https://doi.org/10.46551/issn2179-6807v28n1p84-103
Vol. 28, n. 1, jan/jun, 2022
ISSN: 2179-6807 (online)
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PPGDS/Unimontes-MG
JOGADORES-PEÇA, JOGADORES-PRODUTO E JOGADORES-EMPRESA:
ELEMENTOS PARA A COMPREENSÃO DE DIFERENÇAS GERACIONAIS NAS
CATEGORIAS DE BASE DE FUTEBOL
Marina de Mattos Dantas
1
Aprovado em: 13/08/2022
Resumo: O artigo apresenta algumas considerações para se pensar as diferenças geracionais na
formação de jogadores em categorias de base de futebol. Com esse objetivo, está estruturado
em duas partes: na primeira, apresenta-se um levantamento de teses e dissertações sobre
categorias de base e formação de jogadores produzidas no Brasil entre os anos de 2001 e 2021,
com foco na compreensão de quais aspectos relacionados ao tema vêm chamando a atenção
de pesquisadores e pesquisadoras e como esses têm sido trabalhados nos últimos 20 anos; na
segunda parte, apresentam-se algumas considerações sobre elementos que atravessam a
produção de subjetividades-atleta, produzindo, como efeitos, modos de condução de si no
futebol profissional: jogadores-peça, jogadores-produto e jogadores-empresa, que implicam em
diferenças geracionais entre jogadores pelos modos de produção de formação em épocas
distintas.
Palavras-chave: Categorias de base. Gerações. Formação. Jogadores. Produção de
subjetividade.
PART-PLAYERS, PRODUCT-PLAYERS AND ENTERPRISING-PLAYERS: ELEMENTS TO UNDERSTAND
BRAZILIAN SOCCER PLAYERS FORMATION GENERATIONAL DIFFERENCES
Abstract: The article presents some considerations about the generational differences in
formation of brazialian soccer players. With this objective in mind, it is structured in two parts:
at first, a maping of theses and dissertations about youth categories and players formation
produced in Brazil between 2001 and 2021 is presented, focusing on understanding which
aspects related to the theme have been calling the attention of researchers and how they have
been worked over the last 20 years; In the second part, there are some considerations about
elements that cross the production of athlete subjectivities, producing, as effects, ways of
conducting themselves in professional soccer: part-players, product-players and entreprising,
which imply generational differences between players by the formation production modes at
different times.
Keywords: Youth Categories. Generations. Formation. Soccer Players. Subjectivity Production.
1
Marina de Mattos Dantas, Graduada em Psicologia (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais),
Mestre em Psicologia Social (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Doutora em Ciências Sociais
(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Professora substituta no Departamento de Fundamentos
da Educação da Universidade Federal do Piauí. ORCID: 0000-0002-7109-6690. E-mail:
marinamattos@gmail.com.
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JUGADORES DE JUEGO, JUGADORES DE PRODUCTO Y JUGADORES DE EMPRESA: ELEMENTOS
PARA LA COMPRENCIÓN DE LAS DIFERENCIAS GENERACIONALES EN LAS CATEGORÍAS
JUVENILES DEL FÚTBOL BRASILEÑO
Resumen: El artículo presenta algunas consideraciones para pensar las diferencias
generacionales en la formación de jugadores en categorías juveniles de fútbol en Brasil. Con este
objetivo, se estructura en dos partes: en la primera, se presenta un levantamiento de tesis y
disertaciones sobre categorías juveniles y formación de jugadores producidas en Brasil entre
2001 y 2021, centrándose en comprender qué aspectos relacionados con el tema han llamando
la atención de los investigadores y cómo han sido trabajados en los últimos 20 años; En la
segunda parte, presentase algunas consideraciones sobre elementos que atraviesan la
producción de subjetividades atleta, produciendo, como efectos, modos de conducirse en el
fútbol profesional: jugador-parte, jugador-producto y jugador-empresa, que implican
diferencias generacionales entre jugadores por los modos de producción de formación en
diferentes momentos.
Palabras-clave: Categorias Juveniles. Gerações. Formação. Jogadores. Produção de
subjetividade.
INTRODUÇÃO
Categorias de base. Espaço privilegiado de formação de jogadores profissionais.
Processo de seleção e especialização contínua, em etapas sucessivas, delimitadas pela
idade do jogador, referenciada à sua data de nascimento (1985, 1994, 2000), pela qual
integrantes de um determinado grupo passam a ser reconhecidos até serem
considerados profissionais. Permeado por ritos de passagens e de vivências que não
somente elaboram um corpo jogador, mas também um ser humano socializado na
composição de processos de subjetivação que o tornam um atleta, marcado, entre
outros elementos, pelas especificidades de seu tempo.
A clássica série documental Futebol, dirigida por João Moreira Salles e Arthur
Fontes (1998), em seu primeiro episódio O Início –, traz algumas marcas de um
determinado tempo de formação de jogadores.
O episódio proporciona uma experiência de encontro imagético entre gerações
distintas de jogadores. De atletas nascidos no início dos anos 1980, que são
acompanhados em peneiras
2
no Rio de Janeiro nos anos 1990, com jogadores
conhecidos de outros tempos (Nilton Santos, Pelé, Dadá Maravilha, entre outros) que
têm a sua geração marcada, usualmente, não pelo ano ou década de seus nascimentos,
2
Processos seletivos organizados por clubes de futebol para a captação de novos jogadores para as
categorias de base, referência análoga à atividade do garimpo, na qual as peneiras são um dos
instrumentos utilizados na separação dos metais preciosos de outros elementos.
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mas pelas passagens na seleção brasileira em Copas do Mundo (1950-1960; 1960-1970;
1970). No documentário, os primeiros conversam sobre suas experiências tentando se
afirmar como jogadores profissionais. Já os segundos refletem a respeito das memórias
da iniciação esportiva, em um momento anterior à formalização da formação de
jogadores em categorias de base, quando houve uma primeira tentativa de dissociação
dentro de campo entre um futebol compreendido como arte e outro compreendido
como técnica.
Embora diferenças geracionais sejam identificadas no futebol, no meio
acadêmico, trabalhos nos quais questões geracionais aparecem diretamente ou
intencionalmente trabalhadas ao se pensar as categorias de base são praticamente
inexistentes. As palavras geração/gerações e geracional/geracionais não aparecem para
se referir a diferenças na formação de jogadores em épocas distintas, mas, sim, como
expressão de passagem do tempo – de geração para geração – ou para se referir ao ato
de gerar algo. Em que pese essa informação, todo trabalho que seja dedicado a entender
os processos formativos de jogadores contém elementos para pensarmos questões
geracionais.
É esse o exercício proposto neste artigo, que está dividido em duas partes. Na
primeira, apresenta-se um levantamento de teses e dissertações sobre categorias de
base e formação de jogadores produzidas entre os anos de 2001 e 2021 com foco na
compreensão de quais aspectos relacionados ao tema vêm chamando a atenção de
pesquisadores/as nos últimos 20 anos e como estes pontos são trabalhados; na
segunda, apresenta-se algumas considerações sobre elementos que atravessam a
produção de subjetividades atletas, produzindo, como efeitos, modos de condução de
si e de ser conduzido no futebol profissional: jogadores-peça, jogadores-produto e
jogadores-empresa (DANTAS, 2014; DANTAS, 2017), que implicam em diferenças
geracionais entre jogadores pelos modos de produção de formação em épocas
diferentes.
UM PANORAMA SOBRE OS ESTUDOS DO FUTEBOL NAS CATEGORIAS DE BASE
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No Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES encontrou-se 119 resultados para
“categorias de base” e mais 12 para “formação de jogadores”
3
. Analisando as temáticas
centrais desses trabalhos, encontram-se 9 produções que sequer tematizam o futebol
ou alguma outra prática esportiva, elencados por possuírem a palavra-chave da
pesquisa em seu resumo, empregada com outros significados. Do total encontrado, 31
trabalhos versam sobre as categorias de base de outras modalidades esportivas; nove
são sobre futebol, mas não sobre categorias de base, embora as citem, de maneira
pontual, a tulo de exemplo. Entre esses nove, 2 são sobre futebol jogado por mulheres
e citam a incipiência e a importância do investimento na base para o desenvolvimento
do Futebol jogado por aquelas.
Excluindo-se esses 49 trabalhos e mais um que aparece repetido na busca de
ambas as palavras-chave, 81 teses e dissertações se originaram a partir de pesquisas
realizadas em categorias de base ou sobre estas
4
. Em grande parte, a partir de
referenciais da análise de desempenho (10), da fisiologia/biomecânica/morfologia do
exercício (18) e de processos psicológicos básicos/traços psicológicos/condições
psíquicas (9). Na somatória, são 37 produções nesse grupo que trabalha questões de
ordem orgânica ou intrapsíquica, de jogadores ou outros atores do meio esportivo.
Após essa primeira análise quantitativa, constatou-se que 44 trabalhos se
dedicaram a pensar as categorias de base não enfatizando aspectos fisiológicos, técnicos
e táticos da formação esportiva e de atletas, e, sim, condições antropológicas, sociais ou
psicossociais da formação. Desses, 35 são dissertações
5
e 9 teses, tendo sido o primeiro
estudo dessa natureza defendido em 2001 (SOUZA, 2001) e o último em 2021
(MENEZES, 2021).
Os trabalhos originam-se de pós-graduações em oito áreas diferentes: Educação
Física/Ciências da Atividade, da Motricidade e do Movimento (17), Psicologia/Psicologia
Social/Psicologia Escolar/Análise do Comportamento (10), Antropologia/Antropologia
Social/Sociologia/Ciências Sociais (7), Educação (4), Direito (2), Gestão/Administração
(2), História (1), Cultura e Territorialidades (1); Em grande parte, produzidas em
3
Levantamento realizado em 16 de junho de 2022.
4
Foram considerados trabalhos sobre futebol de campo e futsal.
5
Dissertações de mestrado acadêmico, incluindo uma de mestrado profissional.
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programas de pós-graduação, no Sudeste (25) e Sul (15) do Brasil, o que é tendência nos
estudos que tematizam o futebol nas Ciências Humanas e Sociais de maneira mais ampla
(SOUZA et al., 2019), com bem menos produções na região Nordeste (3), Norte (1) e
nenhuma na Centro-Oeste.
Entre esses trabalhos, 22 abordam a formação/profissionalização/produção de
jogadores de maneira mais ampla; dois discutem questões relacionadas à carreira de
atletas, incluindo a iniciação esportiva, a partir de histórias de vida e trajetórias de
jogadores específicos; outros dois sobre processos seletivos e detecção/manutenção de
talentos; dois sobre representações sociais do futebol nas categorias de base; outro
sobre consumo de produtos por jogadores da base; e mais um sobre religião. Dos
trabalhos que não se detiveram, primordialmente, a estudos junto aos jogadores, dois
foram realizados com pais e/ou mães destes, um com psicólogos do esporte, nove com
técnicos e dois sobre gestão. Como mencionado anteriormente, embora não tenham
tematizado as gerações, esses trabalhos contêm alguns elementos para se pensá-las.
Paoli (2007) e Koehler (2017) estudaram questões relacionadas aos processos
seletivos e à detecção/manutenção de talentos em categorias de base. O primeiro autor
discute a formação e a identidade de atletas na relação com os estilos de jogo na
dualidade “futebol arte” e “futebol técnica”, chegando à conclusão de que esse não é
um referencial utilizado pelos coordenadores técnicos e treinadores envolvidos na
formação de jogadores em clubes brasileiros nos anos 2000. Koehler (2017), por sua vez,
aborda a temática através da análise da perspectiva de gestores sobre o assunto,
pensando a captação e retenção de talentos e concluindo que a rede formada por esses
atores é importante e produziu modificações naquela década em relação ao processo
estudado.
As teses e dissertações sobre formação e categorias de base produzidas entre os
anos de 2010 e 2018 concentram-se no estudo dos jogadores atuantes nessas duas
décadas. Somente a tese de Damo (2005) é anterior a esses. Os trabalhos produzidos na
virada da década de 2000 para 2010 demonstram preocupação com a relação entre a
educação formal e as categorias de base
6
(MELO, 2010; SANTOS, 2010; BARRETO, 2012;
MENEZES, 2013; MORO, 2018), preocupação estaque aparecia na década anterior
6
O interesse por essa temática específica se apresenta, predominantemente, em programas de pós-
graduação em educação física e educação.
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(SOUZA, 2001) e que se mantém, posteriormente, nas vésperas da Copa do Mundo
realizada no Brasil em 2014 (KLEIN, 2014; CONCEIÇÃO, 2015), em meio a outros
interesses de pesquisa que emergiram naquela década, como: trabalho imaterial e
estilos de vida de jogadores (JOB, 2012), projetos familiares (PAULA, 2013) análise de
propostas formativas de clubes (SILVA, 2015), processos de subjetivação de jogadores
(DANTAS, 2017; VIEIRA, 2017; MORO, 2018), o processo de formação de grupos
(CASTELANI, 2017). Por último nessa sequência, um trabalho sobre decolonialidade e
identidade de jogadores (CUNHA, 2018) é o mais recente. As produções de Salomão
(2018), Freitas (2013) e Silva (2015) situam as condições socioculturais e antropológicas
da formação de jogadores
7
.
Em comum aos estudos supracitados, todos têm como base o estudo da geração
de seu tempo
8
. Categorias de base anteriores são mais estudadas a partir de outros
temas centrais, como a histórias de vida de jogadores que não mais se situam nesse
período formativo (PAZ, 2016; ALVES, 2018).
A predominância de trabalhos com jogadores de categorias de base e não com
jogadoras pode soar óbvia para alguns, porém não é um dado natural. O futebol
praticado por mulheres não era objeto de questão acadêmica nas Ciências Humanas e
Sociais até 1997 e emergem com mais força nos anos 2010 (ANJOS; DANTAS, 2020).
Outro destaque é o aparecimento de um trabalho que já em seu título anuncia a
questão racial que atravessa a formação de jogadores como aspecto central da análise
sobre a formação em categorias de base (CUNHA, 2018) que se sintoniza com a
importância dada recentemente aos atravessamentos de raça, gênero e classe, ou
marcadores sociais de diferença, que se interseccionam às discussões produzidas nesse
campo.
Não especificando a base e a formação como questão central, os trabalhos de
Amparo (2012), Borges (2018) e Petrognani (2016) tematizam outros aspectos que
atravessam a formação de jogadores na década de 2010, respectivamente: as
representações sociais de jogadores sobre futebol, o consumo de produtos por
jogadores e a experiência religiosa de jogadores.
7
A ausência das teses de Bitencourt (2009) e Palmieri (2015) é notória no levantamento realizado, assim
como outras teses e dissertações podem ter ficado de fora pelas limitações dessa pesquisa.
8
Jogadores nascidos entre 1980 e 1999 que frequentaram as categorias de base de algum clube entre os
anos 2000 e 2015.
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Mas não somente de atletas se constitui as categorias de base no futebol. Entre
os anos 2004 e 2020, muitas teses e dissertações foram produzidas com foco central nos
treinadores (CÂMARA, 2009; KANETA, 2009; PESCA, 2013; BELINELI, 2013; BETTEGA,
2015; LIMA, 2018; PINTO, 2018; CARLET, 2020). Esses ressaltam a relação treinador-
jogador ou aspectos referentes a características psicológicas e/ou pedagógicas dos
mesmos e se concentram em cursos de Educação Física/Ciências do Esporte/Ciências do
Movimento e Psicologia/Análise do Comportamento.
Além desses, um trabalho com foco nos psicólogos do esporte no futebol de
campo (DANTAS, 2011) e outro sobre o comportamento parental no futsal (JORAND,
2017) indicam a incipiência com a qual a perspectiva e as implicações da atividade
desses outros atores envolvidos na formação foram consideradas nos estudos do
futebol até o momento, seja de maneira pontual ou na relação uns com os outros, em
pesquisas de mestrado e doutorado
9
.
Esse panorama da produção de teses e dissertações no Brasil nos indica que os
jogadores que estiveram nas categorias de base entre os anos 2010 e 2020 foram os
mais estudados até então.
GERAÇÕES
Tratando-se de categorias de base e seus atravessamentos por questões
geracionais, duas produções são fundamentais para situar mudanças nos modos de se
pensar e produzir a formação nesses espaços. São estas Afonsinho e Edmundo: a
9
Ajudando a compor esse panorama de produções com base em estudos de médio/longo prazo, o artigo
de Ricci e Aquino (2022), que analisaram a produção de artigos científicos sobre a dupla carreira
acadêmica-esportiva na América Latina entre os anos 2000 e 2020, sinaliza quede 39 artigos encontrados
entre os anos de 2011 e 2020, 32 são oriundos de estudos realizados no Brasil. Praticamente um terço
deles (11) relativos a estudos realizados em categorias de base de diversos esportes e mais cinco
produzidos a partir de pesquisas com atletas de categorias de base e adulta. Desses, 14 no futebol e 13
especificamente sobre categorias de base (incluindo um estudo argentino, entre os brasileiros). Desses
13, um único que não realizou pesquisa empírica sobre os jogadores da geração que esteve na base
nos anos 2010, abordando o tema pela história oral de vida de ex-jogadores com idade entre 25 e 46 anos
(PEDROZA JÚNIOR et al., 2020), tendo passado pelas categorias de base entre os anos 1990 e 2000 pelo
o que é possível inferir por essas informações.
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rebeldia no futebol brasileiro, de José Paulo Florenzano (1998)
10
e Do dom à profissão:
a formação de futebolistas no Brasil e na França, de Arlei Sander Damo (2007)
11
.
Florenzano (1998), para pensar as emergências da categoria jogador-problema,
focaliza a mudança de racionalidade operada nos anos 1960 em relação à formação de
jogadores, de uma formação que confundia-se com a experiência do futebol de diversos
modos, em diversos espaços, para uma mais especializada, em centros de treinamento,
que situa as categorias de base de clubes tradicionais como lócus privilegiado da
formação do jogador profissional. Damo (2007), partindo de uma etnografia realizada
no início dos anos 2000 junto às categorias de base do Sport Clube Internacional, de
Porto Alegre (RS), com atletas nascidos entre 1984 e 1986, compondo a categoria juvenil
na época, foi a primeira produção acadêmica defendida sobre categorias de base com
trabalho de campo no Brasil
12
.
Nessas duas produções encontramos elementos que nos permitem demarcar
algumas questões geracionais relacionadas aos modos como, em cada época, se
produziu verdades sobre a formação de jogadores, entre os primeiros atletas formados
em categorias de base, nos anos 1970, e aqueles que estiveram em formação entre os
anos 1990 e 2000.
Partindo deste ponto, apresenta-se algumas considerações sobre elementos que
atravessam a produção de subjetividades atletas, produzindo, como efeitos, modos de
condução de si no futebol profissional, que implicam em diferenças geracionais entre
jogadores pelos modos de produção de formação, não com o intuito de cristalizar
modos universais de ser jogador em cada época, mas visibilizando atravessamentos
comuns ao processo de formação nas categorias de base que se concretizam em uma
gama de possibilidades de ser jogador em momentos distintos.
Dessa maneira, o jogador de futebol habita diversos territórios existenciais nos
quais, para além de outros atravessamentos que os compõem, assume características
10
Publicação adaptada a partir da dissertação de mestrado do autor: Florenzano, José Paulo. A rebeldia
no futebol brasileiro. 1997. 298 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 1997.
11
Publicação adaptada a partir da tese de doutorado do autor: DAMO, Arlei Sander. Do dom à
profissão: uma etnografia do futebol de espetáculo a partir da formação de jogadores no Brasil e na
França. 2005. 435 f. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
12
No levantamento realizado, somente o trabalho de Souza (2001) é anterior a este.
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de peça modelada para funcionar de uma forma específica dentro de campo
(FLORENZANO, 1998), processo ainda presente nas formas de subjetivar um atleta nos
dias de hoje, mas mais característico dos modos de se pensar a formação nos anos
1970/1980; e também produto modulado para ser comercializado entre os clubes
(DAMO, 2007), modo característico de subjetivação dos anos 1990/2000. Às noções de
jogador-peça e jogador-produto, desenvolvidas, respectivamente, nos trabalhos
citados, entrelaça-se a noção de jogador-empresa (DANTAS, 2014; DANTAS, 2017),
inspirada em Foucault (2008), como versão atualizada e dependente das relações
anteriormente estabelecidas nesta trama. Esse último, o empreendedor de si, é produto
e empresário de si mesmo
13
, correspondendo a certo efeito de poder produzido no
encontro do futebol com a racionalidade neoliberal.
GERAÇÃO JOGADORES-PEÇA
A profissão de jogador de futebol oficializa-se em 1933, impulsionando
gradualmente a profissionalização de outros envolvidos na prática desse esporte, em
um processo no qual se começava a entendê-lo, assim como a seus praticantes, como
objetos de uma especialização. A formação de jogadores, contudo, ainda era
compreendida de modo bastante inatista, ou seja, como se a aprendizagem do futebol
fosse dependente mais de um dom do jogador do que da relação desse ser humano com
os outros e com o ambiente.
Durante o período de 1950 a 1970, o futebol e o discurso científico aproximam-
se e “o corpo do jogador passa a ser objeto de um novo investimento político”
(FLORENZANO, 1998, p. 33). O corpo-atleta passa a ser foco do empreendimento de
vários profissionais encarregados de “mudar o brasileiro por dentro e por fora”. A
objetivação do futebol tinha como principal meio a construção de uma equipe-máquina,
para qual se exigia, para o pleno funcionamento, o jogador-peça, também objetivado
(FLORENZANO, 1998). Com o trabalho dos especialistas na formação do atleta, o jogador
brasileiro não “nascia feito”. Teria que ser cuidadosamente treinado, nutrido e
exercitado para se extrair o máximo de sua eficiência esportiva. Nesse processo, o
técnico, o preparador físico e os outros especialistas do esporte assumiram papel
13
Embora, não raramente, terceirize grande parte dessa gestão de si para outros agentes do futebol.
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fundamental na correção de “vícios” do aprendizado na várzea. O técnico, ao longo
desse processo, passa a especializar-se, frequentando a universidade e congressos onde
se discutem estratégias de preparação dos atletas, relacionadas ao modelo de formação
importado da Europa (BELTRÃO, 1974). É naquele momento que práticas disciplinares
aparecem com maior intensidade no futebol brasileiro com o intuito de sua
especialização, operando um distanciamento entre o lúdico e a técnica no futebol. Com
a depreciação do futebol aprendido na experiência das ruas e da várzea, privilegiava-se
um aprendizado formal em detrimento do aprendido de forma espontânea, processo
que no Brasil se destaca entre meados dos anos de 1960 e 1970, quando essa prática
especializada de formação de profissionais começava a se fazer necessária, à produção
de novos jogadores – a tornar-se uma verdade.
Como pontuado anteriormente, a produção acadêmica sobre esse período é
escassa. A primeira dissertação encontrada sobre as categorias de base (SOUZA, 2001)
situa a questão da técnica e da especialidade nesse tempo como operadoras de um
efeito de automatização do futebol. Assim, as categorias de base dos clubes tornam-se
concomitantemente escolas de formação e fábricas de produção do atleta, ou seja, os
clubes, ao mesmo tempo em que educavam e preparavam seus trabalhadores, forjavam
no corpo dos próprios trabalhadores as peças do seu jogo. Apesar da instrumentalização
crescente do corpo do jogador durante os anos 1960 e 1970, a sua utilização como
produto de valor mercadológico ainda não predominava no futebol brasileiro. A ligação
moral e de pertencimento ao clube característica que remetia às primeiras décadas
do século XX, quando preponderava o amadorismo ainda predominavam (PRONI,
2000). Naquele tempo o futebol se configurava como um espetáculo, mas não ainda
como uma atividade econômica. “Trocar de camisa” não era uma simples escolha
mercadológica. Sendo assim, o jogador apesar de ser posicionado como um patrimônio
do clube, não se caracterizava exatamente como uma mercadoria.
GERAÇÃO JOGADORES-PRODUTO
Embora a separação disciplinar entre formação e atuação profissional no futebol
de campo estivesse colocada, de outros modos, desde antes da primeira
profissionalização do futebol no Brasil nas divisões entre equipes principais e
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secundárias, juvenis e profissionais – é a geração de 1980 e 1990 que viverá as primeiras
conformações dessa especialização.
Sobretudo nos anos 1990, em função das discussões que culminaram na
promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90) e da Lei Pelé
(9.615/98) que demarcam, juntas, algumas condições especiais do atleta em idade
abaixo dos 18 anos, delimitou-se maior distanciamento entre o futebol profissional e o
das categorias de base.
Contudo, total separação entre formação e atuação profissional não é possível,
pois estes são processos contínuos, não lineares, que atravessam a constituição do
sujeito concomitantemente. No ambiente futebolístico, Damo (2007) define a formação
caracterizando-a como aprendizado de uma profissão, o ensino de competências que
está ligada a suposta benevolência da parte daquele que ensina, ao passo que o termo
produção está ligado à construção de um produto.
É especificamente pelo entendimento do jogador e da vida, de modo geral
como um produto, que muitos jovens se tornam objeto de empreendimento de suas
famílias na busca do sonho de ser jogador de futebol. Mesmo antes do ingresso de um
menino nas categorias de base de um clube, não é incomum os pais transferirem a
responsabilidade legal por seus filhos aos agentes que desde então gerenciam a vida
desse atleta em desenvolvimento.
Segundo Proni (2000) e Damo (2007), os agentes ou empresários, como são
denominados no meio futebolístico, começaram a circundar os gramados brasileiros no
final dos anos 1980. A criação dessa função no ambiente futebolístico se relaciona com
o que se iniciava ainda nos anos de 1970, quando os clubes arrecadavam uma quantia
considerável de dinheiro através das bilheterias dos estádios lotados. A possibilidade de
transmissão para outras localidades impulsionava o uso do estádio como espaço de
publicidade e também o uso de alguns jogadores na divulgação de produtos diversos em
jornais e revistas (PRONI, 2000).
Embora longínqua, a relação entre mídia e futebol se transforma radicalmente
nos anos 1980, com o televisionamento direto das partidas de futebol em rede nacional.
O espaço publicitário alcança a camisa dos jogadores. Estes passam a ser não somente
“garotos propaganda”, mas a vestir a marca que patrocinava o campeonato ou o clube
pelo qual jogavam. A competição brasileira na qual esta prática tornou-se acentuada foi
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a Copa União, em 1987, organizada pelo então nascente Clube dos Treze. Para aquele
campeonato, a associação conseguira o apoio da Coca-Cola que assinou contrato com
quase todos os clubes participantes (AREIAS, 2008). Outras duas grandes empresas
também investiram economicamente na competição e, a partir daquele momento,
estaria entre os principais objetivos da liga, “entender e tratar o futebol como atividade
econômica”
14
. Não somente os clubes e os campeonatos, mas também o jogador
brasileiro começava a ser, ele próprio, alvo de investimento financeiro. Foi durante esse
período que as parcerias entre clubes e empresas, cada vez mais íntimas, começaram a
apostar fortemente no atleta, ainda que não tenham deixado de lado seus outros
produtos.
Mas, para que o jogador chegasse a se tornar um grande negócio, uma série de
mudanças nas regulamentações do esporte profissional foi produzida e atualizada com
o mercado neoliberal. No caso do jogador de futebol, algumas mudanças com relação à
Lei do Passe (6.354/76) foram fundamentais para que fosse possível pensar o atleta
como um investimento econômico, principalmente no que concerne à posse de seu
passe. Segundo o artigo 11 da Lei do Passe, “entende-se por passe a importância devida
por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou
depois de seu término” (BRASIL, 1976, s/p). O atleta somente teria o “passe livre” ao
completar trinta e dois anos de idade e dez anos de serviço efetivo em seu último clube.
Essa condição propiciava o uso mercadológico do atleta, que desde a profissionalização
do esporte, sempre esteve presente no futebol profissional intensificada desde os anos
1980 com o aumento das transações internacionais entre os clubes. A Lei Zico
(8.672/93), projetada em um contexto de redefinição da intervenção estatal no âmbito
esportivo, foi concebida como uma primeira tentativa de se atualizar as
regulamentações do esporte brasileiro através de alterações na Lei do Passe, a saber: a
extinção do passe, a profissionalização da gerência dos clubes e a promoção de
alterações no sistema eleitoral da CBF. Naquela época, poucas alterações se
efetivaramem relação às expectativas de uma gestão empresarial do futebol e a Lei Zico
foi aprovada com muitas ressalvas, pois ainda que algumas mudanças em prol da
comercialização do espetáculo tenham sido aceitas, muito do pensamento paternalista
14
Afirmação presente no endereço eletrônico do Clube dos Treze no final dos anos 2000. Com a extinção
do grupo, o site foi desativado em 2011.
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historicamente construído ainda persistia, e ainda hoje persiste, no futebol brasileiro. O
próprio projeto de se revogar a lei anterior não foi consolidado, continuando a ser o
passe do jogador uma propriedade do clube empregador. Quatro anos mais tarde, as
discussões em torno do passe e do modelo empresarial de gestão do futebol retornam
ao Congresso Nacional com o projeto da Lei Pelé (9.615/98). Dessa vez, o fim do passe
foi decretado, bem como a obrigatoriedade de as agremiações se transformarem em
clubes-empresa. O jogador de futebol passou, então, ao menos hipoteticamente, a
controlar totalmente a venda da sua força de trabalho. Entretanto, com o futebol, agora,
funcionando em consonância com a flexibilidade das relações do mercado neoliberal, a
maioria dos jogadores continuaria a delegar tal exercício de poder aos agentes /
empresários. Ao contrário do que faz supor uma leitura literal da lei, os jogadores
continuavam sendo “vendidos”. A principal mudança que se dá a partir da Lei Pelé é que
está centralizado no jogador o poder de decidir por qual clube jogar, o que, por sua vez
encontra-se revestido pelas práticas da racionalidade neoliberal, configurando-o como
um empreendedor de si. Nos dias de hoje, os clubes garantem uma porcentagem na
negociação dos contratos de trabalho, continuando no controle, agora descentralizado,
dividido também com os agentes e os investidores.
GERAÇÃO JOGADORES-EMPRESA
Rapidamente, a quantidade de profissionais agregados ao gerenciamento da
vida do jogador, configurando uma entourage ao seu redor (DAMO, 2007) alcança tal
proporção que o jogador torna-se, ele próprio, uma empresa a ser gerenciada.
Segundo Foucault (2008), um dos efeitos da racionalidade neoliberal, forma
predominante de razão de governo nos dias atuais em sociedades ocidentalizadas, é a
“possibilidade de reinterpretar em termos econômicos e em termos estritamente
econômicos, todo um campo que, até então, podia ser considerado, e era de fato
considerado, não-econômico”
15
(FOUCAULT, 2008, p. 302). Em meios futebolísticos essa
atualização abre espaço para a presença cada vez mais institucionalizada de
15
Com isso, não se afirma que anteriormente não havia uma economia no futebol ou que as relações
mercadológicas não estivessem presentes. Sobretudo no futebol de espetáculo, são as práticas e relações
econômicas que se modificam.
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empresários, agentes que vão se tornando cada vez mais indispensáveis à dinâmica do
futebol profissional, na gestão de clubes e também na gestão da carreira de atletas.
No que tocam a gestão de carreiras e da vida de atletas, se entrelaçam à
possibilidade e esperança da realização de um sonho infantil, os convencem que são
incapazes de gerir carreiras e oferecem uma gama de materiais e serviços (DAMO, 2007)
que tornam o atleta um candidato mais plausível ao sucesso profissional.
O empresário investe no cuidado do atleta que é convertido em capital humano
na produção de um produto de qualidade. Simultaneamente, os cuidados dos
profissionais especialistas nos centros de treinamento, produzirão novos parâmetros
biológicos e comportamentais de se ser jogador de futebol.
Para aqueles que desde a infância suportam as incertezas dos processos seletivos
as peneiras e à possibilidade de ser dispensado a cada mudança de categoria, a lógica
competitiva habita o sonho de ser jogador de futebol e é preciso saber conduzir-se em
meio a relações de prestígio e poder, para ter o futebol como principal atividade
profissional.
Para essa geração, o valor de imagem, mais que suas habilidades esportivas,
demarca as diferenças entre o jogador celebridade e o que transita em um campo de
anonimato. Contratualmente, não é raro que clubes atribuam um alto valor à imagem
de atletas em negociações pela redução do preço do salário assinado na carteira de
trabalho. Através dessa prática o clube empregador consequentemente diminui o valor
dos encargos trabalhistas. O direito de arena, pago também pelo clube, é uma outra
quantia que o jogador recebe referente à venda da transmissão dos jogos. Ao final do
mês, serão basicamente essas três remunerações o do salário, o do direito de imagem,
e do direito de arena que comporão a quantia recebida pelos atletas que alcançam a
elite de alguma liga profissional.
Quanto maior o prestígio de um jogador e sua exposição midiática, maior torna-
se a valorização e a procura de jogadores pelas empresas que vislumbrarão uma boa
oportunidade de investimento. Juntos, constroem com os jogadores e seus agentes uma
empresa de capital aberto, na qual o próprio atleta é o produto. Cada um possui uma
porcentagem a ser investida e recebida na negociação de um atleta com outra entidade
desportiva. Ao clube formador do atleta, no entanto, continua sendo assegurado uma
parcela na negociação do mesmo e é responsável por prover educação formal, saúde,
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transporte e convivência familiar. Essas regulamentações tentam garantir certa
distinção na formação do jovem jogador, e também que ele não seja formalmente
reduzido a mero produto.
A importância dada a outros tipos de estudos e à qualidade desses, no entanto,
não é muito perceptível por parte de alguns dirigentes, treinadores e empresários, assim
como não é desejável que o atleta desvie seu foco para qualquer outra preocupação
senão com o seu desempenho esportivo, o que contrasta com a realidade de que,
geralmente, poucos são os jogadores que seguem nessa carreira, e menos ainda os que
chegam a viver financeiramente confortáveis sendo profissionais do futebol.
O bom jogador, nesse contexto, está docilizado para responder dentro e fora de
campo ao que lhe foi pedido, mas também precisa ser criativo e o empreendedor de si
nesse mercado para produzir renda para si e para outros. Desse modo, caso não consiga
estabelecer-se como jogador profissional, será um bom empreendedor ou funcionário
em outros mercados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nei Conceição, jogador do Botafogo de Futebol e Regatas entre os anos de 1960
e 1970, diz que se não fosse jogador de futebol, seria jogador de futebol mesmo
(BRANCO; CONCEIÇÃO, 2019). Para além dos sentidos atribuídos por Nei a este
pensamento, é possível pensar em certa relação fatalista, de escassez de possibilidade
de escolhas, para muitos aspirantes a jogador que nem sempre são estimulados a
sonhar em desempenhar outras atividades profissionais.
Os esportes incorporaram a lógica empresarial com tanta habilidade que se
tornaram referência de seu próprio exercício para empresas e para a vida. Contudo, a
fusão entre empresa e esporte não pode ser mais vista como uma metáfora de um
campo para explicar o outro. O jogador continua sendo peça e também precisa ser
produto para chegar à condição de empresa de confiança do mercado, aquela que todos
gostariam de contratar e que consegue atrelar o valor de sua imagem à sua renda de
modo a viabilizar estabelecer-se como jogador de futebol profissional.
Para isso, é preciso jogar futebol para um público que não somente o torcedor,
mas para a exposição de jogadores a clubes e agentes o público consumidor do
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jogador-produto. O impacto das modificações oficializadas pela Lei Pelé abriu um
abismo entre os jogadores/clubes de “grande porte” e os jogadores/clubes de “pequeno
porte”. Ainda que com possibilidade de trânsito entre esses dois polos, via de regra, com
os primeiros tornando-se ainda mais grandiosos no ambiente esportivo e os segundos
ainda mais apequenados diante das forças neoliberais operantes do mercado
supostamente livre, regido pelas regulamentações que fortalecem a racionalidade
neoliberal, expondo a conformação do risco competitivo neoliberal como produtor de
produtividades.
Nesse sentido, o futebol, apesar de ser caracterizado como um esporte coletivo
por necessitar de mais de um jogador de cada lado para acontecer, torna-se, também,
um esporte cada vez mais individualizado, pois cada um está em busca das suas próprias
marcas de superação que agregarão um maior valor econômico à sua imagem,
intimando o jogador a buscar o sucesso a partir de seu esforço como se nenhum outro
atravessamento entre o desenvolvimento de suas habilidades e a consagração de sua
carreira existisse.
As práticas neoliberais do futebol contemporâneo criam efeitos que operam
movimentos de expulsão, do futebol lúdico, do torcedor apaixonado, e do jogador
resistente a essas modificações, seja por não conseguir adaptar-se a elas, por recusar-
se a se “coisificar” ou por tentar transgredi-las.
Em cada geração algumas possibilidades diferentes de subjetivar-se na
condição de jogador. Em todas elas, o desejo de muitos de ser “jogador de futebol
mesmo”.
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