https://doi.org/10.46551/issn2179-6807v29n1p104-125
Vol. 29, n. 1, jan/jun, 2023
ISSN: 2179-6807 (online)
PERSPECTIVAS SOBRE A CAPTURA DO CARANGUEJO-UÇÁ - UCIDES
CORDATUS - EM MARAPANIM/PA: TÉCNICA DO GANCHO
Ewerton Domingos Tuma Martins1
Michelly Silva Machado2
Resumo: O presente artigo visa descrever a prática de captura do caranguejo-uçá realizada
através do gancho, uma ferramenta artesanal, utilizada no município de Marapanim/PA; e
verificar as perspectivas socioambientais dos extrativistas acerca dessa atividade. O estudo
possui abordagem socioantropológica, realizada através de entrevistas semiestruturadas e
conversas informais, com campo realizado em 2021, em colaboração com especialistas na
captura de moluscos e crustáceos nos manguezais marapanienses. O argumento central es
voltado na perspectiva de um extrativista acerca da forma de captura do caranguejo-uçá. Como
resultados, destacamos duas técnicas tradicionais de captura, a técnica do gancho e a técnica
de captura no braço, práticas de subsistência que contribuem para a conservação, renovação
dos estoques pesqueiros e a comercialização.
Palavras-chave: Caranguejo-uçá. Ucides cordatus.Reserva extrativista. Marapanim/PA.
PERSPECTIVES ON THE CAPTURE OF THE UÇÁ CRAB -UCIDES CORDATUS - IN MARAPANIM/PA:
HOOK TECHNIQUE
Abstract: This article aims to describe the practice of capturing the uçá crab performed through
the hook, a handmade tool, used in the municipality of Marapanim/PA; and to verify the
socio-environmental perspectives of the extractives about this activity. The study has a
socio-anthropological approach, carried out through semi-structured interviews and informal
conversations, with a field conducted in 2021, in collaboration with specialists in the capture of
mollusks and crustaceans in the Marapanian mangroves. The central argument is focused on
the perspective of an extractivist about the way of capturing the crab-uçá. As a result, we
highlight two traditional techniques of capture, the hook technique and the technique of
capture in the arm, subsistence practices that contribute to conservation, renewal of fish
stocks and marketing.
Keywords: Crab catching. Ucides cordatus.Extractive reserve. Marapanim/PA.
2Doutoranda em Antropologia (PPGA) pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestra em Diversidade
Sociocultural (PPGDS) pelo Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) e Mestra em Linguagens e Saberes na
Amazônia (PPGLA-UFPA). E-mail: mih.machado02@gmail.com. ORCID iD:
https://orcid.org/0000-0002-1607-4368.
1Mestrando em Antropologia (PPGA) pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Especialista em História
e Cultura Afro-Brasileira (UNIASSELVI/SC). Especialista em Docência no Ensino Superior (UNIASSELVI/SC).
Especialista em Educação Especial e Inclusiva e Metodologia de Ensino (FABRAS/DF). E-mail:
ewertontuma@yahoo.com.br. ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-6273-9829.
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PERSPECTIVAS DE LA CAPTURA DE CANGREJO UÇÁ -UCIDES CORDATUS - EN MARAPANIM/PA:
TÉCNICA DEL GANCHO
Resumen: Este artículo tiene como objetivo describir la práctica de captura del cangrejo uçá
realizada a través del gancho, una herramienta hecha a mano, utilizada en el municipio de
Marapanim/PA; y verificar las perspectivas socioambientales de los extractivos sobre esta
actividad. El estudio tiene un enfoque socio-antropológico, realizado a través de entrevistas
semiestructuradas y conversaciones informales, con un campo realizado en 2021, en
colaboración con especialistas en la captura de moluscos y crustáceos en los manglares de
Marapanian. El argumento central se centra en la perspectiva de un extractivista sobre la forma
de capturar el cangrejo-uçá. Como resultado, destacamos dos técnicas tradicionales de
captura, la técnica del anzuelo y la técnica de captura en el brazo, prácticas de subsistencia
que contribuyen a la conservación, renovación de las poblaciones de peces y comercialización.
Palabras-clave: Captura de cangrejo-uçá;Ucides cordatus; Reserva extractiva; Marapanim/PA.
INTRODUÇÃO
A região amazônica é constituída pela maior extensão contínua de manguezais
do planeta (SOUZA, 2016), cujas principais funções ecológicas incluem a prevenção de
inundações, erosão costeira, reciclagem de nutrientes e de substâncias poluidoras,
além de oferecer direta e indiretamente habitats para uma variedade de espécies. O
manguezal filtra a água do mar melhorando sua condição e reduz drasticamente o CO2
da atmosfera.
Na região do salgado marapaniense, área mais próxima do mar que sofre
diretamente influência das águas oceânicas, o manguezal ou mangal, como é
conhecido localmente, é descrito como elemento fundamental para subsistência e
atividade econômica dos seus moradores/extrativistas. Assim, o manguezal compõe as
paisagens e determina os territórios produtivos locais.
Atividades como a pesca, agricultura e a coleta de recursos oriundos da
natureza são umas das práticas mais antigas do salgado marapaniense. Para os
extrativistas locais, o manguezal é um berçário importantíssimo, sendo o espaço de
reprodução de muitas espécies. Portanto, é um lugar para sobrevivência, subsistência e
comercialização de recursos oriundos da natureza, como na captura ou tiração do
caranguejo-uçá [Ucides cordatus].
Os pescadores são protagonistas de diferentes experiências e têm uma relação
particular com o ambiente em que vivem. Sua organização comunitária e familiar está
pautada nas memórias de manejo repassadas por meio da transmissão de
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conhecimentos entre as gerações. Esses saberes traduzem a relação dos extrativistas
com o manguezal nas suas mais variadas manifestações, sendo essa uma das
preocupações e justificativas da utilização da técnica do gancho, conforme os
extrativistas.
Sendo assim, neste estudo descrevemos a técnica do gancho na captura do
caranguejo-uçá; e as perspectivas dos pescadores acerca dessa atividade. Trata-se de
uma das formas de entender as pluralidades do extrativismo marapaniense, conforme
as dinâmicas socioeconômicas e do entendimento de mundo dos pescadores do
manguezal na Reserva Extrativista Marinha Mestre Lucindo.
METODOLOGIA
O presente estudo parte de pesquisa socioantropológica, realizada em 2021
em Marapanim/PA, na região do salgado marapaniense. O município situa-se na Zona
Costeira do Estado do Pará, Região Norte do Brasil, cercado pelas paisagens praianas,
composta por muitos rios, matas e manguezais.
Figura 1 Localização da Região do Salgado Paraense
Fonte: (SANTOS; COSTA, 2021, p. 08).
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O município é dividido por duas micro-áreas, que se distinguem por suas
atividades econômicas, sendo uma mais distante do litoral e a outra litorânea. Furtado
(1978, p. 3-4) denominou essas áreas de “micro-região da Água Doce” e “micro-área
Praiana”. Para os marapanienses, as duas regiões são conhecidas como “região da água
doce de Marapanim”, ou água doce” e “região do salgado marapaniense”, ou
salgado”.
Marapanim/PA divide-se na sede do município e aproximadamente 18
comunidades. Neste estudo abordaremos especificamente as práticas de pesca nas
comunidades de Novo Horizonte e Bacuriteua, ambas com acesso pela estrada PA-138,
a uma distância de aproximadamente 170 km da capital do Estado do Pará, Belém.
Essas comunidades possuem como característica comum atividades
extrativistas em áreas da União. Essas áreas, atualmente, são regulamentadas pela
Reserva Extrativista Marinha Mestre Lucindo, uma Unidade de Conservação de uso
direto (BRASIL, 2000), criada em 2014, com aproximadamente 26 mil hectares. O
interesse pela criação da RESEX partiu de moradores e lideranças, como Luiz
Gutemberg. Posteriormente os moradores foram representados pela Associação dos
Usuários da Reserva Extrativista Marinha Mestre Lucindo (AUREMLUC). Com a criação
da Resex, esses territórios foram reafirmados e demarcados para uso das comunidades
locais (DSN 14010-DEC 10/10/2014).
Os objetivos de criação da Resex consistiram em estratégias das comunidades
para conter os avanços irregulares de exploração do meio ambiente (CANTO, 2022);
garantir a conservação da biodiversidade dos ecossistemas de manguezais, restingas,
dunas, várzeas, campos alagados, rios, estuários e ilhas; assegurar o uso sustentável
dos recursos naturais; e proteger os meios de vida e a cultura das comunidades
tradicionais extrativistas da região, conforme o Instituto Socioambiental (ISA) (2014).
Nossa pesquisa contou com dois colaboradores principais, de faixa etária
distintas, entre 40 a 60 anos, com experiência na captura de recursos pesqueiros. É
importante destacar que a técnica do gancho descrita não caracteriza a prática da
captura de caranguejo-uçá na região. A metodologia da pesquisa ocorreu através de
entrevistas semiestruturadas, conversas informais e no acompanhamento das
atividades de pesca. Os procedimentos metodológicos permitiram descrever as
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técnicas de captura do caranguejo-uçá e as perspectivas dos extrativistas sobre a
referida atividade.
O contato com os extrativistas aconteceu por intermédio de moradores do
Distrito de Marudá, no qual nos foi informado sobre algumas pessoas reconhecidas na
região pela captura de caranguejo. Entre as indicações destacamos um senhor, de 51
anos, que utiliza a técnica do gancho, uma prática não muito comum, pois a maioria
dos pescadores fazem a captura no braço. O segundo extrativista é um pescador e
caçador de 47 anos, que utiliza a técnica do braço para captura do caranguejo. É
importante mencionar que os extrativistas optaram pela não identificação de seus
nomes nas publicações da pesquisa, sendo denominados de extrativista de gancho e
extrativista de braço.
As entrevistas aconteceram na residência dos pescadores e em alguns espaços
públicos durante encontros casuais, sobretudo no mês de julho e agosto de 2021.
Ainda no trabalho de campo acompanhamos algumas atividades dos extrativistas, na
qual pudemos observar a confecção de um gancho para captura de caranguejo-uçá.
AS PRÁTICAS EXTRATIVISTAS E OS SABERES MARAPANIENSES
Os extrativistas das comunidades Novo Horizonte e Bacuriteua têm relação
direta com o ecossistema costeiro, estando a pesca artesanal presente na dinâmica
sociocultural e econômica desses indivíduos. Na captura de crustáceos e moluscos, o
caranguejo-uçá é reconhecido como um recurso pesqueiro de importante valor para
subsistência e para a cadeia de comercialização.
Em relação aos aspectos econômicos estudados na década de 1970 por Furtado
(1978), nas comunidades da região do salgado, tais como: Vista Alegre do Pará,
Araticum-Miri, Paixão e Porto Alegre, os locais praticavam a coleta de caranguejos e
mexilhões. Estabeleciam sólida relação de escoamento da sua produção para Castanhal
e Belém, sendo o mangal o centro produtor da atividade coletora:
Nossas observações mostram que o caboclo de Marapanim não é
vocacionado para esse ou aquele tipo de ocupação, ou seja, ele não é
destinado para a agricultura ou somente para a pesca, ou ainda, para
qualquer tipo de atividade econômica, mas antes de tudo, ele se adapta ao
ambiente natural, não é passivo ao habitat, mas cria e recria diante das
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