Vol. 30, n. 2, jul/dez, 2024
ISSN: 2179-6807 (online)
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Revista Desenvolvimento Social, vol. 30, n. 2, jul/dez, 2024
PPGDS/Unimontes-MG
APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ:
RAÇA E ETNICIDADE, TERRITORIALIDADES E TERRITÓRIOS URBANOS
Amaro Marques
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Leo Name
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De modo algum são uma novidade as pesquisas acadêmicas sobre raça e
etnicidade, considerando aspectos como fenótipo, origem geográfica, religião, língua
e tradições como marcadores de coesão ou exclusão. No entanto, recentemente têm
ganhado mais destaque, especialmente no Brasil, impulsionadas tanto pelo resgate e
pela reinterpretação de intelectuais negras e negros como Lélia Gonzalez, Beatriz
Nascimento, Abdias Nascimento e Frantz Fanon, quanto pela rápida popularização, nem
sempre com rigor acadêmico, do conceito de “colonialidade” que para Aníbal Quijano
define a “raça” como invenção geo-historicamente situada, utilizada para hierarquizar
grupos sociais e lugares, influenciando a produção do conhecimento.
Apesar da potência desses debates, muitos trabalhos não consideram as
inscrições de raça e “etnicidade” na experiência de territorialidades e territórios
urbanos. Essas dinâmicas resultam de disputas e reconfigurações que refletem tanto
variadas formas de violência quanto práticas de resistência, insurgência e apropriação
do espaço. Em outras palavras, a cidade, em sua materialidade e cotidiano, é um campo
de disputa, onde territórios racializados surgem como espaços de exclusão, mas
também de resistência e reinvenção.
Particularmente as cidades brasileiras ainda carregam marcas coloniais, devido
a feridas abertas pelo genocídio indígena e pela escravização de povos africanos e seus
descendentes. Historicamente descartados das noções de civilização, cidadania e
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Programa de Pós-graduação em Arquitetura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PPGArq/PUC-Rio). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4697-3572. E-mail: amaro@puc-rio.br.
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Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (PPG-AU/FAUFBA). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1963-1094. E-mail:
leonardo.name@ufba.br.
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urbanidade, esses grupos seguem marginalizados, vivenciando as cidades mais como
espaços de exclusão do que de emancipação, sendo maioria entre as vítimas da
gentrificação e habitando favelas, áreas de risco e zonas de sacrifício. As cidades do país,
além disso, em muito foram e mantêm-se erguidas por mão-de-obra de ascendência
africana ou indígena, seja a outrora escravizada, seja, atualmente, a que ocupa postos
precarizados nos canteiros de obras ou autoconstrói devido à falta de moradia digna.
Este dossiê da Revista Desenvolvimento Social reúne, então, contribuições que
vêm em auxílio à compreensão de como dimensões de “raça” e “etnicidade” podem
operar como tecnologias de hierarquização social, impactando tanto a vida de
indivíduos e grupos quanto a produção de territorialidades e territórios urbanos,
influenciando políticas públicas, modos de habitar e práticas espaciais insurgentes.
O artigo que abre os trabalhos é “A dimensão racial da desigualdade e
segregação socioeconômica em Brasília”, de Rogério Rezende e Hilde Heynen.
Esmiuçando a segregação racial na capital federal, o texto argumenta que, embora
Brasília tenha sido projetada sob certo utopismo igualitário ancorado no amplo acesso
à boa arquitetura, consolidou-se como um território de profundas desigualdades,
especialmente na exclusão da população mais pobre e negra. Examina, ainda,
dialogando com estudos sobre segregação racial nos Estados Unidos e na África do Sul,
como a ideologia da democracia racial influenciou a urbanização brasileira,
invisibilizando dinâmicas raciais. Por fim, analisa a construção e o desenvolvimento de
Brasília, revelando como decisões iniciais de projeto, pensadas para promover
diversidade, acabaram reforçando mecanismos de segregação.
No artigo "Como surge um quilombo: institucionalização da identidade do
Kilombo Família Souza na garantia de direitos", Daniel Henrique de Menezes Dias analisa
a experiência de aquilombamento da Família Souza, originada na antiga Curral Del Rey
(atual Belo Horizonte). O texto apresenta, de forma cronológica, a luta desse grupo pelo
reconhecimento como comunidade tradicional. Com base na perspectiva do Atlântico
Negro, de Paul Gilroy, o autor investiga como os processos de reconhecimento jurídico
e político dos quilombos funcionam como estratégias de resistência e afirmação
territorial. Também aborda o impacto da certificação da Fundação Cultural Palmares em
meio a disputas judiciais e narrativas sobre a posse da terra, destacando a persistência
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do Kilombo Família Souza ante constantes litígios e ameaças dos herdeiros dos primeiros
proprietários.
Pedro Henrique Azalim Cunha, em “Territórios étnicos ancestrais:
cosmopolíticas da natureza”, aborda as complexas relações de produção dos territórios
e das territorialidades dos povos originários sob a perspectiva da ancestralidade,
destacando a interação simbiótica e a coabitação harmoniosa entre comunidades
tradicionais e o meio ambiente como premissas para uma verdadeira justiça
socioambiental. O texto enfatiza a necessidade de integrar os saberes indígenas e
tradicionais às discussões sobre urbanização, entendendo-os como vias alternativas ao
modelo econômico vigente. Além disso, apresenta a cartografia social como ferramenta
de resistência e o conceito de urbanidade florestal, refletido nas práticas culturais,
espirituais e na preservação ambiental promovida por essas comunidades, como capaz
de reconfigurar as cidades contemporâneas.
Em “Territórios do amanhã: o quilombo do Mola, Amazônia, Brasil”, Diogo
Menezes Costa investiga a trajetória do Quilombo do Mola na Amazônia por meio de
uma abordagem interdisciplinar que combina arqueologia e tecnologias digitais.
Analisando fragmentos de cerâmica, latas de alumínio e outros objetos encontrados, o
autor levanta questões sobre os modos de vida e produção desse território quilombola.
Além da memória, a pesquisa propõe um arquivo colaborativo e um território virtual
como extensões protéticas do espaço físico. Métodos como modelagem eletrônica e
cartografia afetiva são apontados como instrumentos para a preservação e a
comunicação do legado quilombola, promovendo continuidades culturais em novas
espacialidades.
No artigo “Competição e cooperação na cena urbana: segregação racial na
região metropolitana de São Paulo”, Burkay Koseoglu analisa a segregação racial, na
maior metrópole do país, utilizando ferramentas quantitativas como Location Quotient,
Global Moran’s I e K-Means Clustering. O estudo analisa a distribuição espacial dos
grupos étnicos em São Paulo, demonstrando uma segregação que resulta da interação
de fatores históricos, políticos, sociais, culturais e econômicos. Os dados revelam que as
populações amarela e branca ocupam áreas mais desenvolvidas, ao passo que,
refletindo a exclusão estrutural, as indígenas se concentram em zonas rurais e as negras
e pardas em regiões periféricas. Koseoglu destaca, além disso, como tais dinâmicas
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espaciais afetam o acesso à educação, ao emprego e à renda, moldando as
oportunidades dos diferentes estratos raciais.
Liebert Rodrigues, Danielle Amorim Rodrigues e Gustavo Poeys, em “A paz que
eu não quero: reflexões sobre a 'pacificação' de favelas no Rio de Janeiro como uma
permanência da colonialidade”, analisam a chamada política de “pacificação” das
favelas cariocas como um instrumento contemporâneo de controle social e racialização
da violência urbana. O estudo investiga como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs),
implementadas desde 2008, reproduzem dinâmicas geo-históricas de repressão e
exclusão, mantendo a favela sob vigilância constante. Com base no conceito quijaniano
de colonialidade”, argumenta que a “pacificação” não representa um avanço na
segurança pública, mas reforça desigualdades raciais e espaciais, restringindo direitos e
criminalizando a população negra e periférica.
No artigo “Violência lenta sobre as populações urbano-ribeirinhas: o caso do
córrego do Leitão em Belo Horizonte-MG (1894-1975)”, Alessandro Borsagli, Brenda
Melo Bernardes e Amaro Sérgio Marques investigam a expulsão das populações
ribeirinhas do Vale do Córrego do Leitão, em Belo Horizonte, com base no conceito de
violência lenta de Rob Nixon. O estudo analisa como a urbanização levou à remoção
gradual desses grupos, alterando a paisagem local. O texto demonstra, ainda, que
políticas públicas, discursos higienistas e intervenções jurídico-urbanísticas justificaram
essa exclusão, contribuindo para o apagamento dessas populações e a transformação
da área em uma das mais valorizadas da capital mineira.
Finalmente, encerra o dossiê o artigo “Produção do território e das
territorialidades: insurgências e resistência no quilombo Cafundá Astrogilda”. A
pesquisa de Amaro Sérgio Marques e Tatiana Martinz Gil de Alcantara analisa o
Quilombo Cafundá Astrogilda, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, como um território de
resistência frente aos desafios urbanos. Discute, também, a luta quilombola por
permanência e reconhecimento em meio a disputas territoriais, gentrificação e
apagamento cultural. Baseando-se no conceito de quilombismo de Abdias
Nascimento e na crítica à colonialidade do poder de Aníbal Quijano, destaca, ainda, a
identidade quilombola e os saberes ancestrais como estratégias de resistência e
continuidade cultural no contexto urbano.
Boa leitura!