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Perspectivas na abordagem das medidas de tendência central emergentes da Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky
Perspectives in approaching the central tendency measures emerging from Vygotsky's Historical-Cultural Theory
Educação Matemática Debate, vol. 2, núm. 6, pp. 265-275, 2018
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos


Recepción: 20 Junio 2018

Aprobación: 15 Agosto 2018

DOI: https://doi.org/10.24116/emd25266136v2n62018a04

Resumo: Este artigo tem como objetivo investigar de que maneira a Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky pode contribuir para a reflexão crítica de práticas de ensino das medidas de tendência central nas aulas de Estatística. Para isso, foi realizada revisão bibliográfica e problematizadas algumas abordagens consideradas frequentes no processo de ensino-aprendizagem-avaliação dos conceitos de Média, Moda e Mediana sob a luz de conceitos trabalhados por Vygotsky, objetivando compreender de que maneira a sua teoria pode oferecer uma base sólida de conhecimentos que auxiliem os professores na formulação de suas próprias abordagens para estes conteúdos. Por fim, este levantamento bibliográfico ofereceu indícios de que os professores que ensinam conceitos relacionados à Estatística podem de fato lançar mão de conhecimentos referentes à Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky com intuito de melhorar suas práticas de ensino.

Palavras-chave: Educação Estatística, Teoria Histórico-Cultural, Medidas de Tendência Central.

Abstract: This article aims to investigate how Vygotsky's Historical-Cultural Theory can contribute to the critical reflection of teaching practices of measures of central tendency in the Statistics class. For this, a bibliographic review. Afterwards, some approaches considered frequent in the process of teaching-learning-evaluation of the concepts of Mean, Mode and Median in the light of concepts worked by Vygotsky, aiming to understand how their theory can offer a solid base of knowledge that assist teachers in formulating their own approaches to these contents. Finally, this bibliographic survey provided indications that teachers who teach concepts related to Statistics can actually use knowledge about Vygotsky's Historical-Cultural Theory in order to improve their teaching practices.

Keywords: Statistical Education, Historical-Cultural Theory, Measures of Central Tendency.

1 Introdução

Neste artigo discutimos algumas possíveis abordagens de ensino de medidas de tendência central tendo como base a teoria histórico-cultural de Vygotsky. A discussão destas abordagens nos dará contribuições para que o objetivo deste artigo seja alcançado, qual seja, investigar de que maneira a teoria histórico-cultural proposta por Vygotsky pode contribuir para a reflexão crítica de práticas de ensino das medidas de tendência central nas aulas de Estatística. A partir de leituras das obras de Vygotsky e pesquisadores que trabalham sobre sua perspectiva teórica, refletiremos sobre a maneira como os professores podem ser apropriar dos conhecimentos no âmbito dessa teoria e criar oportunidades para novas abordagens de conceitos estatísticos em sala de aula.

Isto posto, iniciaremos nosso diálogo a partir de uma síntese sobre a vida de Vygotsky em busca de um melhor entendimento sobre o momento histórico e a maneira pela qual se deu a sua produção. Em seguida, será realizada discussão de conceitos fundamentais apresentados em suas obras buscando compreender de que modo estes podem viabilizar diferentes processos de ensino-aprendizagem-avaliação de medidas de tendência central que não aqueles pautados por mera aplicação de fórmulas ou conjunto de procedimentos.

Neste sentindo, discutiremos algumas noções cuja compreensão é de fundamental importância para o desenvolvimento do diálogo aqui proposto, todavia evitando uma abordagem que vise criar uma sequência de palavras com conceptualizações rígidas e conclusivas, o que estaria indo em sentido oposto ao que este artigo é em sua essência: um emaranhado de discussões que intenta permitir que os próprios professores reflitam sobre suas práticas após um contato com alguns conceitos da teoria histórico-cultural de Vygotsky.

Dentre as noções consideradas de grande importância para a discussão presente neste artigo, podemos destacar a ideia de cultura, de interiorização, a noção de mediação, a compreensão do termo histórico da teoria vygotskyana e, finalmente, o entendimento do que se entende por funções psicológicas superiores.

Longe de querer esgotar exaustivamente cada um destes termos em uma sequência bem definida, ressalta-se que a introdução desses ao longo do texto se dará na medida em que estes despontem como necessários para melhor compreendermos uma situação dada.

Por outro lado, cabe ressaltar que estas também não serão as únicas ideias de Vygotsky a serem aqui abordadas, veremos por exemplo que a compreensão da noção de zona de desenvolvimento proximal (ZPD) pode contribuir para as abordagens alternativas para medidas de tendência central, colocando este conceito em posição estratégica no âmbito das principais reflexões a serem aqui desenvolvidas.

Em um segundo momento deste texto, articularemos questões relacionadas à Estatística e à teoria de Vygotsky, mostrando quão úteis suas ideias podem ser ao professor que ensina Estatística e que almeja uma prática dotada de intencionalidade.

Esta articulação terá como eixo norteador a concepção da Estatística enquanto disciplina que ocupa posição privilegiada para a discussão de problemas sociais, em particular no que diz respeito a problemas do contexto histórico-cultural que os estudantes pertencem. Deste modo, cabe ressaltar que estamos partindo do pressuposto de que a Estatística se faz presente no cotidiano de todos nós e constitui um lócus de desenvolvimento da criticidade dos sujeitos.

2 Sobre quem falamos

Lev Vygotsky nasceu em 1896, em Orsha, na Bielorrússia, e faleceu de tuberculose muito precocemente, com apenas 38 anos de idade. Era judeu, de família abastada financeiramente que não teve grandes dificuldades em lhe oferecer ensino de qualidade, tendo realizado boa parte de seus estudos nos primeiros anos de vida por meio da ajuda de tutores pagos exclusivamente para que ele estudasse em casa.

[...] a casa tinha uma atmosfera intelectualizada, onde pais e filhos debatiam sistematicamente sobre diversos assuntos. A biblioteca do pai estava sempre à disposição dos filhos e de seus amigos para a atividade de estudo individual e as reuniões de grupos. Crescendo nesse ambiente de grande estimulação intelectual, desde cedo Vygotsky interessou-se pelo estudo e pela reflexão sobre várias áreas do conhecimento. Organizava grupos de estudos com seus amigos, usava muito a biblioteca pública e aprendeu diversas línguas, inclusive o esperanto. Gostava muito, também de ler obras de literatura, poesia e teatro, atividade à qual dedicou-se durante toda sua vida. (OLIVEIRA, 1997, p. 19).

Diante de sua formação privilegiada com ajuda de tutores, aos 15 anos de idade Vygotsky conseguiu a aprovação em um exame referente aos primeiros cinco anos escolares, sendo então aceito para uma escola destinada apenas a meninos (VYGODSKAYA, 1995). Vygotsky por pressão dos pais enviou pedido à universidade de Moscou para estudar Medicina com apenas 17 anos de idade e foi aceito para a alegria destes.

A principal motivação se dava devido ao fato de que a carreira de médico lhe possibilitaria viver fora das províncias onde os judeus eram autorizados a ficar permanentemente, tendo em vista que era de família judaica. Entretanto, seus estudos na área não duraram mais do que um bimestre: em pouco tempo percebera que a medicina em muito se distanciava dos seus verdadeiros interesses.

Vygotsky, ao abandonar seus estudos em Medicina, formou-se inicialmente em Direito, e não em Psicologia, como muitos acreditam. Logo após, seguiu seus estudos em História, Filosofia e, posteriormente, deu início ao estudo de questões relacionadas à Psicologia do Desenvolvimento, Educação e Psicopatologia, estudos estes que foram interrompidos por decorrência de seu falecimento (VYGOTSKY, 1991). A compreensão da vida de Vygotsky refletidas em suas obras deve sempre levar em consideração a censura imposta pelo governo de Joseph Stálin, governo este que reproduzia e alimentava uma estrutura de pensamento único.

Evitando-se reproduzir uma longa descrição biográfica de Lev Vygotsky, deixa-se recomendado ao leitor interessado a leitura de His life(VYGODSKAYA, 1995), obra onde sua filha trata dos principais acontecimentos da vida de seu pai de forma pormenorizada. Contudo, é interessante termos em mente que grande parte das obras de Vygotsky foi realizada quando este ainda era muito jovem, apesar da publicação das mesmas ter levado algum tempo, seja devido à dificuldade de organizar seus manuscritos ou pela ruptura com algumas ideias consideradas essenciais pelo regime vigente.

3 O histórico-cultural da Teoria de Vygotsky

Muitos são os caminhos possíveis a serem tomados ao estudarmos a teoria histórico-cultural de Vygotsky. O aqui escolhido pauta-se na compreensão inicial da própria concepção do que vem a ser histórico e o que é cultural para esse autor. O entendimento do termo histórico desta teoria tem sua importância garantida devido ao fato de ser o caráter histórico fator determinante e diferenciador considerado na teoria de Vygotsky e não nas que a precederam.

Para o desapontamento de muitos, não há explicitado na obra de Vygotsky em momento algum o que o autor entende por cultural e o que ele entende por histórico, de simples leitura e compreensão como em um dicionário. O que pode ser percebido em suas obras na verdade é uma abordagem da cultura como resultado do processo histórico de existência de cada criança, exercendo influência sobre os processos cognitivos delas. Os indivíduos, na medida em que vivem em sociedade, adquirem um conjunto de conhecimentos que modificam a sua forma de pensar e interferem no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Estas funções são aquelas que

[...] não estão prontas desde o nascimento, elas possuem um componente primitivo, biológico, instintivo a princípio, que com a inserção da criança em sociedade vai se modificando e assumindo um caráter diferenciado. Ocorre, então, um salto qualitativo interno, provocado pelo meio externo, que redimensiona totalmente as funções elevando-as a patamares superiores, pois o indivíduo passa de ser controlado por elas (funções) a controlá-las conscientemente. (TULESKI, 2002, p. 119).

Segundo Silva (2006), a diferença entre os processos elementares psicológicos e os processos superiores está relacionada ao fato de que os primeiros são controlados pelo meio, enquanto os segundos — também chamados de complexos — obedecem a uma autorregulação. Em outras palavras é dizer que as funções psicológicas superiores são aquelas dotadas de intencionalidade, de consciência, também é esta consciência do ato que diferencia o ser humano de outros animais. A atenção voluntária, a percepção, a memória e o pensamento são exemplificações das funções acima descritas.

Diferentemente das teorias de aprendizagem propostas até então, Vygotsky passa a reconhecer as crianças como indivíduos situados em um contexto cultural e dotadas de conhecimentos prévios. Mais do que isso, o autor chamou a atenção para o fato de que este contexto no qual tais crianças estavam inseridas exercia forte influência na maneira como estas interiorizavam os conhecimentos.

Interiorização, segundo Vygotsky, Luria e Leontiev (1988) e Vygotsky (1989), consiste numa série de transformações, de reorganizações da atividade psicológica do sujeito como produto de sua participação em situações sociais específicas. Neste sentido, percebe-se uma ruptura com as abordagens predominantes até o momento: se até então a interiorização era entendida como processo de assimilação de conhecimentos transmitidos dos professores aos alunos, nesta nova teoria reconhecia-se a importância do contexto sociocultural do qual estas crianças pertenciam e por sua vez interagiam.

Apesar de suas diferenças em relação a outras teorias do conhecimento, como a de Piaget, por exemplo, a intepretação de suas obras como diametralmente opostas às outras abordagens do pensamento pode nos levar à escolha entre o behaviorismo ou ao simples tratamento dos fenômenos mentais como subjetivos e exclusivamente internos, o que em muito limitaria o desenvolvimento dos conhecimentos acerca de tais fenômenos e certamente iria contra o que Vygotsky propunha.

Em seus estudos, Vygotsky mostrava o papel da mediação social no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Para Oliveira (1997), três são os pilares dessa nova abordagem:

As funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral;

O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre os indivíduos e o mundo exterior, as quais se desenvolvem num processo histórico;

A relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos (OLIVEIRA, 1997, p. 23).

Um, dentre os muitos trechos que ressaltam a importância do contexto cultural para o desenvolvimento do pensamento, é aquele no qual afirma que “a verdadeira trajetória de desenvolvimento do pensamento não vai no sentido do pensamento individual para o socializado, mas do pensamento socializado para o individual” (VYGOTSKY, 1991). Tal assertiva aponta para uma visão de que o conhecimento se dá sob certas condições, a partir da mediação dos signos e dos instrumentos culturais que vão sendo disponibilizados histórico e culturalmente.

Neste sentido, a aprendizagem de alguns conceitos pode-se tornar em certa medida mais ou menos viável, em alguns casos até mesmo relevante ou irrelevante, questão essa que será discutida em detalhes em seguida, quando da discussão de algumas possibilidades de abordagens para o ensino de medidas de tendência central. No ensino de Estatística, como veremos em seguida, o contexto dos quais os dados são retirados para trabalho em sala de aula possuem sobretudo importância no que diz respeito à representatividade do que se trabalha.

4 As medidas de tendência central sob a perspectiva histórico-cultural

O início da discussão de possíveis abordagens para medidas de tendência central em sala de aula ou perspectivas para a elaboração das mesmas aqui apresentadas parte do pressuposto de que a Estatística possui lugar privilegiado no que diz respeito à possibilidade de tratamento e discussão de informações e dados referentes ao cotidiano dos estudantes, referentes à vida cultural que os cerca, ao cerne histórico no qual estão amparados. Para a introdução das medidas de tendência central propõe-se, portanto, abordagens que valorizem os conhecimentos prévios que os estudantes possuem, ou seja, o conhecimento cotidiano dos alunos.

Com este posicionamento estamos acenando na direção de uma prática, para a qual entendemos que a compreensão dos conceitos se dará de forma mais natural e o processo de interiorização dos conhecimentos será facilitado a partir da mediação. Uma vez que estamos lançando mãos de conceitos trabalhados por Vygotsky, nos remeteremos ao que o próprio autor entende por conceitos e mediação, tendo em vista que a noção de interiorização já foi apresentada nos parágrafos anteriores quando das reflexões acerca da ideia geral da teoria histórico cultural.

A importância em discutirmos o que estamos entendendo aqui por conceito é de fundamental relevância, tendo em vista que em diversos momentos de suas práticas pedagógicas os professores fazem uso de expressões tais como “os alunos devem aprender determinados conceitos estatísticos”, “estes conceitos devem ser memorizados”, “houve um erro conceitual acerca do que é a média”, “em alguns exercícios cobrarei conceitos, em outros cálculos”. Colocando em questão a pertinência de algumas destas afirmações amplamente difundidas no meio educacional, destacamos que

[...] um conceito é mais do que a soma de certos vínculos associativos formados pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de simples memorização, só podendo ser realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança já houver atingido seu nível mais elevado. (VYGOTSKY, 2001, p. 246, grifos nossos).

Após essa descrição do que vem a ser um conceito, convidamos à reflexão a partir da seguinte situação hipotética:




Agora suponha que nesta mesma lista de exercícios os estudantes encontrem dificuldades no seguinte enunciado: Encontrar a mediana dos elementos 1, 5, 2 e 4. Este é um exemplo do caso em que a mediana na verdade não está contida em nossa amostra, a saber, o valor 3 — pois deixa 50% dos valores da amostra acima de si e 50% dos valores abaixo de si — e não pode ser obtida de imediato a partir da organização dos elementos em ordem crescente e seleção do termo central — pois temos um número par de elementos em nossa amostra. Este é apenas um dos muitos exemplos que podemos tomar para ilustrar as dificuldades nos processos de ensino e de aprendizagem da mediana advindas da memorização e não da compreensão do conceito.

Agora vamos nos remeter a alguns enunciados frequentemente utilizados por professores ao introduzir a noção de moda:

  1. ▪ Moda é o valor que mais aparece em um conjunto de dados.

    ▪ A Moda (Mo) representa o valor mais frequente de um conjunto de dados, sendo assim, para defini-la basta observar a frequência com que os valores aparecem.

    ▪ O valor que surge com mais frequência se os dados são discretos.

Neste momento, observemos o seguinte enunciado:




Amparados pelos enunciados dados acima possivelmente os estudantes encontrarão dificuldades em responder com precisão o que se pede. Ora, sendo 17 anos a idade de sete estudantes e sendo 16 anos a idade de outros sete estudantes, alguns questionamentos seriam possíveis:

  1. ▪ Neste caso não temos moda? Ora, não temos um valor que mais aparece, mas sim dois.

    ▪ Neste caso temos duas modas? O 17 e o 16 aparecem a mesma quantidade de vezes.

Percebemos que a linguagem empregada pelo professor deixa margem para alguns questionamentos que, se bem explorados, podem guiar os alunos na direção de novos conhecimentos, neste caso, a ideia de amostras bimodais/multimodais.

Não estamos defendendo a ideia de que a construção dos conceitos deve se dar de modo a evitar questionamentos, mas sim para que produzam questionamentos que podem ser úteis ao professor que deseja conscientemente trabalhar sobre a zona de desenvolvimento proximal dos estudantes.

Essa possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa pela interferência de outra é fundamental na teoria de Vigotski. Em primeiro lugar porque representa, de fato, um momento do desenvolvimento: não é qualquer indivíduo que pode, a partir da ajuda de outro, realizar qualquer tarefa. Isto é, a capacidade de se beneficiar de uma colaboração de outra pessoa vai ocorrer num certo nível de desenvolvimento, mas não antes (OLIVEIRA, 1997, p. 59)

Vygotsky, em suas obras, interpreta a linguagem como instrumento, ou seja, seu papel é de condutor da influência humana sobre o objeto da atividade, não sobre a consciência; e dada sua orientação externa, deve necessariamente levar a mudanças nos objetos. Deste modo, entendemos a linguagem, assim como Vygotsky entendera, como algo que estabelece regulações sobre o meio.

A abordagem para medidas de tendências centrais — e tantos outros conteúdos das aulas de Matemática — aqui defendida é aquela conduzida pelos professores de modo a gerar uma instabilidade nas estruturas cognitivas dos alunos a partir do uso consciente da linguagem, fazendo com que o que antes esses alunos tinham como conhecimentos potenciais — aqueles que ainda não alcançavam por si próprios — tornem-se conhecimentos reais, quando há a interiorização dos conceitos, isto é, agindo sobre a zona de desenvolvimento proximal dos estudantes.

Nesse processo, o reconhecimento da ideia de mediação trabalhada por Vygotsky desponta como essencial nos processos de ensino e de aprendizagem. Em primeiro lugar, devemos entender que a mediação não necessariamente está atrelada à uma relação entre dois seres humanos, podendo ocorrer entre objetos e humanos. Para ele, mediação é a aquisição de conhecimentos de modo não direto, isto é, quando há um elo intermediário entre a criança e o ambiente.

A calculadora, por exemplo, como já discutida por Guinther (2008), pode servir como instrumento mediador no processo ensino-aprendizagem-avaliação quando seu uso for orientado de maneira adequada pelo professor, objetivando o desenvolvimento do raciocínio e de habilidades de estimativas. Uma abordagem possível para o cálculo da média dos valores de uma amostra é justamente esta que faz uso das calculadoras como instrumentos mediadores do processo de aprendizagem.

Com isso, espera-se que os alunos possam melhorar suas habilidades no que diz respeito à interpretação da variação do valor médio quando da introdução e/ou extração de valores na amostra, fato este que poderá facilitar o processo de interiorização do conceito de média. Ocorre que em muitas vezes os alunos, de fato, são capazes de encontrar o valor médio de uma amostra, tendo em vista que tal processo pode ser executado em uma sequência de passos simples e curtos: somar todos os valores da amostra e dividir pelo número de valores somados.

No entanto, sabemos que há uma enorme lacuna entre o fazer cálculo da média e o atribuir significado ao valor médio, uma vez que o aluno pode realizar o procedimento aritmético sem saber o que o valor encontrado retrata. Não é incomum nos depararmos com notícias dos meios de comunicação apresentando informações como por exemplo “o número médio de filhos destas mulheres foi de 1,74”.

A discussão de trechos de notícias como a acima citada, e de todas as outras que de certo modo dialoguem com o cotidiano dos estudantes para que estes atribuam significados aos conceitos dos quais estão estudando, é de fundamental importância para que estes sintam-se motivados frente aos conhecimentos dos quais são apresentados. Cabe ao professor a percepção de que a discussão do número médio de filhos ser um número racional não pode encontrar no cálculo aritmético um fim, mas sim um meio para o desenvolvimento das habilidades dos estudantes.

Diante disso, questionamentos da forma: “Como podemos ter 1,74 como número médio de filhos se não podemos ter um filho decimal?” podem gerar importantes discussões em sala de aula, movendo os estudantes na direção da compreensão do que representa a média de filhos por mulher e não os deixando restringidos ao simples cálculo.

5 Considerações

Com a discussão aqui apresentada espera-se que professores e futuros professores que ensinam conceitos relacionados à Estatística tenham encontrado na teoria Histórico-Cultural de Vygotsky uma fundamentação teórica para pensar em abordagens de medidas de tendência central.

Nessas diferentes abordagens, entendemos que os conhecimentos do cotidiano que os alunos possuem devem ser valorizados e até mesmo utilizados para a elaboração de problemas, formulação de questionamentos geradores de debates, constituindo-se como elemento chave para que se motivem frente aos novos conhecimentos.

Certamente ainda há muito o que se investigar no que diz respeito à valorização dos saberes dos estudantes, a transposição destes conhecimentos prévios para a sala de aula e também sobre os instrumentos mediadores possíveis a serem utilizados para se ensinar Estatística, buscando cada vez mais a melhoria do processo ensino-aprendizagem-avaliação, reconhecendo mais uma vez a impossibilidade de pensarmos os processos de ensino e de aprendizagem de modo paralelo e sem diálogo com a avaliação.

Referências

GUINTHER, Ariovaldo. O uso das calculadoras nas aulas de Matemática: concepções de professores, alunos e mães de alunos. In: XII ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2008, Rio Claro. Anais do XII EBRAPEM: Educação Matemática: possibilidades de interlocução. Rio Claro: Unesp, 2008, p. 1-12.

OLIVEIRA, Marta Khol de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento – um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997.

SILVA, Daniela Regina da. Psicologia da Educação e Aprendizagem. Indaial: Asselvi, 2006.

TULESKI, Silvana Calvo. A construção de uma psicologia marxista. Maringá: EdUEM, 2002.

VYGODSKAYA, Gita. L. His life. School Psychology International, v. 16, n. 2, p. 105-116, may 1995.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. Concrete human psychology. Soviet Psychology, v. 27, n. 2, p. 53-77, 1989.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

VYGOTSKY, Lev Semenovich; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alexis N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Tradução de Maria da Penha Villalobos. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1988.

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