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Análise do discurso multimodal de um vídeo com conteúdo matemático
Multimodal discourse analysis in a video with mathematical content
Educação Matemática Debate, vol. 3, núm. 9, pp. 220-235, 2019
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos


Recepción: 20 Julio 2019

Aprobación: 21 Agosto 2019

Publicación: 01 Septiembre 2019

DOI: https://doi.org/10.24116/emd.v3n9a01

Resumo: O papel educativo das mídias digitais se destaca no cenário atual do qual os vídeos sobressaem pelo estímulo aos sentidos na produção de conhecimento, levando à uma nova forma de conhecer. Nesse contexto, a pesquisa apresentada neste artigo analisa como estudantes realizam intersemioses ao expressarem ideias matemáticas em vídeos e o papel da tecnologia nesse processo. As intersemioses são combinações de recursos semióticos e possibilitam expansões semânticas no discurso matemático. A pesquisa foi desenvolvida com licenciandos em Matemática da educação a distância. A metodologia foi qualitativa e a observação participante virtual foi o procedimento utilizado na produção dos dados. A Sistêmico Funcional – Análise do Discurso Multimodal fundamentou a investigação. Este artigo apresenta um recorte da análise de um dos vídeos dessa pesquisa, da qual se conclui que gestos e música combinados com linguagem, simbolismo e imagens possibilitam a transformação do conhecimento pela expansão semântica no discurso matemático digital.

Palavras-chave: Intersemiose, Tecnologias Digitais, Educação a distância.

Abstract: The educational role of digital media stands out in the current scenario, in which videos stand out for stimulating the senses in the production of knowledge, leading to a new way of knowing. In this context, the research presented in this article analyzes how students perform intersemioses by expressing mathematical ideas in videos and the role of technology in this process. Intersemioses are combinations of semiotic resources and enable semantic expansions in mathematical discourse. The research was developed with undergraduate students in distance education mathematics. The methodology was qualitative, and the virtual participant observation was the procedure used in the data production. The Functional Systemic - Multimodal Discourse Analysis based the investigation. This article presents a clipping from the analysis of one of the videos of this research, which concludes that gestures and music combined with language, symbolism and images enable the transformation of knowledge through semantic expansion in digital mathematical discourse.

Keywords: Intersemiosis, Digital technologies, Distance education.

1 Introdução

A presente pesquisa[1]trata de uma proposta que buscou envolver estudantes de um curso de licenciatura em Matemática na modalidade de educação a distância em uma atividade de produção de vídeos digitais sobre conteúdos de Matemática. O incentivo à produção de vídeos por professores em formação teve o propósito de criar um cenário para investigar como acontece a construção de significados a partir da combinação de recursos semióticos, interesse que gerou a pergunta de pesquisa: Como estudantes de um curso de licenciatura em Matemática da educação a distância combinam recursos semióticos ao utilizarem vídeos para expressar ideias matemáticas?

Segundo Jewitt, Bezemer e O’Halloran (2016), recursos semióticos são aqueles modelados ao longo do tempo por comunidades socialmente e culturalmente organizadas para produzir significado. Esses autores afirmam que intersemioses, que são combinações de recursos semióticos, produzem um significado diferente dos significados individuais de cada recurso. A natureza multisemiótica e multimodal (O’HALLORAN, 2011) dos vídeos possibilita que sejam realizadas intersemioses entre recursos como imagens, oralidade, gestos e sons com o propósito de transmitir uma ideia. Essa particularidade respeita a variedade da sala de aula ao permitir que o conhecimento seja expresso em diferentes formatos interligados, assim considerando os diferentes modos de aprender.

Os vídeos estão sendo incorporados em atividades de aprendizagem, como quando estudantes pesquisam na internet para a compreensão de um conceito que não foi bem entendido na sala de aula, e em atividades de ensino, como quando professores utilizam vídeos como material de apoio para o planejamento de suas aulas (BORBA, NEVES e DOMINGUES, 2018). Uma busca[2] na plataforma Google com a palavra-chave vídeos de Matemática gerou mais de treze milhões de resultados, o que pode indicar que o conhecimento matemático está cada vez mais sendo expresso por meio do vídeo.

Para Moran (2013), o uso de tecnologias incentiva metodologias participativas, porém isso acontece de forma lenta no panorama educacional, ao contrário do modo com o qual o mundo digital afeta outros setores da sociedade. Os desafios relacionados ao uso de tecnologias nas aulas de Matemática não são poucos, começam com problemas de infraestrutura das escolas e chegam à lacuna deixada na formação dos professores para a elaboração e realização de atividades com tecnologias. Contudo, teóricos afirmam que “o desenvolvimento cognitivo e a construção do conhecimento são aspectos humanos influenciados pela relação do sujeito com as tecnologias disponíveis” (GINO, MILL e NAGEM, 2013, p. 296), o que justifica o esforço para introduzir tecnologias no cenário educacional, considerando a sua integração nas atividades pessoais e profissionais.

A produção de vídeos com conteúdo matemático surge como uma forma de introduzir tecnologias digitais na sala de aula de Matemática. A possibilidade de combinar diferentes recursos semióticos em uma síntese estética e lógica, a fim de expressar ideias, pode potencializar o discurso matemático viabilizando a construção e a transformação do conhecimento. Esses pontos conduziram a pesquisa relatada neste artigo.

Laburú, Barros e Silva (2011) entendem que a produção de conhecimento é promovida quando diferentes representações são combinadas para fins didáticos, o que torna essa prática relevante para aprendizagem. Sendo consideradas significativas no contexto educacional, essas questões foram relacionadas nesta pesquisa ao papel do professor de Matemática, o que definiu um curso de licenciatura em Matemática como cenário de investigação. As experiências vivenciadas pelos licenciandos em sua formação determinam a extensão da mudança que os seus futuros alunos experimentarão na prática (ONUCHIC e ALLEVATO, 2009).

Com esta pesquisa buscou-se viabilizar reflexões em torno da produção de vídeos com conteúdo matemático entre os estudantes envolvidos, favorecendo a discussão conjunta, o compartilhamento de conhecimentos matemáticos e a interação entre os envolvidos diretamente na pesquisa. A experiência de produção de vídeos com conteúdo matemático proposta dentro dos limites do ambiente virtual conduziu à análise do recurso audiovisual avaliando o seu caráter multisemiótico e multimodal, assim como as possibilidades de sua inserção na prática pedagógica. O significado das combinações ou intersemioses de recursos semióticos na apreensão de conceitos à luz da Sistêmico Funcional – Análise do Discurso Multimodal (JEWITT, BEZEMER e O’HALLORAN, 2016) e sua possível potencialização pelo uso de vídeos digitais é a principal dimensão de interesse vinculada à questão de pesquisa aqui apresentada.

2 A Abordagem Sistêmico Funcional - Análise do Discurso Multimodal

A Teoria Sistêmico Funcional (TSF) é uma teoria de significado que tem seus princípios fundamentais aplicáveis ao estudo da linguagem e de outros recursos utilizados para criar significados (JEWITT, BEZEMER e O’HALLORAN, 2016). Isso significa que os estudos da TSF exploram os modos em que a linguagem e outros recursos não linguísticos, como imagens, objetos tridimensionais, gestos, vestuário, música, som e espaço, criam significados como recursos individuais e como sistemas inter-relacionados.

A Sistêmico Funcional — Análise do Discurso Multimodal (SF – ADM) é uma vertente da TSF e busca entender e descrever as funções de diferentes recursos semióticos como sistemas de significados, além de analisar os sentidos que chegam quando escolhas semióticas são combinadas em fenômenos multimodais (O’HALLORAN e LIM FEI, 2014). As principais noções da SF-ADM são as ideias de fenômenos ou eventos multisemióticos e multimodais, funções e sistemas as quais têm base nos recursos semióticos, apresentados por Jewitt, Bezemer e O’Halloran (2016, p. 15) como “recursos modelados ao longo do tempo, por comunidades socialmente e culturalmente organizadas, para produzir significado”. O’Halloran (2011) explica que o panorama semiótico consiste em objetos e eventos que são monosemióticos, quando envolvem apenas um recurso semiótico, ou multisemiótico, quando compreende dois ou mais recursos semióticos. Esses recursos podem ser materializados e integrados por meio das modalidades visual, auditiva e somática, esta última se refere à uma representação concreta do recurso. Os eventos podem envolver uma modalidade ou mais de uma modalidade, sendo nomeados de monomodais ou multimodais, respectivamente.

A noção de Função está relacionada à ideia de que recursos semióticos são ferramentas multifuncionais que são articuladas para produzir significado. Os recursos ao interagirem nas práticas comunicativas desempenham quatro metafunções fundamentais que decorrem do contexto em que a interação ocorre. Barbara e Macêdo (2009) afirmam que as metafunções são a base para a análise de como os significados são criados e estabelecem relações entre as funções e os tipos de estrutura das mensagens. Essas metafunções são experienciais, relacionadas às experiências de mundo vivenciadas pelo indivíduo; lógica, a qual conecta logicamente acontecimentos no mundo; interpessoal, que corresponde às relações sociais e atitudes expressas pelos indivíduos na comunicação; e textual, que organiza as informações provenientes das interações.

As metafunções se manifestam de forma simultânea na estrutura da mensagem para a comunicação de acordo com o contexto e os recursos semióticos atendem às quatro metafunções, mas não de maneira uniforme, o que significa que uma imagem não estrutura e ordena o mundo do mesmo modo que a linguagem. No entanto, o significado produzido em um fenômeno multimodal é derivado da integração das diferentes competências metafuncionais dos recursos envolvidos.

A noção de Sistema está relacionada aos sistemas de significados, os quais são organizados em termos das escolhas sistêmicas que são mapeadas para a estrutura do recurso (JEWITT, BEZEMER e O’HALLORAN, 2016). Santos (2014) explica que, no caso da linguagem, por exemplo, os textos consistem das escolhas e da organização de significados realizadas nas dimensões paradigmática e sintagmática, respectivamente.

Na SF-ADM, as metafunções são adotadas para cada recurso semiótico envolvido no fenômeno multimodal, além disso, cada um possui seu próprio sistema de significado, unidade de análise e estrutura (JEWITT, BEZEMER e O’HALLORAN, 2016). Assim, cada recurso tem sua função individual, na qual o significado é produzido intrasemioticamente e organizado em sistemas gramaticais específicos da função. Quando combinados a partir de escolhas semióticas, os recursos operam intersemioticamente, de maneira que os recursos selecionados levam a um significado diferente da soma dos significados de cada recurso utilizado na intersemiose.

Para O’Halloran (2007), os principais recursos utilizados para a comunicação de problemas matemáticos são a linguagem, o simbolismo e as imagens matemáticas, os quais tem seu potencial semântico otimizado quando são utilizados de forma articulada em fenômenos matemáticos. Segundo essa autora, em uma composição multisemiótica da Matemática, esses três recursos são acessados para construir a realidade matemática, cada um com suas funções. Nesse caso, a linguagem matemática tem seu uso relacionado à reflexão sobre os resultados matemáticos em um discurso de argumentação em que os processos matemáticos são relatados e interpretados; o simbolismo matemático estabelece relações entre conceitos e operações matemáticas, obtendo resultados a partir de uma organização a qual mantém variáveis e configurações de operações por meio do uso de símbolos e convenções específicas; as imagens permitem a visualização das relações estabelecidas entre conceitos e operações matemáticas e tornam possível a visualização do fenômeno matemático como um todo e de suas partes.

A linguagem, o simbolismo e as imagens matemáticas se manifestam em fenômenos matemáticos a partir de composições multisemióticas que agregam características de cada recurso realocando-as de forma que suas particularidades se estendam possibilitando que o significado dos fenômenos seja reformulado. A combinação dos recursos pode resultar em uma recontextualização, em que um novo significado surge dada uma mudança de contexto, ou em uma ressemiotização, com a modificação do tipo de recurso semiótico em que se apresenta o conceito matemático no fenômeno multimodal (IEDEMA, 2003; O’HALLORAN, 2015).

Segundo O’Halloran (2011), as intersemioses com a linguagem, o simbolismo e as imagens, auxiliam no raciocínio em Matemática. A combinação desses três recursos com outros como, gestos, músicas, sons e expressões faciais, pode potencializar o discurso matemático, viabilizando expansões semânticas. As expansões semânticas são os significados contextualizados resultantes das intersemioses decorrentes das escolhas semióticas. Essa noção faz referência à expansão do poder semântico obtido pelo uso integrado de recursos semióticos. A abordagem SF-ADM fornece as ferramentas conceituais necessárias para entender como recursos semióticos se integram formando intersemioses para produzir e expandir significados no discurso matemático.

3 O design da pesquisa

A metodologia de pesquisa está relacionada aos caminhos a serem seguidos e aos instrumentos utilizados para a realização da investigação (GOLDEMBERG, 1997) e esses devem estar de acordo com a visão de conhecimento assumida pelo pesquisador (LINCOLN e GUBA, 1985). Com respeito à visão de conhecimento que sustenta essa pesquisa, assume-se que as interações entre seres humanos e tecnologias disponíveis na atividade condicionam a produção de conhecimento (BORBA e VILLARREAL, 2005). Ademais, essas interações promovem realidades múltiplas que exigem das pesquisas que as consideram um design não muito rígido e com abertura para o inesperado (ARAÚJO e BORBA, 2013). Nesta visão as mídias são coautoras do conhecimento. Nova mídia envolvida em um coletivo de seres-humanos-com-mídias que produz conhecimento, nova Matemática, por exemplo.

A SF-ADM valoriza a intersemiose entre recursos semióticos. Aqui mesclam-se as perspectivas, mostrando como o vídeo, um artefato tecnológico, permite novas formas de intersemiose, produzindo significados e um novo conhecimento. É assim que nesse artigo apresentam-se as formas como diferentes linguagens transformam o significado matemático. A pergunta proposta na investigação aqui relatada considera essa visão de conhecimento e reflete o interesse pelo uso dos recursos, como linguagem, simbolismo, imagens, música e gestos em vídeos que tratam de conteúdo matemático e pelas intersemioses na produção de significado nos vídeos.

Na busca por interpretações em torno da interrogação proposta, a saber, Como estudantes de um curso de licenciatura em Matemática da educação a distância articulam recursos semióticos ao utilizarem vídeos para expressar ideias matemáticas?, conferiu-se importância a fatores subjetivos referentes aos sujeitos e que emergiram durante a produção de dados da pesquisa. O ambiente natural, nesse caso, o espaço online, constituiu-se como fonte direta dos dados e um dos pesquisadores envolvidos atuou como um dos instrumentos principais da pesquisa observando e dialogando com os sujeitos no ambiente virtual sobre questões relacionadas ao processo de produção dos vídeos, dados da pesquisa. Esses aspectos caracterizaram a abordagem qualitativa da pesquisa.

A pesquisa foi realizada com 85 estudantes do curso de licenciatura em Matemática da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), na expectativa de proporcionar momentos de reflexões sobre a docência com uso de tecnologias, especificamente, vídeos digitais, neste período de sua formação, em complemento à busca de compreensões sobre a interrogação levantada. A produção dos dados foi realizada com uma turma da disciplina Geometria Analítica II, entre os meses de julho e novembro de 2016 e no ano seguinte uma nova produção de dados foi realizada entre os meses de março e junho de 2017, dessa vez na disciplina Informática Aplicada à Educação Matemática.

Foram produzidos 30 vídeos nas duas disciplinas. Os procedimentos adotados para a produção dos dados tinham foco no acompanhamento da produção de vídeos sobre conteúdos matemáticos. A observação participante virtual, então, se caracterizou como principal procedimento, com discussões promovidas em fóruns do ambiente virtual de aprendizagem do curso. Foi proposto aos estudantes que produzissem vídeos que abordassem conceitos discutidos nas disciplinas, além disso, deveriam participar dos fóruns sobre produção de vídeos a fim de obterem suporte para as produções. Assim, os fóruns virtuais foram elaborados considerando a necessidade de oferecer suporte teórico e técnico para a realização da produção de vídeos pelos estudantes participantes, além de serem uma forma de acompanhamento do processo de produção.

Os diálogos realizados nos fóruns entre os participantes da pesquisa converteram-se em dados transcritos automaticamente, aumentando sua fidedignidade (BORBA, MALHEIROS e AMARAL, 2011). Os estudantes realizaram reuniões para a realização da produção dos vídeos e geraram os roteiros dos vídeos e os relatórios desses encontros, os quais se constituem também como dados da pesquisa, além dos próprios vídeos.

Em resumo, os procedimentos adotados resultaram em três tipos de dados a serem confrontados na análise, a saber, 30 vídeos com conteúdo matemático, transcrições dos fóruns com diálogos sobre o processo de produção, roteiros e os relatórios com as justificativas das decisões sobre a produção dos vídeos. Os dados da pesquisa poderão garantir uma análise mais específica a partir da sua triangulação (BORBA, ALMEIDA e GRACIAS, 2018) o que traz maior credibilidade à pesquisa pelo uso de diferentes fontes.

Esta investigação se refere à análise das intersemioses de recursos semióticos presentes nos vídeos produzidos pelos estudantes participantes quando esses expressam conhecimentos matemáticos. O potencial dessas intersemioses foi analisado a partir do confronto dos dados produzidos sob a luz da abordagem teórica adotada, a Sistêmico Funcional — Análise do Discurso Multimodal. Pelo limite de espaço, será apresentado um recorte da análise de um dos vídeos produzidos na pesquisa.

4 Análise do discurso multimodal no vídeo Uso prático da Geometria Analítica

Na análise dos dados realiza-se o diálogo com as lentes teóricas e com a literatura analisada na pesquisa (BORBA, ALMEIDA e GRACIAS, 2018), para isso os vídeos produzidos pelos estudantes estão sendo confrontados com os outros dados produzidos sob luz da SF-ADM, abordagem teórica que fundamenta a pesquisa. Antes de confrontar os dados, os vídeos foram analisados. A visualização repetitiva possibilitou que suas principais informações fossem descritas em uma tabela, na qual os eventos críticos (SCUCUGLIA, 2012), momentos em que ocorreram intersemioses, foram destacados e transcritos. A visualização dos eventos considerados críticos em formatos variados, como em câmera lenta ou quadro a quadro, viabilizou a realização de interpretações em múltiplas perspectivas, tornando visíveis nuances sutis na fala, assim como nos outros recursos não verbais. Um recorte da análise, segundo a SF-ADM, de um dos vídeos produzidos na pesquisa será apresentado.

O vídeo intitulado Uso prático da Geometria Analítica[3] foi produzido com o intuito de apresentar um uso prático da Matemática. Especificamente, os estudantes do curso de licenciatura em Matemática, modalidade EaD, da UNEB, discutem sobre como a equação da circunferência pode auxiliar na construção de grandes prédios com formato circular.


Figura 1
Acesso ao vídeo Uso prático da Geometria Analítica

O vídeo, que pode ser visualizado a partir do QRcode na Figura 1, apresenta uma aula na qual um dos estudantes justifica o uso da equação da circunferência pela impossibilidade de utilizar o compasso como instrumento em algumas situações. Os estudantes utilizam o termo grandes circunferências para se referirem a prédios com formato circular. Duas imagens de construções com formato circular aparecem acompanhadas de uma música que sugere contentamento. O estudante segue com a aula deduzindo a equação da circunferência, explica dois exemplos para uso da equação e finaliza apresentando um problema para o uso da equação da circunferência. O problema é sobre o cálculo da altura das colunas que sustentam um telhado que possui o formato de uma semicircunferência. No final do vídeo, a imagem de um prédio com telhado em formato de semicircunferência é apresentada. No vídeo foram notados os recursos de linguagem verbal oral e escrita, simbolismo matemático, imagens, música e gestos.

Linguagem verbal oral e escrita

As funcionalidades da linguagem matemática estão relacionadas à contextualização de problemas matemáticos, além de introdução e reflexão sobre os resultados. De fato, no vídeo Uso prático da Geometria Analítica a linguagem oral é utilizada na contextualização da problemática proposta, a qual indica a equação da circunferência como uma solução para estudar grandes circunferências. A linguagem oral foi utilizada para explicar os cálculos que foram realizados, além da reflexão final sobre os resultados do problema da altura das colunas do telhado. A linguagem escrita aparece integrada ao simbolismo matemático nomeando elementos e se apresenta junto às imagens com função explicativa, como mostra a Figura 2.


Figura 2
Uso da Linguagem verbal escrita no vídeo

O discurso pausado, a entonação mediana, o fato de retomar a frase do início quando ocorre um equívoco no que foi enunciado são fatores que mostram que o estudante reconhece a função da linguagem oral no discurso matemático. O encadeamento de definições aparece como uma dificuldade para aqueles que não estão familiarizados com a noção de equação da circunferência. Ao deduzir a equação da circunferência, o estudante cita e utiliza conhecimentos referentes à triângulo retângulo e o teorema de Pitágoras sem explicá-los. Noções consideradas triviais também foram omitidas no uso da linguagem oral, como os significados de centro e raio da circunferência, que foram apresentados na imagem da circunferência, porém não foram definidos de forma generalizada. A linguagem possui características, como as supracitadas, que podem dificultar a compreensão do discurso matemático, mas essas dificuldades podem ser superadas com o uso de outros recursos a partir de sua integração.

Simbolismo Matemático

No simbolismo matemático as variáveis e os processos operacionais são suprimidos para codificar o significado de forma precisa e econômica. Esse recurso aparece inicialmente no vídeo quando o estudante deduz a equação da circunferência no quadro branco. A incorporaçãoé uma estratégia utilizada nesse recurso, a qual envolve a operação de codificação simbólica dentro de outra operação. A equação da circunferência, na forma como foi apresentada no vídeo representa essa característica, visto que possui operações incorporadas, como mostrado na Figura 3.


Figura 3
Incorporação de operações na equação da circunferência

As operações incorporadas na equação da circunferência são obtidas pela resolução da potenciação das diferenças, que fazem surgir outras operações de potenciação, além de multiplicações, adições e subtrações. O simbolismo obedece à uma padronização, além das formas particulares de significados circunstanciais, como foi mostrado no vídeo na solução dos exemplos e do problema proposto. O carácter sofisticado do simbolismo matemático estabelece padrões generalizados para obtenção das soluções de problemas e exibição de resultados matemáticos.

Imagens

As imagens presentes no vídeo fornecem uma descrição das relações matemáticas apresentadas por meio do simbolismo, fornecendo uma base para interpretação e resolução do problema matemático que foi proposto no final do vídeo, como mostra a Figura 4.


Figura 4
Imagens descrevem as relações matemáticas simbólicas

Uma imagem se relaciona com os processos e conceitos matemáticos e representa uma grande quantidade de informações. A representação da circunferência no espaço bidimensional, por exemplo, informa sobre o conjunto solução da equação, o raio, o diâmetro e centro, além de informar em que quadrante do espaço bidimensional a circunferência se encontra. As convenções na apresentação de imagens matemáticas estão relacionadas aos padrões descritos para favorecer o entendimento das relações estabelecidas e apresentadas na imagem. As imagens também são apresentadas no vídeo para validar as afirmações sobre o uso prático da equação da circunferência. No caso das imagens das construções que aparecem no vídeo, elas cumprem a função de relacionar o conteúdo exposto no vídeo com situações reais, validando o objetivo do vídeo.

Música

Segundo Jewitt, Bezemer e O’Halloran (2016), a música não constitui uma realidade a partir de ações facilmente identificáveis, no entanto, quando esse recurso é combinado com a linguagem e com imagens destacam-se a produção dos significados a partir das metafunções (O’HALLORAN e LIM FEI, 2014). Para Sekeff (2007), a música auxilia a percepção, estimula a memória e a inteligência, podendo ainda auxiliar na capacitação de habilidades lógico-matemáticas. Em intersemioses que envolvem música, novas produções de sentido são realizadas em vídeos que tratam de conteúdo didático. No vídeo Uso prático da Geometria Analítica, a música foi apresentada como pano de fundo para as imagens que relacionaram o conteúdo do vídeo com situações práticas reais. A música funcionou na cena relacionando o estado de contentamento ao uso prático da matemática, especificamente, o uso prático da equação da circunferência.

Gestos

A linguagem corporal é uma forma de comunicação não verbal, em que o indivíduo se expressa por meio de sinais como o olhar, as expressões faciais e os gestos. Alibali et al. (2013) afirmam que os gestos dêiticos são evidências da incorporação da cognição matemática pelos gestos. Nos gestos dêiticos, o pensamento matemático é incorporado no ambiente físico. No vídeo, o estudante utiliza os gestos dêiticos para enfatizar elementos da circunferência que não foram definidos, mas foram citados e utilizados na dedução da equação da circunferência, como mostra a Figura 5.

Na dedução da equação, por exemplo, o estudante constrói o triângulo retângulo circunscrito à circunferência de centro (a, b) e considera o ponto (x, y) qualquer na circunferência. Para utilizar o teorema de Pitágoras no triângulo, ele diz que os catetos medem (x – a) e (y – b), mas a justificativa desse fato é feita utilizando os gestos dêiticos quando o estudante aponta para as coordenadas dos dois pontos nos eixos x e y indicando que a medida coincide com a diferença das coordenadas nos eixos.


Figura 5
Gestos dêiticos

A combinação discurso-gestos é altamente efetiva, segundo Goldin-Meadow, Kim e Singer (1999). Esses autores afirmam que as informações adicionais apresentadas na forma de gestos podem ser mais facilmente capturadas, tornando a noção descrita de modo abstrato no discurso mais concreta.

5 Considerações

Na análise dos dados produzidos nos fóruns do ambiente virtual, os estudantes expressaram que a facilidade de relacionar conteúdo matemático com problemas práticos pode ser uma das potencialidades do uso de vídeos nas aulas de Matemática. O grupo de estudantes produtores do vídeo Uso prático da Geometria Analítica tentaram mostrar esse fato apresentando, em meio ao discurso sobre como traçar grandes circunferências, imagens de construções reais com formato circular. Da mesma forma, eles usaram a imagem de um prédio com as características enunciadas no problema sobre o cálculo da altura das colunas de um prédio com telhado na forma de semicircunferência proposto. Esse é um ponto importante da análise do vídeo, visto que a intersemiose resultante da combinação da linguagem oral com as imagens promoveu o efeito que possibilita a expansão semântica com o significado do uso da equação, geralmente relacionado a exercícios de aplicação da fórmula, sendo associado a um problema real.

A intersemiose da música com as imagens das construções rompeu a atmosfera formal instalada no vídeo, visto que se tratava da gravação de uma aula expositiva. A música em conjunto com as imagens do Edifício Guangzhou e do Estádio Nacional de Brasília transportam o espectador para outro ambiente induzindo a sensação de que usar a Matemática em problemas práticos pode ser algo divertido. Destaca-se a característica multisemiótica do vídeo como tecnologia digital, que permitiu a introdução das imagens em cortes realizados nas cenas da aula expositiva, viabilizando a expansão semântica.

A linguagem, o simbolismo e as imagens matemáticas tiveram seu potencial semântico transformado, ao serem articulados com a música e os gestos dêiticos. No vídeo, as funções usuais dos três primeiros recursos foram utilizadas, ou seja, a linguagem foi usada para contextualizar o problema matemático, as imagens gráficas da circunferência e as imagens das construções com formato circular mostraram as relações matemáticas referentes ao conteúdo expressas por meio do simbolismo, principalmente na dedução da equação e a relação do conteúdo com problemas práticos, respectivamente. O simbolismo foi usado para resolver o problema, sendo que a equação foi deduzida a partir da interação da imagem de uma circunferência — com centro, raio e ponto quaisquer — com relações matemáticas e operações. Nessa interação os gestos dêiticos auxiliaram esclarecendo e complementando o discurso manifestado pela linguagem oral, como quando o estudante escreve a equação (x – a)2 + (y – b)2 = R2. e indica apontando para as coordenadas (a, b) do centro da circunferência, para o raio

e para o ponto (x, y) desenhados no quadro. Toda a dedução utilizando a imagem da circunferência com o triângulo retângulo inscrito auxilia no entendimento das relações estabelecidas na equação.

Estudantes e diversas tecnologias geraram um artefato, o vídeo, que se tornou uma parte do próprio coletivo de seres-humanos-com-mídias que o gerou. Esta análise ilustra quais são e como surgem esses recursos semióticos que ao interagirem, dão “novas cores” à Matemática, no sentido de se diferenciar da formalidade usual na expressão de ideias matemáticas. As intersemioses condensadas no vídeo favoreceram a ocorrência de transformações do conhecimento matemático expresso no vídeo quando os gestos recontextualizaram a ideia expressa na linguagem verbal oral, assim como as imagens de construções reais e a música, ao sugerirem que o tópico equação da circunferência se relaciona com aspectos da vida cotidiana em geral não presentes na sala de aula.

A análise aqui apresentada joga luz sobre o fenômeno que está acontecendo em salas de aulas presenciais, virtuais, invertidas: o vídeo exerce, quando exibido e/ou elaborado, uma fascinação e produz um significado que o discurso tradicional da sala de aula do século XX não mais consegue. O vídeo utilizado hoje em dia comumente em ambientes extraescolares começa a ganhar compreensões teóricas sobre a aprendizagem.

Referências

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SEKEFF, Maria de Lourdes. Da música: seus usos e recursos. 2. ed. São Paulo: EdUNESP, 2007.

Notas

[1] Este é um subprojeto da pesquisa “Vídeos Digitais na Licenciatura em Matemática a Distância”, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), nos editais Produtividade em Pesquisa (Processo n. 303326/2015-8) e Universal (Processo n. 400590/2016-6). Uma primeira versão deste texto foi apresentada no XIII Encontro Nacional de Educação Matemática, realizado em Cuiabá (MT), em julho de 2019.
[2] Essa busca foi realizada no dia 22 de março de 2019 e resultou, especificamente, em 13.900.000 vídeos.

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