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Revista Desenvolvimento Social, vol. 28, n. 1, jan/jun, 2022
PPGDS/Unimontes-MG
sociologia, ou seja, a produção teórica, cultural, artística, e porque não esportiva, se
debruçavam em pensar um país que rompesse com o passado/presente africano e
indígena (GOES, 2018). Seja pelas teorizações eugênicas seja pela via culturalista, o
negro e o indígena deveriam desaparecer. Vejamos a Semana de Arte Moderna de 1922
na empreitada de pensar uma identidade nacional, os diversos seminários eugênicos
realizados sobre o comando de Roberto Kehl ou mesmo a disseminação das ideias
presentes em Casa-Grande & Senzala. Obviamente que a ideologia não se concretiza
sem a práxis cotidiana, sendo necessárias várias ações, entre elas a força pública, para
contenção do desenvolvimento de uma cultura que abarcasse as tradições indígenas e
africanas. Nesse caso, houve diversas legislações que proibiram a capoeira, o futebol
jogado por negros, a prática das religiões africanas, o acesso a cargos públicos, etc.
Dito isto, é fundamental compreender que, ao menos na cidade de São Paulo,
protagonista, de certa maneira, na formação do futebol brasileiro, ao mesmo tempo em
que se gestava o futebol que posteriormente foi considerado profissional e/ou “oficial”,
se desenvolvia o futebol nominado como futebol de várzea, prioritariamente jogado
pela população negra.
Quando a história do futebol é contada, privilegiam-se as cidades de São Paulo e
do Rio de Janeiro, como se no mesmo período não houvesse a prática em outros estados
(PINTO, 2020). Havendo, também, um equívoco quanto à cidade de São Paulo, sendo
reconhecido como futebol apenas aquele praticado por uma elite jovem e branca, que
supostamente copiava as tradições europeias. Nesse período, o futebol era amador,
sem trocas financeiras ou salários para seus praticantes. Se considerarmos apenas a
prática esportiva, não há que se falar em diferença entre o futebol praticado pela elite
e o futebol praticado pela população negra. Então, ao fim e ao cabo, excluindo a bola de
couro, os uniformes e as chuteiras, o que diferenciava um futebol do outro era a cor e a
classe social a que o grupo pertencia. Tanto é que o futebol praticado na várzea, desde
aquela época, despertava de certo modo interesse nos times pertencentes à elite.
Quando um ou outro jogador se destacava, tão logo era convidado a compor esse ou
aquele time com maior abertura aos jogadores negros. A imprensa, principalmente os
jornais, foi fundamental na difusão de uma ideia que diferenciava o futebol praticado
por ricos e por pobres, atribuindo valores e denominações pejorativas e fundamentando
a discriminação contra os times negros e varzeanos (SILVA, 2016).