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Contribuições da metodologia Resolução de Problemas ao ensino-aprendizagem de divisibilidade: um estudo de caso
Contributions of the methodology of Problem Solving to the teaching-learning of divisibility: a case study
Educação Matemática Debate, vol. 4, 2020
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos


Recepção: 24 Junho 2020

Aprovação: 04 Agosto 2020

Publicado: 09 Setembro 2020

DOI: https://doi.org/10.46551/emd.e202041

Resumo: Recorte de uma pesquisa qualitativa na forma de estudo de caso etnográfico que teve como objetivo geral investigar as contribuições da metodologia de Resolução de Problemas ao ensino-aprendizagem de divisibilidade. A pesquisa desenvolveu-se pela elaboração e análise da aplicação de uma sequência didática junto à turma do 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública, ao longo de aulas regulares realizadas entre os meses de julho e setembro de 2015. Os meios para coleta de dados foram a observação participante amparada por diário de bordo, gravações em áudio e vídeo, fotografias e entrevista, além das produções dos alunos. Constatamos que os alunos se adaptaram bem à proposta, após superadas resistências e dificuldades iniciais. Verificamos as seguintes contribuições da metodologia de Resolução de Problemas: aumento da motivação e engajamento dos alunos nas aulas; desenvolvimento do trabalho colaborativo; favorecimento da escrita em Matemática; ressignificação do ensino-aprendizagem da Matemática.

Palavras-chave: Educação Matemática, Ensino Fundamental, Material Concreto.

Abstract: Qualitative research in the form of a case study of ethnographic type whose general objective was to investigate the contributions of the methodology Problem Solving in the teaching-learning of divisibility. The research was developed by the elaboration and analysis of the application of a didactic sequence to a class of the 6th grade of a public school, during regular classes held between the months of July and September 2015. The methods for data collection were participatory observation supported by annotations, audio and video recordings, photographs and interviews, as well as students' productions. We found that the students adapted well to the proposal, after overcoming resistance and initial difficulties. We verified the following contributions of the methodology Problem Solving: it increases the motivation and involvement of students; it favored the development of mathematical writing; it favored the development of collaborative work; resignification of the teaching-learning of Mathematics.

Keywords: Mathematics Education, Elementary School, Concrete Material.

1 Introdução

A Matemática tem sido uma disciplina problemática no Brasil desde a muito tempo (DRUCK, 2003;BRUM, 2013;PROGRAMME, 2019). O Programme for International Student Assessment (PISA, 2019) constata a baixa qualidade do aprendizado dos alunos brasileiros em Leitura, Matemática e Ciências:

No PISA 2018, os estudantes no Brasil pontuaram abaixo da média da OCDE em leitura, matemática e ciências. Apenas 2% dos alunos tiveram os níveis mais altos de proficiência (Nível 5 ou 6) em pelo menos uma disciplina (média da OCDE: 16%) e 43% dos alunos obtiveram pontuação abaixo do nível mínimo de proficiência (Nível 2) nos três sujeitos (média da OCDE: 13%) (PROGRAMME, 2019, p. 1).

Por um lado, o professor, muitas vezes, não possui qualificação ou tempo para planejar adequadamente suas aulas (DRUCK, 2003); por outro lado, observamos a incompreensão, a desmotivação ou o descaso dos alunos quanto ao aprendizado da Matemática ensinada de forma tradicional[1]. De acordo com Onuchic (1999, p. 200), até o final do século XX, o ensino de Matemática baseava-se na memorização de regras e algoritmos e na repetição de exercícios, “o professor falava, o aluno recebia a informação, escrevia, memorizava e repetia”. Marcelo Viana, diretor do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) em entrevista[2] dada em 2016, reconheceu a precariedade do ensino da Matemática no Brasil, dizendo que "para se chegar a um quadro tão catastrófico, há vários culpados”. O problema não está restrito à Matemática, havendo diagnóstico semelhante para outras disciplinas escolares como, por exemplo, a Geografia, como consideram Silva e Silva (2016) ao afirmarem que

uma das questões que muito tem preocupado profissionais do ensino é a falta de interesse de alguns alunos em participar das atividades propostas em sala de aula. A hipótese para essa falta de interesse ou desmotivação pode estar no contexto das próprias aulas [...], visto que, em muitos casos, o professor somente transmite conhecimento, não levando em consideração as experiências dos alunos, fundamentais para interligar o conteúdo com a realidade (p. 66).

Naturalmente, os professores não podem ser unicamente responsabilizados, pois os desafios para superarmos as dificuldades e alcançarmos excelência no ensino são diversos e transcendem os limites das escolas. Entretanto, defendemos que adequações didáticas são possíveis e estão ao alcance dos professores que estiverem dispostos a buscar conhecimento, a experimentar e a praticar alternativas didáticas comprovadamente promissoras. No caso da Matemática, desenvolvimentos teóricos e experiências de campo têm mostrado que a metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática Através da Resolução de Problemas — denominada aqui metodologia de Resolução de Problemas — pode ser bastante eficaz na superação das dificuldades típicas encontradas na disciplina. Em tese, ela propicia uma aprendizagem mais interessante, significativa e engajada, mobilizando saberes e estimulando o raciocínio, a criatividade e o pensamento crítico (ONUCHIC e ALLEVATO, 2011). Aqui, corroboramos essas ideias apresentando os caminhos e resultados de uma pesquisa realizada com estudantes de 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual, situada no município de Montanha, norte do estado do Espírito Santo, entre os meses de julho a setembro de 2015.

A pesquisa teve natureza qualitativa e buscou investigar as contribuições da metodologia de Resolução de Problemas nos processos de ensino e de aprendizagem de divisibilidade com números naturais. Especificamente, procuramos responder a seguinte questão: Quais contribuições a metodologia da Resolução de Problemas pode propiciar para o ensino-aprendizagem do tema divisibilidade a alunos do 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do Espírito Santo?

O tema divisibilidade foi escolhido porque era o assunto programado no plano de ensino da turma para o período em que a observação seria realizada. No geral, eram alunos desinteressados e sem compromisso com a aprendizagem, conforme diagnóstico dos próprios professores — um dos quais se tornou o realizador desta pesquisa e coautor deste artigo. As pautas de frequência e notas do primeiro trimestre mostram que a turma era bastante faltosa e com baixo rendimento (performance nas provas). Em particular, dos 28 alunos da turma, 18 haviam ficado em recuperação no primeiro trimestre.

Para descrever os caminhos e as conclusões da pesquisa, estruturamos este texto em cinco seções, incluindo esta Introdução. Na segunda seção relatamos alguns pressupostos teóricos que fundamentam a metodologia de Resolução de Problemas e a suas possíveis contribuições para os processos de ensino e de aprendizagem da Matemática. Na terceira, apresentamos os procedimentos metodológicos empregados na pesquisa. Na quarta, descrevemos e analisamos elementos ilustrativos dos dados coletados. A quinta seção apresenta uma breve síntese dos resultados e algumas considerações finais.

2 Metodologia de Resolução de Problemas

Preocupados com a aprendizagem da Matemática, pesquisadores matemáticos inclinados na mudança do cenário insatisfatório empreenderam ao longo do Século XX discussões e pesquisas a respeito da utilização da resolução de problemas para se ensinar e aprender essa disciplina. Essa concepção começou a adquirir a devida importância mundial só o final da década de 1970, após o fracasso do movimento da Matemática Moderna. Para Onuchic (1999, p. 203-204), “o ensino de Resolução de Problemas, enquanto campo de pesquisa em Educação Matemática, começou a ser investigado de forma sistemática sob a influência de Polya, nos Estados Unidos, nos anos 1960”. A partir de então, começou o movimento a favor do ensino de Matemática com base na resolução de problemas.

Em 1980 o National Council of Teachers of Mathematics publicou o documento Agenda para a Ação — Recomendações para a Matemática Escolar para a década de 1980 com foco na resolução de problemas. Além de defender o desenvolvimento de competências para resolver problemas, o documento recomenda que o ensino de um conteúdo matemático ocorra a partir de um problema gerador, que se busque a contextualização e se leve em conta as experiências e atividades diárias dos alunos, proporcionando, assim, meios para que o que está sendo ensinado seja significativo e possa ser entendido por eles (MORAIS e ONUCHIC, 2014). Hoje, entendemos que a resolução de problemas matemáticos “aguça processos cognitivos, uma vez que dá ao aluno possibilidades de reflexão, análise dos procedimentos efetivados, descobertas de caminhos diferenciados para a conclusão do problema em pauta, releitura do resultado encontrado, dentre outras” (SILVA e SIQUEIRA FILHO, 2011, p. 145).

Embora encontremos um vasto acervo na literatura sobre o ensino baseado na resolução de problemas, não há métodos específicos e inflexíveis para o trabalho com essa metodologia em sala de aula. Assim, compete ao professor reconhecer essas condições no momento de sugerir problemas visando ao aprendizado. Entretanto, comungamos da ideia de Van de Walle (2009) acerca da organização de uma aula baseada na resolução de problemas em três fases: antes, durante e depois. A fase antes começa no planejamento, quando o professor precisa verificar se os alunos estão preparados para receber a atividade pretendida, e vai até a proposição de um problema em sala de aula, quando ele deve certificar-se de que todas as expectativas estabelecidas para a tarefa tenham ficado claras para os alunos. A fase durante corresponde à resolução do problema proposto por parte dos alunos, durante a qual o professor observa, incentiva, atende e intervém sem dar respostas prontas, evitando o absolutismo burocrático (ALRØ e SKOVSMOSE, 2010). Na fase depois, o professor conduz uma discussão em que os alunos apresentam suas soluções, explicam os métodos utilizados e justificam seus resultados; não é um momento de mera verificação de acerto ou erro nas respostas, mas para a classe socializar ideias, refletir e, conjuntamente com o professor, formalizar novos conceitos.

É essencial possibilitar que os alunos possam interagir com seus pares de modo cooperativo na busca de soluções para as atividades propostas, trabalhando coletivamente em grupos, identificando aspectos consensuais ou não na discussão dos temas, respeitando a maneira de pensar dos colegas e aprendendo com eles. Isso é proporcionado pelo professor que atua instigando e incentivando os alunos a formular hipóteses e a refletir sobre suas ideias.

Não é aprendizagem cooperativa se os estudantes se sentam juntos em grupos e trabalham individualmente sobre o problema. Não é aprendizagem cooperativa se estudantes se sentam juntos em grupos e uma só pessoa faz todo o trabalho. Verdadeiramente aprendizagem cooperativa requer a orientação de um professor que é quem pode ajudar os estudantes a entender a dinâmica de grupo, a desenvolver as habilidades que eles precisam para a aprendizagem cooperativa e a aprender matemática trabalhando juntos em grupos (ARTZT e NEWMAN[3], 1991 apud JUSTULIN, 2014, p. 67).

Em consonância com os princípios expostos acima, consideramos nesta pesquisa um roteiro constituído por uma sequência de dez passos para o professor realizar uma aula baseada na resolução de problemas, conforme desenvolvido por Onuchic (1999) e aperfeiçoado por Allevato e Onuchic (2014): (1) proposição do problema; (2) leitura individual; (3) leitura em conjunto; (4) resolução do problema; (5) observar e incentivar; (6) registro das resoluções na lousa; (7) plenária; (8) busca do consenso; (9) formalização do conteúdo; (10) proposição e resolução de novos problemas.

Naturalmente, as etapas da metodologia Resolução de Problemas têm diferentes protagonistas, mas cabe destacar que ela incorpora essencialmente trabalho colaborativo dos alunos, com a aula começando com a constituição de grupos para abordagem conjunta dos problemas propostos. Os problemas são os pontos de partida das atividades, os alunos são colocados no centro dos processos de ensino e de aprendizagem e o professor assume o papel de orientador ou colaborador desses processos sem perder sua importância e liderança (ONUCHIC e ALLEVATO, 2005). Esclarecemos que as etapas sétima (registro das resoluções na lousa), oitava (plenária) e nona (busca do consenso) são realizadas conjuntamente por toda a turma sob orientação do professor, sendo que nelas os grupos devem expor e discutir suas resoluções e buscar por um consenso quanto à(s) solução(ões) correta(s). Assim, ensinar Matemática por meio da metodologia Resolução de Problemas não significa apenas o professor propor problemas aos alunos, sentar e esperar que aconteça uma mágica; é necessário criar uma situação que envolva a participação ativa de todos (ONUCHIC e ALLEVATO, 2005).

Ao abordar o ensino da Matemática, é sempre oportuno destacar o papel central dos problemas, pois ela “realmente consiste de seus problemas e soluções” (HALMOS, 1980, p. 519). Assim, a Resolução de Problemas tanto constitui um modo de se ensinar Matemática quanto naturalmente focaliza o seu ensino no que é essencial, independe das suas demais contribuições. Com a ressalva a seguir, concordamos com Halmos (1980, p. 524) quando afirma que

os problemas são o coração da matemática e espero que nós professores, em nossas aulas, seminários e nos livros e artigos que escrevermos, enfatizemos isso mais e preparemos nossos estudantes para serem melhores elaboradores e resolvedores de problemas do que nós próprios.

Entendemos que a pretensão de que os alunos sejam melhores elaboradores e resolvedores de problemas não pressupõe que esses sejam os únicos, ou mesmo os principais, objetivos do ensino da Matemática. Antes, significa que o aprendizado da Matemática subentende a compreensão de que os problemas são seu cerne.

A metodologia Resolução de Problemas serviu de base para o desenvolvimento das aulas que foram observadas na pesquisa. As atividades propostas nessas aulas tiveram por base problemas de caráter lúdico ou contextualizados em situações cotidianas dos alunos. Para Pavanello (2004), contextualização significa apresentar o conteúdo ao aluno por meio de uma situação problematizadora, compatível com uma situação real que possua elementos que deem significado ao conteúdo matemático ensinado. Agora, trataremos dos procedimentos metodológicos utilizados.

3 Procedimentos metodológicos

Esta pesquisa foi projetada à luz de uma abordagem qualitativa, uma vez que estivemos interessados nas circunstâncias e desenvolvimento do processo que envolveu os sujeitos. Conforme Goldenberg (2004, p. 14), na “pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma trajetória etc.”. Em sintonia com essa ideia, Fiorentini e Lorenzato (2012, p. 107) salientam que esse é um tipo de estudo em que “o pesquisador frequenta os locais onde os fenômenos ocorrem naturalmente. A coleta de dados é realizada junto aos comportamentos naturais das pessoas quando essas estão conversando, ouvindo, trabalhando, estudando em classe, brincando, comendo...”.

Entre as várias formas que uma pesquisa qualitativa pode admitir, destaca-se o estudo de caso etnográfico (ou estudo de caso do tipo etnográfico), o qual permite “compreender melhor a manifestação geral de um problema, as ações, as percepções, os comportamentos e as interações das pessoas [...] relacionadas à situação específica onde ocorrem ou à problemática determinada à que estão ligadas” (LUDKE e ANDRÉ 1986, p. 18-19).

Segundo André (2013, p. 26), o estudo de caso etnográfico possui uma acepção clara no âmbito educacional, “a aplicação da abordagem etnográfica ao estudo de um caso”. Ainda,

o caso pode ser escolhido porque é uma instância de uma classe ou porque é por si mesmo interessante. De qualquer maneira o estudo de caso enfatiza o conhecimento do particular. O interesse do pesquisador, ao selecionar uma determinada unidade, é compreendê-la como uma unidade. Isso não impede, no entanto, que ele esteja atento ao seu contexto e às suas inter-relações como um todo orgânico, e à sua dinâmica como um processo, uma unidade em ação (ANDRÉ, 2013, p. 26).

A aplicação do estudo de caso etnográfico com trabalho de campo concentrado no tempo pode levantar críticas, principalmente quanto à validade e fidedignidade dos dados; entretanto,

no estudo de caso etnográfico esse tipo de problema se coloca de maneira bem diferente, já que o que se pretende é apresentar, com base nos dados obtidos e no posicionamento do pesquisador, uma das possíveis versões do caso, deixando-se aberta a possibilidade para outras leituras/versões acaso existentes. Não se parte do pressuposto de que a reconstrução do real feita pelo pesquisador seja a única ou a correta; aceita-se que os leitores possam desenvolver as suas representações do real e que essas possam ser tão significativas quanto a do pesquisador (ANDRÉ, 2013, p. 48).

Essa autora ainda esclarece que o pesquisador é o principal instrumento de coleta e análise de dados num estudo de caso etnográfico, proporcionando “momentos em que sua condição humana será altamente vantajosa, permitindo reagir imediatamente, fazer correções, descobrir novos horizontes” (ANDRÉ, 2013, p. 51). O estudo de caso etnográfico combina com várias técnicas, dentre as quais empregamos a entrevista e a observação participante amparada por gravações em áudio e vídeo, fotografias e diário de bordo. A “observação participante é uma estratégia que envolve não só a observação direta, mas todo um conjunto de técnicas metodológicas (incluindo entrevistas, consulta a materiais etc.), pressupondo um grande envolvimento do pesquisador na situação estudada” (FIORENTINI e LORENZATO, 2012, p. 108). Usamos a entrevista para conhecer os sujeitos da pesquisa pelo ponto de vista dos seus professores.

O ambiente da pesquisa foi a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professor Elpídio Campos de Oliveira, situada na sede do município de Montanha, localizada no Norte do estado do Espírito Santo. Os sujeitos da pesquisa foram os alunos de uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental, turno matutino, composta por 28 alunos, dos quais 16 meninos e 12 meninas com idades entre 11 e 17 anos de idade. Dos alunos, 10 estavam foram da faixa etária indicada para a série e três apresentavam alguma deficiência mental. Em conformidade com as normas da ética para pesquisas com seres humanos, a intervenção foi realizada com a autorização dos pais, da direção da escola e dos professores da turma; em particular, os alunos tiveram suas identidades preservadas, sendo eles aqui identificados por pseudônimos.

Conforme a professora de Matemática da turma no ano anterior, os alunos eram, em geral, mal comportados e desinteressados. Outros professores corroboravam essa opinião, reclamando das atitudes e do comportamento dos alunos em sala de aula. Realmente, pudemos constatar tudo isso quando assumimos a turma no início do ano e iniciamos a aplicação das atividades do plano de ensino. Conforme veremos, as primeiras aulas realizadas segundo a metodologia Resolução de Problemas foram particularmente difíceis de conduzir.

4 Descrição e análise de dados

O trabalho de campo foi realizado com base numa sequência didática composta por 10 atividades realizadas em 36 aulas de 55 minutos, elaboradas conforme a metodologia Resolução de Problemas e aplicadas entre os meses de julho e setembro de 2015. O primeiro autor, professor efetivo da escola desde 2008, atuou como regente das aulas. Os problemas foram adaptados de diversas fontes e todos tiveram caráter lúdico ou estavam contextualizados na realidade cotidiana, uma vez que “bons problemas, situações próximas à realidade do aluno [...] favorecem a aprendizagem e o envolvimento do aluno” (DINIZ, 2001, p. 97).

Cada atividade seguiu um planejamento que incluía a previsão do número de aulas e uma descrição dos objetivos, procedimentos e material de apoio. Seguindo a metodologia proposta, começávamos pela formação de grupos; embora houvesse liberdade para os próprios alunos se juntar de acordo com suas afinidades, as composições variavam — particularmente devido às ausências — e não raro foi necessário o professor intervir para dirimir controvérsias. Sempre foi solicitado aos alunos que redigissem suas respostas aos problemas propostos por extenso, a fim de que tivessem maior clareza nas resoluções e pudessem comunicar seus desenvolvimentos aos colegas na plenária. A capacidade de comunicar ideias matemáticas é um importante elemento da aprendizagem, “pois é o aluno, falando, escrevendo ou desenhando, que mostra ou fornece indícios de que habilidades ou atitudes ele está desenvolvendo e que conceitos ou fatos ele domina, apresenta dificuldades ou incompreensões” (DINIZ, 2001, p. 95).

Pelo bem da brevidade, descreveremos apenas três das atividades dentre as mais ilustrativas — e isso de modo abreviado. A integralidade do plano de ensino, os detalhes de todas as atividades realizadas e uma exposição mais ampla e detalhada dos dados coletados estão disponíveis na dissertação de mestrado que resultou da pesquisa (FERNANDES, 2016). Destacamos que as atividades Um Jogo de Baralho (seção 4.2) e Crivo de Eratóstenes (seção 4.3) foram adaptadas da tese de Pereira (2014).

4.1 Atividade Dois Problemas de Divisão Euclidiana

A primeira atividade da sequência didática aborda os aspectos de partição e medida da divisão euclidiana por meio de dois problemas, apresentados no Quadro 1. Foram usados como material de apoio folhas com os problemas impressos e dinheiro de brinquedo.

Quadro 1
Atividade — Divisão euclidiana

Acervo da Pesquisa

Após explicação sobre os procedimentos, os alunos foram divididos em grupos e orientados a tentar criar estratégias para resolver os problemas usando o material concreto. Os alunos estavam dispersos, provocaram alguma desordem, demoraram a se engajar na atividade e tiveram muita dificuldade para resolver os problemas. Isso exigiu muitas intervenções visando instigar o trabalho colaborativo, a manutenção da organização e o respeito para com os colegas.

Após as leituras individual e em grupo dos problemas, os alunos fizeram várias perguntas, tais como “Como resolver um problema sem fazer conta?”, “Tem que fazer desenho?”, “Me ajuda aqui, tio. Como eu faço isso?”. Como estávamos mais interessados no processo de resolução do que nas suas soluções, buscamos responder tais perguntas estimulando os alunos a elaborarem suas próprias estratégias. A partir de certo momento, começamos a pedir que eles redigissem seus desenvolvimentos para ter melhor clareza das ideias e registrassem suas soluções.

A partir de nossos incentivos, intervenções e orientações, os grupos empenharam-se na resolução dos problemas, fazendo representações pictóricas da situação na folha de atividade, como observamos na Figura 1, que traz um dos desenvolvimentos para a questão a da Atividade 1. Alguns dos grupos não conseguiram obter as soluções dos problemas, tendo que aguardar o momento da plenária para entender o que poderiam fazer para resolver os problemas propostos.


Figura 1
Resolução da questão a da atividade 1
(Acervo da Pesquisa)

Transcrição do texto redigido pelos alunos na Figura 1: “54 dividido por 3 [...] todos receberam 18 reais sem faltar e sem sobrar”.

Para responder à questão b da Atividade 1, o mesmo grupo fez um desenho para representar os irmãos de João e o valor que cada um recebeu (Figura 2). Deduzimos que a estratégia foi acrescentar a figura de uma pessoa com seus 15 reais até que a adição dos valores atingisse o total de 75.

Transcrição do texto redigido pelos alunos na Figura 2: “São 5 irmãos, porque dividindo 75 por 15 vai dar 5 para cada um”.


Figura 2
Resolução da questão b da atividade 1
(Acervo da Pesquisa)

Vale salientar que existe uma diferença considerável entre as duas questões propostas na Atividade 1. A questão a está associada à ideia de partição, pois temos: o todo (54 reais), o número de partes (3 filhos) e queremos saber o tamanho das partes (18 reais); nesse caso, cada filho tem que receber a mesma quantia previamente desconhecida. Já na questão b, está presente a ideia de medida (quota), pois conhecemos de antemão o todo (75 reais), o tamanho das partes (15 reais) e queremos o número de partes (5 irmãos); nesse caso, cada irmão de João, cujo número é desconhecido, deve receber 15 reais.

Mesmo não registrando aqui as resoluções de todos os grupos, verificamos que a maioria dos alunos conseguiu entender e fazer a Atividade proposta de alguma forma, mesmo sem terem sido previamente ensinados sobre as ideias que precisavam para resolver as questões. Assim, após as discussões da plenária formalizamos o conceito de divisão escrevendo na lousa algo como reproduzido no Quadro 2:

Quadro 2
Definição de divisão e conceitos relacionados

Acervo da Pesquisa

Naturalmente, variou entre os alunos o engajamento na resolução dos problemas e a participação nas discussões. Alguns tomaram rapidamente a iniciativa para resolvê-los, enquanto outros se limitaram a acompanhar ou mesmo se distraíram. Pudemos observar que alguns desistiram diante das primeiras dificuldades, logo pedindo ao professor ajuda ou perdendo o interesse. A novidade na forma de conduzir a aula de Matemática gerou incerteza nos alunos acerca do que fazer e de como se comportar. Ficou evidente a máxima importância de o professor acompanhar todo desenvolvimento da atividade com incentivos e orientações, para garantir que os objetivos pudessem ser alcançados. Neste primeiro momento, a aplicação da metodologia Resolução de Problemas se mostrou bastante desafiadora; entretanto, as dificuldades diminuíram com a prática e, de acordo com nossas observações, a proposta foi assimilada pelos alunos em poucas aulas. Disso, percebemos que a metodologia proporcionou modificar o comportamento dos alunos e sua relação com o professor nos processos de ensino e de aprendizagem.

Às circunstâncias próprias desses processos juntaram-se as demandas da observação participante, resultando num intenso nível de trabalho para o professor-pesquisador durante as aulas, assim como destaca André (2013):

Como no estudo de caso etnográfico o pesquisador é o principal instrumento de coleta e análise de dados, haverá momentos em que sua condição humana será altamente vantajosa, permitindo reagir imediatamente, fazer correções, descobrir novos horizontes. Da mesma maneira, como um instrumento humano, ele pode cometer erros, perder oportunidades, envolver-se demais em certas situações ou com certas pessoas. Saber lidar, pois, com os prós e contras de sua condição humana é o princípio geral inicial que o pesquisador deverá enfrentar (p. 51).

Também fora das aulas havia muito o que fazer em função da necessidade de organizar os dados coletados e planejar as atividades que ainda seriam aplicadas.

4.2 Atividade Um Jogo de Baralho

A atividade Um Jogo do Baralho foi a terceira do plano de ensino e teve como objetivo ensinar os conceitos de múltiplos e divisores de um número inteiro, partindo de um problema contextualizado. Empregamos como materiais auxiliares folhas com o enunciado de um problema impresso (Quadro 3), baralhos e calculadoras.

Quadro 3
Atividade Jogo de Baralho

Acervo da Pesquisa

Observamos que o item a do problema requeria dos alunos pouco mais do que apenas uma boa compreensão do enunciado; mesmo assim, provocou alguma discussão. As questões do item b remetiam os alunos à tarefa de reconhecer os divisores do número 54, bem como se esse número seria múltiplo de 3, 4, 6 ou 15.

Novamente, a sala estava dispersa no início e foram necessárias diversas intervenções do professor para garantir o desenvolvimento da aula. Depois da constituição dos grupos, primeiro foi preciso acalmá-los e convencê-los a ler o texto do problema; depois, fizemos vários questionamentos visando ajudá-los a interpretar o enunciado e motivá-los a resolver as questões, sem que disséssemos o que deveriam fazer. Este diálogo ilustra o tipo de discussão que ocorreu:

A17: “Professor, podem participar no mínimo 2 jogadores”.

A10: “Não, o menor número é 3 jogadores, está escrito na letra b”.

A17: “Claro que não, você não leu o problema não? Está escrito no problema que podem participar no mínimo dois participantes... como é 3? Na letra b está perguntando se pode participar desse jogo 3 jogadores. Mas, o menor é 2”.

Ficou evidente que os estudantes ainda tinham dificuldades em efetuar a operação de divisão, especialmente quando o divisor tinha mais de um algarismo. O uso da calculadora também foi problemático, pois eles não sabiam interpretar o resultado quando a operação retornava um número quebrado (com casas decimais não nulas). Para esclarecer as dúvidas, retomamos o conceito de divisão por meio de vários problemas secundários. As intervenções surtiram efeito positivo, embora não tenham sido suficientes para sanar todas as dificuldades dos alunos. A Figura 3 mostra a resolução desenvolvida por um dos grupos, contendo os cálculos e a resposta redigida para as questões a e b do problema.


Figura 3
Resolução do problema um jogo de baralho
(Acervo da Pesquisa)

Transcrição do texto redigido pelo grupo (Figura 3): “O menor número de jogadores permitido é 2 e o maior é 54 porque cada 1 pode ficar com no mínimo 1 carta; sim, pode participar do jogo 3 jogadores e cada 1 vai receber 18 cartas; não pode participar do jogo 4 jogadores, cada um recebe 13 [cartas] e sobra 2 cartas; pode participar 6 [jogadores] e não pode participar 15 [jogadores]”.

Após os grupos terem desenvolvido suas estratégias, perguntamos se existem outros possíveis números de participantes desse jogo, diferentes dos que foram pedidos no enunciado do problema.

Mais familiarizados com a situação, a maioria dos alunos respondeu que sim e muitos buscaram verificar efetuando divisões na calculadora. Na sequência da atividade, representantes de cada grupo foram à lousa para socializar suas soluções (Figura 4).


Figura 4
Alunos na lousa, socializando as respostas obtidas na atividade 3
(Acervo da Pesquisa)

Houve bastante discussão nesse momento da plenária e os resultados foram registrados na lousa com a ajuda do professor, conforme consta na Tabela 1. Oportunamente, dissemos que os números das duas primeiras colunas do quadro são chamados de fatores ou divisores de 54 e que o número 54, na terceira coluna, é dito múltiplo de ou divisível por seus fatores.

Tabela 1
Organização dos dados do problema Um jogo de baralho

Acervo da Pesquisa

Finalmente, formalizamos os conceitos de divisor e múltiplo de um número natural escrevendo na lousa o enunciado do Quadro 5:

Quadro 5
Definição de múltiplo e divisor de um número natural

Acervo da Pesquisa

Ainda observamos que os números 0 (zero) e 1 realizam funções importantes, dizendo que 0 (zero) é múltiplo de qualquer número e o 1 é divisor de qualquer número.

As interações durante essa atividade evidenciaram que a metodologia Resolução de Problemas contribui para que os alunos experimentem, externalizem e reflitam sobre suas dificuldades, seja quanto à compreensão das situações-problema, seja quanto às interlocuções com os colegas e com o professor nas tentativas de entender e se fazerem entendidos. Nesse aspecto, encontramos paralelos ao que foi observado na pesquisa de Belli e Manrique (2018), que focalizou a análise das competências socioemocionais e a estimulação das funções cognitivas observadas na aplicação de uma situação-problema segundo a metodologia Resolução de Problemas a três turmas do Ensino Fundamental:

Durante o trabalho em grupo, que envolveu diálogo entre os alunos e a busca por hipóteses e respostas a situação-problema, alguns alunos apresentaram dificuldades de pensar antes de falar/agir, de postergar ou inibir uma resposta para antes avaliar todos os fatores envolvidos, inclusive a escuta de todos do grupo. Diante desse exposto, percebemos que essa metodologia propiciou um espaço para que o professor estimulasse os alunos a refletir sobre suas ações, inibindo os fatores distratores e motivando a autodisciplina e o autocontrole sobre sua atenção, habilitando o controle inibitório (BELLI e MANRIQUE, 2018, p. 185).

A metodologia Resolução de Problemas claramente proporcionou aos alunos espaço para discutirem sobre a Matemática, levantando hipóteses, defendendo ou refutando ideias. Isso aconteceu não apenas dentro dos grupos durante a resolução dos problemas, mas também nas etapas de registro das resoluções na lousa, plenária e busca de consenso.

4.3 Atividade Crivo de Eratóstenes

A sétima atividade da sequência didática envolveu o chamado Crivo de Eratóstenes, que serviu para abordarmos os critérios de divisibilidade, os conceitos de números pares e ímpares, de números primos e compostos e as definições de máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum. Para a atividade, planejamos cinco aulas e utilizamos como material de apoio folhas com uma tabela e questões impressas e lápis coloridos. Além dos critérios de divisibilidade, a atividade nos permitiu definir os conceitos de número par e de número ímpar, de número primo e de número composto. Os alunos puderam também descobrir a conexão entre os múltiplos de 6 e os múltiplos de 2 e de 3, dentre outros padrões. A Figura 5 apresenta a folha com a tabela e uma das tarefas da atividade impressas, bem como anotações dos alunos:


Figura 5
Atividade Crivo de Eratóstenes, com anotações dos alunos
(Acervo da Pesquisa)

A atividade requeria de os alunos pintarem com cores distintas os números da tabela múltiplos de 2 maiores do que 2, os múltiplos de 3 maiores do que 3, os múltiplos de 4 e assim sucessivamente, conforme consta na Figura 6. Os alunos tiveram que pensar para usar os lápis coloridos, pois havia números que deveriam ser pintados com múltiplas cores. Intervimos algumas vezes para evitar a dispersão que emergiu dessa dificuldade.


Figura 6
Tarefas da Atividade Crivo de Eratóstenes com anotações dos alunos
(Acervo da Pesquisa)

Observamos que o grupo cuja resolução da atividade está registrada na Figura 6 acertou as respostas, exceto por um equívoco comum nas questões c, d, e: em cada caso, eles escreveram os múltiplos do número maiores do que ele, enquanto a questão não especificava que os múltiplos deveriam ser maiores. Presumimos que o erro tem como explicação o padrão das demais questões, que possui uma forma bastante similar. Julgamos que esses erros não foram importantes e que os alunos conseguiram entender e resolver bem a atividade proposta, com a correção podendo ser deixada para o momento da plenária.

Ao longo do desenvolvimento da atividade questionamos e dialogamos com os alunos, tal como no excerto seguinte:

O que vocês descobriram? Quais são as características que podemos perceber, por exemplo, nos múltiplos de 2 maiores que ele?

A22: “Os múltiplos de 2 são números pares.”

A9: “É sempre de dois em dois, né?”

A22: “É.”

E os múltiplos de 3?

A1: “Os múltiplos de 3 são ímpares?”

A17: “Claro que não, o 6 é par e é múltiplo de 3.”

A1: “Mas é de três em três.”

A17: “Sim.”

A7: “Professor, quando eu fui pintar os múltiplos de 4, já estava todos pintados de verde.

O que significa isso A7?

A22: “Tio, no meu, pintei todos de azul e todos são múltiplos de 2.”

Será que todos os múltiplos de 4, são múltiplos de 2?

“Sim” (resposta geral).

Observamos que, para os alunos, os números pares eram aqueles terminados com os algarismos 0, 2, 4, 6, ou 8 na notação decimal. Embora essa definição esteja correta e até possa ser conveniente para alguns objetivos, é inadequada por depender do sistema de numeração decimal. Essa definição também não envolve explicitamente a divisibilidade por 2, propriedade que possui um significado bastante simples e objetivo: se um conjunto pode ser dividido em duas partes iguais, então ele possui um número par de elementos; caso contrário, seu número de elementos é ímpar.

Após os grupos terminarem suas resoluções e realizarmos a plenária, apresentamos os critérios de divisibilidade pelos números de 2 a 10. Também definimos o conceito de número primo e fizemos algumas observações pertinentes. Conforme Dante (2012, p. 136), “a palavra primo vem do latim primus, que significa ‘primeiro’. A partir dos números primos é que formamos os números maiores do que 1 que não são primos”. A tabela colorida foi bastante útil nessa etapa, pois os números primos correspondiam exatamente àqueles que não estavam coloridos, exceto o número 1 — que não é considerado primo apesar de possuir como divisor somente ele mesmo. Com a tabela, também ficou evidente que o único número primo par é o número 2 e foi possível visualizar para cada par de números seu máximo divisor comum e, para alguns pares de números, seu mínimo múltiplo comum.

Na última aula foi interessante, e até recompensador, receber dos alunos o pedido para continuarmos após o término do tempo, pois eles queriam concluir algumas coisas que haviam deixado pendentes. Ficou evidente que o material concreto motivou os alunos a participarem. Esse fato mostra que a aplicação da metodologia Resolução de Problemas em atividades lúdicas ou contextualizadas tem o potencial de influenciar o modo como os alunos encaram os processos de ensino e de aprendizagem sem que se perca o foco na construção do conhecimento. Dessa forma, o desafio colocado pelo problema proposto tende a ser recebido com interesse ou até entusiasmo mesmo por aqueles geralmente avessos à matéria. As discussões são também enriquecidas pelas conexões criativas que os alunos podem estabelecer entre aspectos matemáticos e elementos diversos, significativos para eles.

5 Considerações Finais

Acreditamos que a pesquisa alcançou o propósito de investigar as contribuições da metodologia Resolução de Problemas nos processos de ensino e de aprendizagem de divisibilidade. Nas aulas, os problemas propostos foram pontos de partida para o ensino e a aprendizagem de conceitos relacionados à divisão euclidiana e divisibilidade. Nessas considerações finais, destacaremos os resultados obtidos dos dados coletados.

No princípio, os alunos sentiram dificuldade com a metodologia, pois ela requer que os alunos desenvolvam estratégias de modo autônomo, mas eles estavam acostumados a resolver exercícios a partir da aplicação de fórmulas ou pela reprodução de métodos previamente definidos pelos professores. Assim, muitos alunos desistiam dos problemas e ficavam esperando os colegas terminarem para copiar as respostas. Contudo, o avanço do plano de ensino tornou os alunos familiarizados com a prática e a atitude passiva foi sendo naturalmente abandonada em prol do engajamento pela maioria dos alunos. A partir de um certo momento, eles já sabiam como a aula seria realizada, tomavam a iniciativa de formar os grupos e, em sua maioria, começavam a resolver os problemas propostos logo que recebiam as folhas de questões e os materiais de apoio.

Mesmo considerando as variações no desempenho e comportamento dos alunos, a pesquisa mostrou que eles se adaptaram à dinâmica da metodologia Resolução de Problemas e que ela promoveu um aumento significativo no interesse geral pelas aulas e na qualidade da participação nas atividades. Após cerca da metade da sequência didática, houve ocasiões em que os alunos chegaram a pedir para continuarmos a atividade em desenvolvimento na aula do professor seguinte, por desejarem concluir o que estavam fazendo (como relatamos a atividade Crivo de Eratóstenes).

Interpretamos essa mudança de comportamento como indicação de uma ressignificação dos processos de ensino e de aprendizagem pelos alunos, no sentido de que eles, em alguma medida, deixaram a tradicional postura passiva para assumir um maior protagonismo na construção do próprio conhecimento. Além disso, é possível que os alunos tenham também ressignificado a própria Matemática pelo fato de todas as atividades terem sido centradas nos problemas, em vez de nas definições e algoritmos de cálculo tratados, indo ao encontro da concepção de Halmos (1980). Esse aspecto não pôde ser avaliado a partir dos dados coletados, mas consideramos que essa questão merece ser investigada em trabalhos futuros.

Acreditamos que foi sumamente importante para o que houve de sucesso na experiência que as atividades estivessem baseadas em problemas lúdicos ou contextualizados em situações cotidianas — como nas três atividades apresentadas aqui — e que também envolvessem a manipulação de material concreto — como o baralho e o dinheiro de brinquedo. Ficou evidente que os materiais despertavam nos alunos o desejo de utilizá-los e que serviram, sob orientação do professor, como elemento para focalizar a atenção nas atividades. Nesse ponto, o papel orientador do professor foi especialmente importante porque evitou a dispersão dos alunos, que também tinham a tendência de usar os materiais para fazer outras coisas, alheias aos problemas propostos. Por exemplo, é fácil imaginar o que os alunos podem fazer com um baralho na sala de aula se o professor não insistir em que seja usado para auxiliar na resolução do problema proposto.

O pedido para que as resoluções fossem redigidas por extenso sofreu resistência no início, provavelmente devido à falta de hábito dos alunos. Entretanto, a prática foi desenvolvida pelos alunos em geral, em face do incentivo, orientação e insistência do professor. Entendemos que o momento da plenária reveste de importância a redação da resolução dos problemas para os alunos, já que eles devem apresentar seus desenvolvimentos e resposta para os colegas. Assim, o ambiente para a comunicação e o estímulo para a leitura e escrita proporcionados pela metodologia Resolução de Problemas é uma contribuição para o ensino e a aprendizagem da Matemática que pudemos verificar em nossa pesquisa.

Podemos dizer que os alunos também não estavam familiarizados com o trabalho coletivo e colaborativo. Alguns tentavam resolver os problemas sozinhos ou a interação no grupo ficava reduzida a brincadeiras. No início da aplicação da sequência didática foram observadas até mesmo intrigas em alguns grupos. Contudo, a aplicação da metodologia Resolução de Problemas contribuiu para que os alunos mudassem esse padrão de comportamento para algo mais colaborativo, o que constitui uma conquista importante visto que o trabalho colaborativo faz com que os alunos desenvolvam habilidades que propiciam socialização do processo de construção do conhecimento.

Muitas vezes percebemos alguns alunos muito interessados nas respostas obtidas pelos grupos vizinhos, mostrando preocupação em entregar suas soluções corretamente. Fato é que essa curiosidade é uma prática comum entre os alunos. Embora possa ser um comportamento motivado pela preguiça, ela também pode significar interesse no que o colega está fazendo, algo que pode resultar em seu aprendizado. Acreditamos que não é razoável esperar total autonomia de alunos desacostumados a resolver problemas; além disso, buscar reproduzir as resoluções de um colega que sabe (ou parece saber) mais o que está fazendo é comportamento natural e, eventualmente, útil para quem está aprendendo — atitude que pode até ser interpretada como uma forma de trabalho colaborativo. Esse comportamento foi observado e modulado pela intervenção do professor de modo a evitar que se reduzisse à mera cópia ou que provocasse a dissolução dos grupos, mas sem que fosse rigidamente proibida.

Ao trabalharmos a sequência de atividades sobre divisibilidade com a metodologia Resolução de Problemas, procuramos levar os alunos a construir diversos conceitos e eles corresponderam bem às expectativas na medida em que entenderam os significados e conseguiram relacioná-los com situações cotidianas. Entretanto, no ensino de alguns pontos mais complexos foi necessário o professor ser mais assertivo. Especificamente, nos casos dos conceitos de máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum, a construção dos conceitos foi trabalhada via Resolução de Problemas, mas os algoritmos de cálculo foram apresentados diretamente pelo professor. Tal atitude se explica no fato de que esses algoritmos têm procedimentos e justificativas relativamente complicadas, não sendo razoável esperar que pudessem ser descobertos pelos alunos daquela turma. Aqui ressaltamos outra contribuição da metodologia Resolução de Problemas: ela permite ao professor introduzir um assunto de modo instigante ou significativo para os alunos, mesmo que venha a ser necessário complementar a abordagem lançando mão de outros expedientes.

Especialmente na etapa da plenária, as discussões com os alunos foram momentos bastante proveitosos das atividades. Por meio dessas discussões as ideias dos alunos eram clarificadas. Pudemos perceber que a compreensão dos alunos aumentava a partir do enfrentamento de ideias, quando eles refletiam, criticavam e defendiam os resultados alcançados no trabalho realizado. Os conceitos matemáticos construídos na resolução dos problemas e discutidos durante a plenária eram consolidados na etapa da formalização, quando o professor tinha a oportunidade de pontuar aspectos que haviam ficado mal compreendidos pelos alunos ou que não haviam sido iluminados pelos problemas abordados. Ao longo de tudo isso, podemos acrescentar a necessidade de o professor coordenar as manifestações dos alunos tendo em vista manter uma organização mínima e oportunizar a participação de todos.

Embora a qualidade das discussões dos alunos varie em função do conhecimento e da habilidade para comunicação de cada um, além do interesse no que está em discussão, essa prática da discussão é outra contribuição da metodologia Resolução de Problemas para os processos de ensino e de aprendizagem da Matemática: não apenas distancia o processo do padrão típico das aulas tradicionais, em que o professor muito fala e os alunos pouco questionam, mas trabalha a troca de ideias, o manejo da contradição e a busca por consenso — habilidades importantes para o exercício da cidadania numa sociedade plural.

Naturalmente, a metodologia Resolução de Problema implicou algumas dificuldades para o professor, provavelmente agravadas pelo fato de os alunos da turma apresentarem defasagem de conhecimento e total inexperiência com resolução de problemas e trabalho coletivo e colaborativo. Em particular, registramos que não foi possível lidar satisfatoriamente com os alunos com deficiência da classe. Fato é que a dinâmica durante as aulas não nos permitiu dar a esses alunos especiais toda a atenção necessária para que pudessem acompanhar o resto da turma. Infelizmente, eles foram deixados a cargo do professor regente sem qualquer suporte para compensar suas dificuldades específicas, inclusive de comunicação. Mesmo assim, notamos que um deles mostrou progredir em alguns aspectos, particularmente no que diz respeito à sua interação com os colegas. Todavia, para nossa surpresa e satisfação, constatamos que os alunos se acostumaram com a metodologia de trabalho e desenvolveram a prática de resolver problemas matemáticos, pelo menos até certo ponto.

Quanto ao professor, a experiência também proporcionou o aperfeiçoamento da sua prática com a metodologia Resolução de Problemas. As dificuldades iniciais em ajudar os alunos a pensarem por si mesmos foram sendo superadas à medida em que, no decorrer da aplicação, com o acúmulo da experiência provinda da prática, conseguimos tornar nossas intervenções cada vez mais objetivas e proveitosas, sem cair no dogmatismo. Podemos perceber que foi um desafio desenvolver esta pesquisa, todavia nos foi proporcionado momentos inesquecíveis de reflexão e aprendizado. Será muito difícil, agora, não ter um olhar diferenciado para futuros estudantes que ainda vamos nos deparar em nossa vida profissional.

Finalmente, não identificamos qualquer necessidade de adaptar a metodologia Resolução de Problemas para o caso do ensino e da aprendizagem de divisibilidade, bem como não percebemos que ela possui contribuições específicas na abordagem desse tópico que não possam ser observadas na aplicação a outros assuntos da Matemática. Presumimos que ela pode ser empregada exatamente como descrevemos aqui na abordagem de qualquer tema da Matemática do Ensino Fundamental, proporcionando as mesmas contribuições. Noutras palavras, suas contribuições para o ensino e a aprendizagem são genéricas, ou seja, não dependem do que se pretende ensinar. Atribuímos isso ao fato de a metodologia ser bastante flexível quanto aos tipos e graus de dificuldades dos problemas que podem ser empregados: variando o assunto e a turma, podemos variar os problemas livremente e buscar aquele que melhor atenderá as demandas didáticas. Para o bem do rigor científico, essa apreciação pode ser considerada uma hipótese a ser verificada em pesquisas futuras.

Referências

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Notas

[1] Entendemos por ensino tradicional aquele desenvolvido conforme o paradigma do exercício ou segundo o absolutismo burocrático definidos por AlrØ e Skovsmose (2010), ou seja, o modo de ensinar Matemática no qual o professor vai ao quadro e explica determinado conteúdo, demonstra alguma fórmula ou teorema, resolve exemplos, passa uma lista de exercícios, enquanto o aluno deve ouvir, copiar, resolver a lista e repetir o que aprendeu numa avaliação — tudo sempre tendo o professor como a fonte inquestionável de conhecimento.
[2] Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2016/01/1734373-ensino-de-matematica-no-brasil-e-catastrofico-diz-novo-diretor-do-impa.shtml; acesso 3 ago. 2020, às 14h30.
[3] ARTZT, Alice. F.; NEWMAN, Claire. M. How to use cooperative learning of in the mathematics class. New York: NCTM, 1991.

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