Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Reflexões de professoras dos Anos Iniciais sobre um processo formativo em Estatística
Reflections by Elementary School teachers on a formative process in Statistics
Reflexiones de los maestros de los primeros años sobre un proceso formativo en las Estadísticas
Educação Matemática Debate, vol. 4, 2020
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê — Formação de Professores que ensinam Matemática


Recepção: 30 Junho 2020

Aprovação: 21 Setembro 2020

Publicado: 21 Outubro 2020

DOI: https://doi.org/10.46551/emd.e202051

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar as avaliações feitas pelas professoras dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental no projeto de pesquisa intitulado “Desenvolvimento Profissional de Professores que ensinam Matemática” (Projeto D-Estat), no ano de 2018. O Projeto tem como objetivo investigar as experiências de aprendizagens estatísticas de professores que ensinam Matemática no Ensino Fundamental, no âmbito de um grupo colaborativo, visando o desenvolvimento profissional durante o processo formativo. A pesquisa utiliza a metodologia qualitativa numa perspectiva de pesquisa-ação. O artigo apresenta reflexões teóricas sobre desenvolvimento profissional e formação de professores, considerações sobre Sequência de Ensino e Ciclo Investigativo. Como recurso metodológico foi utilizado a entrevista narrativa, no formato de roda de conversa. As análises dão indício de um caminhar das professoras rumo ao desenvolvimento profissional e uma melhor compreensão de como trabalhar o pensamento estatístico de seus alunos. As narrativas orais e escritas das professoras mostram a importância da participação em processos formativos para o desenvolvimento profissional.

Palavras-chave: Estatística, Formação de Professores, Desenvolvimento Profissional, Sequência de Ensino, Trabalho Colaborativo.

Abstract: This article aims to analyze the evaluations made by the teachers of the participation of elementary school teachers in the research project entitled “Professional Development of Teachers who Teach Mathematics” (Project D-Estat), in the year of 2018. The Project aims to investigate the statistical learning experiences of teachers who teach mathematics in elementary school, within the scope of a collaborative group, aiming at professional development during the training process. The research uses qualitative methodology in an action research perspective. The paper presents theoretical reflections on professional development and teacher education, considerations on Teaching Sequence and Investigative Cycle. As a methodological resource, the narrative interview was used, in the format of a conversation circle. The analysis of the results gives evidence of a path taken by the teachers towards professional development and a better understanding of how to work the statistical thinking of their students. The teachers' oral and written narratives demonstrate the importance of participation in training processes for professional development.

Keywords: Statistics, Teacher Education, Professional Development, Teaching Sequence, Collaborative Work.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar evaluaciones realizadas por los docentes de los primeros años de la escuela primaria en el proyecto de investigación titulado "Desarrollo Profesional de Profesores que enseñan Matemáticas" (Proyecto D-Estat), en 2018. El proyecto tiene como objetivo investigar las experiencias de aprendizaje estadístico de los profesores que enseñan Matemáticas en la escuela primaria, dentro de un grupo colaborativo, con el objetivo del desarrollo profesional durante el proceso formativo. La investigación utiliza la metodología cualitativa desde una perspectiva de investigación de acción. El artículo presenta reflexiones teóricas sobre desarrollo profesional y formación del profesorado, consideraciones sobre Secuencia Docente y Ciclo de Investigación. Como recurso metodológico se utilizó la entrevista narrativa, en formato de círculo de conversación. El análisis de los resultados da evidencia de un paseo de los profesores hacia el desarrollo profesional y una mejor comprensión de cómo trabajar el pensamiento estadístico de sus estudiantes. Las narrativas orales y escritas de los profesores muestran la importancia de la participación en los procesos formativos para el desarrollo profesional.

Palabras clave: Estadísticas, Formación del Profesorado, Desarrollo Profesional, Secuencia de Enseñanza, Trabajo Colaborativo.

1 Introdução

A Estatística está presente nas diversas áreas das ciências e na sociedade. A capacidade de compreensão das informações e organização dos dados de forma coerente é o papel do pensamento estratégico dentro do entendimento estatístico, que geram questionamentos, como: O que fazer? Como fazer?, ou seja, refletir de modo crítico e tomar decisões. A Estatística, segundo o National Council of Teachers of Mathematics(NCTM, 2000), consiste em uma ferramenta para a organização, representação e tratamento dos dados relativos a situações reais, que dote os alunos da capacidade de apreciar de forma esclarecida e crítica os seus usos em diversos domínios, sobretudo na comunicação social.

Investigadores da área do ensino de Estatística (LOPES e FERNANDES, 2014;CAZORLA, SILVA JÚNIOR e SANTANA, 2018) defendem que, ao planejar o ensino desta área do conhecimento matemático, é necessário criar situações-problema que possibilitem o desenvolvimento da literacia, do raciocínio e do pensamento estatístico. A fim de alcançar o proposto pelos referidos autores e autoras, uma possibilidade é o professor elaborar as atividades de ensino de Estatística baseado em Sequência de Ensino, a qual deve conter atividades investigativas, que valorizem o conhecimento dos alunos e intensifiquem a interação professor e aluno. Este trabalho pode ser proposto e implementado na formação contínua de professores, de modo a favorecer o seu desenvolvimento profissional.

O presente artigo tem como objetivo analisar as avaliações feitas por professoras, que atuam na Educação Básica, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, de uma escola pública municipal, sobre a participação no projeto de pesquisa intitulado Desenvolvimento Profissional de Professores que Ensinam Matemática (Projeto D-Estat). Como recurso metodológico foi utilizada a entrevista narrativa, no formato de roda de conversa, por considerar que a singularidade e a pluralidade das narrativas podem fornecer pistas significativas sobre o processo de formação do professor. O Projeto D-Estat tem como objetivo geral investigar as experiências de aprendizagens de professores, que ensinam Matemática no Ensino Fundamental, no âmbito de um grupo colaborativo, visando o seu desenvolvimento profissional (SANTANA e CAZORLA, 2018). A proposta do Projeto está fundamentada em um processo formativo pautado no modelo Reflexão-Planejamento-Ação-Reflexão (RePARe). Trata-se de um modelo de prática formativa de professor em serviço num formato espiralar, concebida por Magina et al. (2018) a partir da prática de pesquisa com formação de professores de Matemática, utilizando-se a perspectiva do trabalho colaborativo, no qual professores e escolas atuam em parceria com pesquisadores, estudantes de graduação e de pós-graduação.

A dinâmica desse modelo de formação, segundo Santana, Ponte e Serrazina (2020), toma como base um processo dialético de reflexão-planejamento-ação-reflexão, formando um movimento espiralar crescente que se torna mais largo, em termos de conhecimento, em cada volta percorrida. Pode servir de base para o desenvolvimento de pesquisas que foquem a formação do professor ou a aprendizagem dos estudantes. É preciso definir previamente os conhecimentos curriculares e didáticos que devem movimentar as espirais a traçar. Um fator a atender é que, para que ocorra o desenvolvimento do processo formativo, a quantidade de espirais a serem utilizadas depende das circunstâncias desse processo. Existem três termos basilares da espiral: ação, planejamento e reflexão. A ação será ação diagnóstica inicial e ação em sala de aula. A reflexão pode ser teórica ou empírica e o planejamento pode ser realizado em pequeno ou em grande grupo[1].

Este texto inicialmente apresenta breves reflexões teóricas sobre desenvolvimento profissional e formação continuada de professores, por considerar que são conceitos que não podem ser vistos de forma isolada, tendo como referência os autores: Marcelo Garcia (1999), Ponte (1998,2014), Day (2001), Mizukami (2006), e Ferreira (2006). Os referidos autores estudam e pesquisam sobre formação e desenvolvimento profissional de professores, de modo a pensar em estratégias para o desenvolvimento de um processo formativo de professores, como também para formadores de professores. O texto também traz reflexões sobre Sequência de Ensino e Ciclo Investigativo. É apresentado o Percurso Metodológico e a Descrição e Análise dos Dados, os relatos orais e escritos, no coletivo e no individual, de uma reflexão avaliativa das professoras, em relação ao processo formativo, que participaram do Projeto D-Estat no ano 2018.

Dessa forma, para analisar e discutir tais questões, procuramos, neste artigo, responder à seguinte questão de pesquisa: Como as professoras dos Anos Iniciais, participantes de um projeto de formação continuada, avaliam o processo formativo que ocorreu no ano letivo de 2018? Para responder a essa pergunta, algumas categorias de análise foram levantadas: (i) conhecimento estatístico; (ii) atuação da equipe formativa; (iii) acompanhamento de suas ações pelo grupo formativo; (iv) datas, períodos, local e carga horária dos encontros formativos; e (v) estrutura dos encontros e atividades desenvolvidas.

Compreender as aprendizagens, os conhecimentos mobilizados, bem como o desenvolvimento profissional do professor, impulsionado por um processo formativo, pode possibilitar ao professor momentos de diálogo entre teoria e prática, favorecendo um espaço de reflexão e planejamento num grupo colaborativo.

2 Formação e Desenvolvimento Profissional do Professor

Os processos de aprender a ensinar, de aprender a ser professor e de desenvolvimento profissional de professores são lentos e longos, iniciam-se antes do espaço formativo dos cursos de licenciatura e se prolongam por toda a vida e a escola ou outros espaços de conhecimento são contextos importantes nessa formação. Segundo Mizukami (2006, p. 214), “a experiência pessoal e profissional são objetos de aprendizagem constante”.

Dentro de um contexto de profissões, encontra-se o professor, que se caracteriza por uma carreira que envolve constantes mudanças em seu percurso. O professor é ao mesmo tempo um membro de uma comunidade profissional e um aprendiz ao longo da vida, o que pressupõe desenvolvimento ao longo da carreira, precisando sempre estar se aperfeiçoando, adaptando- se às diversidades do ensino, diversidades institucionais.

Day (2001) traça uma retrospectiva das fases de evolução das tentativas de aperfeiçoamento e as necessidades do professor, evidenciando os acertos e erros dos projetos nos quais esses profissionais de diversos países foram submetidos durante vários anos. Nessa evolução de conceitos, distinguem-se duas perspectivas: a formação e o desenvolvimento profissional.

Day (2001), Ponte (1998), Marcelo Garcia (1999) e Ferreira (2006) evidenciam a necessidade de melhoria não somente na formação profissional, mas também no desenvolvimento profissional dessa categoria, justificando que o desenvolvimento do professor acarreta melhoria na escola.

Dessa forma, vemos que o desenvolvimento profissional pode ser promovido pela sua participação em processos formativos que proporcionem oportunidades de reflexão, participando de práticas sociais com um forte envolvimento e um suporte dado pelos grupos sociais em que participa. Com base nesta perspectiva, sete ideias fundamentais podem vir à tona, segundo Ponte (2014, p. 347), são elas: a “(i) colaboração; (ii) a prática como ponto de partida; (iii) o foco na aprendizagem do aluno; (iv) integração entre conteúdo e pedagogia; (v) investigação pessoal; (vi) mudança nos contextos profissionais; (vii) tecnologias e uso de recursos.”

A formação e o desenvolvimento profissional podem ser vistos em contraste:

[…] a formação representa um movimento de “fora para dentro”, do curso e do formador para o formando, enquanto o desenvolvimento profissional constitui um movimento de “dentro para fora”, do professor em formação para o ambiente onde está inserido. A formação atende sobretudo ao que o professor não tem e “deveria ter” e o desenvolvimento profissional dá especial atenção às realizações do professor e ao que ele se revela capaz de fazer […] (PONTE, 2014, p. 346).

No entanto, o mais importante é saber como combinar esses dois conceitos. Formação pode ser encarada de um modo mais amplo a favorecer o desenvolvimento profissional sem se subordinar apenas à transmissão do conhecimento (PONTE, 1998). Day (2001) traz uma visão mais abrangente sobre o desenvolvimento profissional:

O desenvolvimento profissional envolve todas as experiências espontâneas de aprendizagem e as actividades conscientemente planificadas, realizadas para benefício, directo ou indirecto, do indivíduo, do grupo ou da escola e que contribuem, através destes para a qualidade da educação na sala de aula. É o processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, revêem, renovam e ampliam, individual ou colectivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças, jovens e colegas, o conhecimento, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais para a reflexão, planificação e prática profissionais eficazes, em cada uma das fases das suas vidas profissionais (DAY, 2001, p. 20-21).

Apesar de concepções distintas dos autores, os dois conceitos reservam muitas familiaridades e representam um aspecto marcante da profissão docente. Em sintonia com as várias concepções do professor, há duas vertentes: i) as experiências de aprendizagem; prática de ensino e conhecimento didático; e ii) o planejamento de atividades para ocorrer na sala de aula diretamente com o estudante ou na comunidade escolar de maneira mais ampla.

A discussão acima, sob o ponto de vista de outros pesquisadores (LÔBO e CAZORLA, 2019;ANJO et al., 2019) que se debruçam sobre a formação e o desenvolvimento profissional docente, evidencia a importância da promoção de espaços de reflexão e discussão sobre a Educação Estatística, nos quais “o professor tenha suas expectativas e suas necessidades contempladas, superando o status de aperfeiçoamento, atualização e capacitação”(MENDONÇA e LOPES, 2017, p. 96). O ensino de Estatística, apesar de ser bem evidenciado nos programas curriculares, ainda é um assunto muito pouco abordado pelos professores em classes do Ensino Fundamental. Mais que isso, a Estatística também pode ser vista como um instrumento para realização de pesquisas científicas, como referenciam Cazorla, Silva Júnior e Santana (2018).

3 Sequência de Ensino no estudo da Estatística

Pode-se constatar nas bases curriculares anteriores à década de 1980 que, no Brasil, a Estatística e assuntos correlatos, como Probabilidade e Análise Combinatória, eram propostos apenas para os Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Somente em 1997, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais — PCN (BRASIL, 1997), é que a preocupação com o ensino de Estatística, bem como o seu enfoque, se fez presente já nos Anos Iniciais, constituindo-se, assim, em um grande avanço para esse campo de conhecimento.

Esse documento chama a atenção para a necessidade de se compreender as informações veiculadas, especialmente pelas mídias, para a tomada de decisões e fazer previsões que poderão ter influência não apenas na vida pessoal como de toda uma comunidade. Daí a importância e necessidade de a escola tratar conteúdos que permitam ao cidadão lidar com as informações que recebe cotidianamente, aprendendo a se relacionar com dados estatísticos, tabelas e gráficos, raciocinar utilizando ideias relativas à probabilidade e à combinatória (BRASIL, 1997).

Recentemente, foi aprovado novo documento referente ao currículo da Educação Básica, a Base Nacional Comum Curricular — BNCC (BRASIL, 2017), no qual a Estatística ganha contornos mais explícitos, tanto no nome da unidade, denominada Probabilidade e Estatística, quanto nas orientações, pois sugerem a abordagem de conceitos, fatos e procedimentos presentes em muitas situações-problema da vida cotidiana, das ciências e da tecnologia, no sentido de desenvolver habilidades para coletar, organizar, representar, interpretar, analisar dados em uma variedade de contextos reais[2], de maneira que os cidadãos possam fazer julgamentos e tomar as decisões conscientes (CAZORLA, SILVA JUNIOR e SANTANA, 2018). Neste documento, os conteúdos estatísticos estão presentes ao longo de todos os anos do Ensino Fundamental, expandindo-se a cada ano escolar e, no final deste nível de ensino, espera-se que os estudantes saibam definir população/amostra, variável, coleta, organizar e tratar dados, analisar informações estatísticas por meio de tabelas e gráficos, calcular e interpretar as medidas de tendência central (BRASIL, 2017).

Com essa ênfase dada à Estatística na BNCC, o professor pode propor e desenvolver junto aos alunos novas atividades e sequências de ensino que possam favorecer a aprendizagem da Matemática, em especial da Estatística. Para se trabalhar em contextos reais, é preciso que o professor planeje tarefas que possibilitem essa abordagem para contextos específicos, de modo que se aproxime e desperte ao máximo o interesse do estudante. Dessa forma, o professor pode planejar uma Sequência de Ensino, com vista numa aula investigativa por meio do Ciclo Investigativo PPDAC proposto por Wild e Pfannkuch (1999).

O Ciclo Investigativo PPDAC, proposto por Wild e Pfannkuch (1999), é constituído por cinco fases: Problema (P), que diz respeito ao conhecimento do contexto dos dados, definição do problema ou fenômeno a ser investigado; Planejamento (P), que inclui a definição das ações para a investigação; Dados (D), que inclui o processo de coleta de dados; Análise (A), que diz respeito ao tratamento e análise dos dados; e a Conclusão (C), que encerra a investigação sobre o problema colocado com um posicionamento crítico, reflexivo, com a comunicação dos dados (daí o nome PPDAC). Por fim, é possível a geração de novas ideias e novos questionamentos e, assim, pode-se gerar um novo ciclo.

Uma sequência didática pode ser entendida como um conjunto de atividades organizadas em etapas, de modo que estas estejam interligadas. É importante que, durante a elaboração e o planejamento da sequência, o professor tenha em mente o que pretende trabalhar e construir com seus alunos, de modo que sejam propostas atividades em diferentes níveis de complexidade. Considerando que uma sequência didática é uma parte de um planejamento maior, Andrade e Barbosa (2016, p. 39) afirmam que

[…] a sequência didática pode estar vinculada ao planejamento, visto que, cada etapa é delimitada por um plano de organização dos procedimentos a serem trabalhados. Cada conteúdo é pautado sob um determinado tema, prevendo a ordem nas quais as atividades serão propostas aos discentes, com a metodologia e os objetivos que compõem a estratégia de ensino escolhida.

Neste trabalho, uma sequência didática ou sequência de ensino se configura como um conjunto de situações elaboradas e dispostas de maneira que sejam abordados conceitos previamente selecionados para serem trabalhados.

4 Percurso Metodológico

Os pressupostos metodológicos assumidos nesta pesquisa se sustentam na abordagem qualitativa, de natureza descritiva e interpretativa, pois o método descritivo “tem como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno” (GIL, 2002, p. 42). Além disso, o método interpretativo requer “habilidades de observação, comparação, contraste e reflexões que todo humano possui” (ERICKSON, 1986, p. 157), fazendo uso da interpretação que privilegie observação e reflexão, de maneira sistemática e discutida. As professoras pesquisadoras frequentavam o ambiente pesquisado para, continuamente, observar e questionar os sujeitos da investigação com o objetivo de perceber “aquilo que eles experimentam, o modo como eles interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem” (BOGDAN e BIKLEN, 1991, p. 51).

Essa consideração se adéqua à pesquisa, uma vez que a análise de um processo de formação envolve fatores subjetivos, os quais não são mensuráveis, controláveis ou previsíveis, sobretudo quando o investigador se insere no contexto da pesquisa de forma ativa, agindo sobre ele com o intuito de provocar transformações. Dessa forma, a descrição cuidadosa e fiel dos acontecimentos é fator primordial para ampliar as possibilidades da observação e pertinência das análises empreendidas por outros (LUDKE e ANDRÉ, 1986).

A pesquisa também traz uma perspectiva de pesquisa-ação por caracterizar-se a uma investigação sistemática, coletiva, colaborativa, autorreflexiva e crítica. As suas metas são a compreensão da prática e a sua articulação com uma racionalidade ou filosofia da prática com vista a sua melhoria (DAY, 2001).

O contexto da pesquisa é uma escola pública da rede municipal de ensino de Teixeira de Freitas, cidade situada no extremo sul da Bahia. Participaram da pesquisa quatro professoras que atuam na Educação Básica, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A participação das professoras aconteceu de modo voluntário, após apresentação do Projeto pela coordenadora da pesquisa. As quatro professoras assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e serão identificadas com nomes fictícios, como forma de preservar a identidade. O grupo de formadores é composto por três professoras pesquisadoras do Departamento de Educação, Campus X da Universidade do Estado da Bahia (DEDC X / UNEB), uma coordenadora pedagógica do município e dois alunos do curso de Licenciatura em Matemática do DEDC X / UNEB.

O grupo descrito acima foi formado no início do mês de março do ano 2018 e está imerso em um grupo maior, numa rede colaborativa de pesquisadores oriundos de universidades públicas da Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, São Paulo e Lisboa (Portugal), que tem como interesse comum desenvolver um processo formativo de professores com o objetivo de investigar as experiências de aprendizagens de professores que ensinam Matemática no Ensino Fundamental, visando o seu desenvolvimento profissional. Tal processo está pautado na Reflexão-Planejamento-Ação-Reflexão, cuja intencionalidade é promover a construção, o planejamento e desenvolvimento de sequências de ensino em sala de aula, nova reflexão colegiada que permite a análise das potencialidades e dos limites da ação dos professores e da aprendizagem dos estudantes, dimensionado por um Ciclo Investigativo, conforme visto anteriormente. Trata-se do projeto intitulado Desenvolvimento Profissional de Professores que Ensinam Matemática (D-Estat), coordenado por pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Matemática Estatística e Ciências — GPEMEC, que busca desenvolver e validar, em conjunto com os professores participantes do processo formativo, sequências de ensino com conceitos estatísticos a serem estudados nas escolas, bem como analisar se a realização das sequências de ensino, desenvolvidas durante o processo formativo, contribui na aprendizagem dos estudantes.

O grupo de formadores, apresentado anteriormente, se reunia uma vez por semana, na universidade, para estudos, planejamento das atividades que seriam implementadas nos encontros formativos realizadas com as professoras participantes da pesquisa, na escola onde atuavam.

Em acordo com a direção da escola e com a Secretaria de Educação do Município, os encontros aconteciam uma vez por mês na escola onde as professoras atuavam, no horário designado para Atividade Complementar (AC). Eram momentos de estudos e formação sobre a temática do Projeto, neste caso a Estatística (Projeto D-Estat), e discussões sobre a prática pedagógica vivenciada na sala de aula. Além de todo esse movimento durante a formação, foi realizado o momento de acompanhamento, pelos formadores, das professoras em suas salas de aula, quando vieram aplicar a Sequência de Ensino a seus alunos. Nesta perspectiva, o processo formativo, baseado na Reflexão-Planejamento-Ação-Reflexão, se constituiu das seguintes ações, conforme Quadro 1.

Quadro 1
Planejamento do Processo Formativo

Elaborado pelas Autoras

Vale ressaltar que, além do planejamento do processo formativo, conforme Quadro 1, a aplicação da sequência com os alunos das professoras se deu em três etapas, sendo uma fora de sua sala de aula — quando eles preencheram o Cartão de Vacinação por nós elaborado —, e dois encontros de 2 horas em suas respectivas salas de aula, sempre com a observação e intervenção dos formadores.

A elaboração da sequência de ensino com as professoras, para ser aplicada aos seus alunos, foi realizada em parceria com o grupo de formadores já descrito anteriormente. O modelo da sequência segue os seguintes elementos: nome do professor; ano escolar em que será desenvolvida a sequência; temática; carga horária; conteúdos matemáticos a serem desenvolvidos; habilidades a serem trabalhadas de acordo com a BNCC; objetivos; recursos; metodologia na qual é planejada segundo as fases do Ciclo Investigativo PPDAC; avaliação; e referências.

Dentre essas ações, para este texto, apresentamos recortes das avaliações, feitas por meio de um questionário, realizadas com as professoras e os formadores sobre o processo formativo que ocorreu durante o ano 2018. Distinguiremos em avaliações conjunta e individual. A avaliação conjunta foi realizada na 5ª avaliação (reflexão), conforme Quadro 1, no formato de roda de conversa.

De acordo com o Projeto D-Estat, a formação deve ser considerada uma prática dialógica; o “formador torna possível que o autor da formação seja também autor de um discurso sobre a sua formação, este último terá acesso, pela sua palavra, ao sentido que dá à sua formação e, mais ainda, a si próprio” (CHENÉ, 1988, p. 90). Além de potencializar o processo de formação, a prática dialogada representa uma possibilidade de superação da fragmentação entre as teorias estudas e o sujeito em formação, prática de ensino que durante anos assolou, e que ainda é muito frequente, na formação de professores. A avaliação individual, está pautada nos seguintes questionamentos: (i) Conhecimento estatístico, (ii) Atuação da equipe formativa; (iii) Acompanhamento de suas ações pelo grupo formativo; (iv) Datas, períodos, local e carga horária dos encontros formativos; (v) Estrutura dos encontros e atividades desenvolvidas.

5 Descrição e Análise dos dados

Por questões éticas da pesquisa, conforme já falado anteriormente, serão usados os nomes fictícios para identificar as quatro professoras, sendo: Ana, Cláudia, Nice e Selma. Todas são graduadas em Pedagogia, concluíram o curso no período entre 2005 e 2010. Duas professoras possuem curso de Especialização na área de Educação, e três, curso de aperfeiçoamento em Estatística. São professoras que atuam na rede municipal e trabalham nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, sendo que apenas uma é efetiva, e as outras são contratadas — contrato de serviço temporário (REDA). Todas afirmam que gostam de ensinar conteúdos de Matemática e o contato com a Estatística se deu no exercício da prática de ensino.

Conforme o objetivo a que se propõe este artigo, serão apresentadas as entrevistas narrativas, no formato de roda de conversa, e escritas das professoras que revelam suas avaliações sobre o Projeto D-Estat. As análises das narrativas das professoras deram subsídio para a avaliação consistente do Projeto, na perspectiva de aprimorá-lo. Ademais, essas entrevistas podem produzir textos narrativos sobre as experiências das pessoas, expressando maneiras como os seres humanos vivem o mundo por meio de histórias pessoais, sociais e coletivas (MOURA e NACARATO, 2017).

No primeiro momento, ocorreu uma roda de conversa que foi filmada, com a autorização prévia e, posteriormente, transcritas as falas. A roda de conversa favoreceu um ambiente descontraído que permitiu às professoras ficarem à vontade para expressar suas opiniões, impressões e avaliação, a partir de um roteiro semiestruturado de questões elaborado pela equipe formadora. A avaliação oral no coletivo promoveu uma interação entre as professoras, ocasionando uma reflexão conjunta, rica em significados para o Projeto.

O segundo momento foi individual e escrito, um diálogo interno, o olhar avaliativo de cada uma das professoras participantes sobre o desenvolvimento do Projeto, a partir de questões formuladas previamente pelas formadoras.

Foi perguntado às professoras como elas consideraram que se deu o conhecimento estatístico durante a execução do Projeto.

Profa. Ana: Mediante os estudos e atividades desenvolvidas sobre a Educação Estatística, vale a pena ressaltar sobre a importância dos conteúdos nas Séries Iniciais.

Profa. Claudia: Direcionou melhor a forma de como devemos usar os gráficos e tabelas.

Profa. Nice: O conteúdo veio mostrar melhor a forma como devemos usar os gráficos e tabelas. Na maioria das vezes, usávamos de acordo com o conteúdo apresentado nas atividades dos livros e não dávamos muita explicação e importância. Após o projeto, os próprios alunos entenderam como é importante o uso dos gráficos e tabelas e que podem ser usados em todas as disciplinas e no dia a dia, como foi utilizado nas cadernetas de vacinação para saber quantos alunos estavam em dia com suas vacinas.

Profa. Selma: O conteúdo não é novo, mas me fez compreender melhor como trabalhar os gráficos e tabelas já apresentados nas atividades do livro do aluno.

Os depoimentos revelados pelas professoras vêm a reforçar o que preconiza a Base Nacional Comum Curricular — BNCC (BRASIL, 2017), que os conteúdos estatísticos devem estar presentes ao longo de todos os anos do Ensino Fundamental, expandindo-se a cada ano escolar. Além disso, na fala das professoras, há um reconhecimento de que o seu conhecimento estatístico-teórico é superficial (denominado por elas), e a participação no Projeto oportunizou a formação, sendo este conhecimento ampliado e aprofundado. A participação nos encontros de formação oportunizou reflexões diferenciadas sobre o conteúdo matemático, o que contribuiu de modo significativo para um outro olhar sobre o Projeto de formação em andamento. Além disso, destacam a importância de se abordar esse conteúdo nos Anos Iniciais (Profa. Ana). Sinalizam, também, uma melhor compreensão, especificamente, de como se faz tabelas e gráficos.

A partir das análises dos depoimentos das professoras, podemos afirmar que a participação no Projeto D-Estat ocasionou o reconhecimento da importância de se trabalhar com tabelas e gráficos nas aulas de Matemática e que esses conhecimentos podem ser utilizados em outras disciplinas (Profa. Selma e Profa. Nice).

A professora Nice ressalta o envolvimento dos alunos na sequência aplicada e que eles conseguiram estabelecer uma relação da Estatística com outras áreas do conhecimento. De fato, a equipe formadora também considera essa compreensão dos alunos enriquecedora, porém, não há indícios de que as professoras entenderam a Estatística como uma ferramenta de organização de dados para o desenvolvimento de um pensamento estratégico, nem tampouco, com segurança, identificaram a proposta metodológica fundamentada na sequência de ensino desenvolvido pelo ciclo investigativo. Por exemplo, quando questionadas sobre o desenvolvimento das fases do ciclo investigativo nas atividades realizadas na escola, obtivemos respostas vagas, como:

Profa. Nice: Sim, eu me lembro; com certeza […]. Eu entendi, porquê quando veio o tema de Geografia, depois disso eles lembraram […]; um aluno disse: “Esse gráfico, teacher, é igual aquele […] da vacina”.

Na avaliação em conjunto, as professoras detalharam sobre o conhecimento estatístico, ressaltando o modo de trabalho antes do Projeto, a experiência delas com o assunto, como observado nas falas abaixo:

Profa. Claudia: A gente trabalhava mais de ficar na reprodução. A gente pegava pronto esse daqui só ia pra lá [gesticulando]. E não construía a tabela, não levava os meninos para participar. Não.

Profa. Selma: Eu jamais consegui ver essa questão de variável, entrar dentro para conseguir ver esses detalhes, não. Foi bom.

Profa. Ana: Quem fez o PACTO tem tudo naqueles livrinhos, lá.

Profa. Selma: A pesquisa que fazíamos com os alunos antes da proposta trazida por vocês era superficial. Não aprofundado. Não buscávamos fonte, título, construíamos tabelas e gráficos, sem uma reflexão. Então, vendo a estatística como vocês trouxeram […], não. Se fosse para eu fazer sozinha, eu não daria conta.

Essas afirmações ilustram que o processo formativo parece conduzir as professoras a uma nova postura diante da sua ação pedagógica — conhecimento didático e a prática — e, dessa forma, é possível avaliar as ações implementadas visando à mobilização dos conhecimentos dos professores, bem como de suas perspectivas referentes aos processos de ensino e de aprendizagem. A partir de reflexões no coletivo, as professoras concluíram que:

Grupo de Professoras: A metodologia utilizada (neste caso, as sequências de ensino por meio do ciclo investigativo) foi propícia para a melhor compreensão do contexto estatístico.

É fato que mudar atitudes e práticas é um processo que implica tempo, motivação e empenho. Os professores encontram-se em diferentes níveis de disponibilidade para aprender e a cultura mais ampla da escola, bem como os contextos das políticas escolares nacionais e locais têm um impacto positivo ou negativo na capacidade dos professores de assumirem a responsabilidade para o seu próprio desenvolvimento (DAY, 2001).

Quando questionadas sobre a atuação da equipe formativa, e o acompanhamento no processo de formação, todas as professoras afirmaram que foi positivo e necessário para a formação e desenvolvimento profissional do professor.

Profa. Ana: Os encontros, a pesquisa, as palestras, a atuação da equipe de professores e alunos da UNEB permitiram e permitem ampliar cada vez mais o nosso horizonte profissional. Pudemos discutir e elaborar uma sequência de atividades levando em consideração os seguintes momentos: definição do tema, aproximação e envolvimento com o tema, busca e tratamento da informação, organização dos dados etc.

Profa. Claudia: A equipe apresentou vários modelos de como trabalhar, facilitando cada vez mais a participação dos alunos. O grupo ajudou a conduzir os trabalhos, tivemos palestras para esclarecimento quanto à importância da vacinação.

Profa. Nice: A equipe trouxe um modelo prático para facilitar o trabalho. Professores e alunos com capacidade e dedicação. Para mim foi uma experiência muito boa, me ajudou muito. A equipe ajudou a conduzir os trabalhos, juntamente com os alunos que participaram e entendiam que a falta da vacina causa doenças.

Profa. Selma: A equipe apresentou um modelo de fácil compreensão para facilitar o nosso trabalho junto ao aluno com praticidade e dedicação. Para mim, só acrescentou conhecimento. Houve o engajamento total da equipe. Estiveram junto ao aluno, preocupados com o entendimento de cada um com o assunto (estudo) proposto, nesse caso, a carteira de vacinação.

É possível destacar nas falas dessas professoras um reconhecimento do trabalho feito pelas formadoras em parceria e em colaboração. De fato, representa “um trabalho colaborativo, com um fluxo máximo possível de informações entre os agentes intervenientes” (DAY, 2001, p. 250), neste caso, as professoras da Educação Básica, a escola e professoras de uma universidade pública. De fato, “os cursos e as oportunidades de formação oferecidos pelas universidades terão certamente o seu papel, mas é o professor que é o principal protagonista do seu processo de crescimento” (PONTE, 2014, p. 346).

Em relação às datas, aos períodos, ao local e à carga horária dos encontros formativos, disseram as professoras:

Profa. Claudia: Aconteceram em períodos normais, onde, dentro dos ACs, o que nos prejudicou pelo pouco tempo disponível para a formação e a não realização do nosso planejamento semanal.

Profa. Nice: As datas aconteceram em período normal de aula, onde foi disponibilizado um período para que o Projeto acontecesse. As informações eram em períodos de AC da escola. Os encontros eram dialogados onde todos davam opiniões após receber as orientações dos professores e alunos do Projeto. Eram exemplos de como a Estatística funciona bem em vários campos ou em todos os campos onde é bem aplicada.

Profa. Selma: As datas talvez não foram o problema, mas o horário sim, por ser utilizado o nosso tempo de AC. A minha sugestão é que seja disponibilizado um período fora do horário do AC e que envolva um maior número de colegas.

Podemos observar nessa roda de conversa que um ponto de dificuldade enfrentado pelas professoras foi, de fato, o dia dos encontros, no dia de Atividade Complementar (AC). Aparentemente, esse detalhe de escolha de data foi inadequado e pode ter sido o motivo da não participação das demais professoras da escola. Porém, na 5a avaliação, a professora Selma descreve suas motivações para a permanência no Projeto.

Profa. Selma: Quando eu vi que era só nós quatro, eu falei: “Ah não, eu vou pular fora”. Aí veio aquele primeiro encontro da avaliação dos alunos. Eu não falei nada porque eu não estava bem, mesmo. E depois: “Ah não, vai ser cansativo, mais coisa para minha cabeça, mas eu devia ter falado antes porque senão fica chato”. Mas depois que eu me envolvi. Ai eu vi que era bom.

A análise do depoimento da professora permite afirmar que não é apenas a questão de data ou de horários de AC que determinam a participação num processo formativo, há outros fatores que contribuem, ou não, para a motivação dos professores participarem de projetos que promovem a formação e o desenvolvimento profissional, por exemplo, a busca por um conhecimento específico e pedagógico do conteúdo.

Por fim, queríamos que as professoras evidenciassem as impressões e considerações sobre a estrutura dos encontros e das atividades.

Profa. Ana: Porém, um dos pontos negativos foi o desânimo dos professores da escola em participar do Projeto pelo fato dos encontros acontecerem nos momentos de AC, isso nos deixava constrangidos, pois tínhamos que planejar em outro momento ou em casa mesmo.

Profa. Claudia: A estrutura dos encontros foi boa, muitos diálogos, com a participação dos estagiários do curso. Muito boas, onde exemplos de como a Estatística […], bem em vários campos ou melhor […], principalmente quando bem. Minha sugestão é que o curso seja realizado em um horário só para a formação, […] seria interessante a participação dos professores dos 5º anos. Nenhuma crítica, pois o grupo é bom [….].

Profa. Nice: Não tenho crítica, o grupo é dinâmico e desenvolve o Projeto com eficiência.

Profa. Selma: Muito boa. O assunto foi dialogado de forma clara e dúvidas tiradas tanto pelos professores como pelos alunos do Projeto. As atividades foram bem explicadas e proveitosas. Propiciaram o envolvimento da maioria dos alunos e as dúvidas esclarecidas no sentido de como funciona a Estatística. Só tenho elogios.

É importante destacar que, quando a professora Nice se refere às datas, local e carga horária, e quando as professoras Claudia e Selma se referem à estrutura dos encontros e atividades, elas também ressaltam essas ações de modo coletivo como, por exemplo, quando disseram “encontros dialogados”, “todos davam opiniões”. As falas das professoras nos remetem à concepção de trabalho colaborativo, em que todos “trabalham conjuntamente, se apoiam mutuamente, visando atingir objetivos comuns negociados pelo coletivo do grupo. As relações tendem a ser não hierárquicas, havendo liderança compartilhada e co-responsabilidade pela condução das ações” (FIORENTINI, 2004, p. 50).

Para além das respostas obtidas nos momentos planejados para a avaliação do Projeto, é preciso considerar os relatos, o comportamento e as reflexões feitas pelas professoras ao longo da formação. Todas as participantes relatavam as dificuldades e os benefícios na mudança de postura durante o exercício da prática pedagógica, principalmente a relação com o aluno. As professoras relataram que, após a formação, o objetivo maior é favorecer condições para que o aluno faça a interpretação da situação em pauta, e não mais a busca por palavras soltas, a fim de dar dicas para o aluno, o que caracterizaria a operação a ser realizada, sem a compreensão do conteúdo.

Essa mudança de atitude e de postura revelada na fala das professoras nos remete ao que Santana, Ponte e Serrazina (2020) afirmam, que após um processo formativo, as professoras conseguem lidar com o conhecimento dos processos de trabalho na sala de aula com mais confiança, passando a valorizar o pensamento e a participação dos alunos em suas aulas, não apenas para a Matemática, mas para todas as disciplina.

Uma dificuldade percebida pela equipe formadora durante o processo de formação foi o receio das professoras de se exporem e, também, de estabelecerem uma confiança em relação ao trabalho do grupo. Tal fato é compreensível, uma vez que “o desenvolvimento profissional requer tempo e oportunidades, bem como disposições e capacidades para os professores aprenderem com outros no local da escola e com elementos fora da escola” (DAY, 2001, p. 45). Aos poucos, o grupo foi se aproximando, diluindo as barreiras e construindo uma relação de confiança, e o Projeto D-Estat foi se desenvolvendo conforme os objetivos propostos.

6 Reflexões Finais — um olhar dos formadores

A análise realizada nos permite avaliar que a participação das professoras no Projeto favoreceu refletirem e reverem conceitos sobre o ensino da Matemática, mais especificamente de Estatista, ocasionando-lhes um desenvolvimento profissional nos moldes do que Day (2001) preconiza, ou seja, um processo em que os professores, enquanto agentes de mudança, têm a oportunidade, por meio da reflexão, das discussões, do diálogo e socializações de suas práticas, de reverem, renovarem e ampliarem, individual ou coletivamente, o seu conhecimento e suas habilidades em sala de aula que se reverberam em experiências de aprendizagem.

Para um olhar generalista, as professoras realizaram uma formação aos moldes de Ponte (1998), em duas etapas: “de fora para dentro”, com o estudo e reconhecimento das tabelas e gráficos não só como contidas em um livro didático, mas como agentes de informações e com as suas características (título, fonte, variáveis) valorizadas; e, por outro lado, “de dentro para fora”, quando perceberam uma dinâmica de aplicação de sequência estatística, com o envolvimento dos alunos, trazendo benefícios que perpassam sobre os conteúdos ensinados em uma sala de aula, como aconteceu nos estudos de Santana, Ponte e Serrazina (2020).

De acordo com os olhares das professoras participantes no Projeto, os seus estudantes observaram mudanças de atitudes da professora no desenvolvimento das aulas depois da participação no Projeto, o que os auxiliou no aprendizado como um todo.

Os momentos que tivemos de formação com as professoras permite-nos deduzir que as estratégias formativas por nós implementadas, neste caso, o estudo da Estatística por meio de sequência de ensino, favoreceram a produção de saberes docentes, o que proporcionou avanços no conhecimento das professoras, tanto de natureza específica quanto metodológica. Compreendemos essas características percebidas durante o processo formativo com um caminhar das professoras rumo ao desenvolvimento profissional e uma melhor compreensão de como trabalhar o pensamento estatístico de seus alunos. Isso demarca a essência do que buscamos no seio da atividade formativa: uma reflexão do professor, agente do processo rumo à modificação de sua prática, que não se realiza a partir de uma forma mecanizada e automática, mas situada com base no fundamento teórico-prático, desenvolvido durante o processo formativo.

Sobre a atuação das professoras universitárias, enquanto formadoras, nesta pesquisa, corroboramos com as palavras de Ferreira (2006), quando ela diz que não é apenas o futuro professor e o professor dos níveis Fundamental e Médio que precisam aprofundar seus saberes e aprimorar suas práticas, mas também o professor universitário, neste caso, os formadores e pesquisadores.

Com o Projeto D-Estat, esperamos contribuir com a cultura da pesquisa na escola, na qual os professores e os demais envolvidos assumam com autonomia o seu desenvolvimento profissional e a universidade possa cumprir com seu papel na promoção da produção de conhecimento para a Educação Básica, a fim de promover a mudança que se faz necessária, seja no professor, seja na escola ou nos formadores. Nesse sentido, corroborando com Cazorla, Silva Júnior e Santana (2018), acreditamos que se faz necessário fortalecer a parceria entre pesquisadores do Ensino Superior com os professores da Educação Básica e uma maior interlocução com as outras áreas do conhecimento.

Referências

ANDRADE, Jonatas Henrique da Costa; BARBOSA, Jéssica Milena Nascimento. O Laboratório de Ensino de Matemática: um recurso potencialmente motivador no curso de Pedagogia. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia) — Departamento de Educação. Universidade do Estado da Bahia. Teixeira de Feitas.

ANJO, Eliete Silva; NASCIMENTO, Sandra Paula Almeida; CAZORLA, Irene Maurício; SANTANA, Eurivalda Ribeiro dos Santos. O ensino de Estatística na formação para a cidadania nos anos iniciais. In: ENCONTRO BAIANO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 18, 2019, Ilhéus. Anais do XVIII EBEM: A sala de aula de Matemática e suas vertentes. Ilhéus: SBEM-BA, 2019, p. 1-12.

BOGDAN, Robert C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação qualitativa em Educação. Tradução de Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Porto: Porto Editora, 1991.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEB, 2017.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CAZORLA, Irene Maurício; SILVA JÚNIOR, Antônio Vital; SANTANA, Eurivalda Ribeiro dos Santos. Reflexões sobre o ensino de varáveis conceituais na Educação Básica. REnCiMa, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 354-373, 2018.

CHENÉ, Adèle. A narrativa de formação e a formação de formadores. In.Nóvoa, Antônio; FINGER, Matthias. (Org.). O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa: MS/DRHS/CFAP, 1988, p. 121-132.

DAY, Christopher. Desenvolvimento profissional de professores: os desafios da aprendizagem permanente. Porto: Porto Editora, 2001.

ERICKSON, Frederick D. Qualitative methods in research on teaching. In: WITTROCK, Merlin C. (Ed.). Handbook of research on teaching. 3rd ed. New York: MacMillan, 1986, p. 119-161.

FERREIRA, Ana Cristina. O trabalho colaborativo como ferramenta e contexto para o desenvolvimento profissional: compartilhando experiências. In: NACARATO, Adair Mendes; PAIVA, Maria Auxiliadora Vilela (Org.). A formação do professor que ensina Matemática: perspectivas e pesquisas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p. 149-166.

FIORENTINI, Dario. Pesquisar práticas colaborativas ou pesquisar colaborativamente? In: BORBA, Marcelo Carvalho; ARAÚJO, Jussara Loyola. Pesquisa qualitativa em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 47-76.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

LÔBO, Wériton de Souza; CAZORLA, Irene Mauricio. A Estatística à serviço da saúde do adolescente: o cartão de vacinação. In: ENCONTRO BAIANO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 18, 2019, Ilhéus. Anais do XVIII EBEM: A sala de aula de Matemática e suas vertentes. Ilhéus: SBEM-BA, 2019b, p. 1-12.

LOPES, Paula Cristina; FERNANDES, Elza. Literacia. Raciocínio e pensamento estatístico com Robots. Quadrante, Lisboa, v. 23, n. 2, p. 69-94, jul./dez. 2014.

LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MAGINA, Sandra; SANTANA, Eurivalda Ribeiro dos Santos; SANTOS, Aparecido dos; MERLINI, Vera Lúcia. Espiral RePARe: um modelo metodológico de formação de professor centrado na sala de aula. REAMEC, Cuiabá, v. 6, n. 2, 2018, p. 238-258, jul./dez. 2018.

MARCELO GARCIA, Carlos. Formação de professores: para uma mudança educativa. Tradução de Isabel Narciso. Porto: Porto Editora, 1999.

MENDONÇA, Luzinete de Oliveira; LOPES, Celi Espasandin. As aprendizagens geradas num grupo colaborativo de professores durante um estudo sobre moldagem matemática na Educação Estatística. Quadrante, Lisboa, v. 26, n. 1, p. 93-118, 2017.

MIZUKAMI, Maria das Graças Nicoletti. Aprendizagem da docência: conhecimento específico, contatos e práticas pedagógicas. In: NACARATO, Adair Mendes; PAIVA, Maria Auxiliadora Vilela (Org.). A formação do professor que ensina Matemática: perspectivas e pesquisas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p. 213-231.

MOURA, Jónata Ferreira de; NACARATO, Adair. A entrevista narrativa: dispositivo de produção e análise de dados sobre trajetórias de professoras. Cadernos de Pesquisa, São Luis, v. 24, n. 1, p. 15-30, jan./abr. 2017.

NCTM — National Council of Teachers of Mathematics. Principles and standards for school mathematics.Virgínia: NCTM, 2000.

PONTE, João Pedro da. Da formação do desenvolvimento profissional. In: ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA, 1998, Guimarães. Actas do ProfMat1998. Lisboa: APM, 1998, p. 27-44.

PONTE, João Pedro. Formação do professor de Matemática: perspectivas atuais. In: PONTE, João Pedro (Org.). Práticas profissionais dos professores de Matemática. Lisboa: Projeto P3M, 2014, p. 343-358.

SANTANA, Eurivalda Ribeiro dos Santos; CAZORLA, Irene Maurício. Desenvolvimento profissional de professores que ensinam Matemática: D-Estat. Projeto de Pesquisa. Ilhéus: Universidade Estadula de Santa Cruz, 2018.

SANTANA, Eurivalda Ribeiro dos Santos; PONTE, João Pedro da; SERRAZINA, Lurdes. Conhecimento didático do professor de Matemática à luz de um processo formativo. Bolema, Rio Claro, v. 34, n. 66, p. 89-109, abr. 2020.

WILD, Chris J.; PFANNKUCH, Maxine. Statistical thinking in empirical enquiry. International Statistical Review, v. 67, n. 3, p. 223-248, dec. 1999.

Notas

[1] Para maiores detalhes deste modelo, consultar trabalho de Santana, Ponte e Serrazina (2020).
[2] Referimo-nos a um contexto real como um conjunto de condições que envolvem o comportamento social, cultural ou dos hábitos dos estudantes, dos professores ou de um certo grupo de pessoas envolvidas em uma dada situação, bem como da observação ou experimentação de fenômenos da natureza (CAZORLA, SILVA JÚNIOR e SANTANA, 2018).


Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por