https://doi.org/10.46551/issn2179-6807v28n2p50-78
Vol. 28, n. 2, jul/dez, 2022
ISSN: 2179-6807 (online)
Revista Desenvolvimento Social, vol. 28, n. 2, jul/dez, 2022
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TRAJETÓRIA E EXPERIÊNCIA DE VIDA ACADÊMICA WAUJA
Autaki Waurá1
Resumo: Neste trabalho descrevo minha trajetória tanto na educação Wauja, povo a qual
pertenço, como na escolarização não indígena, a entrada na universidade e realização de
pesquisa de mestrado. Analiso a educação Wauja, relacionada a reclusão pubertária, e os modos
de aprendizagem das crianças e dos jovens Wauja que foram temas de minha dissertação e
estão relacionados a minha trajetória como professor indígena. O povo Wauja é falante de
língua do tronco Aruwaki que vive na Terra Indígena do Xingu e no Estado de Mato Grosso-MT.
Os Wauja recebem a educação desde crianças e até a vida adulta com as famílias, por meio de
orientações orais, de práticas manuais e da observação. Atualmente, a oportunidade de os
indígenas acessarem a universidade e realizarem suas próprias pesquisas. A partir da minha
experiência mostro que o estudo na universidade é importante para os povos indígenas como
modo de fortalecimento das suas tradições e da luta por direitos específicos e reconhecimento.
Palavras-chave: Trajetória indígena na universidade. Educação Wauja. Educação não indígena.
WAJUA'S TRAJECTORY AND EXPERIENCE OF ACADEMIC LIFE
Abstract: In this paper I describe my trajectory both in Wauja education, the people to which I
belong, and in non-Indigenous schooling, entering university, and conducting master's research.
I analyze Wauja education, related to puberty seclusion, and the ways of learning of Wauja
children and young people, which were the subjects of my dissertation and are related to my
trajectory as an indigenous teacher. The Wauja people are speakers of the Aruwaki language
trunk who live in the Indigenous Land of Xingu and in the state of Mato Grosso-MT. The Wauja
receive education from childhood through to adulthood with their families through oral
guidance, manual practices, and observation. Currently, there is the opportunity for the
indigenous people to access university and conduct their own research. From my own
experience I demonstrate that studying at university is important for indigenous people as a way
of strengthening their traditions and the struggle for specific rights and recognition.
Keywords: Indigenous trajectory in the university. Wauja education. Non-indigenous education
TRAYECTORIA Y EXPERIENCIA DE LA VIDA ACADÉMICA WAUJA
Resumen: En este trabajo describo mi trayectoria tanto en la educación Wauja, pueblo al que
pertenezco, como en la escolarización no indígena, ingresando a la universidad y realizando
investigaciones de maestría. Analizo la educación Wauja, relacionada con la reclusión en la
1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Estadual de
Campinas (PPGAS/Unicamp). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da
Universidade Federal de Goiás (PPGAS/UFG). Graduado em Educação Intercultural, com habilitação em
Ciências da Linguagem, pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Professor indígena desde 2006.
Atualmente leciona na Escola Indígena Municipal Ulupuwene (aldeia Ulupuwene, Parque Indígena do
Xingu). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5784-881X. E-mail: autakiwaura@gmail.com.
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pubertad, y las formas de aprender de los niños y jóvenes Wauja que fueron objeto de mi tesis
y tienen relación con mi trayectoria como profesor indígena. El pueblo Wauja és hablante de la
lengua troncal Aruwaki que vive en la Tierra Indígena Xingu y en el Estado de Mato Grosso-MT.
Los Wauja reciben educación desde la infancia y hasta la edad adulta con sus familias, a través
de la orientación oral, las prácticas manuales y la observación. Actualmente, existe una
oportunidad para que los indígenas accedan a la universidad y realicen sus propias
investigaciones. Con base en mi experiencia, muestro que estudiar en la universidad es
importante para los pueblos indígenas como una forma de fortalecer sus tradiciones y luchar
por derechos específicos y reconocimiento.
Palabras-clave: Trayectoria indígena en la universidad. Educación Wauja. Educación no
indígena.
INTRODUÇÃO
O Wauja é falante de língua do tronco Aruwak que vive na Terra Indígena do
Xingu2 (TIX). Nesse Território oito aldeias Wauja, cinco estão localizadas nas margens
do rio Batovi, mais especificamente, na região do Alto Xingu, no município de Gaúcha
do Norte e de Paranatinga, são elas: Piyulaga, Ulupuwene, Tamitatoalo, Topepeweké,
Tsekuru e Álamu. Outras duas aldeias, Piyulewene e Kiyagaluwá, se localizam na região
do Médio Xingu. A aldeia Piyulewene fica na margem do rio Karl Von den Steinen, no
município de Feliz Natal, e a aldeia Kiyagaluwá está situada na margem do rio Ronuro,
no município de Nova Ubiratã. O Wauja integrante da região Alto Xinguana participa de
todos rituais realizados entre dez comunidades que são: Kaumãi, Yamurikuma, Pohoká3
e demais outras festas culturais. Porém, eles têm os seus próprios costumes que não
são partilhados, que apenas eles realizam. Vivemos da pesca, da caça, do cultivo de
espécies como a mandioca e outros alimentos.
O objetivo deste trabalho é apresentar minha trajetória acadêmica como
estudante e professor indígena Wauja na Universidade Federal de Goiás (UFG) e na
sociedade Wauja. Neste trabalho descrevo o caminho que enfrentei para ingressar na
UFG e, depois, no doutorado, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para
assim, realizar estudo, adquirir o conhecimento não indígena para defender os direitos
2 O primeiro nome desse território, em sua criação, foi “Parque Nacional do Xingu” (PNX). Atualmente, é
denominado “Parque Indígena do Xingu” (PIX) ou “Terra Indígena do Xingu” (TIX). Prefiro usar “Terra
Indígena do Xingu” que é o nome mais adequado para os povos indígenas do Xingu. Mas adiante
apresentarei os povos do Xingu em nota de rodapé.
3 O ritual em memória dos finados mais conhecido como Kuwarup na língua do povo Kamaiurá.
Yamurikumã é uma festa das mulheres do Alto Xingu em que apenas mulheres participam. Pohoká é o
nome do ritual em que os rapazes, escolhidos para serem futuros caciques de suas comunidades, recebem
a furação de orelhas.
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conquistados tanto na educação quanto na saúde e demais outros direitos garantidos
para os povos indígenas brasileiros. Compreendendo que cada povo tem os seus
próprios modos de aprendizagem de acordo com seus conhecimentos, da língua
materna, das práticas alimentares. Inclusive os não indígenas têm seus modos próprios
de ensinar, de instruir suas crianças para que aprendam as suas culturas, para que
tenham uma boa formação, para serem uma pessoa sábia e terem uma vida digna. Do
mesmo modo, o Wauja tem o seu próprio modo de ensino e aprendizagem na vida,
cuidam da formação da pessoa Wauja o que não acontece em um prédio, como na
escola, na universidade, mas em casa, no pátio da aldeia e nos passeios, nas florestas,
nos rios, nas danças culturais. Tendo isto em vista, neste ensaio, ao descrever minha
trajetória, trato de modos próprios de ensino e aprendizagem, da educação Wauja que
está relacionada a reclusão pubertária, que também foi tema de minha pesquisa de
mestrado.
Este trabalho surge como forma de compreender o processo de entrada de
estudantes indígenas na universidade, a importância destes e as finalidades de sua
participação em uma instituição de ensino superior. Eu tinha o sonho de ingressar na
universidade para conhecer a minha própria cultura, a produção da pessoa que está
relacionada a reclusão pubertária. Como contarei neste texto, tinha interesse em
entender o processo desta prática, a educação, o aprendizado obtido na reclusão
pubertária em que os meninos aprendem sobre cestaria e as meninas aprendem a
produção de fio de algodão.
A reclusão pubertária é uma tradição do Wauja e dos povos no Alto Xingu4. Dez
povos realizam esta prática como: Aweti, Kalapalo, Kamaiurá, Kuikuro, Matipu,
Mehinaku, Nafukuwá, Trumai, Wauja e Yawalapiti. Esses povos são praticantes de rito
de passagem da reclusão pubertária do Alto Xingu. Nesse espaço os jovens recebem
4 O território conhecido como Terra Indígena do Xingu tem 16 povos indígenas diferentes, divididos entre
quatro regiões que se chamam Alto Xingu, Médio, Baixo e Leste Xingu. Em cada umas dessas regiões
residem diversas etnias, por exemplo, como destaquei: no Alto Xingu tem onze etnias, Aweti, Kamaiurá
que são falantes da língua Tupi, Kalapalo, Kuikuro, Matipu, Nafukuá, Naruvotu que são falantes de língua
Karib e Trumai falante da língua isolada ou ngua Trumai. Também o povo Ikpeng (Txicão) é falante de
família do tronco linguístico Karib e se localiza no Médio Xingu. Além disso, tem outros povos que são:
Kawaiweté (Kaiabi), falante de família do tronco linguístico Tupi-Guarani e Yudjá (Juruna) que é falante
da família linguística juruna ou Tupi que ficam no Baixo Xingu. Kisedje (Suiá) e Tapayuna que são falantes
de língua ou Macro- que situam no Leste Xingu. Esses povos indígenas fazem parte do Xingu, tem
suas respectivas culturas e cada povo tem seu modo de viver nas comunidades ou nas suas aldeias.
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ensinamentos do seu povo, como: as produções de materiais, o equilíbrio emocional,
espiritual, a produção do corpo e é também uma continuidade de conhecimento do
povo ancestral.
As novas gerações quase não conhecem as regras e o processo do rito de
passagem da reclusão pubertária. Apenas os anciãos e as anciãs conhecem a
importância deste aprendizado do seu povo. Devido ao grande contato com os não
índios, os jovens Wauja estão se envolvendo nos serviços dos não indígenas. Com novos
costumes, eles acabam se adaptando, substituindo os seus próprios modos de viver e as
suas práticas da reclusão pubertária.
No decorrer de minha pesquisa de mestrado percebi que a prática da reclusão
está mudando e sem a comunidade perceber. Os Wauja não tinham percebido, não
tinham preocupações sobre mudanças culturais. Nesse sentindo que a universidade é
fundamental para os indígenas, para aprender a cultura dos não indígenas, mas também
para atuar como pesquisadores/as de seus próprios povos, contar suas próprias
histórias, publicar seus trabalhos, os seus registros através do estudo na universidade.
Embora muitos/as estudantes indígenas tenham grande dificuldade de deslocamento
das aldeias para participarem da seleção nas cidades, interesse em concorrer as vagas
nas universidades. Assim, quero destacar que a criação da Lei de Cota na universidade
facilitou, abriu a porta da universidade para os povos indígenas acessarem o ensino
superior. A partir de ações afirmativas, nós tivemos grande oportunidade de realizar o
nosso desejo, buscando os estudos que interessam para a comunidade e para os/as
alunos/as nas escolas indígenas. Além disso, temos uma nova experiência com os
conhecimentos acadêmicos.
Muitas vezes os indígenas não têm oportunidade de mostrar os seus costumes,
as suas realidades e, assim, suas epistemologias e entendimentos sobre a criação do
mundo e a humanidade que é específica para cada povo. Através do estudo nas
universidades, nós alunos/as podemos tecer nossas redes de conexão de
conhecimentos, estabelecendo aproximação com autoridades, abrindo e continuando o
caminho de luta para defender nossas casas e a terra. Quando os não indígenas e,
principalmente o governo, impõe seus projetos para os povos indígenas aplicarem em
suas comunidades, nós, estudantes indígenas, podemos trazer a nossa realidade, as
nossas diferenças e construir um olhar crítico sobre esses projetos. Na universidade nós
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também proporcionamos desafios para os/as professores/as não indígenas em relação
ao ensino e a orientação dos projetos de pesquisa.
Escrevi este ensaio para apresentar minha trajetória acadêmica como indígena,
o desafio de sair da comunidade e ingressar na universidade. É uma forma de expor os
obstáculos do processo de acesso à universidade para os não indígenas e, também, para
os jovens indígenas, para que estes entendam a importância da universidade. Nesse
sentido, o meu trabalho é importante porque mostra a situação dos/as estudantes
indígenas, além disso, é uma forma de apresentar nosso conhecimento para a sociedade
ocidental, para que possam conhecer e entender a nossa entrada na universidade.
EDUCAÇÃO WAUJA E ESCOLARIZAÇÃO NÃO INDÍGENA
Começo descrevendo a minha história de vida, de aprendizagem desde criança
até a vida adulta e também a minha trajetória escolar especifica e a educação Wauja,
passando pela educação escolar não indígena tanto no Ensino Fundamental, Ensino
Médio, como na academia. É importante mencionar que essa reflexão fez parte da
dissertação de mestrado que defendi em 2021. Na dissertação (Waurá, 2021) também
tratei de minha trajetória que, como mostrarei, está relacionada à própria pesquisa
desenvolvida sobre a educação e a reclusão pubertária do povo Wauja.
Quando eu era criança não tinha escola na aldeia e o Wauja vivia
tradicionalmente, não possuía muito contato com os não indigenas, também não tinha
relação com o trabalho e a cultura dos não indígenas naquele período. Por isso, não
havia preocupação com o processo de escolaridade dos não indígenas.
Tínhamos somente a educação do Wauja que foi desenvolvida, praticada e
transmitida na comunidade. Sempre o Wauja realizava as festas culturais, as atividades
individuais e coletivas. Eu vivi no meio da educação do meu próprio povo e recebia o
ensinamento dos meus pais e das minhas famílias5.
5Citei as famílias no plural para dizer que eu fiz esse trabalho junto com a comunidade da aldeia
Ulupuwene /Wauja, incluindo a minha família. Na tradição Wauja não tem a divisão familiar e sempre se
considera todas as famílias e a comunidade inteira como uma única família; a gente se conhece e se
comunica e vive junto na aldeia. Por esse motivo chamei a comunidade inteira de famílias. É diferente dos
não indígenas, eles não pensam igual ao povo Wauja e eles não consideram as pessoas que residem no
Brasil como a sua família, apenas consideram as famílias próximas e não comunicam com todo mundo e,
uma vez que moram na mesma terra, estado ou cidade, não conhecem todo mundo.
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Desde pequeno, meus pais cuidaram de mim, me ensinando, me orientando a
fazer as coisas certas e a não fazer as coisas ruins para a comunidade. Esses
ensinamentos foram importantes para que eu respeitasse o pessoal da aldeia e outros
povos que eu precisasse conviver quando crescesse. Posso dizer que eles me ensinaram
coisas importantes na minha formação pessoal.
Eu sempre andava com as minhas famílias onde eles iam: nas pescarias, nos
trabalhos, nos passeios, nas festas culturais em outras aldeias. Os meus pais não me
falavam sobre a escola para estudar e aprender. Meu pai sempre me ensinava as nossas
próprias tradições para eu aprender a minha cultura e, quando crescer, saber executar
as tarefas dos adultos, saber lidar e sustentar a minha família.
Segundo a minha família, eu entrei pela primeira vez na escola para estudar no
ano de 1985, com a senhora Joan Richards. Segundo Postigo (2014), ela era membro do
Summer Institute of Linguistics (SIL). Naquele período, ela estava dando aula de escrita
da língua Wauja, matemática e língua portuguesa. Eu fui aluno dela e participava das
aulas todas as manhãs. Depois de um tempo, ela voltou para a cidade de Cuiabá, capital
de Mato Grosso, e a professora Margarete6 veio para aldeia Wauja para dar aula às
crianças e adultos, alfabetizando-os/as. Eu estudei nesse período, mas não demorou
muito, ela voltou para a sua casa e, logo em seguida, em 1987, chegou outro professor
que se chamava Joel Cruz7. Ele lecionava na aldeia Piyulaga, e ele também voltou para a
sua casa. Depois disso, não estudei mais pois não tinha mais professor. Assim, fui
crescendo, praticando a minha cultura, nem tinha ideia de que voltaria a estudar na
escola. Na verdade, não sabia que a escola existia.
Com o tempo passando, até 1994 ou 1995, o Wauja precisava de um professor
para ensinar as crianças da aldeia, pois elas precisavam aprender a cultura não indígena
para serem capazes de se defender futuramente. Então, o professor Antônio Pereira
Aroca8, descendente da etnia Pataxó, que morava em Brasília com sua família, foi
convidado pela comunidade para lecionar. Ele chegou na aldeia Piyulaga em abril de
1995 e começou a trabalhar dando aula na aldeia. Em 1996, ele foi embora para a
cidade. A aldeia ficou sem professor novamente e, como eu era criança ainda, não sabia
6Segundo os Wauja, a professora Margarete foi contratada pela Fundação da Nacional do Índio para
alfabetizar as crianças e adultos/as wauja para aprenderem escrever e ler na Língua Portuguesa.
7É mesma situação, o professor Joel Cruz foi contratado pela Fundação Nacional do Índio.
8Antônio Pereira Aroca foi contratado pela prefeitura de Paranatinga-MT.
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o que tinha acontecido. Cursei a terceira série incompleta que ele saiu no meio do
ano letivo.
Em 1997, eu recebi a informação através do rádio amador que havia uma escola
na Coordenação Técnica Local (CTL) de Paranatinga9 e o chefe desse posto indígena
estava precisando de alunos para que sua esposa pudesse trabalhar em sala de aula, por
isso ele foi até à secretaria do município de Paranatinga e conseguiu um contrato para
a sua esposa trabalhar como professora10. Depois que o contrato foi feito, o chefe
mandou buscar os alunos na aldeia Piyulaga para levá-los para esse local, para que
eles frequentassem as aulas. Ao todo, onze alunos passaram a estudar nesse local,
incluindo eu.
Nesse período, alguns imprevistos aconteceram na viagem. Quando fomos para
a escola, faltou gasolina no meio do rio. Ficamos cinco dias no meio do rio, sem comida,
mas, mesmo assim, remamos, conseguimos chegar na CTL. não havia casa para nos
hospedar, tivemos que construir uma morada. Depois que fizemos o alojamento,
começamos a assistir às aulas. Um mês depois, o chefe começou a mostrar o seu
comportamento pessoal: ele brigava com a gente e ameaçava nos bater. Nesse local,
não recebíamos comida. Ele mandava os alunos pescarem para comer, nos obrigando a
fazer o trabalho pesado. Assim, nós alunos não comíamos e não estudávamos direito.
Ele também nos arranhava com a piyuwá11, ainda passava sal misturado com pimenta e
limão nos ferimentos. Nós, os alunos, chorávamos de dor.
Os nossos pais e as nossas mães não sabiam o que estava acontecendo com seus
filhos. Como erámos meninos, não tínhamos coragem de contar o que estava
acontecendo. Ficávamos com muito medo porque ele nos vigiava. A situação era mais
difícil ainda para nós, já que o rádio amador estava na casa desse chefe. Assim, nós não
9 Coordenação Técnica Local (CTL) Paranatinga é nome do posto onde o funcionário da Fundação Nacional
do Índio (FUNAI) fica vigiando ou monitorando o limite da Terra Indígena do Xingu. Primeiro, o nome
desse lugar foi Posto Indígena de Vigilância Batovi (PIV). Recentemente mudaram esse nome para
Coordenação Técnica Local Paranatiga/Batovi. Hoje a CTL virou a aldeia que se chama Tamitatoalo.
10 Esta professora é descendente da etnia Fulni-ô do Estado de Pernambuco e se chama Yone Ponte de
Lima.
11Piyuwá é uma arranhadeira, um instrumento feito com os dentes do peixe yusiri (peixe-cachorro
pequeno de rabo vermelho) e com um pedaço de cabaça, que serve como base de sustentação. Os dentes
são fixados no pedaço de cabaça e colados com a cera/resina da planta ukuwanaki. A cera se chama na
língua Wauja kehejukakí e quer dizer “cera dura”. Essa cera (kehejukakí) também é usada para passar na
linha de algodão ou outras linhas feitas pelo kajao<pa (não indígenas). Por exemplo, amarra-se a linha na
ponta da flecha, entre outras coisas.
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tínhamos a oportunidade de nos comunicar com a nossa família pelo rádio amador,
ficávamos sem comunicação e sem informação sobre nossa família. Esse chefe
maltratava muito as crianças menores, que tinham entre 10 ou 14 anos de idade (eu
mesmo tinha 14 anos). Isso aconteceu durante oito meses.
Finalmente, a família dele foi visitar o seu filho e ficou um pouco nesse local.
Como o pai dele era cacique da aldeia, criamos coragem e fomos até a casa dele
conversar com o cacique. contamos o que nós estávamos passando na CTL. Nós
acabamos abandonando a escola local e voltamos para nossa aldeia Piyulaga.
Depois, não frequentei mais a escola que não tinha professor nem escola na
aldeia. Porém, tentei ir atrás de escola para estudar na cidade próxima de Canarana-MT.
Fui com os meus primos falar com a senhora missionária Joan Richard que precisava de
apoio para trabalhar e traduzir a bíblia em Língua Wauja, assim poderíamos aproveitar
para estudar na cidade. Na época, ela morava na cidade de Canarana fazendo esse
trabalho de tradução da bíblia para a Língua Wauja, por isso pedimos apoio a ela. Apesar
do nosso pedido, ela não aceitou nos ajudar, que ela ajudava três alunos jovens
Wauja. Depois, fiquei muito tempo sem estudar. Eu sempre pescava e ajudava meu pai
a trabalhar na roça, trabalho que os Wauja costumam aprender a fazer na vida.
Em 1998, a “Escola Municipal de Gaúcha do Norte” foi construída na aldeia
Piyulaga. O prefeito fez um contrato para o professor indígena na aldeia e, assim,
comecei a frequentar a escola novamente quando eu tinha 16 anos de idade. Fiz até a
quinta série incompleta nessa escola.
Em 2005, a organização Amazon Conservation Team (ACT- Brasil) atuava na TIX
e realizava oficinas educativas. Participei da capacitação para mecânico de diesel,
promovida na cidade de Barra do Garças-MT pelo Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI) e, depois, fiz o curso de Vigilância Territorial realizado na cidade de
Canarana. Nesse mesmo ano, os professores comentavam que iria acontecer o curso de
Magistério Intercultural na TIX. Eu ouvia essa informação e pensava “será que vou
conseguir participar para eu poder estudar?”. Até que chegou o momento da
implementação do curso de magistério. Apesar disso, não participei da primeira etapa
do curso.
Em 2006, foi promovida outra etapa, no mesmo local, na Coordenação Técnica
Local (CTL) de Leonardo Villas Boas. Nesse ano tive a oportunidade e participei do curso
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de Magistério Intercultural que conclui em 2010. Durante esse estudo, consegui uma
vaga na escola da aldeia Piyulaga para ensinar as crianças da comunidade Wauja. Mais
adiante, fiz outros cursos de formação continuada dos professores indígenas da TIX
realizados pelo Centro de Formação dos Professores (CEFAPRO-MT). A partir dessa
experiência, fiquei interessado em estudar e ampliar mais o meu conhecimento como
professor indígena da aldeia, para lecionar as crianças e aos jovens Wauja. Foi assim que
comecei a procurar uma oportunidade de ingressar na universidade para fazer o ensino
superior e cursar uma graduação.
Em 2011, saiu um edital de vestibular para os povos indígenas oferecido pela
Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat) para o curso de Formação Superior
Indígena (Educação Intercultural). Então, eu me interessei em concorrer a uma vaga. Eu
me inscrevi e fiz prova, mas não consegui passar, apesar de ser classificado. Mesmo
assim, eu não desisti de estudar e continuei realizando o meu trabalho, na sala de aula,
como professor indígena junto com os meus alunos.
Em 2013, a UFG lançou um edital para o vestibular para o curso de Educação
Intercultural no Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena (NTFSI-UFG),
específico para os professores indígenas. Eu conheci esse vestibular através dos colegas
indígenas internautas, que me informaram, via rede social, sobre esse curso. Então, eu
tive o interesse em concorrer a uma vaga. Fiz minha inscrição online e deu certo. Esperei
até chegar o dia da prova e fui para a cidade de São Felix do Araguaia-MT, longe da
aldeia. Depois da realização da prova, voltei para casa.
Fiquei esperando sair o resultado, até que, finalmente, saiu a lista dos candidatos
aprovados. Para minha surpresa, meu nome estava na lista de primeira chamada. Na
ocasião, a internet ainda não estava instalada na aldeia. Meu colega, que tinha acesso à
internet, conseguiu ver a lista de aprovados e imprimiu no papel e levou para que eu
lesse. Quando vi meu nome, fiquei muito feliz!
Em janeiro de 2014, fui até a cidade de Goiânia onde cursei o primeiro semestre
do curso na UFG. A viagem até Goiânia foi longa. Cheguei em um final de semana, e, no
início, fiquei muito perdido, pois não conhecia a cidade. Peguei o táxi na rodoviária que
fica no centro da cidade e fui direto para o Campus 2 da UFG, no bairro Samambaia.
Como era final de semana, a equipe de funcionários da coordenação do Núcleo
Takinahakỹ de Formação Superior Indígena (NTFSI-UFG) não estava presente na
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universidade. Conseguíamos fazer comunicação com os funcionários via rede social,
onde recebemos orientações sobre a hospedagem dos alunos. Através da rede social,
consegui chegar no alojamento da Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão
Rural e Pesquisa Agropecuária (EMATER), local em que os/as alunos/as do primeiro
período ficavam hospedados/as.
Ao longo do curso, sempre no período de férias escolares das crianças da aldeia,
eu ia até Goiânia para fazer minha graduação. O curso de Educação Intercultural da UFG
possui etapas presenciais em Goiânia, durante o período de recesso escolar, e etapas
nas aldeias que ocorrem durante os semestres letivos. Além das aulas, participei de
eventos, onde fiz alguns seminários, participei como ouvinte de palestras e apresentei
o trabalho de Projeto Extraescolar, apresentei pôsteres e fiz estágios. Afora da UFG,
participei do “VI Congresso da Sociedade Internacional de Etnobiologia”, realizado na
cidade de Belém no Estado do Pará, em agosto de 2018.
Nesse evento apresentei um trabalho em forma de pôster com o título “A Fruta
Nativa Comestível do Povo Wauja” que desenvolvi no meu estágio na Escola Indígena
Municipal Ulupuwene, na Terra Indígena do Batovi-Xingu (TIB/X). No final, os
organizadores da conferência avaliaram os trabalhos que foram apresentados no
congresso pelos/as pesquisadores/as, estudantes universitários, professores/as
universitários e cientistas. Nessa avaliação alguns trabalhos foram premiados, entre eles
o meu obteve a terceira colocação de melhor trabalho apresentado em forma de pôster.
Essa premiação foi muito importante para minha formação no curso de Educação
Intercultural e para a UFG. Depois de cinco anos, o curso foi finalizado. No dia 7 de
fevereiro de 2019, aconteceu a minha colação de grau (formatura) com a minha turma
de estudo na UFG, no NTFSI.
Em agosto de 2018, eu ainda estava na reta final do curso de Educação
Intercultural, quando o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da
UFG lançou o edital de seleção para ingresso no ano 2019, para nível de mestrado e
doutorado. Fiquei sabendo do edital através dos colegas de estudo e dos/as
professores/as do curso de Educação Intercultural. Então, eu tive o interesse em fazer a
prova de seleção.
Assim que a minha graduação foi finalizada, fui embora para aldeia. Quando
chegou o dia da prova, eu viajei para a Goiânia. Ao chegar na cidade, a professora Lorena
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Dall ‘Ara Guimarães, que foi minha orientadora na graduação, me convidou para seu
apartamento e passei uma semana na residência da professora. Ao terminar a prova de
seleção, voltei para a minha casa e esperei sair o resultado, a lista de candidatos
aprovados. Quando saiu o resultado, o meu nome estava na décima posição. Fiquei
muito feliz em ver o meu nome na lista de aprovados. Quando chegou o dia de iniciar a
aula, viajei novamente para Goiânia, para iniciar o curso de mestrado.
Quando cheguei à cidade, fui diretamente para a coordenação do NTFSI.
Chegando lá, fui muito bem recebido. Fiquei aguardando a coordenadora do PPGAS, que
me levou de carro para a casa para alugar.
Uma semana depois começaram as aulas e, no mesmo dia, realizei matrícula e
deu tudo certo. Em seguida passei a frequentar as aulas com meus colegas de turma.
Durante aproximadamente três meses do primeiro semestre do ano letivo do curso de
mestrado morei com dois colegas indígenas de etnias diferentes: Michael Xavante, do
Mato Grosso, e Oziel Canela, do estado do Maranhão. Depois nos separamos e cada um
ficou com seu aluguel.
Nessa ocasião, nós mudamos de casa e eu chamei a minha família para ficar
comigo em Goiânia, que nós, povos indígenas, não temos o costume de ficar muito
tempo longe das famílias, a gente tem que cuidar das nossas famílias. Então, fiquei em
um barracão de aluguel bem pequeno com a minha família. O dono do aluguel me
acolheu bastante e arrumou algumas coisas para mim, como utensílios de cozinha.
Nesse estudo de mestrado também realizei palestras em algumas escolas de
Goiânia, participei do Simpósio da Faculdade de Ciências Sociais (FCS-UFG), e de
reuniões de avaliação do PPGAS, até mesmo fui convidado pelos professores para
participar de curso de graduação de outras áreas, como Educação Física. O tema da aula
foi Kapí12 do Povo do Alto Xingu”. Também participei como estagiário docente no curso
de Educação Intercultural da UFG e fui convidado para curadoria da exposição de 50
anos do Museu Antropológico da UFG, que foi promovida pelo diretor desse museu.
Levei dois anos e meio para terminar o mestrado, passei por muitos obstáculos no
período de realização da pesquisa, devido a chegada da pandemia do novo Coronavírus
12Kapí é uma palavra dangua Wauja que designa uma luta corporal que é conhecida pelo não indígena
como Huka-Huka. Esta luta kapí é praticada sempre na cerimônia do kaumãi. Cada povo do Alto Xingu
tem seu próprio nome para chamar esta luta corporal em sua respectiva língua materna.
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(Covid-19), além de demais dificuldades que passei no estudo. Depois da conclusão de
mestrado saiu o edital da Unicamp/São Paulo para o nível de doutorado. Decidi
participar da prova que ocorreu no formato remoto. Quando chegou o momento da
prova fui para a cidade de Canarana para ter acesso à internet, que na aldeia o sinal
da internet não é bom. Devido a isso tive que viajar para esta cidade e fiquei uma
semana realizando as provas. Depois, voltei para aldeia e aguardei o resultado. Quando
saiu o resultado final, meu nome estava entre os aprovados. Assim, atualmente estou
cursando o doutorado na Unicamp, porém, enfrentando a mesma dificuldade que passei
anteriormente no estudo. Foi assim a minha trajetória de aprendizagem da vida, de
escolarização Wauja e de escolarização não indígena (Waurá, 2021, p. 33-8).
APRENDIZAGEM NA UNIVERSIDADE
No decorrer do estudo na UFG descobri que esse espaço “universidade” é um
lugar de interação, de reprodução e de aquisição de conhecimento. Por isso hoje sei da
importância da Lei de Cotas, que a universidade está me dando uma grande
oportunidade e me dando uma base de ampliação do conhecimento. A experiência de
frequentar a universidade como estudante indígena me ajudou a entender de uma outra
forma os saberes dos não indígenas e indígenas, inclusive do meu próprio povo Wauja.
Ao conhecer e interagir com os/as colegas de estudo e amigos/as eu percebi que
estudar é muito importante para o meu treinamento profissional como professor
indígena, me preparando para levar educação de qualidade para as novas gerações
Wauja na aldeia. Fiquei encantado de ter a oportunidade de conhecer e dialogar com
os/as professores/as universitários e, por meio disso, enxerguei o que está acontecendo
à minha volta, tanto nas culturas e territórios indígenas, quanto nas culturas dos outros
povos no mundo. Por isso tenho muita vontade de estudar sobre os conhecimentos, não
indígena e indígenas, para colocar os saberes do meu povo no papel em forma de
escrita, para preservar a informação que está na memória Wauja e para mostrar os
conhecimentos e práticas da minha comunidade para os outros povos do mundo. Além
disso, isso contribui para o fortalecimento do conhecimento tradicional e moderno na
sociedade Wauja, promovendo a apropriação dos aspectos benéficos da cultura do não
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indígena, como, por exemplo, como fazem os trabalhos de registro e escrita dos seus
conhecimentos históricos e científicos.
Apesar de ter muitas dificuldades em algumas atividades na universidade,
principalmente com a língua portuguesa, e também financeiramente, me esforcei e
enfrentei a realidade de convivência na cidade grande no meio de pessoas
desconhecidas. Nesse período de adaptação, os inícios das disciplinas do mestrado
ficaram um pouco perdidos na minha memória e entendimento por falta de
compreensão da língua portuguesa. Isso porque a língua portuguesa é uma segunda
língua para mim e os textos nas disciplinas de mestrado são bem complexos de
compreender. Levava uma semana estudando e lendo várias vezes os textos até que
pouco a pouco fui me familiarizando com as aulas e conseguindo entender as ideias
centrais dos textos e “teorias antropológicas”. Nesse momento, comecei a ficar
maravilhado, tendo prazer em estudar e em elaborar os trabalhos para entregar para
os/as professores/as.
No começo do semestre não compreendia direito os temas discutidos nas salas
de aula. Eu ficava apenas assistindo a aula, tentando entender. Embora eu recebesse os
textos para ler, demorou até eu conseguir entender as ideias centrais, no entanto, nunca
desisti e, no final, estava adorando o desafio e participando ativamente nos debates
e nas aulas. Agora posso dizer que gostei e aprendi muito com a experiência e com o
curso de Antropologia Social.
Assim, eu descobri e entendi a área de Antropologia Social e ainda aprendi sobre
o comportamento dos estudantes universitários e a forma como eles aprendem. No
meu ponto de vista, para aprender na universidade, o aluno tem de ser uma pessoa
participativa e atenciosa e se envolver nos debates, eventos, seminários e fazer
palestras nos eventos da universidade.
Também entendi que na sala de aula, os professores estão discutindo com os
alunos sobre o tema e os alunos estão respondendo, debatendo e tirando as suas
dúvidas em permanente diálogo. Os/As alunos/as não ficam quietos e silenciosos toda
a aula, esperando terminar as explicações dos seus professores, esperando a sua vez de
falar e perguntar. Todo mundo participa e contribui para a discussão, falando ao mesmo
tempo. Isso eu presenciei na sala de aula e é muito diferente de minha cultura.
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Como eu sou indígena, eu tenho meu próprio costume de receber a educação
dos mais velhos. Primeiro eu ouço a explicação da professora e, assim que terminar a
conversa, eu pergunto para ela as minhas dúvidas. Assim acontece na cultura de
educação da minha comunidade Wauja. Na cultura do povo Wauja, o aprendiz não
interrompe e não fala na hora da conversa dos educadores, conhecedores da cultura,
quando eles estão transmitindo os conhecimentos para as novas gerações. Tem que
esperar a sua vez de falar e se manifestar. Se você desrespeitar essa regra, será
lembrado que esse comportamento é considerado “mal-educado”, que você está
faltando ao respeito com seu educador. Por isso tem de se ouvir primeiro os
ensinamentos e, depois, responder para tirar dúvidas sobre algo que está sendo
repassado.
Eu entendi que isso é da cultura do não indígena e por isso não é considerado
falta de educação. Porém, tive muita dificuldade e não dominei esse comportamento,
nunca consegui fazer isso, nunca aprendi a falar na hora da explicação da professora na
sala de aula, eu não tinha coragem de interromper as falas das professoras.
Antes eu não sabia como era estudar na universidade e viver na cidade grande,
longe da família e entre as pessoas não indígenas. Quando entrei na UFG eu acabei
conhecendo a convivência, o sofrimento e a luta da população brasileira não indígena
que está buscando a melhoria de suas condições de vida, moradia, alimentação e
lutando para sustentar as suas famílias. Igualmente, eu enfrentei essa realidade na
vivência da cidade.
Assim que cumpri as disciplinas obrigatórias, eu comecei a trabalhar e a elaborar
a minha pesquisa de campo, fazendo atividade por meio de observação, participação na
comunidade Wauja e na UFG.
Um ano cursei as matérias obrigatórias e um ano passei elaborando o projeto de
pesquisa e o trabalho de dissertação. Sou muito grato pela oportunidade de conhecer e
aprender com os grandes professores/as da UFG, tendo adquirido conhecimento e
saberes sobre o mundo dos não indígenas e de vários povos indígenas, adquirindo
outras visões e entendimentos. Isso vai me ajudar a lutar pelo fortalecimento de minha
própria cultura e preservação do conhecimento do povo Wauja. A experiência do
mestrado me fez querer aprofundar mais alguns temas de pesquisa que eu gostaria de
desenvolver, dando continuidade nos meus estudos. Foi através das conversas com os
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meus professores/as e com os meus colegas que eu consegui desenvolver uma prática
séria de dedicação à leitura e ao entendimento dos textos pensando cada vez mais
criticamente sobre as teorias antropológicas.
Como diz o grande mestre João Paulo Lima Barreto, da etnia Tukano:
Durante o curso, eu tive contato com as teorias antropológicas, e percebi que
os modelos de construção de conhecimentos me chamavam bastante
atenção. O contato com as etnografias sobre os povos da Ásia, Melanésia,
Nova Guie da África me fez perceber que o modo de vida destes povos
era bastante idêntico ao povo Tukano, suas cosmologias, organização social
e suas práticas cotidianas. (BARRETO, 2013, p. 22-23)
Do mesmo modo, durante o curso e lendo etnografias de outros povos na aula
sobre “teoria antropológica” eu comecei a reparar nos modos de vida diferentes e
semelhantes. Um maior entendimento sobre as culturas e práticas desses povos me
possibilitou um renovado olhar sobre minha própria cultura. Por exemplo, na Terra
Indígena do Xingu, apesar de existirem línguas diferentes, a alimentação e as práticas
cotidianas são semelhantes. Porém, cada povo mantém sua identidade e preserva
traços distintos, por vezes nas festas culturais e danças e canções de sua própria
tradição, bem como outras práticas de organização social. A antropologia nos ajuda a
entender a relação entre a diferença e semelhança entre povos (Waurá, 2021, p. 38-41).
Igualmente os Wauja têm a sua própria epistemologia, um modo de entender o
mundo em que estamos vivendo através dos seus heróis Kamo (Sol), Kejo (Lua) e o seu
avô demiurgo Kuwamuto. Eles que deram os ensinamentos para os Wauja, foi com eles
que os Wauja conseguiram os seus conhecimentos para produzir os objetos, para se
sustentar, para ter uma identidade e a vida. A educação se atualiza através das
atividades coletivas e individuais. Assim que os Wauja conhecem a prática da reclusão
pubertária onde os jovens se dedicam para aprender as suas tradições. Mais adiante
apresentarei brevemente mais informações sobre esses assuntos.
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CAMINHOS DE PESQUISA
Nessa seção, descrevo como realizei a pesquisa de mestrado a partir da
experiência de aprendizagem no PPGAS-UFG como estudante acadêmico. O curso me
permitiu direcionar o caminho certo para conseguir realizar a pesquisa de finalização de
mestrado. Como contei, convivi um ano (2019) com os/as professores/as e colegas de
turma de mestrado, participando das aulas das disciplinas obrigatórias do curso. Ao
mesmo tempo, percebi que estava na “antropologia reversa” como discute Roy Wagner
(Benites, 2007) observando a cultura da sociedade urbana. Foi assim que fiz durante a
convivência no curso e, sobretudo, aprendi de ser pesquisador indígena, observando
alguns detalhes da convivência dos não indígenas no ambiente acadêmico e fora dele.
Por exemplo, o movimento das sociedades urbanas, seguindo as suas organizações
sociais, as regras estabelecidas aos trabalhos, os horários das alimentações e demais
outras atividades cotidianas ou os aspectos culturais realizados por eles/as junto com
os seus familiares. Todas essas propriedades de comportamentos pessoais e coletivos
da sociedade brasileira observei no momento de estada na cidade junto com as famílias.
Nós nos adaptamos a esses costumes ocidentais, mas quase não conseguimos
acostumar a seguir a rotina da cidade e, principalmente, os horários das alimentações
porque s temos a nossa própria cultura e a realidade que vivemos na comunidade.
Porém, nós aprendemos um pouco a viver na cidade, assim como no curso de mestrado,
por isso que consegui abordar algumas pessoas da comunidade quando estava
promovendo a pesquisa na aldeia.
A metodologia que eu utilizei para realizar o trabalho de pesquisa foi a
“observação direta” (João, 2011, p. 16). Dessa forma, realizei uma pesquisa de campo
focada na observação, participação e convívio na comunidade, principalmente
observando as práticas dos homens e das mulheres Wauja a respeito da reclusão
pubertária.
Como contei na dissertação (WAURÁ, 2021) iniciei a atividade de pesquisa
visitando as famílias e os parentes, passando de casa em casa, conversando, interagindo
e entrevistando as mulheres e os homens da aldeia Ulupuwene, seguindo a metodologia
que aprendi nas matérias que cursei durante o mestrado. Observei o movimento da
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comunidade, da aldeia, acompanhando a rotina do pessoal e principalmente das
mulheres.
Quando pensava em fazer uma determinada entrevista, primeiro ia à casa das
pessoas para marcar com elas, para não interferir em suas atividades do dia-a-dia.
Depois, no dia marcado, realizava as entrevistas para reunir informações importantes
para o desenvolvimento da pesquisa.
Do mesmo modo, sempre pedi autorização para gravar as entrevistas e tirar
fotos durante a pesquisa de campo. Depois, pelas gravações, fazia as traduções para o
português conforme os relatos sobre os assuntos abordados. Além disso, anotava as
informações e os assuntos interessantes para o meu trabalho no caderno de campo,
para não esquecer de redigir e anotar as dúvidas das pessoas sobre o meu trabalho e
poder esclarecer depois e, até mesmo, tirei algumas fotos relacionadas ao tema do
trabalho.
Durante a pesquisa não encontrei nenhuma pessoa que recusasse as
entrevistas, toda a mulher e todo o homem estavam dispostos a me ajudar, a contar a
história e falar sobre a reclusão pubertária Wauja e sobre a produção do algodão no
conhecimento Wauja, que também foi tema da pesquisa.
As entrevistas foram feitas em conversas livres e abertas, para a outra pessoa
falar e conversar sobre o seu conhecimento do assunto envolvendo outro tema e para
que as pessoas da casa também participassem da conversa e ouvissem o relato da
pessoa entrevistada.
Sempre fiquei atento nas conversas para fazer anotações no caderno de campo,
enquanto gravava a fala das pessoas entrevistadas. Às vezes não carreguei meu caderno
de campo, usei apenas o celular para gravar e tirar fotos quando precisei, para registrar
andando e conversando normalmente, apenas ouvindo, observando o movimento na
comunidade e sabendo que a cultura do povo Wauja somente capta informação pelo
ouvido e pela observação. É isso que comparei na minha atividade, sempre
diferenciando a maneira que o não indígena realiza a sua pesquisa entre a comunidade
indígena, carregando todos os seus equipamentos de registro nas mãos entre as
pessoas, visitando as famílias das casas. Isso leva as pessoas Wauja a ficarem
envergonhadas na presença do pesquisador na aldeia. Lembrando disso, não carreguei
o caderno grande, apenas peguei o celular e o caderninho para não despertar a
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curiosidade das pessoas de casa, para os conhecedores das histórias contarem e falarem
com tranquilidade durante a conversa. Dessa forma, realizei o trabalho na comunidade,
e funcionaram muito bem as minhas entrevistas com as mulheres Wauja.
Costumava visitar de manhã e à tarde as pessoas, para ver a reclusão das
meninas Wauja e também para tentar ter a sorte de ver algumas mulheres, jovens ou
meninas preparando a fibra de algodão. Desde o início da pesquisa, fiquei atento e na
expectativa de ver alguém executando este trabalho, mas, infelizmente, não tive a
oportunidade de presenciá-lo. Pude verificar que é um saber-fazer quase extinto na
comunidade Wauja, porque só as mulheres mais velhas se recordam dele, embora elas
também não o façam. Normalmente, durante minhas visitas, registrei que as
mulheres mais velhas se dedicam à produção de cerâmica, de cuia e também participam
do processo de preparação da mandioca para fazer a massa de polvilho, que é a base de
nossa alimentação, servindo para preparação de beiju e de mingau de massa de
mandioca. Além disso, elas fazem esteiras e colocam os colares de missangas dos não
indígenas em fileiras.
As mulheres mais jovens confeccionam as pulseiras e colares de missangas,
processam a mandioca, cozinham o peixe e fazem outros deveres de casa. Consegui
visitar algumas famílias das meninas reclusas como as senhoras Kalumá e Atanakulu, as
filhas delas estavam realizando a reclusão no mesmo momento em que realizei a
pesquisa. Infelizmente, não registrei em nenhuma casa a produção de fiação de algodão,
apenas consegui presenciar a confecção da rede de dormir, que também fez parte do
meu trabalho de pesquisa.
No primeiro dia da realização do trabalho, notei que os jovens da aldeia ainda
não tinham curiosidade pela minha atividade de estudo. Depois de um tempo, alguns
jovens vieram ao meu encontro, demonstrando sua curiosidade sobre o estudo que
estava fazendo na UFG. As perguntas feitas foram as seguintes: Qual estudo você está
fazendo? Como foi a vivência na UFG e na cidade de Goiânia? Quem é que está ajudando
você?
Durante esse percurso, interagi mais com as mulheres, principalmente por causa
das entrevistas que realizei com elas. Minhas principais interlocutoras foram as
mulheres das minhas famílias, que me auxiliaram a reunir informações sobre a reclusão,
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a confecção de algodão, sobre o fuso de fiar e sobre o conhecimento tradicional da
minha comunidade.
O trabalho de pesquisa de campo foi desenvolvido na aldeia Ulupuwene do povo
Wauja, na TIB/X. Finalizei as disciplinas e aulas obrigatórias e voltei para a minha aldeia
Ulupuwene, local onde pretendo cumprir minha missão como acadêmico e pesquisador
indígena. Então, atuei na aldeia Ulupuwene como pesquisador indígena ao longo do
estudo e, quando estava chegando o período de retorno para a UFG, para encontrar
com a minha professora orientadora e receber a orientação para iniciar a elaboração da
dissertação, foi declarado pela Organização Mundial de Saúde o estado de pandemia
causada pelo Covid-19.
Rapidamente esta doença chegou no Brasil e a imprensa divulgou os casos. Em
seguida, recebi a mensagem da minha orientadora dizendo que todas atividades das
universidades federais do Brasil fecharam as portas por causa dessa doença contagiosa.
Ela me pediu para ficar na aldeia realizando o trabalho e elaborando o projeto de
dissertação para não pegar o Covid-19. Então, o Ministério da Saúde criou o protocolo
de “isolamento social” e todas as pessoas se isolaram em casa. Todos ficaram
trabalhando online, remotamente. Minhas orientações e meu exame de qualificação
foram feitos à distância. No mês de agosto de 2020, o coronavírus chegou no Alto Xingu.
O primeiro povo infectado foi o Kalapalo em que faleceram quatro pessoas; depois no
povo Yawalapiti morreram três pessoas, no povo Kamaiurá faleceram quatro pessoas,
tudo em cada semana. Em seguida outras comunidades foram contaminadas, porém o
Covid-19 não contaminou o povo Wauja no ano 2020. Cada aldeia criou o seu protocolo
de prevenção da doença. A comunidade da aldeia Ulupuwene se organizou bem, nos
reunimos e decidimos seguir o protocolo criado pelo Ministério da Saúde para fazer
“isolamento social” e o pessoal da aldeia Ulupuwene não saiu para cidade entre os
meses de maio, junho e julho. Na comunidade da aldeia Ulupuwene onde moro, o Covid-
19 levou um ano até, infelizmente, nos atingir em 2021. Assim que a pandemia diminuiu,
o cacique da aldeia liberou as pessoas para irem à cidade comprar algumas coisas
necessárias e demais outras atividades. Mas estas pessoas que foram para cidade
seguiram as regras e usaram máscara, higienizaram as mãos, se cuidaram para não se
contaminarem. No mês de janeiro de 2021, chegou à vacina na TIX. Todos tomaram a
vacina contra Covid-19, incluindo a comunidade da Aldeia Ulupuwene. Depois da vacina,
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no mês de fevereiro de 2021, todas pessoas da aldeia Ulupuwene foram contaminadas
pelo Covid-19, todo o mundo adoeceu, mas não aconteceu nenhuma morte na
comunidade nem no povo Wauja.
Mesmo com a pandemia, as entrevistas não foram realizadas na aldeia
Ulupuwene. Também dialoguei com as mulheres de outras aldeias, como a minha tia
Kalupuku Waurá da aldeia Piyulaga, o meu tio Awapataku Waurá e a esposa tia Pere
Waurá da aldeia Piyulewene. Infelizmente, não consegui chegar pessoalmente para
realizar as entrevistas nestas aldeias que citei, mas consegui as informações por meio
de comunicação de rede social WhatsApp, de gravação de áudio ou ligação e gravação.
A pesquisadora Ruth Benedict (1973), antropóloga norte-americana, no livro
publicado em 1946, descreveu a cultura japonesa à distância - devido à guerra entre
Estados Unidos e Japão. A autora explicou como realizou o seu trabalho de etnografia,
destacando que o fez através de consulta a vários livros, revistas, jornais e entrevistando
algumas pessoas que vieram do Japão (imigrantes), ou usando testemunhos
secundários. De modo semelhante, promovi a pesquisa na minha comunidade Wauja,
pensando como alcançar a informação do tema entre conhecedores que vivem em
outras aldeias. A internet facilitou a minha pesquisa de campo. Tal como fiz com a minha
professora orientadora fazendo o contato com ela por internet e demais colegas,
tirando minhas dúvidas na elaboração do trabalho.
Antes de iniciar minha pesquisa busquei a opinião e autorização da comunidade.
Assim, me dirigi ao cacique/pajé Elewoká Waurá e, junto com ele, fiz uma reunião no
centro da aldeia com a comunidade (Waurá, 2021, p. 41 -6).
Nesta conversa expliquei, esclareci a finalidade do projeto de pesquisa para a
comunidade, para que ela ficasse informada antes de realizar a entrevista com as
mulheres e os homens. Foi assim que, toda a comunidade ficou sabendo sobre meu
projeto de pesquisa com a comunidade da aldeia. Consegui constituir o corpo da
dissertação pelo meio de entrevistas, mas também consultei os artigos, as dissertações,
as teses, os livros e os vídeos, observei, como mencionei no início do texto, e desta
forma elaborei o trabalho de mestrado na aldeia Ulupuwene e na comunidade Wauja.
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EDUCAÇÃO WAUJA E RECLUSÃO PUBERTÁRIA
Os Wauja têm as suas próprias ciências, a partir delas que eles educam as novas
gerações e, sobretudo, que se aprende numa visão ampla e interdisciplinar, fundada na
memória e na prática. Por isso, o conhecimento Wauja, como todo o ensinamento
indígena, não se divide entre prática e oralidade. Estas teorias andam juntos. Como
destaquei anteriormente onde tratei da minha formação pessoal, a aprendizagem se
inicia em casa vivendo junto com a família e a comunidade.
Desde crianças, os Wauja praticam os saberes do seu povo, prestando muita
atenção no trabalho que o homem adulto e mulher adulta fazem diariamente. As
crianças, jovens e adultos estão sempre ligados às pessoas que os ensinam, observando
cada movimento do “professor” nos seus trabalhos.
As principais palavras da teoria de aprendizagem do povo Wauja utilizadas pelo
instrutor são: “pode ver e pode ouvir”, “treine e aprende”. Estas palavras são sempre
utilizadas na noção Wauja quando se está aprendendo a ser especialista em
determinada tarefa.
Clarice Cohn descreve essa tradição de aprender as práticas de saberes por meio
de ouvir e ver entre o povo Xikrin.
(...) não são apenas os elementos internos da criança que devem se
desenvolver, mas também seus órgãos sensoriais, especialmente os olhos e
os ouvidos, que lhe possibilitarão aprender e assim, além de obter
conhecimentos, agir apropriadamente.
[No conhecimento do] (...) Xikrin, saber, conhecer, aprender, entender e
compreender estão todos inseridos em duas capacidades, a de ver e ouvir.
(...) Do mesmo modo, a capacidade de aprender e entender é correlacionada
às capacidades sensoriais de ver e ouvir, e as crianças devem desenvolver
esses órgãos. Isso faz parte do crescimento natural da criança e, embora seja
uma característica individual, algumas crianças se diferenciam das outras por
seu desenvolvimento mais rápido. (COHN, 2000, p. 200)
Este modo de aprendizagem apresentado por Clarice Cohn é comum entre as
comunidades indígenas, o mesmo acontecendo entre o povo Wauja que, através da
prática de ouvir e de ver, educa as suas crianças e jovens (Figura 1). Na comunidade
Wauja não tem muitas diferenças entre o modo de aprendizagem das mulheres e dos