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AS FACES OPRESSORAS DE UMA PRÁTICA DOGMÁTICA: LACUNAS ENTRE AS CONSTRUÇÕES ACADÊMICAS E AS ESTRUTURAS VIGENTES NA CLÍNICA

Gabriel Martins Lessa[1]

Isabela Zeato Passos[2]

João Luis Sales Sousa[3]

Pablo Kaique Angelin Godoi[4]

Yasmin Gabrielly Gomes dos Santos[5]

Recebido em: 12/11/2020

Aprovado em: 22/12/2020

Resumo: Este artigo faz uma articulação entre a psicanálise e estudos de estruturas opressoras. Consiste em um levantamento bibliográfico e um breve relato da experiência clínica de um coletivo de atendimento analítico na cidade de São Paulo. Sendo que o objetivo principal é apontar, criticamente, a forma de atuação da psicanálise com a população periférica. Assim como, apresentar a dinâmica grupal e a forma de atuação deste coletivo. Foi utilizado, para tanto, concepções de estudos de opressões raciais, de forma a delimitar uma análise do que fora percebida a partir do sofrimento psíquico dos sujeitos em questão. Assim como, resultados da própria experiência do que emergiu como um todo na clínica do coletivo. A partir dessas contribuições, foi possível identificar as lacunas entre o saber e sua prática, na psicanálise, assim como apontar diretrizes balizadoras para um fazer que pretende se atualizar para que consiga dar conta das subjetividades presentes em sua época e território.

Palavras-chave: Psicanálise; Estrutura; Materialismo Dialético; Clínica; Periférico.

THE OPPRESSING FACES OF A DOGMATIC PRACTICE: GAPS BETWEEN THE ACADEMIC CONSTRUCTIONS AND STRUCTURES IN FORCE IN THE CLINIC

Abstract:  This article makes an articulation between psychoanalysis and studies of oppressive structures. It consists of a bibliographic survey and report of the clinical experience of a collective psychotherapeutic in São Paulo. The main objective is to point out, critically, the way psychoanalysis works with the suburban population. As well as, to present the groupal dynamic of this collective. For this purpose, was used concepts of analysis of racial oppression, in order to delimit an analysis of what was understood from the psychological suffering of the subjects in question. As well as, results of the own experience of what emerged as a whole in the collective clinic. From these contributions, it was possible to identify the gaps between knowledge and its practice, in psychoanalysis, as well as pointing out guidelines for a task that intends to move forward and then, being able to work with the subjectivities in its time and territory.      
Keywords: Psychoanalysis; Structure; Dialectical Materialism; Clinic; Suburb.

LAS FACES OPRESIVAS DE UNA PRÁCTICA DOGMÁTICA: LACUNAS ENTRE LAS CONSTRUCCIONES Y ESTRUCTURAS ACADÉMICAS VIGENTES EN LA CLÍNICA

Resumen: Este trabajo articula el psicoanálisis y los estudios de estructuras opresivas. Consiste de revisiones bibliográficas y relatos de la experiencia clínica de un grupo de atención psicoterapéutica en São Paulo. El principal objetivo es apuntar, de manera crítica, la forma que el psicoanálisis trabaja con la población periférica, tal cual presentar la dinámica de grupo y la forma de actuación de este colectivo. Se utilizaron concepciones de estudios de opresión racial, con el fin de delimitar un análisis de lo percibido del sufrimiento psicológico de los sujetos. Así como, resultados de la propia experiencia de lo surgido en su conjunto en la clínica colectiva. A partir de estos aportes, fue posible identificar las brechas entre el teoria y práctica en psicoanálisis, así como señalar pautas orientadoras de una práctica que pretende actualizarse para dar cuenta de las subjetividades presentes en su tiempo y territorio.
Palabras-clave: Psicoanálisis; Estructura; Materialismo dialéctico; Clínica; Periférico.

INTRODUÇÃO

Este presente estudo faz uma articulação entre contribuições de conhecimentos do âmbito de opressões sociais com a psicanálise, de forma a realizar uma análise geral do que fora percebido na atuação clínica do Coletivo de Psicanálise Periférica, que presta atendimento psicoterapêutico à população do bairro de Ermelino Matarazzo, na Zona Leste da cidade de São Paulo, em articulação com a Ocupação Cultural Matheus Santos. Tendo sido, ainda, delimitado questões primordiais acerca da estruturação deste grupo e contribuições sobre o andamento deste projeto, que se articula em diferentes frentes de atuação.    

A Clínica Periférica de Psicanálise é formada por um grupo de oito psicólogos graduados no final do ano de 2019, que há dois anos estuda psicanálise em grupo. Todos têm envolvimento direto ou indireto com lutas sociais, agindo em militâncias ou em prol delas, e que, como consequência dessas somas, decidiu-se criar o coletivo, com o intuito principal de disponibilizar atendimentos à população que reside nas margens da cidade de São Paulo. O Coletivo nasce com influência de diversos outros trabalhos similares e hoje é, também, inspiração para outros grupos. Os atendimentos têm se dado por plataformas online, por terem sido iniciados no período de crise sanitária, que levou ao país inteiro entrar em quarentena. Além da prática clínica também utilizamos uma segunda frente de atuação através das redes sociais. O espaço é utilizado para a promoção de diálogos com o público, promovendo reflexões e críticas sobre as diretrizes opressoras no âmbito social e político, assim como sua relação com o fazer clínico da prática analítica e o risco de reprodução e perpetuação das opressões vigentes.

Este estudo tem como objetivo apresentar uma perspectiva crítica da forma como a psicanálise se apresenta para periferia e como ela atua na mesma, buscando expor a construção de um saber e prática, que se fizerem, por muitas vezes, excludentes. Buscou-se, ainda, caracterizar estes apontamentos com dissertações sobre diálogos diretos com a população em questão.

Para tanto, foi utilizado como metodologia concepções de opressão racial de Lélia Gonzalez e Franz Fanon. A partir das concepções formuladas por Eric Laurent, em seu artigo "O analista cidadão", buscou-se discutir a posição do analista frente aos sofrimentos sociais, especificamente os analistas membros de coletivos de psicanálise, onde existe um paradigma referente ao analista também atuar ou não como militante. Tendo sido o trabalho embasado, como um todo, a partir da psicanálise lacaniana. Foram utilizadas, ainda, contribuições das experiências clínicas dos atendimentos realizados pelo próprio coletivo. Além de observações e contribuições advindas das reuniões periódicas feitas pelo grupo, que contemplam discussão de caso, manutenção de transformações na estrutura do funcionamento da clínica, supervisão e intervisão, que está relacionada, mais especificamente, ao grupo e suas relações. Além de reuniões com moradores periféricos e outros coletivos que praticam semelhantes ideias.

A CLÍNICA PERIFÉRICA DE PSICANÁLISE

A Clínica Periférica de Psicanálise surgiu em 2018 quando seus integrantes eram ainda estudantes, cursando graduação em Psicologia. A clínica disponibilizada pelo Coletivo é de orientação psicanalítica, portanto sua prática é embasada em uma ética linguística do meio, e, por isso, entendemos não ser uma clínica militante - nos atendimentos - mas sim política, em estrutura, tendo sido sempre crítica em relação a sua atuação, sob uma perspectiva social que considera as opressões vigentes no meio onde atua. Tendo, sempre, apontado para estudos descolonizadores, que levam em conta o contexto da cultura brasileira. No entanto, por meio das redes sociais onde não figuram os rostos dos analistas diretamente, o posicionamento é também militante e tenta alcançar o diálogo não só com a academia, propondo reflexões e críticas, mas também com o público atendido, os periféricos, em busca de promover mudanças estruturais em uma psicanálise que se apresenta com defasagens em sua prática clínica, sendo por vezes agente de manutenção de estigmas sociais.

A crise política que se intensificou no final de 2018, fazendo emergir discursos de ódio que constantemente eram validados por representantes sociais, fora um gatilho para que o grupo decidisse começar a se reunir periodicamente, dando continuidade às discussões que estiveram presentes nas ideias e estudos dos envolvidos durante todo período acadêmico. Pelos atravessamentos históricos em cada membro do coletivo, um posicionamento crítico à psicanálise se tornou um campo de estudo, principalmente em relação ao teor elitista da atuação de psicanalistas no Brasil e em como isso impactava em quem poderia ter acesso ao serviço. O principal objetivo, então, tornou-se articular formas de proporcionar contribuições para a democratização do atendimento psicanalítico, além de pautas voltadas para proposições e os limites deste modelo de clínica.

Falar em democratização da psicanálise implica dizer que a Clínica Periférica de Psicanálise surgiu do desejo de tornar mais amplo o acesso ao serviço, pensando em primeiro plano as questões ligadas ao território, já que as clínicas de psicanálise, em sua maioria, estão localizadas nos grandes centros e bairros mais elitizados, dificultando o acesso da população periférica de São Paulo. É importante pontuar que a Clínica rejeita totalmente um lugar messiânico, onde a partir da psicanálise (cujo suas bases são europeias ocidentais) os sofrimentos sociais teriam resoluções. Pelo contrário, o periférico não precisa ser representado pela psicanálise, não é preciso levar a psicanálise até a periferia, pois ela já está através dos estudantes, dos sujeitos do inconsciente, o que se faz necessário é a abertura de uma escuta que se leve em conta os contextos históricos da população, desenvolvendo assim uma psicanálise legitimamente brasileira, onde fique claro que a constituição desse país e das pessoas perpassa, desde o início, por violências e conflitos.

 Com o intuito de subverter esta lógica elitista, o coletivo se instalou em um território periférico e decidiu não ser intermediado pelo dinheiro - seja através das relações analíticas ou outros modos de atuação do coletivo - fazendo assim com que seja possível intervir de forma mais significativa e disponibilizar o acesso a psicanálise para aqueles que não podem custear o valor de uma análise. Alguns pontos pertinentes ao não intermédio do dinheiro, serão ressaltados ao longo do estudo.

Quando a cínica se recusa a cobrar pela via monetária, não significa afirmar que o periférico não deve pagar ou que, automaticamente, ele não teria condições financeiras para tanto, efetuando assim mais uma marginalização ou rebaixamento deste a um outro tipo de sujeito. A lógica é outra, onde há o surgimento de questões que se esbarram diretamente com a psicanálise em seu desenvolvimento no capitalismo.  Sabe-se que, na teoria psicanalítica, entende-se que na relação analítica é necessário um investimento por parte do analisante. Esse investimento, segundo a teoria, dirá diretamente sobre o sintoma do analisante e o dinheiro fará parte da composição erótica de todo o sujeito O pagamento é essa forma de perda do narcisismo onde o sujeito paga com o que para dar lugar à falta em ser. O muito pouco que cobremos pode ser o muito caro que o analisante pague” (VIVIANI, 2014, p. 66). Porém, surgem as dúvidas: por quê necessariamente esse pagamento tem que ser feito através do dinheiro? O dinheiro tem valor simbólico, então por que não mediar através de outros valores? O investimento de tempo e disponibilidade do analisante seria diferente? Essas são questões que rondam a prática desse e de outros coletivos, que buscam desdogmatizar a ideia de que a relação analítica só pode ter uma troca simbólica a partir do dinheiro. São questões essas que orientam a discussão proposta por este estudo, assim como a própria atuação da clínica, em relação ao pagamento da análise.  

O analista está ali na relação analítica após o estabelecimento da transferência somente como um semblante do objeto de desejo do analisando, o objeto a. Em seu texto, a Direção do tratamento e os princípios do seu poder, Jacques Lacan (1958/1966), afirma que o analista paga com as palavras na interpretação, paga com sua pessoa na transferência e paga com seu juízo íntimo no plano do ser. Existe assim, também um pagamento por parte do analista. Algumas questões surgem em relação a prática da psicanálise, como se existe o analista fora da análise, se pode um analista pode ser um militante. E se um coletivo de psicanálise pode, também, ser considerado militante. Antes de sanar estas questões, é preciso, realizar uma diferenciação entre a clínica e o coletivo.

Como foi apontado acima, a clínica psicanalítica parte de uma ética, ética do inconsciente, existe a escuta de uma singularidade, de significantes que representam somente aquele sujeito para outros significantes. Dito isso, não seria possível militar pautas políticas dentro da clínica ou reforçar identidades sem quebrar a ética, já que, inclusive, estaríamos universalizando um sujeito que não é universal - há analistas que afirmam a prática da psicanálise como uma prática de desidentificação, discussão essa que será abordada no final deste artigo. Contudo, os analistas não estão fora da sociedade, como pontua Eric Laurent.

Os analistas precisam entender que há uma comunidade de interesses entre o discurso analítico e a democracia, mas entendê-lo de verdade! [...] O analista, mais além das paixões narcísicas das diferenças, tem que ajudar, mas com os outros, sem pensar que é o único que está nessa posição. Assim, com os outros, há de ajudar a impedir que, em nome da universalidade ou de qualquer universal, seja humanista ou anti-humanista, esqueça-se a particularidade de cada um. Esta particularidade é esquecida no Exército, no Partido, na Igreja, na Sociedade analítica, na saúde mental, em todas as partes. É preciso recordar que não há que se tirar de alguém sua particularidade para misturá-lo com todos no universal, por algum humanitarismo ou por qualquer outro motivo. (LAURENT, 1999, p. 09)

Nesse sentido, os analistas, não fogem de sua ética ao se posicionarem criticamente fora do contexto analítico. Uma vez que os sujeitos que são escutados na clínica são atravessados pela política e pelos fatores sociais que dela emergem, não há possibilidade da clínica ser apolítica. Deve-se, então, incidir sobre essas questões, defender uma sociedade antifascista, antirracista, antimachista e contra todas as formas de opressões, mais ainda em tempos onde essas posturas autoritárias e excludentes estão no início de uma possível normalização. Tendo essas considerações em vista, a concepção do coletivo vai de encontro em entender este grupo e os outros do mesmo segmento como movimentos sociais e seus participantes como militantes em diversos âmbitos.

Outro aspecto importante de discussão acerca da Clínica foi o uso do significante periférico no nome do coletivo e seus possíveis desdobramentos. Em um contexto no qual o acesso ao atendimento psicanalítico é comumente atrelado àqueles que têm poder aquisitivo para bancar os atendimentos, notou-se a relevância deste significante como ponto de interação com a própria periferia. Durante os atendimentos do coletivo foi analisado que esse significante qualquer - “periférica” - teve uma função de estabelecimento da transferência. Algumas falas apontavam para esta identificação, sendo direcionadas para uma maior familiaridade ou conforto em trazer suas questões para um grupo que se posiciona dessa forma.  Esses fragmentos de discursos apareceram no setting analítico e nas redes sociais, levando o coletivo a se questionar o que isso poderia significar.

Duas hipóteses, então, foram levantadas, mesmo que antagônicas. Uma que se relaciona com um apontamento do início do estabelecimento da transferência, que ocorreria mesmo antes do encontro com o analista. E outra, em um sentido menos inovador, que esta transferência iniciaria de fato somente no setting analítico. Posto isso, essas relações mediadas por esse significante “periférica”, frente a esse modelo de clínica, devem ser pensadas de forma distinta em relação ao manejo de transferência. Cabe dizer, ainda, que as nuances dessa clínica levam a uma revisão constante da prática e suas ferramentas.

Outro comentário sobre o significante periférico é importante ser feito, além de ser um significante, periférico também pode ser visto como uma identidade, uma identidade que atravessa diariamente os sujeitos que chegam na clínica. As lutas de classes, opressões sofridas, exclusões sociais, a participação em movimentos sociais, são demandas que são escutadas, mostrando que não é possível realizar uma separação entre o sujeito social e o sujeito do inconsciente. Portanto, fica explícito aqui, a importância de se ouvir também nas singularidades os atravessamentos do identitarismo, e o quanto isso configura de forma dinâmica as demandas apresentadas na clínica.

A Clínica Periférica de Psicanálise havia se planejado para dar início aos atendimentos no começo do ano de 2020, presencialmente na Ocupação Cultural Mateus Santos, da Zona Leste de São Paulo, com o objetivo de ocupar fisicamente o território, criando também um espaço simbólico para a integração do coletivo com o espaço vivo aos arredores da ocupação. Entretanto, no final do ano de 2019 a Organização Mundial da Saúde (OMS) fez um comunicado sobre o surgimento de uma nova mutação de um vírus zoonótico surgido na província de Wubei, cidade de Wuhan na China (Chinazzi et al., 2020; Tabari, Amini, Moghadami e Moosavi, 2020). Pouco tempo depois o mundo foi surpreendido pela crise sanitária ocasionada pelo COVID-19, no qual foi decretada situação de pandemia. De forma geral, grande parte dos países de todo o mundo passaram a tomar medidas para se proteger do vírus, entretanto o impacto causado em cada nação foi diferente.

No caso do Brasil, é possível questionar a postura do seu atual presidente, tendo em vista que logo no início da pandemia chegou a afirmar publicamente que a mídia estava superdimensionando a gravidade do vírus. No dia 24 de março, havendo 10 mortes pela doença, em um de seus pronunciamentos, Bolsonaro afirmou que o vírus nada mais era do que uma “gripezinha”, “resfriadinho” em crítica ao fechamento dos comércios e escolas no país.[6] E foi frente a este cenário incerto que nós, da Clínica Periférica de Psicanálise, decidimos dar início às nossas atividades online e somente para trabalhadores da saúde, tendo em vista que estavam na linha de frente do combate ao COVID-19.

Apesar do atravessamento da pandemia, este não foi o causador de maior sofrimento psíquico escutado na clínica como um todo. Como dito anteriormente, as práticas de combate ao vírus adotadas pelo governo foram pouco eficientes, fato este que escancarou a desigualdade social no país. Os fatores que se mostraram mais frequentes na queixa dos sujeitos que passaram pela clínica foram em relação à estrutura de opressão social, principalmente racial e de gênero. Em sua maioria, essas questões eram nomeadas pelos analisandos, entretanto, houveram casos que foi necessária uma discussão em grupo, de forma a delimitar propriamente um direcionamento de análise, que possibilitasse a significação desses sofrimentos. Situações essas que expuseram, a ainda inabilidade ou insuficiência da psicanálise em lidar com questões que fogem à margem do singular.  

Dados mundiais estimam que uma em cada três mulheres já vivenciaram algum tipo de violência de gênero no decorrer de sua vida (ARRUZZA; BHATTACHARYA; FRASER, 2019). E o Brasil é o quinto país que mais comete feminicídio no mundo.[7] A partir das discussões de caso e levantamento de algumas queixas que iam de encontro com essa estrutura opressora, foi possível notar, ainda, algo apontado por Lélia Gonzalez como “duplo fenômeno do racismo e sexismo” (GONZALEZ, 1983, p. 224) , que atravessa mulheres negras justamente por sua posição social inferiorizada tanto em termos do gênero, quanto da raça.

Por isso, a gente vai trabalhar com duas noções que ajudarão a sacar o que a gente pretende caracterizar. A gente tá falando das noções de consciência e de memória. Como consciência a gente entende o lugar do desconhecimento, do encobrimento, da alienação, do esquecimento e até do saber. É por aí que o discurso ideológico se faz presente. Ji a memória, a gente considera como o não-saber que conhece, esse lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita, o lugar da emergência da verdade, dessa verdade que se estrutura como ficção. Consciência exclui o que memória inclui. Daí, na medida em que é o lugar da rejeição, consciência se expressa como discurso dominante (ou efeitos desse discurso) numa dada cultura, ocultando memória, mediante a imposição do que ela, consciência, afirma como! verdade. Mas a memória tem suas astúcias, seu jogo de cintura; por isso, ela fala através das mancadas do discurso da consciência. O que a gente vai tentar é sacar esse jogo ar, das duas, também chamado de dialítica. (GONZALEZ, 1983, p 226)

        As mulheres atendidas falavam de uma posição social que era atravessada por um sofrimento racial que andava em conjunto com questões de classe e uma hiperssexualização de seus corpos, assim como fora apontado por Gonzalez.

Como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra. Numa primeira aproximação, constatamos que exerce sua violência simbólica de maneira especial sobre a mulher negra. Pois o outro lado do endeusamento carnavalesco ocorre no cotidiano dessa mulher, no momento em que ela se transfigura na empregada doméstica. E por aí que a culpabilidade engendrada pelo seu endeusamento se exerce com fortes cargas de agressividade. É por aí, também, que se constata que os termos mulata e doméstica são atribuições de um mesmo sujeito. A nomeação vai depender da situação em que somos vistas. (GONZALEZ, 1983, p 228)

Mas, foi notado, ainda, uma dificuldade na percepção e nomeação deste sofrimento social. Onde alguns discursos vinham acompanhados de culpa e responsabilização pelas discriminações vindas do Outro. Além de relatos de direcionamentos de análise e interpretações de outros profissionais da psicanálise e/ou saúde, deixando claro que suas escutas não estavam atravessadas por conhecimentos que pudessem estruturar a percepção de uma opressão racial. Gonzalez (1983) destaca que o racismo é estabelecido como um sintoma constituinte da neurose cultural brasileira, juntamente com o sexismo acarreta em efeitos violentos principalmente para mulher negra. É necessário salientar a importância de uma escuta qualificada por parte dos analistas para que não ocorra uma psicopatologização do sofrimento político. Em uma clínica ética é preciso saber ceder a escuta de forma a saber diferenciar as nuances do sofrimento psíquico e político dos pacientes.

Como dito anteriormente, há uma certa dificuldade na nomeação do racismo, que podemos atribuir ao mito da democracia racial, onde, segundo Gonzalez (1983), há uma falsa percepção, no Brasil, que não há racismo, que é relacionado, inclusive, como um racismo velado. Uma vez que, mesmo no país do ocidente que aboliu a escravidão por último[8], em um país que houve um projeto eugenista de embranquecimento da população em gerações[9] não é discutido o racismo na educação, nada é discutido como um todo, tão pouco são feitas políticas públicas de reparação social.  E esse apagamento da possibilidade de uma consciência racial gera uma alienação de sua própria posição social, assim como os sofrimentos advindos dela.     

ARTICULAÇÕES ENTRE PSICANÁLISE E O CONTEXTO SÓCIO POLÍTICO NO BRASIL

Atualmente o fascismo se tornou evidente, mas ainda é um conceito nebuloso. O problema que ronda o fascismo são seus conceitos estéticos, deixando-nos apenas uma visão positivista do mesmo.

O fascismo é comumente conhecido como um movimento político que ocorre durante a primeira e segunda guerra mundial, principalmente em países que sofreram graves crises econômicas e caracterizado por alguns predicados como o autoritarismo, corporativismo, nacionalismo, militarismo, figura carismática, nação una contra uma oposição, excluindo as diferenças de classes. O problema nestas afirmações já fora acentuado acima, que é a falta dos fenômenos históricos.

Então passamos a dispor sobre o que seria o fascismo e como ele dialoga com a situação brasileira atual. Temos que deixar evidente que a presença de características clássicas do que é denominado fascismo não é, por si só, suficiente para enquadrar um sistema como fascistas, pois é possível encontrar um sistema que partilhe de tais características e não ser tachada como fascistas, ou, um sistema fascista que não compartilhe de todas essas características, como é o caso do Brasil atual.

Então, recorrendo ao materialismo, é possível observar que os países que aderiram ao fascismo o fizeram por causa da falência da democracia em resolver os problemas sociais. Quando a democracia burguesa não encontrou uma saída para a crise econômica e política. A Itália que, aguardando promessas financeiras e territoriais futuras estabelecidas pelo Tratado de Londres em 1915, não obteve indenizações com as milhões de perdas e o retorno de soldados a um local sem um estado de bem estar.

Tão logo encerrado o conflito, produziu-se um descontentamento generalizado em razão de o verdadeiro espólio de guerra recebido estar muito aquém das expectativas italianas. Esta herança mal digerida pelos promotores da presença italiana no conflito foi resumida pelo poeta D’Annunzio em poema no qual aludia à “vitória mutilada”, e à humilhação sofrida por toda uma geração de jovens combatentes. (GONÇALVES, 2009, p 883)

Neste cenário de descontentamento, somado às debilidades do sistema parlamentar italiano que era, em si, um Estado fraco, foi palco de um governo que representava apenas os interesses fundiários e industriais que estavam em permanente disputa de medidas financeiras e leis que pudessem aproveitar.

Da noite para o dia, adversários podiam ser transformados em aliados mediante suborno direto ou indireto – razão da designação pejorativa “transformismo” ser aplicada ao sistema. [...] Desenvolveu-se um sistema de “clientelismo”, no qual os políticos prometiam empregos aos eleitores e seguidores, proteção e um constante fluxo de dinheiro público. Esse tipo de proteção pessoal dificultou o desenvolvimento de partidos políticos modernos e centralizados (GONÇALVES apud SASSON, 2009, p 883).

É no cenário crônico de crise social e política que, através do desdobramento de violência que o fascismo foi aderindo adeptos das zonas rurais e nas classes médias urbanas, elegendo o esquerdismo e o socialismo como responsáveis pelas mazelas da Itália. Foi, então, que na aproximação com os liberais e nacionalistas de direita que ocorreu o crescimento do fascismo.

Em termos eleitorais, o fascismo não fora um grande sucesso. A primeira eleição de que participaram, em 1919, revelou-se um desastre. [...] Os fascistas saíram-se um pouco melhor na eleição de maio de 1921, mas só porque estavam integrados ao bloco nazionale de Giolitti, juntamente com liberais e nacionalistas de direita. Não se pode dizer que Mussolini fora levado irresistivelmente ao poder numa onda de apoio eleitoral (GONÇALVES apud SASSON, 2009, p 881)

Uma vez que consegue chegar aos holofotes eleitorais, os programas fascistas visam cada vez mais o clamor público, com promessas de programas que visam estabilizar e prosperar a Itália.

Que boa parte do programa preliminar fascista visando recuperar e estabilizar a Itália depois da tremenda crise gerada pela primeira guerra, tinha pontos assemelhados, para mais ou para menos, com alguns itens do conteúdo programático de correntes liberais e socialistas. [...] o programa dos fasci não era abertamente de direita, pois encampava uma série de reivindicações que fugiam aos programas nitidamente conservadores, como, por exemplo: extensão do sufrágio às mulheres, recuo da idade de voto para 18 anos, abolição do Senado, salário mínimo, jornada de trabalho de 8 horas, representação dos trabalhadores nas empresas, imposto sobre a riqueza, confisco de bens da Igreja, imposto especial sobre os lucros da guerra (p. 63-64). (GONÇALVES, 2009, p 882)

A promessa de reestruturar o país foi o que alavancou finalmente a ascensão de Mussolini ao posto de primeiro ministro, os liberais não o receberam com entusiasmo, buscaram limpar sua barra e não se associar ao fasci, mas houveram setores que adesão implícita, tornando-os cúmplices, seja por omissão ou por engajamento.

Assim, quando Mussolini assumiu, ouviu-se um coro de aprovação, oscilando entre o franco entusiasmo (os nacionalistas e a direita em geral) e a aceitação resignada do fato como um mal necessário (os liberais)” (p. 145). Isto é, antes Mussolini, do que a esquerda. (GONÇALVES apud SASSON, 2009, p 885)

Para associar o cenário fascista da Europa com o Brasil atual, é necessário recordar o cenário econômico brasileiro e o estopim da atual crise. Ao longo dos governos de Lula, ocorreram dois fatores significativos: As relações comerciais sino-brasileiras crescem rapidamente, onde em 2002 a China era o terceiro maior país comercial do Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos e Argentina, respectivamente. Em 2008, a China ultrapassou a Argentina e em 2009 tornou-se o principal parceiro comercial, ultrapassando os Estados Unidos de acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC, 2009). (MORTATTI, C. M; MIRANDA, S. H. G de; BACCHI, M. R. P, 2011).

Com a inserção da China como país membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001 e principalmente, pela rápida industrialização que o país passava, a China passou a comprar commodities brasileiros, “sendo que, em 2007, cerca de 71,17% dos produtos foram matérias-primas vegetais e minerais” (MORTATTI, C. M; MIRANDA, S. H. G de; BACCHI, M. R. P, Apud Comtrade, 2011).

Com a relação, houve uma expansão significativa no preço dos commodities internacionais. A China, na época, principal investidora brasileira, impulsionava o país, sendo que em 2011 as exportações brasileiras alcançaram um valor recorde de 256 bilhões de dólares, que foi, na época, 14% do PIB Brasileiro. [10]

Se faz necessário levantarmos o cenário chinês e como o mesmo impacta a gestão Lula, pois, quando assume o cargo de presidente da república, adotou consigo uma dívida líquida que representava 64% do PIB, sendo necessário manter a política econômica adotada por FHC no governo anterior e utilizar as taxas de juros básicos a fim de conter a inflação, além de manter o acordo firmado com FMI (SILVA, apud Rezende. 2018) A relação sino-brasileira foi crucial para o país contornar a crise do governo anterior de FHC e do Plano Real e responsável pelo superávits na balança comercial.

O segundo fator a ser destacado foram os programas sociais desenvolvidos como Bolsa Família, Prouni, Luz para Todos e, finalmente, a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007.

O PAC previa investimentos da ordem de 503,9 bilhões de reais até o ano de 2010 e dentre as principais medidas do Programa, podemos destacar a desoneração tributária para alguns setores, estímulo ao financiamento e crédito e medidas de melhoria do ambiente de investimentos. (SILVA, 2018, p. 33)

O PAC tem importância significativa para o aumento da oferta de emprego, geração de renda, investimentos público e privado, além de aliviar o período da crise financeira de 2008 e 2009, garantindo emprego e renda aos brasileiros. Outro fator que devemos destacar no período da crise financeira de 2008 e 2009 é a expansão do crédito no País junto ao BNDES, onde em dezembro de 2010 o volume de crédito representava 45,2% do PIB do País (SILVA, apud MORA, 2018).

Paralelamente à expansão do crédito, ocorreu no Brasil um aumento da produção e da venda de automóveis no mercado interno. Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), no período de 2004 e 2010, o crescimento da frota doméstica ficou acima de 19 milhões de veículos. (SILVA, 2018, p. 37)

Com as medidas tomadas ao longo dos dois mandatos de Lula, o Brasil passou por melhorias nas condições sociais, entre elas estão destacadas a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que saltou de 0,65 em 2000 para 0,69 em 2010; aumento da renda per capita em 1,5% ao ano e a ingressão de milhares de brasileiros a chamada “Classe C”, representado por 50% da população em 2011 por conta de políticas de democratização como os créditos consignados (SILVA, apud GIAMBIAGI. 2018).

Em 2010, Dilma Rousseff assumiu o cargo de presidente da república e, com certa estabilidade econômica, buscou novos métodos de manter os projetos sociais planejados no governo anterior. A partir de 2011/2012 o governo incorpora diretrizes econômicas conhecidas como Nova Matriz Econômica (NME) que de acordo com Barbosa Filho (2017) descreve as NME como

[...] políticas de forte intervenção governamental na economia que combinaram política monetária com a redução da taxa de juros e política fiscal com dirigismo no investimento, elevação de gastos, concessões de subsídios e intervenção em preços. (FILHO, 2017. p 52)

Com políticas monetárias aplicadas no período de 2012 houve uma redução na taxa de juros básica, entretanto, o período de inflação e da taxa Selic estavam em altas, ocasionando uma aceleração no processo da inflação. Neste mesmo período, a Petrobrás passava por um projeto ambicioso para o investimento e exploração do pré-sal e na área de refino. (FILHO, 2017).

Os investimentos não deram certo, neste período a dívida pública sobe de 1 em 2010 para 4,6 em 2015. As intervenções e investimentos errôneos geraram uma queda no PIB, segundo Filho (2017), o cenário brasileiro no exterior já era de um país risco para investir

A conjunção de um déficit primário crescente, com uma dívida em trajetória explosiva, elevou de forma substancial o risco Brasil. De fato, a NME gerou um descolamento do risco país em relação ao do México, por exemplo, a partir de 2012. Essa elevação do risco país implica elevação da taxa de juros real de equilíbrio doméstico. O descolamento do risco da economia brasileira [...] foi acentuado na crise de sustentabilidade da dívida de 2015. (FILHO, 2017. p 54 - 55)

As diminuições das taxas de juros em período de inflação afetaram as famílias brasileiras, o PIB passou a recuar, tornou-se mais difícil a comunicação entre líderes dos setores públicos-privados, assim como, também, de outros partidos e claro os escândalos da Lava-Jato e Petrobras levou o País a uma recessão.

O cenário estava dado, tal qual ocorre com a Itália de Mussolini e Alemanha de Hitler, a incapacidade do Estado de contornar o cenário econômico catastrófico leva ao sistema vigente, o capitalismo, a agir do modo ao qual sua condição material lhe permitiu, que é através de políticas fascistas. O impeachment influenciado por ataques à esquerda e aquilo que ela supostamente é - a conservação dos valores; a figura do líder carismático; palavras de ordem e forte nacionalismo assombram o Brasil desde 2016, período do impeachment, até a nossa época atual.

No interior da política, temos os grupos que se unem em prol de um único discurso – e consequentemente de uma verdade – e suprimem outros discursos. Teremos então, a articulação de duas verdades: a verdade da ideologia (universal) e a verdade do sujeito (particular). É importante ressaltar que o conceito de ideologia aqui utilizado, não é o formulado por Karl Marx, mas sim aquele que se aproxima do conceito de fantasia na teoria psicanalítica. Segundo Zizek (1996) “[...] não existe realidade sem o espectro, de que o círculo da realidade só pode ser fechado mediante um estranho suplemento espectral. [...] o ‘cerne’ pré-ideológico da ideologia consiste na aparição espectral que preenche o buraco do real”. Para a psicanálise, esse suplemento espectral, apresentado por Zizek, é a fantasia fundamental. Assim, Zizek relaciona os dois conceitos (fantasia e ideologia), consistindo naquilo que daria moldura à realidade do sujeito.

A ideologia, enquanto verdade, seria a busca de uma existência do impossível a partir do necessário, onde a verdade que, para a psicanálise, é considerada incompleta e localizada em um campo relacional, se tornaria imutável e completa:

Ela atua como operador de incorporação de um local como global. Ela (ou a fantasia, nos termos de Zizek) é o cruzamento impossível do singular com o universal, constituindo um lugar não apenas efêmero, mas de localizado em relação ao saber, e, portanto, não apreensível por nenhuma particularidade estabelecida. (NETO, 2014, p. 190).

Assim, a ideologia é necessária para viabilizar a existência do sujeito, como resposta a impossibilidade do real – nos aproximando assim dos três registros lacanianos: real, simbólico e imaginário, visto que, para Zizek (1996), a ideologia pode ser identificada na dimensão do imaginário (utopia), do simbólico e do real (como uma resposta ao gozo presente no laço social). Contudo, a política, por meio do capitalismo, nega a necessidade de um ponto de existência do sujeito, opondo-se às ideologias. Ela faz isso através de uma opressão, que é a imposição para o ser, que temos que abandonar qualquer ideal que tenha estatuto de verdade que não seja submetido ao próprio capital, nivelando tudo na simetria de opiniões.

Quando se pensa e produz sobre a conjuntura atual da política brasileira, sua relação com a psicanálise e os efeitos que podem causar na sociedade, em alguns casos, tem se construído opiniões que acabam levando a uma análise superficial dos acontecimentos - tal como a concepção ingênua de que somente a educação mudaria o cenário brasileiro -, deixando de realizar assim uma leitura mais ampla sobre o tema, como por exemplo, o fato que, segundo os levantamentos das pesquisas, a maioria dos eleitores de Bolsonaro tem educação de ensino superior. Não formando deste modo, um pensamento que analise como os discursos da extrema-direita estão sendo escutados, sustentados e captados por essas pessoas e sua relação em uma perspectiva materialista acerca do sujeito e a linguagem.

A psicanálise não é apenas um método de tratamento de afecções psicológicas, mas também um método investigativo que pode ser articulado socialmente. Então, em vista disso, precisamos nos atentar aos movimentos e deslocamentos que ocorrem em nossa sociedade, especialmente no campo político. Nosso objetivo é colaborar para pensar e trazer à tona este tema que, primeiramente, possibilita fazer com que a psicanálise contribua com seu compromisso social, conforme Freud sugeriu na Conferência de Budapeste em 1918, através da ampliação de seus campos de informações e análise, sobretudo com relação aos sujeitos de baixa renda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

        

Com os apontamentos feitos, evidenciam-se as lacunas encontradas na prática de uma clínica que se propõe a subverter lógicas vigentes dentro uma escola consagrada em seus conceitos - a psicanálise, isso, em um primeiro plano, indica que todo saber envelhece, torna-se antiquado. E que distante do seu contexto histórico e territorial, o fazer psicanalítico se enfraquece e corre o risco de se propor a fazer aquilo que em sua base busca dissolver: que é a ideia positivista de completude una, buscando um enquadramento universal para um sujeito inconsciente não universalizável.

 A Clínica Periférica de Psicanálise tem seu espaço demarcado em duas frentes principais: a clínica que atende um recorte específico de população, e a militância, por hora exclusivamente virtual, travando debates e propondo reflexões aos seus leitores e participantes. Essas frentes se distinguem em suas éticas de atuação, tendo ficado claro no texto que esse processo está em constante revisão pelo dinamismo ao qual o grupo escolheu praticar na parte literária e com elaborações de novos sentidos.

Com o atual contexto político do país, o que outrora fora motivo causador de surgimento do grupo, hoje é causa de manutenção e avanço em uma frente mais incisiva e combatente, almejar a democratização de um saber privilegiado é traçar um caminho sem uniformidade e com desafios inéditos. Isso requer diálogo e aproximação com seus agentes de causa, que são os próprios acadêmicos e, principalmente, os periféricos, para tornar possível uma prática integradora que deixe de reproduzir estigmas e consiga se atualizar de forma contextualizada. Para isso será necessário um trabalho de base que considere todas as falas importantes e nenhum conceito irrefutável, o que se propõe, dessa forma, é que caiam os ídolos e disso cresça um coletivo, maior do que a Clínica de Psicanálise Periférica, um coletivo de ideias múltiplas e comprometidas com um fazer que não reproduza os males da sua época e os das épocas passadas.

REFERÊNCIAS

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ZIZEK, Slavoj. Um Mapa da Ideologia. São Paulo: Contraponto, 1996.

Revista Desenvolvimento Social, vol. 26, n. 2, jul/dez, 2020

PPGDS/Unimontes-MG       


[1] Graduado em Psicologia. Psicólogo clínico hospitalar, particular e integrante do coletivo Clínica Periférica de Psicanálise. E-mail: g.martinslessa@hotmail.com. ORCID: 0000-0002-5152-3640

[2] Graduada em Psicologia. Psicóloga em consultório particular e integrante do coletivo Clinica Periférica de Psicanálise. E-mail: isabelazeato@gmail.com. ORCID: 0000-0002-1763-2296.  

[3] Graduado em Psicologia. Psicólogo Clínico. E-mail: joao.ga@hotmail.com. ORCID: 0000-0002-6968-8515

[4] Graduado em Psicologia. integrante do coletivo Clinica Periférica de Psicanálise. E-mail: pablo.que@hotmail.com.  ORCID: 0000-0001-9140-7591

[5] Graduada em Psicologia. Psicóloga em consultório particular e integrante do coletivo Clinica Periférica de Psicanálise. E-mail: yasmingomes.psi@gmail.com ORCID: 0000-0002-1135-6163

[6] Relembre frases do Bolsonaro sobre o COVID-19. BBC News. Jul. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53327880.  Acesso em: 17 nov. 2020.

[7] CUNHA, Carolina. Feminicídio - Brasil é o 5° em mortes violentas de mulheres no mundo. Uol. Disponível em: https://www.unifesp.br/reitoria/dci/publicacoes/entreteses/item/2589-brasil-e-o-5-pais-que-mais-mata-mulheres. Acesso em: 17 nov. 2020.

[8] CARNEIRO, Julia. Brasil viveu um processo de amnésia nacional sobre a escravidão, diz historiadora. BBC News, 10 mai. 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44034767. Acesso em: 15 nov. 2020.

[9] FERNANDES, Cláudio. Tese do branqueamento. Uol. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/tese-branqueamento.htm. Acesso em: 17 nov. 2020.

[10] GARCIA, Gisele. Entenda a crise econômica. Portal Agência Brasil. mai. 2016. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-05/entenda-crise-economica. Acesso em: 16 nov. 2020.