia, essas
ferramentas permitem a construção de modelos tridimensionais que recriam
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digitalmente sítios arqueológicos, paisagens culturais ou até mesmo práticas e
dinâmicas sociais. Ao realizar essas simulações, é possível explorar aspectos específicos
do espaço ou fenômeno, avaliar variáveis, e até prever como certas interações poderiam
ocorrer no ambiente real.
Essas tecnologias oferecem uma oportunidade de experimentar uma forma de
“arqueologia digital”, onde se pode reproduzir, manipular e interagir com aspectos
intangíveis ou efêmeros de uma cultura, o que seria impossível com os artefatos físicos
sozinhos. Por exemplo, a modelagem de um quilombo virtual poderia incluir estruturas
físicas como casas e trilhas, mas também camadas de informação que representem
práticas culturais, sons e narrativas orais da comunidade. Desenvolver uma plataforma
interativa que permita visualizar e navegar pelo território do quilombo em 3D é um
passo inicial. Contudo, para que esse ambiente virtual vá além de um “museu digital”,
ele deve incluir “camadas” de conteúdo que reflitam práticas culturais e narrativas da
comunidade, como festas, cantos, rituais, e até aspectos intangíveis, como o
conhecimento ecológico local. Isso poderia ser realizado por meio de simulações que
recriem atividades cotidianas, emulando a experiência de estar no quilombo.
A exemplo temos o trabalho seminal na arqueologia digital de Reilly (1990)
explora a ideia de recriar virtualmente sítios arqueológicos e outros espaços culturais.
Ele argumenta que os modelos digitais podem não apenas documentar o passado, mas
também atuar como ferramentas interpretativas, possibilitando uma nova leitura dos
contextos culturais. Forte (2010) avança a discussão sobre a arqueologia digital,
introduzindo a noção de “arqueologia cibernética”, que não se limita a simular o
passado, mas busca integrar múltiplas camadas de informações e interatividade. Ele
destaca o potencial das simulações para transformar o entendimento de comunidades
passadas ao apresentar cenários com elementos intangíveis, como sons, luz e ambientes
reconstruídos.
Outro autor, Gillings (2005) discute o papel da realidade virtual na arqueologia,
explicando que as simulações podem criar um “hiper-real” arqueológico, onde não só o
espaço é representado, mas também são adicionadas camadas interpretativas e
afetivas. Esse conceito é útil para um quilombo virtual, ao enfatizar a importância de
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incluir aspectos simbólicos e emocionais no ambiente digital. Entretanto, Frischer e
Dakouri-Hild (2008) reúne diversos estudos de caso sobre o uso de modelagem 2D e 3D
para descoberta e interpretação em arqueologia. A ideia é que, ao modelar em 3D, é
possível gerar novas perguntas e hipóteses sobre o sítio ou comunidade estudada, uma
vez que o ambiente digital permite uma interação exploratória que não seria possível in
loco. Assim como Koller, Frischer, e Humphreys (2010) discutem os desafios de pesquisa
na arqueologia digital, como a fidelidade da representação e as limitações tecnológicas.
Eles propõem abordagens metodológicas para garantir que as simulações e modelagens
sirvam como ferramentas de investigação científica, e não apenas como visualizações
ilustrativas.
Portanto, para o Quilombo do Mola, a Modelagem Eletrônica e Simulação
Computacional permite criar um ambiente virtual que capture aspectos materiais e
imateriais do território. Esse modelo pode incorporar não apenas a disposição espacial
das casas e vegetação, mas também elementos de prática cultural, tais como rotinas e
rituais locais. Integrar som, narrativas orais e camadas visuais simbólicas fortalece o
ambiente digital como um espaço de memória viva, onde a comunidade pode interagir,
reinterpretar e expandir sua própria história.
MEMÓRIA DIGITAL COLABORATIVA E ARQUIVO VIVO
Inspirado pelo conceito de “arquivo vivo” de Glissant, essa plataforma pode ser
aberta e colaborativa, permitindo que membros do quilombo contribuam diretamente
com fotos, vídeos, gravações orais e textos. Isso criaria um ambiente rizomático e
participativo, onde o próprio quilombo se torna curador de seu território digital. Essa
abordagem favorece uma memória coletiva em constante expansão, rica em
perspectivas internas e externas, e evita a cristalização estática da cultura.
A Memória Digital Colaborativa e o conceito de Arquivo Vivo referem-se ao
desenvolvimento de plataformas digitais que não apenas armazenam dados históricos,
mas que também permitem a contribuição contínua e a interação de diversas vozes da
comunidade. Ao invés de um arquivo fechado e fixo, um “arquivo vivo” é flexível e
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inclusivo, em constante expansão e atualização com novas informações, experiências e
interpretações. Esse tipo de memória digital se baseia na colaboração ativa de seus
participantes, permitindo que pessoas da própria comunidade contribuam com
materiais, como fotos, gravações orais, histórias e outras formas de expressão cultural,
garantindo a preservação e atualização de suas identidades e memórias.
Em um quilombo amazônico, por exemplo, um arquivo vivo digital pode
funcionar como um espaço de memória e identidade que expande a narrativa sobre a
comunidade. Esse tipo de arquivo não preserva os conteúdos históricos, mas também
agrega as experiências cotidianas e os saberes contemporâneos, de modo que o passado
e o presente se conectem, dando aos moradores a oportunidade de auto-
representação. Essa construção colaborativa amplia o conceito de pertencimento e
herança, permitindo que o conteúdo do arquivo seja revisto, revisitado e até mesmo
reinterpretado por gerações futuras.
Trabalhos relevantes para isso são de Smith, Nora, González, Mignolo e outros.
Smith (2021) argumenta que os arquivos vivos podem servir como uma forma de
descolonização, ao dar voz ativa às comunidades para registrar e definir sua própria
história. O arquivo se torna um espaço de resistência e de reafirmação identitária, e não
apenas um depósito passivo de dados. Já Nora (1989) discute o conceito de “lugares de
memória”, enfatizando que a memória coletiva vai além dos fatos e registros oficiais.
Aplicado a um contexto digital, isso reforça a importância de incluir múltiplas camadas
de significado e experiências que envolvem os indivíduos na construção da meria
viva e colaborativa.
González (2024) explora a relação entre memória coletiva e identidade cultural,
particularmente em comunidades negras. Para um arquivo digital colaborativo, a
perspectiva de Gonzalez destaca a importância de elementos orais e cotidianos na
preservação da história e na construção de uma memória ativa e participativa. Mignolo
(2011) ressalta a importância de alternativas decoloniais na preservação de memórias e
identidades. Um arquivo colaborativo e digital permite que as comunidades expressem
suas histórias com autonomia, fugindo dos padrões da historiografia colonial e criando
um espaço onde suas vozes e práticas culturais são centralizadas. Por fim, McKemmish,
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Gilliland e Ketelaar (2005) defendem a ideia de que arquivos devem ser plurais e
inclusivos, engajando as comunidades na construção de sua própria narrativa histórica.
Essa obra é útil para orientar a prática de incluir diferentes perspectivas e vozes no
arquivo digital do quilombo.
No contexto do Quilombo do Mola, uma Memória Digital Colaborativa e um
Arquivo Vivo possibilitariam à comunidade preservar e partilhar suas tradições, rituais,
memórias orais e práticas sociais de modo contínuo. Os membros do quilombo
poderiam adicionar e curar o conteúdo, mantendo-o atualizado e representativo de suas
experiências e saberes cotidianos. Em um ambiente digital, as contribuições poderiam
incluir registros de danças, histórias locais, receitas, e debates atuais sobre questões
sociais que impactam o quilombo. Isso criaria um arquivo vivo que reflete tanto o
passado como o presente da comunidade, funcionando como um espaço de memória
ativa e uma plataforma de conexão entre o local e o global.
REDES SOCIAIS E ESPAÇOS DE RELACIONAMENTO
Outra estratégia é integrar redes sociais para que o território virtual funcione
também como espaço de interação entre a comunidade e o mundo exterior. Nesse
sentido, fóruns, transmissões ao vivo de eventos locais e interações com pessoas de fora
podem ampliar o “diálogo” entre o quilombo e a sociedade mais ampla, permitindo que
a identidade e a cultura quilombola sejam vivenciadas e interpretadas de maneira
dinâmica. Assim, o território virtual do quilombo não se torna apenas uma
representação, mas um ponto de contato ativo e em expansão.
Redes Sociais e Espaços de Relacionamento referem-se ao uso de plataformas
digitais e ambientes de interação virtual para conectar e expandir a comunicação e o
relacionamento entre indivíduos e comunidades, fortalecendo laços sociais e
compartilhando narrativas e memórias coletivas. No contexto de uma comunidade
como o Quilombo do Mola, o uso de redes sociais vai além do contato diário ou do
compartilhamento de informações; ele pode se tornar um espaço de construção de
identidade, engajamento político, e troca de saberes. Esse ambiente digital também
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possibilita uma forma de territorialidade virtual, permitindo que os integrantes da
comunidade e seus descendentes mantenham vínculos, independentemente de
barreiras geográficas, fortalecendo a coesão cultural e a transmissão intergeracional de
conhecimento.
As redes sociais, quando estruturadas com essa intenção, tornam-se
ferramentas de preservação cultural e de resistência, onde os membros podem postar,
discutir, e relembrar suas tradições, histórias e práticas, criando uma continuidade entre
o espaço físico e o virtual. Ao contrário de uma mídia tradicional, as redes sociais
oferecem autonomia para a comunidade decidir o que e como partilhar, gerando
espaços de representatividade e pertencimento. Essa prática colabora para um
“território ampliado” de identidade e memória, funcionando tanto como arquivo
quanto como espaço dinâmico de conexão. Referencias importantes nesses estudos são
Castells, Jenkins, Maffesoli, Hall e outros. Hall e Gay (1996) refletem sobre como
identidades culturais são construídas em diferentes contextos, inclusive nas mídias
digitais. Suas ideias apoiam o entendimento de redes sociais como uma extensão do
espaço social para os quilombolas, onde expressam sua identidade de modo autêntico
e coletivo.
antes disso, Maffesoli (1996) discute a formação de "tribos" sociais,
comunidades com afinidades culturais e simbólicas, especialmente em contextos
virtuais. Para o quilombo, as redes sociais podem facilitar a criação de uma “tribo” digital
que compartilha e celebra uma herança cultural comum. Jenkins (2006) investiga como
as comunidades podem usar as mídias digitais para manter viva sua cultura e história.
Para o quilombo, redes sociais podem oferecer um ponto de encontro para tradições e
atualizações contemporâneas, gerando continuidade e adaptação das narrativas
culturais no ambiente virtual. E Castells (2013) explora o impacto das redes de
comunicação na construção de identidades e do poder social, ressaltando como
comunidades usam a dia digital para preservar e defender suas narrativas culturais.
No contexto do Quilombo do Mola, isso fundamenta o uso de redes sociais para
fortalecer laços e amplificar a voz da comunidade. Por fim, Boyd e Ellison (2007)
examinam o papel das redes sociais como plataformas para a criação de
relacionamentos e espaços de identidade. Esse estudo embasa a ideia de redes sociais
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como ferramenta para conectar e fortalecer vínculos culturais e identitários do
quilombo.
Para o Quilombo do Mola, as redes sociais podem funcionar como um canal de
construção e partilha de conhecimento entre as gerações e como uma plataforma de
comunicação e resistência cultural. Os jovens podem, por exemplo, criar grupos e
páginas dedicadas a preservar a história e as tradições, incluindo fotos de eventos
culturais, registros de atividades comunitárias e discussões sobre temas sociais
relevantes para o quilombo. Dessa forma, o espaço virtual também se torna um meio
de relacionamento com quilombolas que estejam distantes ou com outros grupos
quilombolas, fortalecendo alianças e criando uma rede de suporte e memória viva. Além
disso, redes sociais permitem que a comunidade realize campanhas de conscientização
e diálogo sobre questões políticas e ambientais, utilizando o espaço de relacionamento
digital para expandir seu território simbólico e sua influência social.
APLICAÇÃO DE REALIDADE AUMENTADA (RA)
Em complemento a tudo isso, a RA pode ser usada para criar uma experiência
em que elementos históricos e culturais específicos do quilombo são acessíveis por meio
de dispositivos móveis quando as pessoas estão fisicamente próximas do território, ou
onde quer que estejam. Por exemplo, ao apontar o celular para um símbolo específico,
como um artefato do quilombo, o usuário poderia acessar uma história oral, uma música
ou um evento que conecte diretamente a experiência física e digital, dando uma
profundidade “opaca” e relacional à interação, como sugere Glissant.
Aplicação de Realidade Aumentada (RA) é uma abordagem tecnológica que
permite sobrepor informações digitais ao ambiente físico, criando uma camada
interativa que enriquece a experiência do usuário ao conectar o mundo real com
elementos virtuais. Em contextos de patrimônio cultural, a RA proporciona uma
experiência imersiva e educativa, permitindo que comunidades e visitantes visualizem
informações adicionais sobre artefatos, espaços históricos e narrativas culturais
diretamente no ambiente em que se encontram. Para o Quilombo do Mola, a aplicação
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de RA pode servir como uma ferramenta inovadora para preservar e divulgar a história
e cultura quilombola, proporcionando novas formas de engajamento com o território e
facilitando o aprendizado e a transmissão de saberes tradicionais.
A RA pode ser aplicada para visualizar o passado da região quilombola
diretamente no local, permitindo que os usuários vejam sobreposições de mapas
antigos, reconstruções de estruturas históricas ou até mesmo figuras representativas de
lideranças históricas, como Maria Felipa Aranha e Maria Pirina, mencionadas na
formação do quilombo. Essa aplicação pode também tornar visível as trajetórias de fuga
e resistência, reconstruindo a memória e os caminhos percorridos pelos ancestrais
quilombolas. Além disso, a RA pode trazer elementos narrativos, como depoimentos,
registros orais e documentos históricos, diretamente ao local, acessados com
smartphones ou tablets, transformando o espaço físico do quilombo em um ambiente
de aprendizado vivo e dinâmico.
Para isso, nos orientamos seguindo as obras de Azuma, Kapell e Eliott, Riva e
outros, sobre a realidade aumentada. Azuma (1997) neste estudo pioneiro sobre a RA
examina como a tecnologia pode ser usada para enriquecer ambientes físicos com
dados digitais e oferece um contexto para o uso em locais patrimoniais, como
quilombos, proporcionando uma experiência educativa e interativa. Schmalstieg e
Holler (2015) discutem os fundamentos e as técnicas da RA e como essa tecnologia pode
ser aplicada para fornecer informações contextuais, como em monumentos ou locais
históricos, favorecendo o entendimento profundo de um espaço culturalmente
significativo. Kapell e Elliott (2013) discutem como RA e simulações digitais podem
reconstituir e preservar o passado em um formato interativo. No quilombo, isso embasa
o uso de RA para recriar ambientes históricos e tradições de forma lúdica e acessível.
Pois, Riva (2006) explora como a RA e as tecnologias digitais podem fortalecer o sentido
de "presença" cultural e histórica, o que é essencial para a revitalização da memória
coletiva no contexto de um quilombo.
Para o Quilombo do Mola, a RA permite criar uma “camada virtual” de
informação no espaço real do quilombo. Com o uso de dispositivos móveis, os visitantes
e membros da comunidade podem apontar o dispositivo para locais específicos e ver
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informações e imagens que contam a história daquele espaço ou dos objetos
associados, como antigos assentamentos, artefatos cerâmicos e histórias orais
transmitidas por gerações. Outro aspecto relevante é a visualização em tempo real das
atividades culturais, como festivais ou celebrações tradicionais, que podem ser
registrados digitalmente e exibidos posteriormente. A RA também pode ajudar na
educação patrimonial das gerações mais novas, transmitindo valores culturais e saberes
de forma interativa, o que facilita a identificação e o respeito pelo próprio patrimônio.
Em um contexto de preservação, a RA agrega valor ao patrimônio cultural quilombola,
transformando o espaço do quilombo em uma experiência de memória, pertencimento
e resistência visível e acessível, o que, por sua vez, amplia a visibilidade e a valorização
deste espaço cultural.
CARTOGRAFIA AFETIVA E MAPAS COLABORATIVOS
Por fim, os mapas digitais podem ser enriquecidos com marcadores afetivos
locais que os próprios quilombolas identificam como importantes não apenas
geograficamente, mas culturalmente. Com a ajuda da comunidade, é possível construir
um mapeamento colaborativo onde cada ponto no mapa carrega histórias, saberes e
memórias locais. Essa cartografia afetiva cria uma conexão emocional que vai além das
fronteiras físicas, tornando o espaço virtual uma extensão significativa da vivência
quilombola.
Cartografia Afetiva e Mapas Colaborativos referem-se a uma abordagem de
mapeamento que integra a dimensão emocional e subjetiva das experiências humanas
em determinado território. Em vez de representar apenas aspectos físicos ou
geográficos, a cartografia afetiva procura registrar as relações simbólicas e afetivas que
as pessoas estabelecem com o espaço, gerando um mapeamento que reflete memórias,
histórias de vida e a identidade cultural das comunidades. Esse tipo de cartografia é
particularmente relevante para quilombos e outros territórios de resistência, onde as
conexões com o território ultrapassam o sentido de lugar físico e passam a abranger
significados culturais, históricos e emocionais, profundamente enraizados na identidade
da comunidade.
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No contexto dos Mapas Colaborativos, o conhecimento sobre o território é
construído de maneira coletiva, permitindo que diferentes membros da comunidade
contribuam com informações, experiências pessoais, histórias e marcos culturais. A
utilização de plataformas digitais para esse tipo de mapeamento facilita o engajamento
e a participação ativa da comunidade, especialmente em quilombos, que
frequentemente enfrentam marginalização em registros geográficos formais. Dessa
forma, os mapas colaborativos tornam-se ferramentas poderosas para preservar e
difundir a memória coletiva, criar um registro detalhado de ocupação e uso do território
e fortalecer a identidade cultural e a autonomia territorial da comunidade.
Obras seminais como Deleuze e Guattari, Perkins e Dodge, Crampton e Harley,
conduzem nossas observações sobre a cartografia afetiva e os mapas colaborativos.
Deleuze e Guattari (1989) é um trabalho pioneiro sobre territorialidade e subjetividade
discute como as pessoas se relacionam com o espaço de forma emocional e simbólica,
base teórica essencial para a cartografia afetiva e a inclusão de elementos imateriais no
mapeamento. Crampton (2010) aborda a ideia de mapeamento crítico, um campo
que envolve a inclusão de perspectivas comunitárias e afetivas na cartografia,
ampliando o escopo para além do mapeamento técnico e facilitando o uso de mapas
como ferramentas de resistência e identidade cultural. Por sua vez, Harley (1992)
apresenta uma crítica ao mapeamento tradicional e à sua visão supostamente “neutra”
e “objetiva”, propondo uma perspectiva em que os mapas incorporam também
elementos culturais e afetivos, o que reforça a importância dos mapas colaborativos
para quilombos. Sendo que com Perkins e Dodge (2011) a cartografia é discutida como
um processo dinâmico e participativo, sendo uma base fundamental para a ideia de
mapas colaborativos e afetivos, permitindo que vozes e memórias comunitárias
contribuam para um mapeamento interativo e atualizado.
Para o Quilombo do Mola, a cartografia afetiva pode representar lugares de
significado especial, como antigos locais de reunião, áreas sagradas, ou marcos
relacionados à história do quilombo e às narrativas de resistência. Esses mapas
colaborativos se tornam uma plataforma de registro cultural contínuo, onde a
comunidade pode adicionar novas camadas de informação conforme o contexto social
e cultural se transforma. Por meio de aplicativos de mapeamento colaborativo, os
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próprios moradores podem contribuir com relatos de história oral, indicar locais
significativos e até identificar pontos de memória e uso contemporâneo. Dessa forma,
a cartografia afetiva e os mapas colaborativos se transformam em um “arquivo vivo”
que reforça a conexão da comunidade com seu território, preservando e transmitindo
memórias e saberes coletivos para as gerações futuras e para o mundo.
Em resumo, o objetivo é criar um território virtual que não seja apenas uma
réplica visual do espaço físico, mas um ambiente vivo, interativo e dinâmico. Este espaço
digital deve oferecer uma combinação entre simulação, memória digital colaborativa,
redes sociais, realidade aumentada e mapeamento afetivo. Dessa forma, o território
virtual do Quilombo do Mola pode realmente capturar a “poética da relação” de
Glissant, promovendo uma identidade e cultura que se expandem, interagem e resistem
ao longo do tempo e do espaço.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O território étnico e não-urbano do Quilombo do Mola é sem dúvida, mais do
que virtual. Este texto coloca em relevo a importância de abordagens inovadoras para a
preservação e valorização do Quilombo do Mola, e outros; integrando o espaço físico e
a memória coletiva à esfera digital como forma de resistência e afirmação identitária.
Por meio da modelagem eletrônica, da simulação computacional, da memória digital
colaborativa e da cartografia afetiva, o quilombo não apenas se preserva como um
espaço étnico e histórico, mas também se projeta para além das limitações geográficas,
construindo um território ampliado e dinâmico que reflete as lutas e o patrimônio
cultural afro-brasileiro. Assim, a virtualidade se torna uma extensão ética e prática do
território ancestral, carregando consigo os registros de vida, as práticas e as tradições
de uma comunidade que não deva desaparecer ou a ser esquecida.
Em uma perspectiva êmica, é possível afirmar que o uso dessas ferramentas
respeita e incorpora as vozes da comunidade, permitindo que os próprios moradores do
Mola sejam agentes ativos no registro e na representação de suas histórias. A
implementação de mapas colaborativos e de um arquivo vivo, por exemplo, não é
apenas uma forma de documentar o presente e o passado, mas também de projetar o
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futuro, garantindo que as narrativas e o simbolismo cultural do quilombo perdurem e
possam ser revisados e atualizados pelas futuras gerações. Esse território virtual,
moldado de forma coletiva e colaborativa, cria uma ponte com o espaço físico,
traduzindo a cosmovisão do quilombo e desafiando a invisibilidade a que muitas vezes
esses espaços são relegados.
Por mais que um dia as fronteiras físicas e as condições de acesso possam limitar
a presença de visitantes, é a representação virtual que possibilitará uma continuidade
de memórias, experiências e trocas afetivas, fortalecendo o Quilombo do Mola como
um bastião de resistência cultural. Assim, a cultura quilombola se faz presente,
relacional e acessível, reivindicando seu espaço na história e reafirmando seu direito à
existência e à autonomia territorial de forma digital e contemporânea. A segunda
vertente da pesquisa, que se concentra na implementação de tecnologias digitais para
a criação de um território virtual, ainda não foi aplicada no Quilombo do Mola ou em
qualquer outra comunidade quilombola na Amazônia, ao que parece. Os passos futuros
envolvem a realização de um caso para estudo que será cuidadosamente desenvolvido
em estreita colaboração com a comunidade, respeitando seu interesse e, sobretudo,
sua autonomia. A intenção é que a comunidade participe ativamente do processo de
implementação, garantindo que as ferramentas digitais propostas estejam alinhadas
com suas necessidades, valores e visões de futuro. Este estudo de caso servirá para
validar as abordagens teóricas e práticas delineadas na pesquisa, funcionando como um
laboratório para testar e ajustar sim as "hipóteses" de como as tecnologias digitais
podem servir como meios de preservação cultural e fortalecimento identitário, sempre
priorizando a autodeterminação e a voz da comunidade quilombola e outras mais.
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