https://doi.org/10.46551/issn2179-6807v29n1p3-10
Vol. 29, n. 1, jan/jun, 2023
ISSN: 2179-6807 (online)
APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ
CONFLITOS AMBIENTAIS, USOS E GESTÃO DOS BENS DA UNIÃO
Fernando Soares Gomes1
Ela Wiecko Volkmer de Castilho2
Ana Paula Glinfskoi Thé3
Conflitos ambientais, usos e gestão dos bens da União foi uma proposta de
reunião de pesquisas oriunda de uma inquietação comum dos organizadores acerca de
problemáticas interdisciplinares, que perpassam contextos específicos, nos quais
grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, usos e significação da
natureza protagonizam disputas em torno de bens imóveis da União; e igualmente a
gestão institucional desse patrimônio (ACSELRAD, 2004).
Atualmente, os bens da União estão descritos primordialmente no âmbito do
art. 20 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88)4, que
4Art. 20 da CRFB/88. “São bens da União: I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser
atribuídos; II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções
militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; III - os lagos, rios
e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam
de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os
terrenos marginais e as praias fluviais; IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros
países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede
3Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora do Departamento de
Biologia Geral e dos Programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social e em Biodiversidade e Uso
dos Recursos Naturais da UNIMONTES. Pesquisadora do NIISA/UNIMONTES e coordenadora do
Laboratório de Educação Ambiental e Ecologia Humana (LEAEH/UNIMONTES). Vice-presidente da
Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) (2022-2024). E-mail: anapgthe@gmail.com.
ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-0020-5930.
2Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Subprocuradora-geral da
República aposentada, exerceu a função de coordenadora da Câmara de Coordenação e Revisão -
Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal. Pesquisadora do
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB), onde coordena o Grupo de
Pesquisa de Direitos Étnicos Moitará e o Escritório Jurídico para a Diversidade Étnica e Cultural (JUSDIV).
E-mail: wiecko@unb.br. ORCID iD: orcid.org/0000-0001-7215-5755.
1Advogado popular. Doutorando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Mestre em Desenvolvimento
Social pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Pesquisador do Dom - Grupo de
Pesquisa em Antropologia do Direito da UFMG e do Núcleo Interdisciplinar de Investigação
Socioambiental da UNIMONTES (NIISA/UNIMONTES). E-mail: fernandosg1502@gmail.com. ORCID iD:
https://orcid.org/0000-0003-1492-7192.
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elenca áreas como os terrenos marginais dos rios federais, os terrenos de marinha e as
terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas5.
No entanto, adotamos aqui uma perspectiva mais ampla sobre a categoria dos
bens da União, similar àquela descrita pelo trabalho de Frederico & Carneiro (2016, p.
1). Esses autores, com o intuito de “propor um modelo de cadastro único de bens da
União”, incluem nessa categoria patrimonial as Unidades de Conservação (UCs)
federais, as quais não estão elencadas no mencionado art. 20 da CRFB/88, possuindo
um regime jurídico próprio, previsto na Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC).
A adoção de tal perspectiva não desconsidera as especificidades dessas
elaborações jurídicas, a começar pela mencionada distinção entre os seus marcos
legais fundantes. Além disso, os bens descritos no art. 20 da CRFB/88, os quais, sob
essa ótica, são bens imóveis da União stricto sensu, representam o processo de
compreensão estatal dos usos estratégicos de determinadas áreas, diante de interesses
de defesa da soberania e segurança nacional (MOREIRA, 2018). Por outro lado, o SNUC,
grosso modo, é resultado da emergência e influência de ambientalismos
compensatórios e de modelos de áreas protegidas no cenário legal brasileiro,
sobretudo a partir da década de 1970.
Contudo, apesar dessas distinções, compreendemos que os bens descritos no
art. 20 da CRFB/88 e as UCs federais compõem uma rede de regimes e implicações
jurídicas, instituições e funções de Estado, que têm em comum a afirmação do
domínio, mesmo que muitas vezes apenas formalmente, da administração federal
sobre ambientes específicos, dotados de atributos significados em lógicas de
desenvolvimento nacional e proteção ambiental.
O exercício de convergência em questão, portanto, relaciona a atuação da
Secretaria do Patrimônio da União (SPU), responsável por “administrar o patrimônio
5Apesar de constituir o rol de bens elencados no artigo 20 da CRFB/88, a demarcação das terras de
povos indígenas é de competência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). Contudo,
segundo o artigo 19, § da Lei 6.001/1973, a demarcação promovida nos termos deste artigo,
homologada pelo Presidente da República, será registrada em livro próprio do Serviço do Patrimônio da
União (SPU) e do registro imobiliário da comarca da situação das terras”.
de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as
referidas no art. 26, II; V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
VI - o mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; VIII - os potenciais de energia
hidráulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; X - as cavidades naturais subterrâneas e os
sítios arqueológicos e pré-históricos; XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” .
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imobiliário da União (bens descritos no art. 20 da CRFB/88), zelar por sua conservação
e adotar as providências necessárias à regularidade dominial” (BRASIL, 2023); do
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que, dentre outras
funções, executa ações da política nacional de unidades de conservação da natureza,
referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção,
fiscalização e monitoramento das UCs instituídas pela União” (BRASIL, 2007); e da
FUNAI, que cumpre a política indigenista, conforme Lei 5.371/1967.
Ocorre que esses ambientes específicos compõem em muitos casos os
territórios e as paisagens de diversas comunidades indígenas, quilombolas, pesqueiras,
vazanteiras, geraizeiras, veredeiras, apanhadoras de flores, caiçaras e tantas outras
denominações de povos tradicionais ao redor do país. As formas de apropriação da
natureza promovidas por essas comunidades, de forma geral, perpassam o exercício
comunitário da ocupação, do uso, do controle [regras de costume] e da
identificação/significação em face de determinado ambiente, que é intrinsecamente
relacionada a fatores socioculturais específicos (LITTLE, 2004).
No caso das comunidades remanescentes de quilombos, por exemplo, Abdias
Nascimento (2019) evidenciou o caráter holístico de uma práxis da coletividade
afro-brasileira que ele denominou como quilombismo”, perspectiva que compreende
a representação do Quilombo como locus da “reunião fraterna e livre, solidariedade,
convivência [e] comunhão existencial” (NASCIMENTO, 2019, p. 290).
Em seu aspecto econômico, o quilombismo têm sido a adequação ao meio
brasileiro do comunitarismo ou ujamaaísmo6da tradição africana”, comportando em si
relações de produção diferenciadas, a conjugação de compasso e ritmo em relação aos
diversos níveis de uma vida coletiva” e a rejeição da propriedade privada da terra,
dos meios de produção e de outros elementos da natureza”. Tais concepções ocorrem
6Embora não exista uma definição do termo ujamaaísmo no trabalho de Abdias Nascimento, termo que
parece se referir à Aldeia de Ujama, localizada em Uganda, de onde provavelmente partiram muitos
“negros escravizados para diversas partes do chamado Novo Mundo”, Marques (2008, p. 116) encontrou
duas menções desse autor ao ujamaaísmo em seu texto ABC do Quilombismo. A primeira delas ao
asseverar que não “[...] devemos aceitar ou assumir certas definições, científicas’ ou não, que
pretendem situar o comunalismo africano e o ujamaaísmo como simples formas arcaicas de organização
econômica e/ou social. A segunda menção ocorre em: o quilombismo pretende resgatar dessa
definição negativista o sentido de organização sócio-econômica concebido para servir à existência
humana; organização que existiu na África e que os africanos escravizados trouxeram e praticaram no
Brasil. A sociedade brasileira contemporânea pode se beneficiar com o projeto do quilombismo, uma
alternativa nacional que se oferece em substituição ao sistema desumano do capitalismo”
(NASCIMENTO, 2019, p. 301).
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no interior de comunidades que reconhecem e defendem a coletivização de “todos os
fatores e elementos básicos” necessários à reprodução do ser e do todo (NASCIMENTO,
2019, p. 290).
Diante dessas questões, o Governo Federal, por meio da atuação de órgãos
como a SPU e o ICMBio, foi demandado ao longo das últimas décadas no sentido de
adequar diretrizes, práticas e instrumentos institucionais, com o intuito de reconhecer
as reivindicações e valorizar os saberes e modos de vida desses povos.
No caso da SPU, a resposta institucional ocorreu por meio da adoção da
perspectiva da função socioambiental do patrimônio da União, dando origem ao Termo
de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), instrumento de regularização fundiária que
pode ser outorgado a comunidades tradicionais que ocupem ou utilizem determinadas
áreas da União, dentre elas as áreas de várzeas e mangues enquanto leito de corpos
d’água federais; as áreas de praia fluvial federais; e os terrenos de marinha e marginais
presumidos” (BRASIL, 2010).
Com relação ao ICMBio, as reivindicações sociais buscam não apenas a
demanda de participação social e influência no âmbito da criação e gestão das
Unidades de Conservação de Uso Sustentável, que permitem a ocupação de
comunidades tradicionais; mas também a compatibilização das ocupações e práticas
desses povos com os objetivos das Unidades de Conservação de Proteção Integral, que
admitem apenas o uso humano indireto (BRASIL, 2000). Neste último caso, as
mobilizações de povos e comunidades tradicionais provocaram a adoção por parte do
ICMBio, mesmo que ainda embrionária, do Parecer 175/2021 da Advocacia-Geral da
União (AGU) [intitulado Sobreposição entre Unidade de Conservação de Proteção
Integral e Territórios Tradicionais]7.
Por esse ângulo, esses bens configuram igualmente regiões de fronteira em
relação ao neoextrativismo, de maneira que as pessoas que neles habitam gerações
7Trata-se de manifestação jurídica acerca da compatibilização de atividades de populações tradicionais
com os objetivos de Unidades de Conservação de Proteção Integral”. Esse documento recupera “o
cenário jurídico atual dos povos e comunidades tradicionais em Unidades de Conservação Federais de
Proteção Integral, nas quais sua permanência não seja permitida, nos termos do art. 42 da Lei
9.985/2000”; reconhece “uma mudança de paradigma em como devem ser tratados os conflitos gerados
pela sobreposição dessas Unidades de Conservação com territórios tradicionais, a partir de uma
releitura daquele marco normativo”; e, por fim, apresenta as medidas e os instrumentos para contribuir
com a solução desse conflito” (AGU, 2021).
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e deles dependem vivenciam cotidianamente o assédio da expansão predatória e
desenfreada da demanda capitalista por “recursos naturais”.
De acordo com Gudynas (2012, p. 306), o neoextrativismo representa a
persistência aprimorada de um modelo de desenvolvimento de grande impacto social e
ambiental, que inclui a mineração, a exploração petrolífera, o agronegócio e as
monoculturas florestais, por exemplo. A versão contemporânea do extrativismo é
“funcional à globalização comercial-financeira e perpetua a inserção internacional
subalterna da América do Sul”. Ao contrário do extrativismo convencional [“em
particular aquele dos anos 80 e 90”], o neoextrativismo envolve o papel ativo do
Estado, com intervenções tanto diretas quanto indiretas sobre os setores extrativistas”
(GUDYNAS, 2012, p. 306).
Na medida em que avançam os projetos de desenvolvimento fundados em
atividades como a mineração, monoculturas de exportação e a pesca industrial,
igualmente se intensificam as condições de desterritorialização e fragmentação
territorial de povos e comunidades tradicionais. O Estado, nesses contextos, assume
uma posição dúbia disposta entre a defesa dos direitos desses povos e a promoção dos
interesses de enclaves extrativistas” (GUDYNAS, 2012, p. 308).
Ademais, o incremento do protagonismo estatal em torno da questão do
desenvolvimento implica o aumento do controle sobre o acesso à natureza. Desse
modo, “afirma-se que esses recursos são propriedade do Estado”, ao mesmo tempo
em que o próprio Estado reproduz estratégias empresariais baseadas na
competitividade, na redução de custos e no aumento da rentabilidade” (GUDYNAS,
2012, p. 309).
Os conflitos entre as formas de apropriação tradicionais e a apropriação
neoextrativista são, portanto, incontornáveis, tendo em vista que se contrapõem e que
determinam em seu conjunto uma disputa assimétrica, na qual o sistema jurídico atua
como um elemento chave no âmbito dos processos de “superação por meio da
incorporação” de formas não capitalistas de apropriação da natureza (FARIA, 2020)
(LEFEBVRE, 1975, p. 178)8.
8Essa perspectiva, manejada pelo trabalho de Faria (2020), é oriunda do pensamento de Lefebvre (1975,
p. 178/179), para quem descobrir um termo contraditório de outro não significa destruir primeiro, ou
esquecê-lo, ou pô-lo de lado. Ao contrário, significa descobrir um complemento de determinação. A
relação entre dois termos contraditórios é descoberta como algo preciso: cada um é aquele que nega o
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É diante desses sentidos que capturamos aqui o debate acerca dos conflitos
ambientais, usos e gestão do patrimônio da União [aquele definido no art. 20 da
CRFB/88, além das UCs federais]. Os textos que compõem este Dossiê, de algum modo,
estão atravessados pela discussão das continuidades e descontinuidades que
sintetizamos acima.
Dito isso, apresentamos o presente Dossiê temático a partir de três eixos,
sendo eles: 1) conflitos; 2) usos e 3) gestão. O primeiro deles é composto pelo trabalho
intitulado Terras da União: A comunidade quilombola Bom Jardim da Prata e as
disputas territoriais no Vale Médio do São Francisco/MG, de autoria de Amaro Sérgio
Marques, Alessandro Borsagli e Brenda Melo Bernardes. Nesse artigo, os autores
lançam mão de compreender a problemática vinculada ao processo de ocupação de
terras da União por grupos sociais distintos e os interesses econômicos existentes”, a
partir dos conflitos vivenciados pela comunidade quilombola de Bom Jardim da Prata.
Em sequência, ainda no eixo conflitos”, existe a contribuição de Gabriel Costa
Ribeiro, autor de Atos de Estado e disputas de poder na execução da Política Estadual
para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas
Gerais: Construções, desafios e limitações. Nessa genealogia da Comissão Estadual dos
Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, o autor demonstra como o
diálogo com agências de Estado tem se convertido numa presença técnica, burocrática
e figurativa”, responsável por subsumir e submeter a execução de políticas públicas de
reconhecimento étnico à técnicas de governo específicas; além de reafirmar, ao fim e
ao cabo, “projetos políticos divergentes de uma perspectiva emancipatória da
sociedade”.
Compõe igualmente o eixo conflitos” a pesquisa Ecologia política da
construção sócio-institucional das Reservas Extrativistas nos maretórios do Pará,
desenvolvida por Éder Victor Oeiras Leite e Carlos Valério Aguiar Gomes. Esses autores
descrevem o percurso de mobilizações relacionadas à criação de Reservas Extrativistas
(RESEX)9, um dos tipos de Unidades de Conservação de Uso Sustentável que compõem
9A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência
baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais
de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas
outro; e isso faz parte dele mesmo”. De acordo com Lefebvre, contudo, a negação não é aqui a negação
formal, aquela do entendimento ou da metafísica, o simples ‘não’, [...], trata-se de uma negação
determinada, concreta, ativa. Essa negação é introduzida com o conteúdo e a consciência”.
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o SNUC, nos maretórios (derivado das palavras mar e território) do Pará; além da
relação direta tecida entre essas reivindicações e a violação de direitos costumeiros,
ocorrida em meio a conflitos socioambientais.
Noutro giro, o eixo “usos” abarca o estudo de Ewerton Martins e Michelly
Machado intitulado Perspectivas sobre a captura do caranguejo-uçá (Ucides cordatus)
em Marapanim/PA, trabalho que contrapõe, em termos de conservação, renovação e
comercialização dos estoques pesqueiros, técnicas tradicionais de captura do
caranguejo-uçá e a exploração em larga escala do ecossistema costeiro; além da
contribuição Comunidade indígena Xavante da aldeia Tsorempré: Gestão de recursos e
aproveitamento de serviços ecossistêmicos de João Gomes Júnior e Odorico Ferreira
Cardoso Neto. Esses últimos autores abordam as práticas produtivas dos povos
Xavante da aldeia Tsorempré, revelando uma rede complexa [e alternativa] de critérios
que influenciam os usos do território.
O terceiro eixo é um enfoque da pauta da gestão do patrimônio da União
[especificamente, de UCs federais] construído por meio do trabalho de Laís Gonçalves
de Souza, intitulado Os desafios da participação no âmbito do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação: Estudo de caso sobre o Conselho da Reserva Biológica do
Gurupi, Maranhão, Brasil; e do estudo Cogestão da Reserva Extrativista Acaú-Goiana:
Análise de 15 anos de êxitos e desafios, elaborado por João Paulo Gomes de Oliveira.
Ambos os trabalhos abordam, a partir dos contextos da Reserva Biológica do
Gurupi, no Maranhão [uma Unidade de Conservação de Proteção Integral], e da
Reserva Extrativista Acaú-Goiana, localizada entre Paraíba e Pernambuco [uma
Unidade de Conservação de Uso Sustentável], algumas dimensões da participação [e
dos seus limites] de comunidades tradicionais e produtores rurais nos processos
decisórios dessas UCs.
Por fim, esperamos que o Dossiê contribua para fomentar o debate em torno
dessa temática e possibilitar trocas de experiências entre pesquisadores(as),
movimentos sociais e comunidades. Essa foi, em verdade, a intenção que direcionou o
percurso desde o início. Boa leitura!
populações, e assegurar o uso sustenvel dos recursos naturais da unidade” (BRASIL, 2000). Cabe notar
que o termo extrativismo” utilizado na legislação brasileira tem conotações distintas daquelas
acionadas em seu uso na literatura latino-americana.
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