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Análise de uma situação-problema: competências socioemocionais e estimulação de funções executivas
Analysis of a problem situation: socio-emotional competences and stimulation of executive functions
Educação Matemática Debate, vol. 2, núm. 5, pp. 171-187, 2018
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos


Recepción: 10 Abril 2018

Aprobación: 19 Junio 2018

Publicación: 01 Julio 2018

DOI: https://doi.org/10.24116/emd25266136v2n52018a02

Resumo: O presente estudo busca analisar a vivência de uma situação-problema em aulas de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de São Paulo, atrelada às competências socioemocionais e à resolução de problemas, que contou com a participação de três professores que ensinam Matemática nessa etapa escolar. A pesquisa foi organizada em três partes: a discussão de uma situação-problema, o seu desenvolvimento em sala de aula, e explicitação das percepções sobre a experiência vivida. As considerações finais apontam que a prática pedagógica adotada oportunizou a aprendizagem socioemocional e a habilitação e estimulação de funções executivas, tais como o controle inibitório, a flexibilidade cognitiva e a memória de trabalho.

Palavras-chave: Educação Matemática, Aprendizagem Socioemocional, Resolução de Problemas, Funções Executivas.

Abstract: The present study aims to analyze the experience of a problem situation in mathematics classes of the initial years of Elementary Education of a public school in the city of São Paulo linked to socioemotional competences and problem solving. This research was conduct with three teachers of the initial years of Elementary Education. It was organized in three parts, the discussion of a problem situation; the development of the problem situation in the classroom; and clarification of the perceptions about the lived experience. The final considerations point out that the pedagogical practice adopted allowed socio-emotional learning and the habilitation and stimulation of executive functions, such as inhibitory control, cognitive flexibility and working memory.

Keywords: Mathematics Education, Social and Emotional Learnig, Problem Solving, Executive Functions.

1 Introdução

Este artigo relata, analisa e discute a vivência de uma situação-problema aplicada em aulas de Matemática nos primeiros anos do Ensino Fundamental de uma escola municipal da zona sul de São Paulo, iniciada após a participação dos professores numa formação com leituras de textos, discussões e reflexões sobre resolução de problemas e competências socioemocionais.

O prelúdio de nosso estudo fundamenta-se na utilização da metodologia de resolução de problemas no ensino e na aprendizagem da Matemática, oportunizando concomitantemente espaço para a aprendizagem socioemocional e reconhecendo o processo da educação como a comunhão do cognitivo, do emocional e do social.

Todo esse processo só foi exequível por termos como hipótese que nossa investigação está centrada nas possíveis contribuições que os estudos sobre o desenvolvimento de competências socioemocionais e de resolução de problemas trazem para a formação de professores.

Além disso, nesse movimento reflexivo sobre a importância das competências socioemocionais no processo de ensino e aprendizagem, consideramos, como Vale (2009), que o início ideal para a aprendizagem socioemocional deveria iniciar na Educação Infantil, sendo realizada de forma transversal, contínua e permanente ao longo do período de aprendizagem escolar. A autora ainda salienta que a aprendizagem socioemocional pode trazer benefícios à saúde mental do sujeito, à prevenção de conduta antissocial e à minimização e vulnerabilidade às disfunções.

Em um contexto escolar, Elias et al. (1997) e Fernández-Berrocal e Aranda (2008) ponderam que o desenvolvimento e a formação de crianças e adolescentes envolvem interrelações entre emoção, cognição e socialização, evidenciando a necessidade de esforços e ações políticas para uma educação socioemocional, o que determina relação direta com o sucesso pessoal e profissional desses alunos e de seus professores.

É neste contexto que entendemos que o professor assume o papel de mediador do processo de aprendizagem e detentor de conhecimentos científicos acerca da aprendizagem socioemocional, capaz de desenvolver em si mesmo tais competências e contribuir de forma significativa para o desenvolvimento delas em seus alunos.

2 Referencial teórico

A aprendizagem socioemocional introduz na vida escolar a empatia, a expressão assertiva das emoções e cognições, a persistência e a resiliência, instrumentalizando o aluno e o professor a enfrentar situações estressantes de modo mais saudável, resultando em sucesso (impacto positivo) na vida acadêmica e profissional (CASEL, 2013).

Diante desse contexto, a pesquisa de Cacheiro e Martins (2012) traz indicadores de redução da ansiedade à aprendizagem e do medo à exposição ao grupo, inclusive para aqueles estudantes com necessidades educativas especiais, por meio do desenvolvimento de tais competências.

Nessa pesquisa, trabalharam as competências emocionais, identificando e regulando as emoções, com isso obtiveram melhorias na autoestima e no autoconceito das crianças. Em relação às competências sociais, abarcaram a assertividade e a resolução de conflitos interpessoais, contribuindo para o respeito à singularidade humana. Os autores consideram que foi possível observar maior envolvimento e participação dos pais na educação de seus filhos.

Rodrigues, Dias e Freitas (2010) também anunciam em sua pesquisa que desenvolver competências socioemocionais promove comportamentos funcionais positivos, e obtiveram um incremento nas habilidades de empatia, assertividade, civilidade, responsabilidade e expressão de sentimento positivo. Nessa pesquisa-intervenção, de resolução de problemas interpessoais em um grupo de crianças no 1º ano do Ensino Fundamental, também foi realizado um trabalho com pais e professores e observou-se maior sensibilização destes quanto às suas estratégias educativas e manejo de comportamentos indisciplinados. Assim, os pesquisadores perceberam o quanto as competências socioemocionais têm um caráter preventivo, um fator de proteção para um desenvolvimento infantil saudável no processo de aprendizagem e o quanto beneficiam a prática dos professores e cuidadores.

Em nossa pesquisa adotamos os estudos realizados pela organização CASEL (2013) que define e organiza cinco principais competências da aprendizagem socioemocional: a autoconsciência, a autogestão, a consciência social, as habilidades de relacionamentos e a tomada de decisão responsável, sintetizadas na Figura 1.

A aprendizagem de tais competências oportuniza ao sujeito a capacidade de ponderar suas forças e limitações e desenvolver um senso de confiança e otimismo; de gerenciar o estresse, controlar impulsos, de motivar-se para obtenção de seus objetivos; de pensar e analisar sobre as normas sociais e éticas do comportamento; de expressar-se assertivamente e sobreviver à pressão social inadequada; e de negociar conflitos, avaliar as consequências de várias ações e se dispor a ajudar para se obter o bem estar de si e dos outros (CASEL, 2013).


Figura 1
Cinco principais competências da aprendizagem social e emocional
(CASEL, 2013, p. 9)

Para se definir quais competências socioemocionais serão ensinadas em um programa escolar de educação socioemocional, incluindo as aulas de Matemática, torna-se necessário considerar o contexto, a sociedade na qual a aprendizagem está inserida, levando em consideração aspectos culturais, étnicos, políticos, econômicos etc. Além disso, Weare (2010) enfatiza a importância de coordenar atividades realizadas dentro do espaço escolar com atividades na comunidade, principalmente com a família dos alunos.

Nesse sentido, as competências socioemocionais abordam as “competências nãocognitivas”, o desenvolvimento de capacidades que transcendam os conteúdos cognitivos, forma o conjunto da inteligência emocional, da regulação emocional, da criatividade emocional e das habilidades sociais (GONDIM, MORAIS e BRANTES, 2014). O desenvolvimento de tais competências pode promover melhor desempenho acadêmico e bem-estar, o que reforça a relação entre o emocional e o cognitivo no processo de ensino e aprendizagem (GOLEMAN, 2001).

3 Metodologia

Diante da natureza da pesquisa, a abordagem metodológica escolhida é a pesquisa qualitativa, que tem como propósito entender e interpretar os dados e os discursos dos participantes. Bogdan e Biklen (1994) caracterizam a pesquisa qualitativa como descritiva, na qual o investigador é o instrumento principal e que se interessa mais pelo processo do que pelos resultados, analisando os dados de forma indutiva. A fonte de dados é o ambiente natural e o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida é de importância vital nessa abordagem de pesquisa.

No desenvolvimento da pesquisa, visitamos algumas escolas públicas dos anos iniciais do Ensino Fundamental e convidamos professores a participar da investigação. Os três professores de uma mesma escola que aceitaram participar possuem um perfil heterogêneo em relação à idade, ao sexo e à experiência profissional. Todos apresentam experiência em escola da rede pública e privada de ensino e se dispuseram a participar das atividades dentro e fora da carga horária de trabalho estabelecida para sua função na escola.

Essa pesquisa foi organizada e agrupada em três partes. Na primeira, em um encontro com os professores, foi realizada a leitura, a discussão e a reflexão de uma situação-problema, que é apresentada no Quadro 1, permitindo a análise do material e suas implicações em sala de aula, para que os professores pudessem ser proativos no momento da aplicação da atividade. Na segunda parte, ocorreu a vivência de uma situação-problema em sala de aula, após os professores terem uma formação sobre as competências socioemocionais e resolução de problemas. Na terceira parte, os professores explicitaram suas percepções sobre a experiência vivida. Este artigo analisa esta terceira parte.

Em relação à resolução de problemas, como metodologia de ensino na Educação Matemática, apoiamo-nos em uma sequência inversa à maneira tradicional (definição, propriedade, exercício e problemas), “inicia-se por um problema, seguido da definição, da propriedade, de exercícios e da proposta de novos problemas” (CARNEIRO, 2015, p. 190).

Segundo Onuchic e Allevato (2004), a situação-problema é apenas o ponto de partida, é o início do momento de discussões em sala de aula, em um trabalho em grupo, que levará os alunos a desenvolver e apreender novos conceitos e conteúdos matemáticos. No Quadro 1 apresentamos a situação problema apresentada aos alunos.

Quadro 1
Situação-problema

Dados da Pesquisa

Para viabilizar a realização da situação foi utilizado material concreto de apoio produzido pela pesquisadora e empregado uma quantidade superior de imagens de frutas, verduras e legumes para que os alunos escolhessem, dentre elas, apenas as relacionadas à situação apresentada. As sacolinhas mencionadas no texto eram transparentes para que pudessem visualizar as imagens, e o dinheiro foi representado por adesivos que simbolizavam moedas de um real.


Figura 2
Imagens de frutas verduras e legumes Acervo da Pesquisa
(Acervo da Pesquisa)

Após a leitura e montagem das sacolinhas de frutas, verduras e legumes, foi solicitado, oralmente, uma pergunta para cada grupo e a resposta foi trabalhada com todos os grupos. Todos os resultados foram transcritos ou desenhados na lousa. Para encerrar a aula, o professor realizou a formalização do conteúdo oralmente.

A pesquisadora acompanhou e participou com cada professor na apresentação da situação-problema em sala de aula, realizando as anotações, com gravações de áudio e imagem e algumas intervenções de apoio aos professores. A situação ocorreu em sala de aula no final do primeiro semestre letivo de 2016.

4 Resultados e análise

A primeira preocupação dos professores após a leitura e análise da situação-problema foi quanto ao tamanho do texto escrito, pois, segundo eles, a situação era muito longa para os alunos do primeiro ano. A grande apreensão era como os alunos guardariam na memória tantas informações de uma vez só, já que não são alfabetizados e não poderiam retomar essas informações numa releitura.

Quanto a isso, foi decidido com os professores que os alunos utilizariam material concreto desenvolvido pela pesquisadora e que a leitura seria fragmentada em dois momentos, para que os alunos pudessem discutir, no grupo, a compra de frutas e, depois da interpretação e resolução desta parte, discutiriam a compra de legumes e verduras e sua resolução.

Também, nesse momento, foi questionado sobre a terminologia usada, em relação à noção de quilo e dúzia. Os professores ficaram temerosos com o entendimento do aluno, com a relevância dos termos para a situação e se esses provocariam distração. Discutiram e chegaram à conclusão que deixariam do jeito que foi elaborado, até mesmo para criar uma oportunidade de avaliar o conhecimento de seus alunos.

Por ser um trabalho em grupo, deliberaram que a atividade seria desenvolvida em grupos de quatro alunos nos primeiros anos e em duplas no segundo ano, sendo que a organização desses grupos seria feita pelo próprio professor de cada sala. Os professores iriam observar, organizar, mediar, controlar e incentivar a resolução da atividade.

A princípio, a habilidade social escolhida por eles a ser observada foi a autonomia e a habilidade emocional foi a regulação emocional no trabalho em grupo.

A ocorrência da primeira vivência da situação-problema foi no segundo ano, devido à disponibilidade dos horários das aulas e durou aproximadamente uma hora. Inicialmente, a professora apresentou a pesquisadora aos alunos e logo em seguida explicou o que seria feito, inclusive avisando que estaríamos gravando essa atividade para que pudéssemos estudá-la a posteriori.

Os professores relataram que os alunos, apesar de estarem bem surpresos com a presença da pesquisadora, mantiveram-se atentos e calmos.

Cabe salientar que a professora solicitou a ajuda da pesquisadora na atividade e, assim, esta se encarregou de apresentar o material, informar o uso coletivo pelas duplas e, em seguida, o distribuiu.

Nesse momento, a professora constatou que muitos alunos reclamavam que não haviam recebido o material, eles queriam receber individualmente as figuras, não queriam dividi-las com os colegas. Brigavam entre si para ver quem iria segurar as figuras nas mãos. Enquanto isso, a professora relatou que posicionou melhor as carteiras para formar as duplas e explicou novamente, no grupo, que o material era de uso coletivo.

Surge aí a primeira evidência da dificuldade da professora em realizar trabalhos em grupo, pois o grande desafio dos alunos era compartilhar o material. A professora relatou que, com sua mediação, falando sobre a resolução de conflitos, a cooperação, o respeito, a amizade e a regulação emocional no trabalho em grupo, a atividade deu sequência.

É importante informar que a pesquisadora pediu que as crianças observassem apenas as frutas e que seria contado o que a Mariana e a mãe dela tinham comprado na feira e que, logo em seguida, teriam que separar o que elas compraram dentro de uma sacolinha transparente. Com o início da leitura da primeira parte da situação-problema, as crianças montaram a sacolinha.

A professora relatou que quando se leu a palavra dúzia, ela perguntou quantas bananas tinham em uma dúzia e grande parte respondeu logo em seguida, empolgados por saberem a resposta. Leu-se a palavra meia dúzia e, sem que fossem questionados, já responderam que representava 6 unidades.

Na distribuição dos adesivos que representavam as moedas de um real para que colocassem o valor do gasto realizado por Mariana e sua mãe, colando-as sobre as sacolas, a professora observou que alguns alunos começaram a colar antes mesmo que lêssemos o texto. Então, nesse momento, a professora lembra que retomou a instrução inicial e comentou com eles sobre a importância de aguardarem a retomada da leitura, nesse caso trabalhando com o desenvolvimento do controle inibitório[1].

No decorrer da leitura, a professora lembra que as crianças mostraram empolgação com o adesivo e foram falando os valores para toda a classe, e que pediu que não falassem alto e que apenas pensassem e colassem em suas sacolinhas os valores corretos e, caso houvesse necessidade de diálogo, que fosse feito com a sua dupla.

Também nesse momento foi revelado a falta de autonomia e iniciativa de algumas duplas, por não conseguirem chegar ao consenso da quantidade de adesivos a serem colados na sacolinha e necessitarem de mediação da professora para que pudessem chegar a uma conclusão.

Muitas das duplas se preocupavam com as frutas que estavam fora da sacola e questionavam o que fariam com elas. Novamente, a professora lembra que explicou que essas figuras estariam sobrando e não seriam mais utilizadas, pois na próxima sacola trabalharíamos com as verduras e legumes. Na realidade, essas figuras foram utilizadas inicialmente para promover o raciocínio, interpretação e análise da situação-problema e, da mesma forma, se daria na montagem da segunda sacola, conforme ilustram a Figura 3.


Figura 3
Sacolas de frutas verduras e legumes montadas pelos alunos após a escuta e interpretação da situação-problema.
(Acervo da Pesquisa)

Finalizado a montagem das sacolas, vale lembrar que a professora solicitou que eles fizessem uma pergunta sobre essa situação e que, para isso, teriam que conversar entre si, incentivando-os ao diálogo, à troca de ideias.

Conforme foram surgindo as perguntas, a professora relata que foi escrevendo na lousa e, por diversas vezes, ela intervinha em alguns grupos para que mantivessem o foco na questão.

Para expor este momento, seguem algumas das questões formuladas pelas duplas:

A mãe da Mariana tinha 18 reais, ela gastou 18 reais, com quanto ela ficou?

Quanto ela gastou com a banana?

Quanto elas gastaram no total?

A mãe da Mariana tinha 13 reais porque ela já havia gasto parte de seu dinheiro. Gastou 5 reais com os tomates? Com quanto ela ficou?

Em alguns casos, os alunos queriam também apresentar as respostas, mas a professora lembra que pediu que eles aguardassem todas as duplas a apresentar primeiro suas perguntas e, somente depois, dariam início à discussão das respostas. A professora relata que a atitude investigativa era bem presente, haviam duplas que desejavam criar novas situações para elaborar outras questões, mas também ocorreram atitudes de pouco interesse, com alunos dispersos, que se envolviam em brincadeiras a partir do material distribuído.

Neste estágio da atividade surge uma pergunta que a professora achou importante relatar, relacionada ao contexto da situação, que acrescentava informação e novas hipóteses, acarretando novas discussões entre os alunos: “Mariana gastou todo o seu dinheiro? Como ela faz para comprar mais tomates?”. A professora afirma ter incentivado a discussão mediando os alunos a pensar e apresentar suas soluções, mostrando a importância do papel do aluno na construção do seu próprio saber.

Finalizada a elaboração das perguntas, a professora afirma que começou a lê-las e solicitou aos alunos as respostas. Foi relatado que eles mostraram interesse, inclusive, alguns chegaram a levantar da cadeira e dançar de tanta excitação. Nesse momento, a professora afirma que aproveitou para falar com os alunos sobre a regulação emocional, mostrando o quanto é importante expressar as emoções, porém aproveitou para levá-los à uma reflexão, na tentativa de ensiná-los a lidar com as emoções de forma assertiva e, assim, gerar um comportamento mais adequado para a sala de aula. Assim, fez com que eles pensassem sobre qual seria o comportamento mais adequado para aquele momento, ao invés de sambar ao lado da carteira e, caso permanecessem com aquele comportamento, quais seriam as consequências disso.

Em algumas perguntas, a professora diz que aproveitou para introduzir novas situações diante das respostas dos alunos, fazendo com que eles pensassem como resolver tal situação, contando com a participação de todos nesse momento e levando-os a pensar em novas experiências e, também, a desenvolver e aprender novos conceitos e conteúdos matemáticos. Termina a atividade com o agradecimento da participação de todos.

No segundo período de aula, do mesmo dia em que ocorreu a vivência do 2º ano, ocorreu a vivência com o 1º ano. Nesse dia, em particular, os dois primeiros anos foram agrupados em uma única sala, pois havia um número pequeno de alunos e um dos professores havia faltado.

O professor dividiu a sala em grupos de 4 e 5 crianças, separando-os fisicamente com o agrupamento de mesas e cadeiras, e solicitando que as crianças se mantivessem calmas e atentas para entenderem a atividade.

É importante destacar que a pesquisadora foi apresentada, explicou o que seria feito e que gravaria a vivência e, em seguida, o professor assumiu o desenvolvimento da atividade, enquanto a pesquisadora distribuía o material entre os alunos.

O professor relata que também nessa turma teve inicialmente problemas com o manuseio e a posse do material, pois todos queriam segurá-lo e não conseguiam entender que este era um trabalho em grupo e, por isso, teriam que compartilhar o material. Por diversas vezes, o professor afirma que teve que retomar esta questão com eles, falar sobre a amabilidade[2], mesmo após o início da leitura da atividade. Todos queriam participar de seu modo. O professor relata que as crianças se empolgavam quando tinham que selecionar o produto para colocar na sacola, encontrando dificuldades de comunicação entre eles. O professor afirma que aproveitou essa oportunidade para fazê-los pensar sobre o trabalho em grupo, a cooperação e a amizade.

O professor afirma que solicitou ajuda da pesquisadora na mediação da montagem das frutas na sacola, para que os alunos entendessem e compreendessem a situação-problema.

O professor relata que quando leu “um quilo de tomate”, as crianças perguntaram quanto isso significava. A explicação dele se resumiu em dizer que era bastante, facilitando o entendimento para a escolha entre as duas figuras de tomates, uma figura com apenas um tomate e outra com algumas unidades. Também nessa turma, conforme relato do professor, enquanto ia lendo, eles iam oralmente dando as respostas e colando as moedas na frente de cada produto.

O professor, ao relatar sobre a formulação de uma pergunta, afirma que ele faz isso no seu dia a dia, nas atividades que trabalha normalmente em sala de aula. Posteriormente, escreveu na lousa, como uma etapa da metodologia de resolução de problemas: “Quanto foi o total da compra? Quanto custaram os legumes? Quanto elas gastaram com as frutas? Quanto foi a maçã?

Ao finalizar as perguntas, o professor afirma que propôs às crianças responder as mesmas, e assim o fizeram, utilizando o material que tinham em suas mãos, pois o manuseavam para formular suas conclusões.

Como conclusão, os professores analisaram a vivência, refletindo o quanto essa atividade, utilizando a resolução de problemas como metodologia, contribuiu para o aprendizado da Matemática e também propiciou espaço para o aprendizado das competências socioemocionais. Os professores, unanimemente, declararam o valor positivo da atividade no aprendizado da Matemática e das competências socioemocionais, porém, mencionaram que essa atividade foi uma ação estanque, única ao longo do ano.

Anunciaram uma certa frustração em não ter dado continuidade nessa intervenção e justificaram que a falta de material pedagógico, a falta de tempo para a preparação de material personalizado e a precariedade de recursos e ferramentas contribuíram para isso.

Fica muito difícil se não te dão ferramentas, como um médico vai operar se não tem um bisturi? Então, seu trabalho vai ser precário, se te faltam recursos. Por vez nós não temos como passar um filme porque a sala de vídeo não está funcionando, se a sala está funcionando não tem o vídeo ou sumiu o controle, então nada ajuda! (Professor do 2º ano).

Mesmo em sala de aula, às vezes você prepara uma atividade e não dá para passar na lousa, porque você está com uma sala e meia, a sua e mais a metade da outra e precisa de uma xerox, mas você não tem, está quebrada. (Professora do 1º ano)

Apesar dessa realidade, os professores argumentaram que incentivam muito a metodologia de resolução de problemas com todos em sala de aula, mas que se deparam com um grupo pequeno de alunos com dificuldades. Muitos apresentam dificuldades de aprendizagem ou até possíveis transtornos de aprendizagem, mas o que realmente os incomodam e chama a atenção são aqueles alunos que se recusam, que não querem aprender, que não aceitam a condição de estudantes.

O incentivo é para todos. Aí tem aqueles que teoricamente tem uma condição melhor de aprendizado. Aprende e se interessa. Tem aquela outra parte que não tem condição alguma, por vários fatores. E tem aqueles que é o principal desafio, que é o que não quer. Não quer. Não quer! Você pode vir fantasiado, trazer a aplicação do maior teórico, fazer qualquer coisa que o carinha não quer. E o simples fato de ele não querer é o bastante para você não conseguir atingi-lo. (Professora do 1º ano)

Uma professora menciona a importância do desenvolvimento da persistência, uma competência social imprescindível para a aprendizagem, inclusive da Matemática, pois coloca o aluno na condição de buscar a solução dos problemas, porém menciona o quanto alguns alunos preferem desistir frente ao desafio.

A falta de vontade deles, porque eles não querem, esse é o grande problema, eles não querem. Poxa vida, se tem uma pessoa ali (professor) disposta a fazer uma atividade, que não seja uma cópia ou uma atividade mecânica [...], mas que seja uma discussão, um problema que vai fazer pensar [...]. Eles não querem, pois é muito mais fácil deixar de pensar para não ter um problema, ou assumir que não entendeu [...] (Professora do 1º ano).

Também argumentam que a variação do número de alunos em classe, a troca de alguns ao longo do ano e o abandono escolar comprometem o seu trabalho e o próprio processo de aprendizagem, pois não conseguem evoluir, nem trabalhar com um único grupo coeso ao longo do ano. Precisam estar mensalmente retomando ou reiniciando o que foi ensinado: “Fazem uma checagem de alfabetização por bimestre e percebem um avanço ínfimo, mínimo” (Professor do 1º ano).

A professora do 2º ano afirma que devido à maturidade e o próprio processo de desenvolvimento infantil, consegue obter melhores resultados, porém muito aquém do esperado para a idade e ano letivo. Comenta que trabalha com Matemática diariamente e que, mesmo assim, em avaliações, não obtém bons resultados, mas que, apesar disso tudo, seus alunos gostaram muito da atividade desenvolvida proposta por essa pesquisa e que alguns poucos desenvolveram e apreenderam novos conceitos e conteúdos matemáticos.

5 Considerações

Um dos princípios da educação emocional, para Gottman, é valorizar os sentimentos e as emoções do educando, permitindo-lhe que os extravasem, que os expressem livremente, sem reprimi-los. Deve, entretanto, ser mostrado, com clareza, os limites deste extravasamento, que são os comportamentos socialmente toleráveis (SANTOS, 2000, p.62).

Após a vivência proposta por este estudo e sua análise, os professores reiteram a importância da aprendizagem socioemocional e a existência do espaço nas aulas de Matemática para tal aprendizado, validando que o processo de aprendizagem ocorre em uma esfera cognitiva, emocional e social.

Foi possível constatar, nos relatos dos resultados dessa vivência, situações de necessidade de desenvolvimento das competências socioemocionais, e que não somente a autonomia e a regulação emocional, como havia sido proposto inicialmente pelos professores, podem ser trabalhadas em situações-problema utilizando a metodologia de resolução de problemas.

O trabalho em grupo, realizado a partir desta metodologia, torna-se um grande desafio para os alunos e professores, um processo de ensino e aprendizagem cooperativo e compartilhado, que envolve competências socioemocionais, pois o aluno irá “ensaiar, buscar, propor soluções, confrontando-as com as de seus colegas para defendê-las, e assim discuti-las” e o professor irá mediar todo esse cenário (LIMA e MANRIQUE, 2010, p. 168).

Também nesse contexto, fica evidente o papel do aluno na construção do seu próprio saber, o aluno como participante ativo envolto de um problema bem definido, em que a atividade surge de uma coordenação complexa simultânea de vários níveis de atividades, deflagrando, portanto, uma proposta de trabalho influenciada pelas teorias construtivistas.

Segundo Romanatto (2012), o ensino da Matemática por meio da resolução de problemas propõe o desenvolvimento de capacidades e habilidades sociais tais como autonomia, iniciativa, criatividade e ainda desenvolve a capacidade de leitura, análise crítica, interpretação de texto, raciocínio, projeção de relações virtuais, representação e transformação mental.

Em todos os momentos, os professores relataram que incentivaram o diálogo, a troca de ideias, levando os alunos a refletir o quanto tal comportamento com cooperação, respeito, amizade e regulação emocional no trabalho em grupo poderia facilitar o processo de sua aprendizagem.

Porém, a professora do 1º ano relata que apesar de seus alunos serem, em grande parte, dóceis nas atividades escolares, com o passar dos anos letivos nesta escola, a amabilidade, principalmente a partir do 3º ano, se perde. Reafirmam, portanto, a necessidade da aprendizagem socioemocional ao longo de vários anos e, de preferência, até o Ensino Médio e, também, que seja abrangente à comunidade.

Nesse ambiente, fica presente a atitude investigativa dos alunos, pois é esse o objetivo central quando se propõe trabalhar com um problema, a ideia não é simplesmente resolvê-lo, encontrar uma resposta, “o foco não deve estar centrado em ‘responder a resposta certa’, mas sim em entender e compreender o que está sendo pedido”, desse modo fica declarado a iniciativa e o engajamento dos alunos frente às situações-problema (LIMA e MANRIQUE, 2010, p. 165).

No decorrer da atividade, os professores relataram que os alunos mostraram uma excitação exacerbada com a possibilidade de terem êxito na atividade, revelando a necessidade de desenvolver a autoconsciência e a autogestão, descritas no grupo de competências da aprendizagem socioemocional da Organização CASEL, como sendo indispensáveis para a saúde mental dos alunos. O quanto é necessário o aprendizado da regulação emocional, não somente reconhecendo, nomeando as emoções, mas sabendo lidar com elas de forma a expressar um comportamento adequado, assertivo frente às diferentes relações sociais criadas em um grupo.

Nesse contexto, com a utilização da metodologia de resolução de problemas também se abre a oportunidade para a habilitação e estimulação de funções executivas, funções essas que regulam o nosso comportamento e nosso pensamento, possibilitando-nos a realizar ações presentes e participar de atividades para se alcançar metas futuras. As funções executivas identificadas e trabalhadas em nossa vivência e análise foram o controle inibitório, a flexibilidade cognitiva e a memória de trabalho.

Durante o trabalho em grupo, que envolveu diálogo entre os alunos e a busca por hipóteses e respostas a situação-problema, alguns alunos apresentaram dificuldades de pensar antes de falar/agir, de postergar ou inibir uma resposta para antes avaliar todos os fatores envolvidos, inclusive a escuta de todos do grupo. Diante desse exposto, percebemos que essa metodologia propiciou um espaço para que o professor estimulasse os alunos a refletir sobre suas ações, inibindo os fatores distratores e motivando a autodisciplina e o autocontrole sobre sua atenção, habilitando o controle inibitório.

Os professores perceberam que alguns alunos tiveram que alterar suas estratégias para a resolução da situação-problema ao longo da atividade, ajustando-se de modo flexível aos imprevistos e alternando as operações conforme a necessidade no grupo, pois nos agrupamentos existiam crianças com diferentes níveis de conhecimento e habilidades, que a princípio não tinham sido levados em consideração. Assim os professores, em momentos como esse, tiveram a oportunidade de conversar com seus alunos sobre flexibilidade cognitiva e a importância do desenvolvimento de habilidades sociais, como a amizade e a empatia.

A memória de trabalho, encarregada por armazenar temporariamente e relacionar a informação a estímulos ambientais e à memória de longo prazo, para que essas informações possam ser manipuladas a fim de expor uma resposta, também foi estimulada nessa atividade quando os alunos se deparam com a realidade de duas tarefas, a interpretação e resolução das sacolas de frutas e de verduras e legumes, para posteriormente manipular tais resultados e formular perguntas.

A persistência de grande parte dos alunos também foi observada no trabalho com a situação-problema, principalmente, no momento da formulação de questões pelos grupos. Para aqueles que não conseguiam persistir, os professores estimulavam os alunos a ponto deles perceber a necessidade da persistência para aprender coisas novas e se adaptarem aquele ambiente de aprendizagem.

Com isso, os professores concluem e professam a ideia de que todo esse conhecimento e prática, aprendizagem socioemocional e resolução de problemas, tem uma finalidade profilática, preventiva de saúde mental, não somente para si como também para seus alunos, além do aprendizado da matemática.

Contemplam que é a empatia e a consciência social, aflorada e trabalhada nessa atividade, que propicia uma melhor percepção da realidade, levando ao respeito e aceitação das normas sociais e éticas do comportamento humano e promovendo relacionamentos saudáveis.

Portanto, propor a educação socioemocional em aulas de Matemática, a ser desenvolvida e ensinada em situações de resolução de problemas, e também incorporá-la na formação continuada dos professores, aproxima as emoções, os sentimentos e as habilidades sociais da Matemática, ou seja, indica a relação da afetividade com a cognição em um contexto escolar.

Recomendamos o aprofundamento destes resultados em pesquisas futuras.

Referências

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Notas

[1] Capacidade de seleção entre estímulos relevantes em detrimento dos estímulos distratores e de inibição de respostas prepotentes (REITER; TUCHA; LANGE, 2004).
[2] Tendência a agir de modo cooperativo e não egoísta, serem socialmente agradáveis, calorosos, dóceis e leais (SILVA e NAKANO, 2011;SILVA et al., 2007).

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