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Conhecimento matemático para ensinar com tecnologia: episódios da prática de uma professora
Mathematical knowledge for teaching with technology: episodes of one teacher’s practice
Conocimientos matemáticos para la enseñanza con tecnología: episodios de la práctica del profesor
Educação Matemática Debate, vol. 5, núm. 11, pp. 1-22, 2021
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos


Recepción: 30 Julio 2021

Aprobación: 15 Octubre 2021

Publicación: 26 Octubre 2021

DOI: https://doi.org/10.46551/emd.e202125

Resumo: A investigação tem evidenciado o potencial da tecnologia para transformar o ensino da Matemática, mas também a relevância do professor e do seu conhecimento profissional. Neste artigo adota-se uma metodologia qualitativa, com base em estudo de caso, e analisam-se dois episódios da prática de uma professora no âmbito do estudo de funções no 10.º ano de escolaridade, tendo por base o modelo do Conhecimento para Ensinar Matemática com a Tecnologia (KTMT). A intenção é caracterizar o conhecimento da professora a partir da sua prática, compreendendo simultaneamente como esta contribui para promover o desenvolvimento do conhecimento da professora. As conclusões alcançadas evidenciam a importância do modelo KTMT incluir na sua concepção aspetos realçados pela investigação sobre integração da tecnologia, determinantes na caracterização do conhecimento da professora. Mostram ainda a relevância da prática para o desenvolvimento do conhecimento da professora e a perspectiva dinâmica sobre o conhecimento que este modelo pode proporcionar.

Palavras-chave: Conhecimento Profissional, Tecnologia Digital, Conhecimento para Ensinar Matemática com a Tecnologia, Matemática.

Abstract: Research has highlighted the potential of technology to transform the teaching of Mathematics, but also the relevance of teachers and their professional knowledge. In this article, a qualitative methodology is adopted and two episodes of the practice of one teacher are analyzed in the scope of the study of functions in the 10th grade, based on the model of Knowledge for Teaching Mathematics with Technology (KTMT). The goal is to characterize the teacher's knowledge from her practice, simultaneously understanding how this contributes to promoting the development of the teacher's knowledge. The conclusions reached show the importance of including in the KTMT conception aspects highlighted by the research on technology integration. These aspects are determinant to characterize the teacher's knowledge. They also show the relevance of the practice for the development of the teacher's knowledge and the dynamic character of the vision of knowledge offered by KTMT.

Keywords: Professional Knowledge, Digital Technology, Knowledge for Teaching Mathematics with Technology, Mathematics.

Resumen: La investigación ha puesto de relieve el potencial de la tecnología para transformar la enseñanza de las matemáticas, pero también la relevancia de los docentes y sus conocimientos profesionales. Este artículo adopta una metodología cualitativa y analiza dos episodios de la práctica docente en el contexto del estudio de funciones en el décimo grado, basado en el Modelo de Conocimiento para la Enseñanza de las Matemáticas con Tecnología (KTMT). La intención es caracterizar el conocimiento del docente desde su práctica, entendiendo simultáneamente cómo esto contribuye a promover el desarrollo del conocimiento. Las conclusiones alcanzadas muestran la importancia del modelo KTMT incluir en su concepción aspectos destacados por la investigación sobre la integración de la tecnología, determinantes en la caracterización del conocimiento del docente. También muestran la relevancia de la práctica para el desarrollo del conocimiento del docente y la perspectiva dinámica sobre el conocimiento que este modelo puede proporcionar.

Palabras clave: Conocimiento Profesional, Tecnología Digital, Modelo de Conocimiento para la Enseñanza de las Matemáticas con Tecnología, Matemáticas.

1 Introdução

Ensinar é, segundo Franke, Kazemi e Battey (2007), uma atividade relacional. Compete ao professor orquestrar o conteúdo, as suas representações e as relações entre alunos e entre estes e o professor.

De acordo com diversos autores, como Clark-Wilson, Robutti e Thomas (2020), Fauskanger (2015) e Rocha (2020a), o conhecimento do professor exerce uma influência significativa no que é feito na sala de aula e, consequentemente, sobre a aprendizagem dos alunos. É o conhecimento que o professor detém que determina as tarefas que são propostas, o ambiente de aprendizagem que é criado, a percepção que este desenvolve relativamente ao processo de aprendizagem e a sua capacidade para aprender a partir das interações com os alunos e para ajustar os planos iniciais à realidade com que se depara (LEIKIN E LEVAV-WAYNBERG, 2007) É igualmente o seu conhecimento que interfere com a integração que é feita da tecnologia e com a exploração das suas potencialidades (ROCHA, 2020a).

Diferentes modelos para conceptualizar o conhecimento profissional, e em particular o conhecimento profissional para ensinar com tecnologia, têm vindo a ser desenvolvidos e a servir de base a diversos estudos, por exemplo, o Conhecimento Tecnológico-Pedagógico do ConteúdoTechnological Pedagogical Content Knowledge (TPACK), de Misha e Koehler (2006), e o Conhecimento Pedagógico da Tecnologia — Pedagogical Technology Knowledge (PTK), de Thomas e Hong (2013). Contudo, a investigação com base em modelos de conhecimento tem sido alvo de algumas críticas pela forma como usa estes modelos, frequentemente com um foco maior na distinção entre os diferentes domínios do conhecimento do que na sua operacionalização (RUTHVEN, 2011). Têm igualmente sido apontadas orientações diversas, como a que coloca o foco no conteúdo e centra-se no conhecimento necessário para ensinar determinado conteúdo matemático com a tecnologia, ou a que coloca o foco na tecnologia e centra-se no conhecimento necessário para ensinar com determinada tecnologia (TABACH e TRGALOVÁ, 2019). A abordagem com base em modelos do conhecimento tem ainda sido apontada pelo foco numa abordagem estática (TABACH, 2011), não valorizando o carácter dinâmico do desenvolvimento profissional do professor e, especificamente, do seu conhecimento, um foco geralmente associado ao conhecimento profissional, que tendencialmente é considerado de uma forma desligada da prática, sem ter em conta a diferença que pode existir entre uma tarefa e o que esta preconizava e a sua implementação, como apontam Figueiredo, Costa e Linares (2021).

Neste artigo apoiamo-nos no modelo do Conhecimento para Ensinar Matemática com a Tecnologia — Knowledge for Teaching Mathematics with Tecnology (KTMT) (ROCHA, 2013, 2020a) para analisar o conhecimento profissional de uma professora no âmbito do ensino da funções. O foco da investigação centra-se na caracterização do conhecimento da professora; o objetivo é caracterizar o conhecimento da professora a partir da sua prática, evidenciando a forma como essa mesma prática contribui para o dinamismo do seu desenvolvimento profissional. Este é, aliás, o contributo deste trabalho relativamente a estudos anteriormente realizados no âmbito do conhecimento profissional.

2 A tecnologia e o ensino da Matemática

Há muito que foi reconhecido o potencial da tecnologia e, em particular da calculadora gráfica, para transformar a aprendizagem da Matemática, tendo em conta as oportunidades que esta oferece para os alunos investigarem e refletirem em torno de importantes ideias matemáticas e, consequentemente, alcançarem um maior nível de compreensão (GOOS e BENISSON, 2008). A liberdade que estas proporcionam relativamente à realização de cálculos, ao tratamento de informação e ao acesso rápido e eficiente que permitem a diferentes representações, criam oportunidades para a realização de diferentes tipos de trabalho e para um aprofundamento dos conceitos (ROCHA, 2020a, et al., 2016). Todas estas potencialidades levaram a que a tecnologia fosse frequentemente encarada como um catalisador para a mudança pedagógica, levando a uma aprendizagem caracterizada pela investigação, colaboração e uma compreensão da Matemática como conceitos ricos e interligados (CAVANAGH, 2005; VISEU e ROCHA, 2020).

A integração da tecnologia tem um impacto profundo sobre o que ocorre na sala de aula (TABACH e TRGALOVÁ, 2019), requerendo a adoção de novos estilos de ensino. Aliás, é ao nível da mudança das características do trabalho e de toda a dinâmica da sala de aula que alguns autores sugerem que ocorrerá o impacto mais profundo que a tecnologia pode ter sobre o ensino (DUNHAM, 2000). Diferentes autores tendem a destacar diferentes tipos de trabalho, mas todos dão particular realce à resolução de problemas e às tarefas de carácter exploratório ou investigativo (ROCHA, 2020a).

Um aumento do trabalho em torno de questões abertas e da exploração de conceitos por parte dos alunos são precisamente as razões mais apontadas para a criação de novas dinâmicas na sala de aula (CAVANAGH, 2005). A facilidade e rapidez com que os alunos podem traçar diversos gráficos tornapossível propostas de trabalho em que estes façam as suas próprias descobertas, usando a máquina como um instrumento de investigação. Todas estas mudanças acarretam uma diminuição do recurso à exposição por parte do professor e uma redução do assumir de um papel central pelo professor (CAVANAGH, 2005) e um deslocar do foco de tarefas de carácter procedimental para tarefas de carácter concetual (MONAGHAN, TROUCHE e BORWEIN, 2016).

A integração da calculadora gráfica, segundo Dunham (2000) e Mishra e Koehler (2006), entre muitos outros, tem um impacto profundo no ensino da Matemática, ao permitir mudanças não só ao nível dos objetivos que se pretendem alcançar, dos conteúdos abordados e dos métodos de avaliação, mas também ao nível da atitude do professor, da estrutura das aulas e da utilização que é feita do tempo, do papel assumido por professores e alunos, bem como das interações que se estabelecem entre estes.

O papel desempenhado pelo professor assume assim particular importância. No entanto, a relação entre o conhecimento profissional e as estratégias pedagógicas e a consequente utilização da calculadora gráfica é uma área que permanece largamente por estudar, como referem Doerr e Zangor (2000) e Kastberg e Leatham (2005). Trata-se de uma área que ganha uma cada vez maior relevância quando se começa a constatar que o papel das calculadoras gráficas permanece muito aquém dos objetivos preconizados por todos aqueles que apontaram as suas muitas potencialidades para a aprendizagem da Matemática (DUNHAM, 2000, ROCHA, 2020a).

Como referem Angeli e Valanides (2009), já não existem dúvidas relativamente ao potencial que a tecnologia, quando bem utilizada, tem para transformar o ambiente de ensino e aprendizagem. Durante anos o foco foi colocado na tecnologia em si e não na forma como esta era utilizada (MISHRA e KOEHLER, 2006), mas atualmente a grande questão deixou de dizer respeito à conveniência dos professores a integrarem nas suas práticas, para se passar a centrar em torno da forma como essa integração deve ocorrer (ANGELI e VALANIDES, 2009).

O conhecimento que os professores necessitam de possuir para poderem incorporar adequadamente a tecnologia nas suas práticas tornou-se uma área de interesse da investigação (MISHRA e KOEHLER, 2006). Ainda assim, os estudos realizados sugerem dificuldades dos professores em alcançar uma adequada integração da tecnologia, sendo que Angeli e Valanides (2009) atribuem a origem dos problemas que os professores enfrentam na integração da tecnologia a uma deficiente formação, muito apoiada na aquisição de competências técnicas relativamente à tecnologia e desligada do conteúdo a ensinar e da forma como este é ensinado. Mishra e Koehler (2006) partilham esta ideia, apontando a importância de se realizarem estudos que se centrem na forma como a tecnologia está a ser utilizada e relacionando essa utilização com o conhecimento detido pelo professor.

3 O conhecimento profissional

Numa caracterização que marcou a investigação na área, Shulman (1986) propõe sete categorias para o conhecimento profissional. O autor refere-se a um conhecimento pedagógico geral; dos alunos e das suas características; dos contextos educativos; dos fins, propósitos e valores da educação; do conteúdo; do currículo e a um conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK). Esta última categoria do conhecimento assumiu particular importância, tendo constituído ao longo das últimas décadas um grande foco de interesse e sido alvo de inúmeros estudos e reconceptualizações.

Caracterizações mais recentes destacam quatro grandes domínios do conhecimento profissional: o conhecimento da Matemática, do currículo, dos alunos e respetivos processos de aprendizagem e de ensino (ROCHA, 2013).

O conhecimento da Matemática envolve um conhecimento dos conteúdos a ensinar, abrangendo factos centrais, conceitos, teorias e procedimentos, conhecimento da estrutura que organiza e interliga as ideias, conhecimento das regras de prova e, ainda, um conhecimento da natureza da área do saber. É um conhecimento que vai para além do conhecimento matemático comum, em parte decorrente da prática profissional, e que permite ao professor reconhecer e interpretar as razões subjacentes aos erros dos alunos, usar representações adequadas dos conceitos matemáticos, analisar diferentes estratégias de resolução sugeridas pelos alunos e discutir com eles as suas abordagens. Trata-se de um conhecimento considerado umas vezes na sua globalidade e outras vezes organizado em dois domínios, como sucede na conceptualização de Hill e Ball (2009), que refere o conhecimento comum e o conhecimento especializado.

O conhecimento do currículo corresponde ao conhecimento que o professor detém do programa de Matemática, incluindo as grandes finalidades, os objetivos, as metodologias preconizadas, os recursos a utilizar e a articulação vertical e horizontal dos conteúdos. Envolve ainda o conhecimento de como articular adequadamente estes diferentes componentes.

O conhecimento dos alunos e dos seus processos de aprendizagem abrange o conhecimento das suas características e motivações, dos seus processos de aprendizagem, dos seus conhecimentos prévios e das dificuldades mais frequentes, assim como de aspetos culturais e sociais que podem interferir com a aprendizagem.

O conhecimento do processo de ensino engloba o conhecimento que o professor utiliza na sua prática letiva nas diferentes fases que a constituem: planificação, implementação e avaliação.

A relação entre os diferentes domínios do conhecimento e o conhecimento profissional envolvido no ensino da Matemática é, no entanto, aparentemente complexa, como reconhecem Ponte e Chapman (2006) que apontam a necessidade de a perceber melhor. Essa complexidade parece tornar-se ainda mais patente num contexto de integração da tecnologia.

4 O Conhecimento para Ensinar Matemática com a Tecnologia (KTMT)

Vários autores têm procurado desenvolver modelos para caracterizar o conhecimento do professor associado à utilização da tecnologia. De entre esses, merece destaque o modelo do TPACK, de Mishra e Koehler (2006), pela grande atenção de que tem sido alvo em muitos estudos. Ainda assim, este é um modelo que não tem em conta todos os resultados que têm vindo a ser alcançados nos inúmeros estudos que se têm focado na integração da tecnologia, o que de algum modo pode ser considerado uma limitação. Contudo, a ideia base do modelo, de alguma influência mútua entre domínios de conhecimento — aliás já presente no modelo de Hill e Ball (2009) — tem sido amplamente reconhecida. E estes são os pressupostos centrais que conduziram ao desenvolvimento do modelo do Conhecimento para Ensinar Matemática com a TecnologiaKnowledge for Teaching Mathematics with Technology (KTMT), que aqui se apresenta e que serve de base a este trabalho.

O KTMT pode ser visto como alicerçado num conjunto de domínios base: o conhecimento da Matemática, do currículo, do ensino e aprendizagem e da tecnologia. O conhecimento do currículo é no entanto considerado de uma forma transversal, por um lado influente sobre os demais domínios e, por outro lado, abrangente, incluindo as crenças e conceções do professor, bem como aspetos relativamente ao contexto em que o professor se encontra inserido. O conhecimento da tecnologia envolve as capacidades necessárias para operar com determinada tecnologia e consiste basicamente em saber como esta funciona, ou seja, o que faz e como faz — de um ponto de vista operativo —, uma conceptualização em linha com a presente noutros modelos. Os restantes domínios base considerados são conceptualizados em consonância com o constante noutros modelos do conhecimento e já aqui apresentado. A fusão entre os domínios relativos aos alunos e respetivos processos de aprendizagem e ao processo de ensino não se pretende constituir como uma verdadeira mudança, fundamentando-se apenas na pretensão de manter alguma simplicidade e no reconhecimento da existência de influências mútuas entre a forma como o professor conceptualiza a aprendizagem dos alunos e as opções de ensino que assume.

Este modelo, como já referido, pretende ainda reconhecer a importância de conhecimentos desenvolvidos na confluência de mais de um domínio, tal como a ilustração esquemática da Figura 1 pretende evidenciar. Hill e Ball (2009) mencionam a importância de conhecimentos que vão para além de um único domínio referindo-se, nomeadamente, ao conhecimento da Matemática e do ensino e ao conhecimento da Matemática e dos alunos. Mishra e Koehler (2006) reconhecem igualmente a importância deste tipo de conhecimentos dando-lhe grande relevância no modelo que desenvolveram. Contudo, as dificuldades que Cox e Graham (2009) descrevem detalhadamente ao tentar caracterizar de forma rigorosa estes conhecimentos lançam dúvidas relativamente à utilidade que um modelo de complexidade crescente poderá ter e sugerem que essa talvez não seja a melhor abordagem. No entanto, uma análise da literatura existente indicia um conjunto de conhecimentos associados à utilização da tecnologia que vão para além do conhecimento em cada um dos domínios base, mas que parecem ser necessários para o desenvolvimento de um conhecimento para ensinar Matemática com a tecnologia.


Figura 1
Modelo do Conhecimento para Ensinar Matemática com a Tecnologia — KTMT
(ROCHA, 2014)

Neste sentido, o KTMT, para além de conhecimento em cada um dos domínios base, engloba dois conjuntos de conhecimentos interdomínios:

1) Conhecimento da Matemática e da Tecnologia — Mathematics and Technology Knowledge (MTK)

Este é um conhecimento que se foca na forma como a tecnologia influencia a Matemática, enfatizando ou limitando certos aspetos e que inclui necessariamente:

  1. ▪ Conhecimento da fidelidade matemática da tecnologia, ou seja, conhecimento do nível de concordância entre os resultados apresentados pela Matemática e pela Matemática da tecnologia (DICK, 2008). E esta fidelidade pode não ocorrer por discrepância entre a tecnologia e a sintaxe matemática convencionada — por exemplo, quando a utilização de parênteses requerida pela tecnologia não coincide com a que seria feita na ausência desta — e por limitações devido à representação de fenómenos contínuos através de estruturas discretas, por exemplo, quando é traçado o gráfico de uma função trigonométrica com um período muito pequeno;

    ▪ Conhecimento das novas ênfases que a tecnologia coloca sobre os conteúdos matemáticos, por exemplo, incentivando abordagens mais intuitivas ou requerendo um domínio diferente da influência dos valores representados nos eixos coordenados sobre o aspeto do gráfico visualizado (ROCHA, 2016, 2020a; ROORDA et al., 2016; ZBIEK et al., 2007);

    ▪ Conhecimento de novas ordenações dos conteúdos (BOSLEY et al., 2007; DRIJVERS, 2013);

    ▪ Fluência representacional, envolvendo conhecimento de como alternar entre representações e das opções a tomar para melhor ilustrar ou fundamentar afirmações (ROCHA, 2016; ZBIEK et al., 2007).

2) Conhecimento do Ensino e Aprendizagem e da Tecnologia — Teaching and Learning and Techonlogy Knowledge (TLTK)

Este é um conhecimento que se foca na forma como a tecnologia afeta os processos de ensino e de aprendizagem, potenciando ou limitando certas abordagens e que inclui necessariamente:

  1. ▪ Conhecimento das novas questões que a tecnologia coloca aos alunos como, por exemplo, a procura por uma janela de visualização adequada (ROCHA, 2020b);

    ▪ Conhecimento da concordância matemática das tarefas propostas, ou seja, do alinhamento entre as intenções do professor e a Matemática efetivamente trabalhada pelos alunos (ZBIEK et al., 2007);

    ▪ Conhecimento de como articular diferentes tipos de trabalho, tirando partido das potencialidades disponibilizadas pela tecnologia e atribuindo ao aluno um papel mais ativo na aprendizagem (DUNHAM, 2000).

Por fim, o KTMT inclui Conhecimento Integrado — Integrated Knowledge (IK). Este é um conhecimento que articula simultaneamente o conhecimento em cada um dos domínios base e nos dois conjuntos de conhecimentos interdomínios.

5 Etapas de desenvolvimento do KTMT

As características do modelo KTMT sugerem três grandes etapas que parecem adequadas para concetualizar o desenvolvimento do conhecimento profissional detido pelos professores.

Assim, a etapa 0 é marcada por um grande foco no conhecimento da tecnologia. Nesta etapa o professor pode ter conhecimentos diversos relativamente ao funcionamento da tecnologia em questão, no entanto, não dispõe ainda de conhecimento da forma como a tecnologia interfere com os demais domínios do modelo KTMT. Como tal, a tecnologia constitui-se como o principal centro de interesse, sendo os restantes domínios alvo de uma atenção comparativamente inferior.

Na etapa 1, para além do conhecimento em cada um dos domínios do modelo, o professor já possui alguns conhecimentos interdomínios, ponderando a integração da tecnologia no âmbito do seu conhecimento da Matemática e da tecnologia (MTK) ou do seu conhecimento do ensino aprendizagem e da tecnologia (TLTK). Os conhecimentos interdomínios encontram-se, contudo, ainda numa fase intermédia do seu desenvolvimento, pelo que o professor não consegue ainda gerir a complexa tarefa de articular todos os domínios em simultâneo. Tenderá assim a focar-se nas influências mútuas entre a tecnologia e outro domínio, podendo, no entanto, este variar em função das circunstâncias.

Na etapa 2, o professor já possui o conhecimento necessário para articular os diferentes domínios em simultâneo, conseguindo assim uma integração efetiva da tecnologia. Uma vez alcançada esta etapa, o KTMT continuará, no entanto, a evoluir, aperfeiçoando-se e estreitando as articulações interdomínios, até que estas sejam tão fortes e profundas que conceber o ensino da Matemática sem o apoio da tecnologia requeira ao professor o desenvolvimento de um novo conhecimento.

A aferição do KTMT detido pelo professor terá por base as tarefas e respetiva implementação levada a cabo pelo professor, procurando inferir o conhecimento implícito. Este constitui um ponto de contacto com o modelo proposto por Angeli e Valanides (2009), contudo, enquanto os autores centram a apreciação do conhecimento na análise de uma única tarefa, neste modelo a análise foca-se preferencialmente num conjunto de tarefas, ponderado globalmente, que possa ser considerado representativo da prática do professor e do seu conhecimento. Repare-se que uma apreciação tarefa a tarefa, realizada de forma independente, poderia dar origem a uma situação semelhante à do modelo de Niess et al. (2009), em que a um mesmo professor podem ser atribuídas diferentes apreciações. Uma apreciação com base numa única tarefa, permite certamente identificar aspetos importantes do conhecimento para ensinar Matemática com a tecnologia (KTMT) detido pelo professor, mas poderá não ter a abrangência pretendida, por falta de representatividade.

6 Metodologia e contexto do estudo

Atendendo ao objetivo deste estudo, optou-se por uma metodologia de natureza qualitativa e interpretativa e pela realização de um estudo de caso, caracterizado como “um estudo empírico que investiga um fenómeno contemporâneo, num contexto real, especialmente quando a fronteira entre o fenómeno e o contexto não está claramente definida” (YIN, 2003, p. 13). No caso deste estudo, a sua contemporaneidade, a ausência de controlo da investigadora sobre os acontecimentos e as características das questões envolvidas, onde o como está explícito e o porquê implícito na tentativa de compreensão, justificam plenamente a opção pela realização de estudos de caso.

Designaremos por Carolina a professora participante. Esta é uma professora com mais de trinta anos de experiência profissional, adepta entusiástica da utilização de computadores no ensino da Matemática. Não tem, no entanto, experiência de utilização da calculadora gráfica, sendo este o segundo ano em que a utilizou com alunos do 10.º ano de escolaridade (16 anos). Na sua opinião, não sabe muito sobre o funcionamento da máquina, apesar de considerar que sabe o suficiente para a utilizar nas aulas com os seus alunos.

A recolha de dados decorreu numa escola pública portuguesa, ao longo de um ano letivo, com particular foco nas aulas em que estava previsto o estudo do tema Funções e a utilização de tecnologia. Esta recolha incluiu, para além de entrevistas com a intenção de conhecer melhor a professora e as suas opiniões, a observação de um conjunto amplo de aulas (14 aulas) e a realização de entrevistas antes e depois de cada aula. Todas as entrevistas e todas as aulas observadas foram áudio-gravadas.

As tarefas propostas pela professora aos alunos foram consideradas com estruturantes do trabalho. Para cada tarefa foram identificados episódios, que correspondiam a partes da aula — ou eventualmente toda a aula — em que a calculadora gráfica era utilizada. Os episódios foram então analisados com base no modelo KTMT e identificados momentos em que cada um dos domínios do conhecimento estava envolvido. Para cada domínio do conhecimento foram depois analisados os diferentes momentos identificados, analisadas as semelhanças e diferenças e ponderada a eventual evolução do conhecimento profissional.

Neste artigo, por questões de espaço, apresenta-se apenas a análise de dois dos episódios estudados. Os dois episódios que aqui se apresentam enquadram-se no âmbito do trabalho realizado pela professora com uma turma do 10.º ano durante o estudo do tema Funções. Estes episódios ocorreram na primeira aula dedicada ao estudo da função quadrática e na primeira aula dedicada ao estudo da função módulo, numa altura em que a professora expressava a sua preocupação relativamente ao seu atraso no cumprimento do programa, pois todas as suas colegas da escola que lecionavam o mesmo nível de escolaridade já iam mais avançadas.

7 A professora Carolina: dois episódios

O episódio 1

Ao iniciar o estudo da função quadrática, Carolina procurou envolver os alunos numa exploração em busca das principais características deste tipo de função, tendo por base uma ficha de trabalho. A ideia era que os alunos recorressem à calculadora para identificar as semelhanças e diferenças entre gráficos de funções da mesma família, mas as dificuldades surgiram logo com o estudo das funções do tipo ax2, como a própria professora reconhece:

P — Portanto… eu dizia-lhes para eles começarem por y = x2. A minha ideia era que a partir daí eles vissem que quando o a aumenta a abertura da parábola diminui, quando a é mais próximo de 0 a abertura da parábola aumenta. Mas eles começaram a atribuir assim valores à toa, sem nenhuma sequência, percebes? E às tantas já não sabiam qual era o gráfico que correspondia a que expressão. (…) Quer dizer, puseram na calculadora assim três ou quatro expressões e depois aquilo aparecia-lhes ali os gráficos e eles não faziam a mínima ideia qual era o gráfico de que função.

A forma aleatória como os alunos escolheram os valores a atribuir ao parâmetro ., tornava mais difícil a identificação do fecho ou abertura da parábola em função do valor escolhido. Uma vez que no visor da máquina tanto era traçada uma parábola com a concavidade mais fechada, como a seguir uma mais aberta e novamente uma mais fechada etc., o fecho e a abertura da parábola não se tornou evidente enquanto a calculadora traçava os gráficos. Depois de traçados todos os gráficos pela máquina, quando os alunos quiseram encontrar alguma relação entre o valor do parâmetro e a representação gráfica da função, já não sabiam que gráfico correspondia a que função.

Uma possibilidade teria sido recorrer a trace, para que a calculadora lhes associasse cada representação gráfica à expressão da função, mas os alunos não sabiam disso e a professora também nunca reparara que quando esta função é ativada no canto superior esquerdo do ecrã surge sempre a expressão da função que está a ser considerada. A professora optou então por recorrer a outra representação e pediu aos alunos para verem qual era a imagem de determinado objeto por meio de cada uma das funções, sugerindo que considerassem o valor 1. Perante as dificuldades dos alunos em compreender o que se pretendia com este procedimento, procurou simplificar o trabalho sugerindo-lhes que considerassem y1 = x2 e y2 = 2x2. No entanto, a reação dos alunos diferiu do que esperava:

P — Quer dizer, pensando eu que eles ali viam, pronto, uma imagem, então no caso do 1, era o dobro da outra. Portanto, se para o mesmo objeto uma imagem era o dobro da outra, o y = 2x2 tinha que ser a que tinha uma abertura mais pequena. Eles ficam-me parados e eu não sei. Quer dizer, eu às tantas digo assim: “Meu Deus, mas o que é que se está a passar?”

As dificuldades dos alunos acabaram por fazer com que a professora optasse por lhes indicar que considerassem apenas três funções, uma com a = 1 , outra com . maior que 1 e outra com a entre 0 e 1. Esta opção limitava significativamente a quantidade de representações gráficas observadas pelos alunos e, consequentemente, não ajudou os alunos a identificar o efeito da variação do parâmetro sobre o gráfico.

O episódio 2

Umas aulas mais tarde, ao iniciar o estudo da função módulo, Carolina tornou a considerar uma tarefa de carácter exploratório. Tem, contudo, presente a experiência anterior. A necessidade que então sentiu de limitar a abertura da tarefa, levou-a agora a conceber uma tarefa em que o trabalho proposto aos alunos se encontrava mais estruturado. Elaborou assim uma ficha de trabalho em que propunha o estudo de três famílias de funções módulo: | x | + b , | x - a | e | x - a | + b com a, b . Nos dois primeiros casos em estudo, a ficha previa que, em cada família de funções, os alunos visualizem o gráfico de | x | e o de mais três funções escolhidas pela professora — duas com um valor positivo para o parâmetro e uma com um valor negativo — e que os traçassem no referencial existente na ficha. A partir da observação dos gráficos deviam preencher um pequeno quadro indicando o domínio, contradomínio, zeros e coordenadas do ponto mínimo do gráfico. Depois disso os alunos deviam redigir um pequeno texto explicando qual a influência do parâmetro sobre o aspeto do gráfico das funções daquela família.

No terceiro caso em estudo, para além de | x | , a ficha determinava que fossem consideradas mais quatro funções com diferentes sinais para os parâmetros . e ., traçados os seus gráficos no referencial existente na ficha e preenchido um quadro em que era pedida a especificação dos valores dos parâmetros e das coordenadas do ponto mínimo do gráfico. Ao contrário dos casos anteriores, aqui não era pedida qualquer síntese relativamente ao efeito dos parâmetros sobre o aspeto do gráfico, sendo antes apresentados alguns gráficos de funções e pedida a respetiva expressão. Os primeiros gráficos apresentados pertenciam a esta última família de funções (com a 0 e b 0 ) e requeriam que os alunos, embora pudessem não ter escrito, tivessem intuído qual a influência dos parâmetros sobre o gráfico da função. Os restantes gráficos pertenciam a famílias de funções que não tinham sido estudadas (como c . | x | ou | d . x | ) e, portanto, pressuponham que os alunos se apercebiam disso e que faziam, por sua iniciativa, as explorações que considerassem necessárias.

A concretização da aula decorreu dentro das expetativas da professora tendo até, nalguns aspetos, ido para além destas. Sendo a parte inicial da ficha bastante estruturada, os alunos não revelaram dificuldades e mesmo a identificação do efeito geral do parâmetro não pareceu ser problemático. O único problema significativo prendeu-se com o registo dos gráficos no referencial da ficha. Uma vez que este se encontrava traçado sobre um quadriculado, era necessário ter presente a correta inclinação das semirretas. Este foi um aspeto de que alguns alunos se aperceberam, mas a maioria limitou-se a traçar algo visualmente semelhante ao apresentado no visor da máquina. Em qualquer dos casos, todos tiveram dificuldades. Uns pediram ajuda antes de fazer e os outros não se aperceberam da questão e traçaram o gráfico incorretamente ao copiarem algo visualmente de um ecrã que, por ser retangular, deturpa o ângulo formado com os eixos coordenados. A professora foi então apoiando os alunos, consciencializando-os da questão quando necessário e incentivando-os a socorrer-se dos seus conhecimentos sobre a reta.

Para além desta dificuldade, a professora identificou ainda uma outra relacionada com a janela de visualização escolhida pelos alunos. Tendo estes optado por utilizar sempre a janela standard, por vezes os gráficos ficam muito próximo uns dos outros, o que dificulta um pouco a visualização. Esta circunstância levou a professora a sugerir que fizessem uma ampliação. No entanto, os alunos não pareceram considerar esse um aspeto relevante, não tendo ocorrido a nenhum optar por uma janela de visualização idêntica à do referencial da ficha em que teriam de traçar os gráficos. A professora atribuiu as razões subjacentes a este aspeto a uma certa preguiça dos alunos, mas também ao facto das questões em torno da janela de visualização não terem sido ainda muito trabalhadas. A experiência dos alunos é mesmo um aspeto a que a professora dá destaque na realização de aulas com as características desta. Na sua opinião, a familiarização dos alunos com o tipo de tarefa que lhes estava a ser proposto nesta aula foi determinante. Aliás, ao refletir sobre os acontecimentos relativos à função quadrática (episódio 1) e que Carolina considera exemplificativos de uma aula que correu mal, já levantara essa hipótese ao questionar-se: Será que lhes estou a exigir demais? Será que o estou a fazer cedo demais?

Análise do KTMT implícito

Ao preparar a aula sobre a função quadrática, Carolina parece ter presente o seu conhecimento sobre a tecnologia, bem como as potencialidades desta para o desenvolvimento de um trabalho de natureza mais exploratória por parte dos alunos. Ou seja, a professora apoiou-se não só no seu conhecimento da tecnologia (TK), mas também no seu conhecimento interdomínios ao nível do conhecimento do ensino aprendizagem e da tecnologia (TLTK).

No decorrer da aula, ao ser confrontada com as dificuldades dos alunos em associar gráfico e expressão analítica, apoiou-se nos seus conhecimentos interdomínios no âmbito da Matemática e da tecnologia (MTK), tentando articular diferentes representações. Surpreendida pelos obstáculos que esta abordagem pareceu colocar aos alunos, acabou por decidir limitar significativamente o carácter exploratório do trabalho inicialmente previsto. Parecem, assim, deixar de ser tidos em conta aspetos do conhecimento interdomínios ao nível do ensino aprendizagem e da tecnologia (TLTK) que, aquando da preparação da aula, tinham conduzido à adoção de uma abordagem de carácter exploratório.

A própria Carolina considerou que esta aula dedicada à função quadrática correu mal e procurou identificar aspetos que o possam justificar. Uma das decisões que marcou o desenrolar do episódio foi a restrição do carácter mais aberto da tarefa e, ao preparar a aula que serviu de base ao episódio 2, Carolina pareceu voltar a ponderar a questão. A tarefa proposta é mais estruturada, começando por dirigir por completo o trabalho dos alunos. Esta opção não parece, contudo, traduzir a intenção de abandonar o trabalho de natureza exploratória. As suas reflexões sobre os acontecimentos do episódio 1 parecem ter-se repercutido sobre o seu conhecimento ao nível do ensino aprendizagem e da tecnologia (TLTK) e Carolina parece estar a tentar preparar os alunos, começando por gerir o seu trabalho, numa primeira fase, para depois lhes dar total autonomia, numa fase posterior. Repare-se que a ficha prevê que os alunos não só estudem as novas famílias de funções, mas também que as identifiquem.

No decorrer deste segundo episódio, ao lidar com a dificuldade dos alunos em traçar o gráfico das funções no papel, a professora procurou socorrer-se de anteriores conhecimentos matemáticos, incentivando a compreensão e rejeitando apoiar-se simplesmente na tecnologia (MTK). Bastaria ter feito surgir sobre o gráfico uma grelha análoga ao quadriculado do papel — algo que fez noutra ocasião — e a escolha de uma janela igual à da representação no papel teria tornado o registo do gráfico trivial. A opção da professora parece assim indiciar uma valorização da articulação de informações provenientes de diferentes vias e uma mobilização do seu conhecimento interdomínios ao nível do ensino aprendizagem e da tecnologia (TLTK).

Os acontecimentos da aula de Carolina, no episódio 1, parecem ter sido despoletados pelo desconhecimento de uma das potencialidades da função trace, ou seja, por um desconhecimento relativamente insignificante ao nível da tecnologia (TK), mas as abordagens que são escolhidas indiciam aspetos importantes do seu conhecimento para ensinar Matemática com a tecnologia (MTK). Existem naturalmente outros fatores que interferem com as opções que a professora toma, sendo aqui particularmente evidente o fator tempo. A opção por restringir o número de representações gráficas observadas pelos alunos é influenciada por este fator, no entanto, o fator mais influente pareceu prender-se com a reduzida experiência da professora na utilização da calculadora gráfica com alunos. Parece assim natural que o seu conhecimento para ensinar Matemática com a tecnologia (KTMT) se encontre numa fase intermédia de desenvolvimento e que a articulação simultânea dos conhecimentos interdomínios ao nível da Matemática e da tecnologia (MTK) e ao nível do ensino aprendizagem e da tecnologia (TLTK) nem sempre ocorra.

Os dois episódios aqui descritos sugerem, no entanto, desenvolvimentos ao nível dos conhecimentos interdomínios. A experiência do primeiro episódio parece ter sido integrada no conhecimento da professora, proporcionando desenvolvimentos nomeadamente ao nível do seu conhecimento interdomínios no âmbito do ensino aprendizagem e da tecnologia (TLTK). Com efeito, o episódio 2 parece sugerir uma maior articulação entre conhecimentos, tirando partido das potencialidades da tecnologia, atribuindo ao aluno um papel mais ativo e incentivando a articulação entre informações provenientes de diferentes vias.

Não sendo ainda clara a existência de articulação entre as duas grandes áreas do conhecimento interdomínios (MKT e TLTK) é, no entanto, notória a existência de conhecimentos interdomínios e a sua influência sobre a prática letiva de Carolina.

8 Conclusão

O modelo do conhecimento para ensinar Matemática com a tecnologia (KTMT) pretende englobar domínios do conhecimento considerados relevantes pela investigação atual, atendendo simultaneamente às especificidades da tecnologia. São em particular reconhecidas implicações desta sobre os demais domínios do conhecimento e a necessidade do desenvolvimento de conhecimentos interdomínios, como requisito a uma integração plena da tecnologia na prática profissional. Estes conhecimentos interdomínios são considerados de tal forma fundamentais que constituem a base de análise do conhecimento detido pelo professor.

Este modelo permite, para além de caracterizar o conhecimento profissional, identificar áreas que devem ser alvo de atenção ao ser projetado o futuro desenvolvimento profissional do professor. Não se limita assim a categorizar ou a apontar lacunas, mas identifica áreas específicas que carecem de atuação. No caso concreto de Carolina, sugere que os seus conhecimentos interdomínios se encontram numa fase de desenvolvimento, pelo que poderia ser particularmente relevante proporcionar ocasiões de reflexão em torno deste tipo de conhecimento, procurando incentivar uma consideração simultânea das duas áreas de conhecimentos interdomínios (MKT e TLTK), algo que, até ao momento, a professora parece nem sempre fazer.

Este modelo permite ainda trazer para primeiro plano aspetos reconhecidamente importantes. É o caso das representações, usualmente apontadas como uma das grandes potencialidades da utilização da tecnologia (KAPUT, 1992), mas também reconhecida pela complexidade que a transição entre representações envolve, tanto para alunos como para professores (DREHER, KUNTZE e LERMAN, 2016, ROCHA, 2020a). Neste estudo esta é uma situação que surge em qualquer dos episódios — quando a professora procura incentivar os alunos a recorrer a uma representação numérica para relacionar as representações algébrica e gráfica – episódio 1; quando a professora procura ajudar os alunos a representar adequadamente as retas – episódio 2 — e que elucida relativamente à importância de desenvolvimento do conhecimento profissional.

A especificidade que os itens que integram os conhecimentos interdomínios trazem ao modelo, permitem uma abordagem muito mais focada e relevante para o ensino da Matemática do que a que acontece com base em outros modelos. E isto mesmo quando consideramos modelos específicos para a Matemática — como, por exemplo o desenvolvido por Hill e Ball (2009) —, mas que não incluem na conceptualização do modelo os contributos que a investigação em torno da tecnologia tem proporcionado.

Mas existem outros aspetos importantes que a aplicação do modelo vem enfatizar. É o caso da atenção às opções pedagógicas que a tecnologia vem permitir (CAVANAGH, 2005; DUNHAM, 2000), que está igualmente presente nos episódios analisados, nos quais foram propostas tarefas de carácter investigativo em que a tecnologia assumiu um papel importante. As características do trabalho proposto aos alunos geraram dificuldades evidentes, que levaram a professora a refletir, mobilizando o seu conhecimento sobre os alunos e este tipo de tarefas. Um processo relevante e promotor de novo conhecimento.

Como se percebe, há ainda um longo caminho a percorrer na compreensão do conhecimento profissional e da influência deste sobre a integração que é feita da tecnologia. A carecer de aprofundamento ficam naturalmente algumas questões, nomeadamente as características das experiências que melhor poderiam contribuir para incentivar a articulação simultânea das duas grandes áreas dos conhecimentos interdomínios. Contudo, este estudo evidencia a forma como o modelo KTMT permite estabelecer relações entre a prática e o conhecimento do professor, assumindo o conhecimento profissional de forma dinâmica, tal como valorizado por Tabach (2011), e possibilitando ainda a identificação da forma como o conhecimento evolui em articulação com a prática.

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