Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Permanência na Educação Superior Pública: um olhar de licenciandos em Matemática de duas universidades
Retention in Public Tertiary Education: a view of prospective Mathematics teachers’ from two universities
Educação Matemática Debate, vol. 4, 2020
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê — Formação de Professores que ensinam Matemática


Recepção: 29 Junho 2020

Aprovação: 14 Setembro 2020

Publicado: 17 Outubro 2020

DOI: https://doi.org/10.46551/emd.e202050

Resumo: A permanência de estudantes nas universidades públicas brasileiras continua sendo um dos grandes desafios da Educação Superior no país. Esta pesquisa visa identificar fatores que, na percepção de licenciandos em Matemática, são importantes para sua permanência nos cursos de graduação. Para tanto, realizamos um estudo qualitativo com estudantes de primeiro ano de cursos de Licenciatura em Matemática em duas universidades federais do Rio de Janeiro. Empregamos o software Iramuteq e a técnica de análise de conteúdo para analisar os dados. Três categorias principais emergiram dessa análise: acolhimento; aprendizado; estratégias de ensino. Nossos resultados sugerem que os licenciandos atribuem às atividades acadêmicas promovidas pelas instituições e às práticas dos formadores em sala de aula um papel fundamental para sua permanência nos cursos.

Palavras-chave: Permanência de estudantes na Educação Superior, Formação de professores, Licenciatura em Matemática.

Abstract: Retention of students in the Brazilian public universities is one of the main challenges for Tertiary Education in the country. This research aims to map out factors that, in the perception of prospective Mathematics teachers, are important for their retention in the undergraduate programs. For that purpose, a qualitative study was carried out with first-year students of mathematics teachers’ undergraduate programs at two federal universities in Rio de Janeiro. Software Iramuteq and content analysis technique were used for data analysis. Three main categories emerged from this analysis: welcoming; learning; teaching strategies. Our results suggest that the student regard the academic activities promoted by the university as well as the lecturers’ classroom practices as playing a crucial role for their retention in the programs.

Keywords: Retention of students in Tertiary Education, Mathematics teachers’ education, Pre-service Mathematics teachers’ education.

1 Introdução

Não são recentes as preocupações por parte de instituições de ensino superior (IES) com o enfrentamento dos diversos fatores que põem em risco a permanência de estudantes na universidade. Para Tinto (2006), a permanência é um dos grandes desafios nos contextos contemporâneos da Educação Superior, que desperta o interesse tanto da comunidade acadêmica como da sociedade. Paradoxalmente, como aponta Primão (2015) em um estudo que se aproxima do nosso trabalho, o tema ainda é pouco abordado em pesquisas brasileiras, e mesmo essas pesquisas, em geral, têm foco restrito no perfil socioeconômico de estudantes ingressantes no Ensino Superior. Consideramos que tal foco pode dar pouca evidência a fatores internos às IES que influenciem a permanência dos estudantes — isto é, pode dar mais destaque a atributos entendidos como inerentes aos próprios estudantes do que a aspectos institucionais das IES que contribuam ou não com sua permanência.

Além disso, a literatura de pesquisa aponta certa divergência sobre o fenômeno da permanência. Por exemplo, como observam Cislaghi (2008) e Tinto (2006), diversos trabalhos parecem se sustentar no pressuposto de que conhecer os motivos que levam estudantes a desistirem de cursos superiores basta para entender as razões daqueles que permanecem. Por outro lado, para Tinto (2006), a evasão de estudantes não é uma imagem refletida da permanência. Em concordância com o autor, consideramos que saber por que estudantes desistem não é necessariamente suficiente para delinear formas por meio das quais as IES podem ajudá-los a permanecer e ter sucesso nos cursos.

No presente estudo[1], empregamos uma metodologia quanti-quali para identificar fatores que, na percepção dos próprios estudantes, são importantes para sua permanência em cursos de Licenciatura em Matemática em duas universidades públicas do Rio de Janeiro. Dentre nossas motivações, encontram-se a identificação de uma lacuna nas pesquisas voltadas à permanência nos cursos da Licenciatura em Matemática e a ausência de levantamentos sistemáticos a esse respeito nas IES pesquisadas. Esperamos contribuir com a formulação de políticas institucionais voltadas para permanência de estudantes na educação superior pública no Brasil. Este estudo é parte da pesquisa de mestrado da primeira autora, orientada pelos outros dois autores, no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PEMAT-UFRJ).

2 Referencial teórico

2.1 Permanência de estudantes no ensino superior

Cislaghi (2008) delimita o conceito de permanência como “o objetivo final de um conjunto de políticas e programas institucionais para manter um estudante e, também, como a resultante de diversos fatores que levam o estudante decidir permanecer num curso superior no qual ingressou, até concluí-lo” (p. 66). Entendendo permanência na educação superior ao mesmo tempo como objetivo de políticas e como resultante de diversos fatores, nos alinhamos a Tinto (2006) na posição de que para entender os fatores que contribuem com a permanecia de estudantes na universidade não é necessariamente suficiente conhecer os motivos que os levam a evadir. O conhecimento de tais motivos não garante, portanto, o desenho de modelos de ação institucional que ofereçam critérios para o desenvolvimento de políticas de permanência de todos os estudantes. Segundo Tinto (2006), para que tais modelos sejam efetivos, devem articular programas específicos para os estudantes com ações de apoio às universidades e ao pessoal na direção desses programas — que entendemos ser composto por docentes e coordenadores.

Nossa revisão de literatura releva, ainda, que, pelo menos até meados dos anos 2000, a maioria das IES vinha localizando seus esforços para permanência de estudantes em ações complementares, que não olhavam especificamente para a sala de aula. A esse respeito, Tinto (2006) afirma que “a maioria das atividades de permanência foi acrescentada, em vez de integrada, à corrente principal da vida acadêmica institucional. As atividades de permanência eram então, como são hoje em dia, complementos à atividade universitária existente” (p. 3, tradução nossa). Cislaghi (2008) considera que a permanência é influenciada por um conjunto complexo de fatores, o que é confirmado por Maciel, Lima e Gimenez (2016) ao afirmarem que

permanecer na educação superior e concluí-la são ações determinadas por vários elementos e envolvem recursos humanos e econômicos, conjunto que representa, cada vez mais, esforços institucionais e o desenvolvimento de políticas específicas para favorecer o sucesso dos estudantes da Educação Superior pública. (p. 761).

2.2 Políticas de permanência

No âmbito das políticas públicas, visando ampliar as condições de permanência na educação superior pública federal, o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) é instituído pelo Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010, com os objetivos apresentados: “I – democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal; II – minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior; III – reduzir as taxas de retenção e evasão [...]” (BRASIL, 2010, p. 1).

O documento assinala, no artigo 3º, que ações de assistência estudantil do PNAES deverão ser desenvolvidas nas áreas de: moradia estudantil; alimentação; transporte; atenção à saúde; inclusão digital; cultura; esporte; creche; apoio pedagógico e acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades e superdotação. O artigo 5º estabelece que essas ações sejam destinadas prioritariamente a estudantes oriundos das redes públicas de educação básica ou com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio. Quanto à seleção de estudantes a serem beneficiados, o Decreto aponta, no artigo 3º, que caberá a cada instituição federal de ensino superior (IFES) definir os critérios e a metodologia de seleção (BRASIL, 2010). Assim, percebe-se que o Decreto 7.234 foi direcionado a estudantes de baixa renda, centrando-se, portanto, em fatores econômicos, entendidos como um problema externo à IES.

No âmbito acadêmico, como observa Primão (2015), a permanência de estudantes na educação superior configura-se como um campo recente de pesquisa. A autora destaca que são raras as teses e dissertações com a palavra-chave “permanência” no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); tendo sido a primeira dissertação e a primeira tese sobre o tema defendidas, respectivamente, em 2008 e em 2009. A autora afirma, ainda, que tanto políticas públicas como pesquisas acadêmicas sobre o tema têm se ancorado nas diretrizes do PNAES e que

no que se refere às políticas de permanência instituídas, podemos observar que tanto o Estado, por meio dos seus programas específicos, quanto as pesquisas realizadas no tocante à permanência, estão centradas na realidade dos estudantes carentes, expressando-se na defesa de uma assistência quase exclusivamente financeira, como se esse fosse o único fator ameaçador do discente em seu trajeto universitário. (PRIMÃO, 2015, p. 55, grifo nosso)

Embora reconheçamos que fatores econômicos sejam certamente determinantes para viabilizar a permanência de estudantes na universidade, entendemos, assim como Primão (2015), que a atenção a esses fatores pode não ser suficiente para garanti-la como um todo. Nesse sentido, entendemos que políticas institucionais de permanência devem levar em conta o conjunto complexo de fatores que as influenciam, como destacam Cislaghi (2008) e Maciel, Lima e Gimenez (2016).

Consideramos que, para além de garantir dos essenciais programas de apoio financeiro a estudantes identificados como carentes, tais políticas devem se basear em um olhar para si próprias por partes das IES — um olhar reflexivo e crítico para que contextos e que práticas propiciam a permanência de estudantes, e que contextos e que práticas contribuem com a sua evasão — de forma coerente com um projeto político de universidade pública, gratuita, democrática e comprometida com a redução de desigualdades sociais.

3 Questões de pesquisa e percurso metodológico

Tomando como base os trabalhos dos autores discutidos na seção anterior, buscamos com o presente estudo identificar fatores que contribuem com a permanência na educação superior, segundo a percepção dos próprios estudantes. Nosso estudo é motivado ainda, em particular por uma lacuna de pesquisas voltadas à permanência nos cursos da Licenciatura em Matemática; bem como pela ausência de levantamos a esse respeito em diversas IES públicas brasileiras, incluindo as que constituíram nosso contexto de investigação — Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Assim, procuramos responder à seguinte questão de pesquisa: Que fatores são reconhecidos por estudantes ingressantes nos cursos de Licenciatura em Matemática dessas duas universidades como importantes para sua permanência nesses cursos?

Esta pesquisa teve como contexto as duas IFES mencionadas, UFRJ e UNIRIO, ambas situadas na cidade do Rio de Janeiro e com ingresso de estudantes por meio do Sistema de Seleção Unificada (SISU). Os sujeitos foram todos os ingressantes nos cursos noturnos de Licenciatura em Matemática nas duas IFES no primeiro semestre letivo de 2018 (2018.1). Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, cuja produção de dados foi estruturada em dois momentos, em que foram usados dois instrumentos distintos: questionário e grupos focais (GF).

Nesse primeiro momento, referente ao questionário, nosso objetivo foi caracterizar o perfil socioeconômico dos licenciandos participantes, bem como identificar se o curso foi primeiro opção de ingresso na graduação. O instrumento foi auto-preenchido, entre a terceira e quinta semana após o início do semestre letivo 2018.1. Esse período de aplicação do instrumento foi escolhido por acreditarmos que os participantes já teriam alguma vivência no curso, o que poderia subsidiar suas respostas e, também, como uma forma de alcançar a maior quantidade de ingressantes possível. Assim, o questionário foi aplicado a um total de 85 estudantes, sendo 61 da UFRJ e 24 da UNIRIO. Todos os estudantes ingressantes de 2018.1 responderam ao questionário.

Quanto ao segundo momento, grupos focais (GF), a participação neles foi restrita a estudantes que: (a) tivessem participado do primeiro momento da pesquisa; (b) estavam cursando disciplinas da Licenciatura de Matemática em 2018.2, como uma forma de caracterizar que se tratava de estudantes que permaneciam no curso até aquele momento. Foi feito um convite de participação voluntária aos GF a todos que se enquadravam nessas duas condições. Participaram dos GF todos os estudantes que responderam positivamente a esse convite, totalizando 25 participantes, sendo 14 da UFRJ e 11 da UNIRIO. Para preservar o anonimato dos participantes, nos referimos a eles por meio de números, na forma “Participante n”.

Foram realizados dois GF — cada um com os participantes de cada uma das IFES —, nos meses de setembro e outubro de 2018. Visando evitar relações de hierarquia que comprometeriam os GF, os autores deste artigo não participaram dos mesmos, visto que: a primeira autora havia observado aulas de disciplinas, como parte da pesquisa de mestrado da qual este estudo é parte, podendo ser vista pelos licenciandos como um tipo de monitora; e os outros dois autores, orientadores da pesquisa, são docentes das IFES em que este estudo foi realizado. Os GF seguiram um roteiro estruturado em quatro grupos de questões: 1) sobre as primeiras impressões ao ingressar na universidade; 2) sobre escolhas profissionais; 3) sobre a avaliação do primeiro semestre letivo de curso; 4) sobre os motivos para a permanência.

Os dados produzidos neste momento da pesquisa foram analisados por meio do método de Análise de Conteúdo desenvolvido por Bardin (2011). Esse corpus de dados consiste de dois textos, um correspondente à UFRJ e o outro à UNIRIO, constituídos das declarações dos participantes. Como suporte para a análise qualitativa e apresentação dos dados foi utilizado o software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Iramuteq), que realiza cinco tipos de análises de dados textuais. Os textos que compõem o corpus de dados foram submetidos, por meio do software à análise de similitude, que

[...] se baseia na teoria dos grafos, possibilita identificar as coocorrências entre as palavras e seu resultado traz indicações da conexidade entre as palavras, auxiliando na identificação da estrutura de um corpus textual, distinguindo também as partes comuns e as especificidades em função das variáveis ilustrativas (descritivas) identificadas na análise. (CAMARGO e JUSTO, 2013, p. 516).

A análise de similitude foi representada por meio do gráfico “árvore máxima”, a qual é definida por Oliveira (2015) como um grafo que não terá a estrutura de árvore e ramificações e selecionando-se, para sua visualização, na aba configurações do software “comunidades” e “halo”, a que produzirá automaticamente formatos de representação em cores que irá realçar os grupos de palavras que estão relacionados e, a opção halo criará círculos coloridos de agrupamento.

4 Análise dos questionários: perfil socioeconômico

A Tabela 1, a seguir, apresenta os dados obtidos a partir do questionário, que se referem aos participantes do primeiro momento do estudo: os 85 ingressantes nos cursos de Licenciatura em Matemática das duas IFES em 2018.1, sendo 61 da UFRJ e 24 da UNIRIO.

Tabela 1
Perfil socioeconômico dos estudantes matriculados no primeiro período de Licenciatura de Matemática nas duas IFES investigadas em 2018

Dados da Pesquisa

Quanto ao gênero, o estudo mostra que 83,6% dos participantes da UFRJ e 58,3% dos da UNIRIO consistia de homens Cis. Esse dado sugere que os cursos de Licenciatura de Matemática nas IFES são formados por uma maioria de estudantes homens, o que pode ser reflexo da distribuição de gênero dos professores que ensinam Matemática na educação básica. Com relação à faixa etária, verificamos que a média de idade dos ingressantes nos cursos de Licenciatura em Matemática nas duas IFES em 2018.1 era de 24,5 anos, sendo que 67,2% dos participantes da UFRJ e 45,9% dos participantes da UNIRIO eram jovens, com faixa etária entre 18 e 22 anos. Assim, essa população é composta por estudantes acima da faixa etária esperada para ingressantes no ensino superior brasileiro, o que também pode ser observado no gráfico de caixas mostrado na Figura 1. Bardagi (2007) e Alkimin e Leite (2013) argumentam que, em virtude de recentes políticas do governo brasileiro (naquele momento) encontram-se nas universidades do país populações consideravelmente heterogêneas com respeito à idade.


Figura 1
Boxplot da idade dos estudantes matriculados no primeiro período de Licenciatura em Matemática das duas IFES investigadas em 2018
(Elaboração dos Autores)

Nossos resultados mostram que pouco mais da metade dos participantes (54, 65%) cursaram o Ensino Médio em escola pública, sendo 38 (62,3%) dos participantes da UFRJ e 16 (66,7%) daqueles da UNIRIO. Esses dados confirmam os achados de Felicetti e Morosini (2009), segundo os quais, graças às políticas de ações afirmativas e de cotas, tem-se um número significativo de estudantes egressos das redes públicas de educação básica nas IES brasileiras.

No que se refere à ocupação dos participantes, dos 79 que responderam a essa questão, 40 licenciandos (50,6%), juntando ambas IFES, declararam ter outra atividade além de estudar, incluindo estágios em empresas privadas e atividades acadêmicas remuneradas. Deduzimos que esse resultado pode se dever a condições socioeconômicas dos estudantes, em particular ao fato de alguns deles serem chefes de família ou precisarem contribuir com a renda familiar. Como Cislaghi (2008) verifica em sua pesquisa, a frequência regular ao Ensino Superior no Brasil demanda condições financeiras, e a maioria dos estudantes nessa etapa educacional trabalham. Em consonância com Tinto (1997), observamos que, para os estudantes que trabalham, a integração ao tecido acadêmico e social na universidade se dá somente — ou, pelo menos, quase exclusivamente — nos momentos de sala de aula. Essa reflexão reforça significativamente a importância de ações institucionais voltadas para a sala de aula, dentre as quais as práticas de professores formadores.

Sobre o local de residência dos estudantes das duas IFES, nossos dados mostram que 50.8% da UFRJ e 45.9% da UNIRIO residem na Zona Norte do município do Rio de Janeiro, 27.9% da UFRJ e 20.8% da UNIRIO na Zona Oeste do município, 14.8% da UFRJ e 4.2% da UNIRIO na Baixada Fluminense, e o restante (6.5% da UFRJ e 29.1% da UNIRIO) nas Zona Sul ou Centro do município do Rio de Janeiro ou em Niterói. Observamos que a UFRJ está localizada na Ilha do Fundão, Zona Norte do Rio de Janeiro, e a UNIRIO na Zona Sul da cidade.

Com relação à Maior grau de escolaridade dos pais, verificamos que o Ensino Médio foi o mais frequente na UFRJ (52.5%) e na UNIRIO (45.8%), enquanto que 24,6% da UFRJ e 12,5% da UNIRIO tinham concluído o nível superior, e 9,8% da UFRJ e 4,2% da UNIRIO possuíam pós-graduação. A escolaridade dos pais poderia se apresentar como um fator que impulsa o ingresso dos filhos ao Ensino Superior.

Verificamos que 95.1% dos estudantes da UFRJ e 87.5% da UNIRIO não se beneficiam de nenhum tipo de bolsa. Salientamos que as concessões de bolsas ou auxílios a estudantes, nas diferentes modalidades ofertadas pelas IFES estão sujeitas a critérios (sociais ou acadêmicos) específicos. Certamente, a disponibilidade de auxílios pode contribuir para diminuir o número de estudantes de baixa renda que precisam trabalhar durante os estudos universitários.

Algumas pesquisas sugerem que a escolha do curso universitário pode ser um fator agravante das taxas de desistência. Por exemplo, Gemaque e Souza (2016) e Rodriguez (2011) mostram que, frequentemente, a escolha do curso se baseia na facilidade de ingresso. Vasconcelos, Almeida e Monteiro (2009) apontam que muitos estudantes escolhem os cursos de segunda opção, devido aos pontos obtidos. Inspirados por essas pesquisas, incluímos no questionário a pergunta quanto à primeira opção para o ingresso na universidade. Em nossos resultados, 69 participantes escolheram a Licenciatura em Matemática como primeira opção, constituindo 80,3% dos participantes da UFRJ e 83,3% dos da UNIRIO.

Finalmente, observamos que nossos dados retratam a UFRJ como uma universidade mais elitizada em relação à UNIRIO em termos de composição social do alunado. Essa interpretação se baseia, em particular, nos fatos de que: na UFRJ, 36,1% dos estudantes que participaram do estudo são procedentes de escolas particulares, frente a 25% na UNIRIO; o nível de escolaridade dos pais é maior dentre os participantes da UFRJ.

5 Análise dos grupos focais: motivos para escolha do curso

A análise relatada nesta seção se baseia nas discussões nos GF a partir da pergunta: Por que vocês escolheram fazer Matemática/Licenciatura em Matemática? Devido à estrutura da ferramenta metodológica grupo focal, os participantes poderiam reagir a uma questão dessa natureza descrevendo diversas motivações e discursar livremente sobre o assunto. Os dados produzidos foram submetidos à análise de similitude com apoio do software Iramuteq.

Da análise de similitude, emergiram 3195 ocorrências, das quais 430 (ou 13,46%) são hápax (palavras que aparecem uma única vez). Foram identificadas cinco palavras que mais se destacaram nos discursos dos participantes, a saber: “matemática”, “professor”, “licenciatura”, “aula”, “ensino médio”. Dessas, se ramificam expressões, tais como: “sempre gostei”, “curso”, “matéria”, “professor de matemática”, “terceiro ano”, “muito boa”. Por meio dessa análise, foi possível inferir os principais temas dos textos, como ilustra a Figura 2. Nessa figura, o tamanho de cada palavra é definido por sua frequência no corpus textual. Os setes agrupamentos de palavras indicadas na Figura 2 nos auxiliaram na análise qualitativa dos grupos focais, e confirmaram alguns de nossos entendimentos a partir da leitura inicial dos textos.


Figura 2
Agrupamento por similitude do corpus referente ao motivo da escolha do curso de Licenciatura em Matemática nas duas IFES investigadas
(Elaboração dos Autores)

Dentre os depoimentos dos participantes, encontramos relatos que indicam que seus professores na educação básica são peças importantes e fundamentais na escolha do curso de graduação. Isto é, os professores exercem forte influência nas escolhas profissionais dos estudantes. Esses resultados confirmam o ponto de vista de Sacristán (1999), que afirma que os efeitos das ações realizadas em sala de aula pelos professores permanecem nos estudantes, influenciando suas atitudes no futuro. A habilidade que tiveram com a disciplina na escola e o prazer de explicá-la aos colegas também se evidenciam como motivos da escolha em cursar Licenciatura em Matemática. Selecionamos alguns depoimentos que representam nossa afirmação:

Participante 2 (UFRJ): O meu, eu sempre quis, sempre quis, desde que eu me lembro, eu sempre quis ser professor de Matemática, acredito eu que por influência dos meus professores de Matemática, porque eles, desde o ensino básico, eram muito bons, eu achava sempre, criancinha, eu achava a didática deles muito boa.

Participante 24 (UNIRIO): Eu sempre gostei de matemática, sempre foi assim, a única matéria da escola que eu realmente sabia o que estava fazendo e gostava de fazer tudo, [...] Aí chegou no terceiro ano, eu comecei a me apaixonar assim pela arte de ensinar, eu sempre gostei muito de explicar matérias assim para os meus amigos, eu já dava aula, entre aspas, para eles antes das provas assim, [...] aí terceiro ano você fica assim, muito próximo dos professores e tal, então eu quis me espelhar neles.

Dois participantes também relataram, em narrativas transcritas a seguir, que a escolha pelo curso foi dificultada pelo fato de a carreira docente ser pouco atraente, tanto pela visão de inferioridade frente a outras profissões, como pelas condições salariais, o que foi confirmado pela maioria dos participantes, segundo registro dos observadores. Esse aspecto também foi identificado na pesquisa de Lima e Machado (2014), evidenciando salários e condições de trabalho como causas relacionadas ao afastamento de jovens da profissão docente. Assim a visão, disseminada socialmente no Brasil, do professor como um profissional com muito trabalho, sem tempo e mal pago pode contribuir para afastar jovens do curso.

Participante 3 (UFRJ): Eh, assim, eu só tenho mais um ponto pra colocar. Não tão assim, mas é que a escolha da Licenciatura foi algo difícil, né? Porque eu sempre tive muita afinidade com a área de exatas, então o ideal exatamente seria que eu fizesse Engenharia ou alguma coisa que desse mais dinheiro, por causa dessa visão de que a Educação é só um meio de ascensão social. Então é muito difícil, até assim, foi por familiares, entende? Não foi tão fácil assim, porque a visão do professor não é uma visão de uma pessoa de sucesso, infelizmente. Na nossa sociedade, não é a visão de uma pessoa com sucesso, então eu por um momento pensei em ainda não escolher Licenciatura e colocar outro curso, mas eu decidi que realmente eu não conseguiria trabalhar em outra coisa, que não isso.

Outro fator para a escolha do curso que aparece em nossos dados é o apoio da família. Isso foi assinalado, por exemplo, pelo participante 2, quando relata que, além da influência dos professores, o apoio dos pais foi fundamental, mesmo sabendo que no futuro essa opção poderia não fornecer uma boa qualidade de vida. Bardagi (2007) aponta que o apoio dos pais influencia fortemente na integração acadêmica, o que, consequentemente, contribui com a permanência.

Participante 2 (UFRJ): Só mais uma colocação, que eu acho importante também, é que essa aceitação pelos pais, como em vários outros quesitos, né, da vida, é super importante, porque graças a Deus eu não passei por isso. Os meus pais sempre me apoiaram e eles sempre me apoiaram nas minhas escolhas. Quando eu disse que eu queria ser professor criança, eles me falaram “tudo bem, meu filho”. Quando eu disse que eu queria ser engenheiro, no ensino médio, eles falaram “tudo bem, meu filho”. Quando eu disse que eu queria voltar a ser professor, eles também disseram, e eu já ouvi e até hoje eu ouço muito que (ininteligível) porque eu vou continuar pobre, que eu não vou ganhar dinheiro, porque a Educação é desvalorizada. E eu sei disso tudo. Só que ainda assim, por mais que eu não venha receber, né, não venha ser ressarcido com dinheiro, eu prefiro, né, eu gosto muito de dar aula. E esse apoio da minha casa, eh, pra mim foi fundamental pra mim escolher, porque eles me apoiaram.

6 Análise dos grupos focais: as variáveis de permanência

Nesta seção, abordaremos mais diretamente a questão central desta pesquisa: Que fatores são reconhecidos por estudantes ingressantes nos cursos de Licenciatura em Matemática das duas IFES como importantes para sua permanência nos cursos? A questão será analisada com base em dados produzidos nos GF com os licenciandos participantes das duas IFES pesquisadas, e em diálogo com autores que têm discutido permanência na educação superior e formação de professores. Essa análise será organizada em duas partes. Primeiramente, procuraremos identificar fatores apontados pelos participantes como importantes para sua permanência a partir de seus relatos provocados por questões dos GF que não abordavam explicitamente esse tema. Daí, emergiram três categorias: acolhimento, aprendizado, estratégias de ensino. Em seguida, destacaremos esses fatores a partir de relatos dos participantes quando a questão da permanência foi indagada diretamente nos GF.

6.1 Relatos sobre a permanência, frente a outros questionamentos

As questões do GF que nos ajudaram a identificar fatores de permanência reconhecidos pelos participantes foram: Qual foi a primeira impressão ao ingressar na universidade? Como vocês avaliam o primeiro período? Para nossa surpresa, já na primeira pergunta (quebra-gelo), as respostas dos participantes manifestaram aspectos das ações de seus formadores em sala de aula que, em suas próprias perspectivas, lhes motivavam ou desestimulavam a continuar no caminho para a carreira profissional docente. Os depoimentos evidenciaram aspectos tais como: ações positivas, problemas que obstruem ou poderiam obstruir tais ações, queixas com respeito a alguma ação, expectativas, estereótipos, realidades percebidas.

Após a compilação dos dados, pela análise de similitude, constatou-se para a primeira questão, sobre a primeira impressão ao ingressar na universidade, três palavras que mais se destacaram nos discursos dos participantes: “professores”, “curso” e “universidade”. Dessas, se ramificam outras expressões representativas, tais como: “diferente”, “dificuldade”, “bem acolhido”, “veteranos”, “positivo”, “impressão”. A Figura 3 apresenta os agrupamentos que emergiram.


Figura 3
Agrupamento por similitude do corpus referente à primeira impressão do curso de Licenciatura em Matemática nas duas IFES investigadas
(Elaboração dos Autores)

Para a segunda questão, sobre como avaliam o primeiro período, as respostas foram principalmente direcionadas pelos participantes à avaliação de seus professores. Frente a essas respostas, os moderadores interviram para destacar que a questão dizia respeito à avaliação geral do primeiro período, sugerindo que poderiam ser discutidos outros aspectos, como disciplinas, autoavaliação etc. Assim, das respostas, foram geradas duas figuras de similitude, sendo a primeira sobre a avaliação aos professores e a segunda sobre a avaliação das disciplinas do primeiro período. Verificamos que as palavras que mais se destacaram nos discursos dos participantes sobre a avaliação dos professores, foram: “professor”, “matemática” e “disciplina”. As que mais se destacaram sobre a avaliação das disciplinas foram: “curso” e “disciplina”. Dessas se ramificam as expressões: “matemática”, “vetor”, “computação”, “geometria” e “dificuldade”.

A seguir, passamos a destacar as variáveis mais citadas pelos participantes da pesquisa, para cada uma das três categorias emergentes dos dados: acolhimento, aprendizado, estratégias de ensino.

I — Acolhimento

A maioria dos participantes do GF da UNIRIO ressaltaram a importância da recepção a sua chegada à universidade por parte da comunidade acadêmica. Em seus depoimentos, os estudantes da UNIRIO mencionam a primeira aula, planejada para os calouros e chamada de “Aula Inaugural de Acolhimento”. Também se destacam nesta primeira categoria os relatos dos participantes sobre as atitudes positivas que eles perceberam nos veteranos, atitudes que melhoram a integração entre os estudantes com o corpo social da universidade. O seguinte depoimento ilustra essa afirmação:

Participante 16 (UNIRIO): Eu gostei da maneira como nós fomos recebidos, as pessoas foram bastante calorosas, os professores e também o que chamou atenção, também os veteranos, que não estavam preocupados muito em dar o trote, mas sim em receber e explicar o curso, acho que isso foi... para mim foi um diferencial.

Dois depoimentos de estudantes da UFRJ também manifestam a percepção de acolhimento por parte de seus professores do primeiro período. Registros dos observadores do GF confirmam que essa percepção foi compartilhada, por meio de gestos, pela maioria dos participantes da UFRJ. Evidenciamos um desses depoimentos:

Participante 1 (UFRJ): Os professores também, pelo menos no primeiro período foram muito acolhedores.

Outro participante acrescentou que a recepção de calouros na universidade nem sempre é assim, com manifestações de acolhimento por parte de professores e veteranos. Ele relatou que, em outro curso de graduação, em que havia ingressado anteriormente, as pessoas — referindo-se aos estudantes e professores — eram “bem distantes”. Além disso, os licenciandos apontam atitudes diferentes por parte dos professores:

Participante 2 (UFRJ): Que ah, pode ter sim professores que não são tão legais assim, mas também tem professores que são muito bons e que têm aquela vontade de ter aquela certa aproximação com o aluno.

Esses aspectos observados se alinham com resultados de pesquisas de diversos autores. Por exemplo, segundo Endo e Harpel (1982), a integração entre calouros e veteranos oferece ganhos na aprendizagem dos estudantes. Por outro lado, Arruda e Ueno (2003) apontam que o mau relacionamento com um professor pode ser altamente desestimulante para a continuidade do estudante no curso de graduação. Em contrapartida, Astin (1984) e Tinto (1997,2002) afirmam que a proximidade com colegas e professores, na vida na universidade, contribui com integração acadêmica e social do estudante, aumentando a probabilidade de permanência.

Um participante da UFRJ observa, ainda, que o tratamento recebido por parte dos professores formadores fez com que os estudantes ingressantes se sentissem imersos na profissão docente, já no primeiro ano do curso:

Participante 6 (UFRJ): [...] e até começaram a tratar a gente como professores já, não como alunos, mas como professores e isso deu uma guinada muito boa até na minha inspiração, né.

Essa observação do participante converge com a perspectiva de Nóvoa (2009), que defende “uma formação de professores construída dentro da profissão” (p. 25), isto é, estruturada com referência nos saberes e práticas próprios da docência.

Em síntese, nossos dados indicam que os participantes reconheceram as ações e atitudes voltadas à recepção de estudantes ingressantes, por parte de veteranos e professores, como um fator que, além de fazê-los sentir acolhidos, ajudou-os a não pensar em desistir do curso. Assim, inferimos que essas ações desempenham um papel importante em sua permanência nos cursos de Licenciatura em Matemática das duas IFES investigadas.

II — Aprendizado

Os dados dos GF de ambas as IFES indicam que as impressões dos participantes de as práticas de seus professores no primeiro semestre do curso revelavam: preocupação com a aprendizagem dos estudantes, com a compreensão de defasagens e lacunas trazidas da educação básica, para além da simples transmissão dos conteúdos. Os seguintes depoimentos ilustram essas impressões:

Participante 1 (UFRJ): Que curso lindo. Olha, foi uma coisa que foi, eu vinha pra cá com uma vontade louca de estudar, porque era muito bom.

Participante 6 (UFRJ): Ótimos professores no início que se dedicavam realmente a ensinar. E se preocupavam realmente se o aluno estava aprendendo ou não.

Participante 25 (UNIRIO): [...] o primeiro impacto que eu tive na primeira semana também foi bacana, os professores assim com uma visão diferente de como passar, de como ensinar.

Participante 24 (UNIRIO): [...] a proposta e os professores têm uma máxima, eu encontro isso assim, boa vontade, se preocupam com o aprendizado dos alunos, então acho que isso ajuda bastante, pelo menos no meu caso ajudou. Não, então eu vou conseguir e estou indo, estou caminhando.

Essa última fala, em particular, expressa como as posturas dos professores foram importantes para a satisfação dos estudantes com o curso escolhido. Esses dados sugerem como práticas de formadores que sejam orientadas pelo reconhecimento das dificuldades próprias à transição do ensino básico para o superior podem ser decisivas para a permanência de estudantes na universidade.

Alguns participantes fazem menção especifica à proposta “Práticas Docentes Compartilhadas” (e.g. GIRALDO et al., 2017, 2018), desenvolvida pelo Laboratório de Práticas Matemáticas do Ensino (LaPraME), grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática da UFRJ (PEMAT), e incorporado como política de formação inicial ao currículo do curso de Licenciatura em Matemática da Instituição:

Participante 1 (UFRJ): [...] ele que fez esse trabalho incrível de dialogar com o ensino médio, ele com o Cleber explicou essa proposta de dois professores, achei isso o máximo.

A proposta de Práticas Docentes Compartilhadas consiste na condução de disciplinas do curso de Licenciatura em Matemática de forma compartilhada entre mais de um professor, sendo pelo menos um do Ensino Médio e pelo menos um do Ensino Superior. O objetivo central da proposta visa promover discussões que entrelacem aspectos matemáticos teóricos dos conteúdos e seu ensino da Educação Básica, de forma a reconhecer os saberes produzidos a partir prática como um componente formal da formação iniciai de professores, bem como legitimar a autoridade de professores que lecionam na Educação Básica sobre esses saberes. A proposta se fundamenta na literatura de formação de professores, em particular no trabalho de Nóvoa (2009), que defende que o lócus da formação inicial de professores se situe na articulação entre escola e universidade, com a participação ativa de professores da Educação Básica na formação de futuros professores.

Além disso, alguns participantes comparam práticas de seus formadores, avaliadas por eles como melhores ou piores, destacando explicitamente as influências dessas práticas em suas decisões de permanecer no curso:

Participante 7 (UFRJ): Eu tenho o mesmo a dizer. Porque eu tive apenas bons... boas, como falar? Impressões, no começo, quando eu entrei. [...] acabei encontrando vários bons professores que também tiveram muita paciência pra voltar e se preocupar se realmente o aluno estava entendendo. Nesse segundo período, aí já encontramos alguns professores que não têm tanto essa didática, mas eu pretendo continuar no curso. Estou gostando e é isso. (grifo nosso)

Nessa direção, os participantes da UFRJ expressam uma expectativa de que alguns professores repensem suas práticas no que tange as avaliações, rejeitando o tipo de avaliação “tudo ou nada”. O seguinte depoimento expressa essa posição:

Participante 6 (UFRJ): [...] que a questão ou valia zero ou valia o que estava estipulado ali: se fosse cinco, cinco. Então não haveria um meio-termo. E eu acho isso errado, na questão da docência.

A maioria dos licenciandos da UNIRIO expressam satisfação com a avaliação nas disciplinas de matemática, considerando que as provas nunca buscaram prejudicá-los:

Participante 22 (UNIRIO): Na parte de matemática, eu não faria nada diferente, o que eles fizeram lá foi o ideal.

Apenas um participante da UNIRIO manifesta uma posição de que, para se integrar à instituição, é preciso aceitar as regras impostas, concordando ou não. Os demais participantes ficaram em silêncio, não reagindo a esse argumento:

Participante 17 (UNIRIO): A correção foi injusta, mas é o jeito tradicional de fazer a avaliação [...].

Esses resultados confirmam outras pesquisas, como as de Tinto (1997) e de Neumann e Neumann (1989), na medida em que indicam que a percepção dos estudantes da preocupação de seus formadores com sua aprendizagem ajuda a constituir um sentimento de pertencimento à comunidade, contribuindo com sua permanência no curso.

III — Estratégias de ensino

Esta categoria se refere à percepção dos estudantes de estratégias de ensino de seus formadores, reconhecidas por eles como positivas. Em particular, os participantes da UFRJ destacam que alguns professores não se restringiam a apresentar os conteúdos matemáticos, mas também procuravam interligar esses conteúdos com a profissão docente ou com outras disciplinas, orientando os licenciandos em suas futuras práticas:

Participante 6 (UFRJ): [...] e o que até me surpreendeu com o curso foi a visão que alguns professores já tinham, né? De formar realmente um professor, já ligando a matéria com ensino [...] conseguiu juntar as duas coisas com trabalhos, até que nos fizessem pensar como professores [...]

Participante 6 (UFRJ): porque a gente já consegue trabalhar nas duas áreas ao mesmo tempo, na didática e no aprendizado do conteúdo em si. E às vezes até aprendendo um conteúdo que a gente não vai ensinar na educação básica, a gente tira uma coisa muito proveitosa pra ensinar na educação básica.

Participante 7 (UFRJ): vincular tudo que a gente aprende a como a gente poderia ensinar isso no ensino médio ou vincular tudo que a gente aprende [...] com algo mais simples, deixa tudo mais didático, né?

Para os estudantes, essas estratégias de seus formadores os colocavam diante de situações reais da prática, que iriam vivenciar futuramente como professores na escola. Os participantes da UFRJ apontam também que um de seus professores costumava incluir a interligação entre o conteúdo matemático e o ensino na escola básica como objeto de avaliações:

Participante 3 (UFRJ): sempre tinha questãozinha que te fazia refletir sobre o ensino. Então ele te obrigava a falar sobre, entendeu? Achei bem legal.

Os participantes da UNIRIO não mencionaram explicitamente a interligação entre conteúdo matemático e ensino, mas se fizeram diversos comentários positivos sobre as estratégias de seus formadores, como por exemplo:

Participante 22 (UNIRIO): Os professores ensinaram de um jeito que dava para todo mundo entender, você vê apoio e tal, as outras [...]

Participante 16 (UNIRIO): Eles são incríveis.

Esses resultados estão em concordância com a pesquisa de Arruda e Ueno (2003), que aponta que o estabelecimento de relações diretas entre os conteúdos das disciplinas de graduação com a profissão exerce impacto positivo na permanência dos estudantes.

No caso específico dos cursos de Licenciatura, observamos que diversos autores, como por exemplo Nóvoa (2009), têm argumentado que a formação de professores deve ser estruturada a partir do reconhecimento da docência na educação básica como uma atividade profissional. Gatti (1997) defende uma visão mais integradora entre conteúdos, técnicas de comunicação, ensino e o sentido da realidade por parte de formadores de professores, levando em conta as funções dos profissionais que estão formando.

6.2 Relatos sobre a permanência, frente a questionamentos diretos

Nesta seção, discutimos respostas dos participantes a uma questão do GF que indagava diretamente seus motivos para permanecer no curso. Por limitações de tempo no desenvolvimento do GF na UFRJ, essa questão foi desenvolvida apenas na UNIRIO. Portanto, os dados analisados aqui dizem respeito apenas a essa IFES. Após a compilação dos dados no Iramuteq, constatou-se que as palavras que mais se destacaram nos discursos dos participantes foram: “matemática”, .meu objetivo”, “gosta”.


Figura 4
Agrupamento por similitude do corpus referente aos motivos para a permanência no curso de Licenciatura em Matemática nas duas IFES investigadas
(Elaboração dos Autores)

Os depoimentos a seguir mostram que, quando perguntados diretamente sobre seus motivos para a permanência, os estudantes fazem menção mais a seu próprio papel individual do que a políticas institucionais. Isto é, eles atribuem sua permanência no curso de graduação à determinação pessoal em querer ficar.

Participante 15 (UNIRIO): [...] e tem aquelas horas que às vezes você leva um soco tão pesado, que tu pensa, “cara, por que eu estou aqui, por que eu estou fazendo isso?”, mas só que gosta [...]

Participante 24 (UNIRIO): Porque eu sei que eu tenho um sonho e para realizar esse sonho, eu preciso continuar aqui.

Participante 16 (UNIRIO): [...] todo mundo aqui tem sonhos, quero conquistar várias coisas e eu acho que o estudo é a melhor oportunidade, então eu não largaria a faculdade por mais difícil que seja, nada é fácil.

Em um momento distinto do GF (quando os estudantes foram perguntados se em algum momento haviam pensado em interromper o curso), um participante também faz comentários nessa direção:

Participante 1 (UFRJ): Eu nunca pensei em desistir, nem em trancar disciplina. Eu sei das vantagens que eu penso de muita gente aqui, eu realmente não tenho um trabalho formal, igual muita gente tem, então eu tenho que valorizar isso, e eu só saio daqui com o diploma. Eu não saio desse curso, não saio mesmo sem o diploma.

Esses relatos dos participantes, que expressam sua resiliência individual como motivo para permanecer no curso, são similares aos manifestados na pesquisa de Hackman e Dysinger (1970), em que o objetivo e o compromisso com uma meta de conclusão são apontados como fundamentais para a permanência do estudante no curso de graduação. Em particular, o trecho final da fala do Participante 1 da UFRJ revela um engajamento por alinhamento, isto é, por aceitar as regras do jogo, independentemente de concordar ou não.

7 Considerações finais

Neste artigo, sintetizamos os resultados de nossa pesquisa, que procurou investigar os motivos que levam estudantes ingressantes em cursos de Licenciatura em Matemática de duas IFES da cidade do Rio de Janeiro (UFRJ e UNIRIO) a permanecerem nos cursos, a partir das percepções dos próprios sujeitos. Nossa opção metodológica em constituir um corpus de análise incluindo todos os textos produzidos a partir de todas as questões propostas nos GF — e não apenas aquelas em que o tema da permanência era abordado diretamente — nos permitiu conhecer e entender questões relacionadas à permanência de forma ampla, abarcando não apenas razões individuais, como também aspectos relacionados com práticas dos formadores e com políticas acadêmicas das IFES.

Três categorias principais emergiram de nossa análise: acolhimento, aprendizado, estratégias didáticas. Além disso, os participantes da UNIRIO também atribuem suas razões da permanência no curso à própria resiliência individual. Nossos resultados indicam que —especialmente nos primeiros semestres de curso — políticas institucionais, evidenciadas na categoria acolhimento, e práticas docentes, apontadas nas categorias aprendizado e estratégias didáticas, são determinantes para a permanência dos estudantes. Resultados análogos são constatados na pesquisa de Tinto (2006). Esse autor também destaca que, quando os estudantes percebem que a Instituição não investe tempo e recursos em sua formação, eles tendem a não permanecer na universidade e a procurar outras alternativas que tragam benefícios econômicos a curto prazo (TINTO, 1997).

Refletindo especificamente sobre a formação inicial de professores, nossa pesquisa nos provoca a pensar que os formadores devem se preocupar não apenas com a exposição de conteúdos associados ao ensino superior, mas sobretudo entender que, como observa Rios (2003), suas práticas produzem outros sentidos, pois suas posturas docentes em sala de aula também carregam um caráter pedagógico. Nesse sentido, como argumenta Gatti (1997), as disciplinas dos cursos de Licenciatura não devem ser dominadas pelas já falidas rotina e a repetição mecânica de estruturas. Como destaca Fiorentini (2006), os licenciandos tendem a reproduzir em sua atuação futura, as mesmas práticas docentes por meio das quais foram educados e formados.

Em suma, consideramos que nosso estudo evidencia que as razões que levam estudantes a não abandonarem a educação superior brasileiro não se reduzem a aspectos relacionados com seus próprios perfis socioeconômicos, mas abrangem características internas às IES, suas políticas e práticas. Sendo assim, se esperamos construir uma Universidade pública realmente democrática, inclusiva e de qualidade socialmente referenciada, que seja capaz de enfrentar os desafios impostos pelos cenários políticos e sociais contemporâneos no Brasil, então é crucial assumir uma responsabilidade e um compromisso com políticas institucionais e com práticas profissionais orientadas pelo estabelecimento de um ambiente acadêmico do qual todos os estudantes se sintam pertencentes.

Referências

ALKIMIN, Maria Eva Freire; LEITE, Neila M. Gualberto. Motivos da evasão no curso de licenciatura em Matemática no IFNMG — campus Januária. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 11, 2013, Curitiba. Anais do XI ENEM — Educação Matemática: retrospectiva e perspectivas. Curitiba: SBEM, 2013, p. 1-8.

ARRUDA, Sergio de Mello; UENO, Michele Hidemi. Sobre o ingresso, desistência e permanência no curso de Física da Universidade Estadual de Londrina: algumas reflexões. Ciência & Educação, Bauru, v. 9, n. 2, p. 159-175, 2003.

ASTIN, Alexander W. Student involvement: A developmental theory for Higher Education. Journal of College Student Development, p. 518-529, jul. 1984.

BARDAGI, Marúcia Patta. Evasão e comportamento vocacional de universitários: estudos sobre o desenvolvimento de carreira na graduação. 2007. 242f. Tese (Doutorado em Psicologia) — Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições 70, 2011.

BRASIL. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil — PNAES. Brasília: Diário Oficial da União, 20 jul. 2010.

CAMARGO, Brigido; JUSTO Ana Maria. Iramuteq: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 2, p. 513-518, dez. 2013.

CISLAGHI, Renato. Um modelo de sistema de gestão do conhecimento em um framework para a promoção da permanência discente no ensino de graduação. 2008. 273f. Tese (Doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento) — Centro Tecnológico. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis.

ENDO, Jean J.; HARPEL, Richard L. The effect of student-faculty interaction on students' educational outcomes. Researchin Higher Education, v. 16, n. 2, p. 115-138, jun. 1982.

FELICETTI, Vera Lucia; MOROSINI, Marília Costa. Equidade e iniquidade no Ensino Superior: uma reflexão. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 17, n. 62, p. 9-24, jan./mar. 2009.

FIORENTINI, Dario. Erros e acertos no ensino-aprendizagem da Matemática: problematizando uma tradição cultural. In: I JORNADA NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA e XIV JORNADA REGIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2006, Passo Fundo. Anais da I JNEM e XIV JREM. Passo Fundo: UPF, 2006, p. 1-14.

GATTI, Bernardete Angelina. Formação de professores e carreira: problemas e movimentos de renovação. Campinas: Autores Associados, 1997.

GEMAQUE, Licia Santos Buhaten; SOUZA, Lúcio Gemaque. Diplomação, retenção e evasão: estudo com enfoque na evasão dos cursos de graduação na Universidade Federal do Maranhão no período de 2008 a 2010. Ensino & Multidisciplinaridade, São Luís, v. 2, n. 1, p. 84-105, jan./jun. 2016.

GIRALDO, Victor; MENEZES, Fábio; MATOS, Diego; MELO, Lucas; MANO, Vinícius; QUINTANEIRO, Wellerson; RANGEL, Letícia; DIAS, Ulisses; COSTA-NETO, Cleber; MOUSTAPHA-CORRÊA, Bruna; ARAUJO, Jefferson; CAVALCANTE, Adriana. Shared teaching practices: Integrating experiential knowledge into pre-service mathematics teachers. Revista Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, Brasília, v. 7, n. 2, p. 4-23, 2017.

HACKMAN, Richard; DYSINGER, Wendell S. Commitment to College as a Factor in Student Attrition. Sociology of Education. v. 43, n. 3, p. 311-324, 1970.

LIMA, Edileusa; MACHADO, Lucília. A evasão discente nos cursos de licenciatura da Universidade Federal de Minas Gerais. Educação Unisinos, São Leopoldo, v. 18, n. 2, p. 121-129, maio/ago. 2014.

MACIEL, Carina Elizabeth; LIMA, Elizeth Gonzaga dos Santos; GIMENEZ, Felipe Vieira. Políticas e permanência para estudantes na educação superior. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Brasília, v. 32, n. 3, p. 759-781, set./dez. 2016.

NEUMANN, Yoram; NEUMANN, Edith Finaly. Predicting juniors' and seniors' persistence and attrition: A quality of learning experience approach. The Journal of Experimental Education, v. 57, n. 2, p. 129-140, 1989.

NÓVOA, António. Para uma formação de professores construída dentro da profissão. Revista de Educación, Madrid, n. 350, p. 203-218, 2009.

OLIVEIRA, Luis Felipe Rosa de. Tutorial (básico) de utilização do Iramuteq. Goiânia: UFG, 2015.

PRIMÃO, Juliana Cristina Magnani. Permanência na educação superior pública: o curso de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, campus universitário de Sinop. 2015. 188f. Dissertação (Mestrado em Educação) — Instituto de Educação. Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá.

RIOS, Terezinha Azerêdo. A dimensão ética da aula ou O que nós fazemos com eles. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro. (Org.). Aula: Gênese, dimensões, princípios e práticas. Campinas: Papirus, 2003, p. 73-93.

RODRIGUEZ, Alexandre. Fatores de permanência e evasão de estudantes do ensino superior privado brasileiro — um estudo de caso, Caderno de Administração, São Paulo, v. 5, n. 11, 2011.

SACRISTÁN, José Gimeno. Poderes instáveis em Educação. Tradução de Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artmed, 1999.

TINTO, Vicent. Classrooms as communities exploring the educational character of student persistence. The Journal of Higher Education, v. 68, n. 6, p. 599-623, nov./dec. 1997.

TINTO, Vicent. Enhancing student persistence: connecting the dots. Prepared for presentation at Optimizing the Nation’s Investment: Persistence and Success in Postsecondary Education. Madison, Wisconsin. 2002.

TINTO, Vicent. Research and practice of student retention: what next? Journal of College Student Retention: Research, Theory & Practice, v. 8, n. 1, p. 1-19, may. 2006.

VASCONCELOS, Rosa M.; ALMEIDA, Leandro S.; MONTEIRO, Silvia Correia. O insucesso e o abandono acadêmico na universidade: uma análise sobre os cursos de Engenharia. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING AND COMPUTER EDUCATION, 6, 2009. Buenos Aires. Proceedings ICEGE 2009. Buenos Aires: COPEC, 2009, p. 457-461.

Notas

[1] Este trabalho foi produzido no Laboratório de Práticas Matemáticas do Ensino (LaPraME), grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática (PEMAT) da UFRJ, com a contribuição de todxs os seus participantes. Agradecemos, em particular, as contribuições valiosas de Melissa Nascimento (UNIRIO) e de Rodrigo Rosistolato (UFRJ) com o desenho e condução do estudo empírico.

Ligação alternative



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por