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Integrando saberes matemáticos a outros campos: contextos e resolução de problemas na formação de alfabetizadoras
Integrating mathematical knowledge with other fields: contexts and problem solving in the training of literacy teachers
Educação Matemática Debate, vol. 4, 2020
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê — Formação de Professores que ensinam Matemática


Recepção: 26 Maio 2020

Aprovação: 29 Junho 2020

Publicado: 25 Agosto 2020

DOI: https://doi.org/10.46551/emd.e202038

Resumo: O PNAIC busca que todas as crianças sejam plenamente alfabetizadas até os oito anos. Tem-se como objetivo analisar o último encontro do ciclo 2014, dedicado aos saberes matemáticos e outros campos do saber. A investigação é de natureza qualitativa e como metodologia utiliza-se a pesquisa documental e a análise de conteúdo para evidenciar os dados dos documentos do Programa e dos portfólios de cinco professoras que participaram do PNAIC em 2014 no município de Eldorado (SP). Verificamos que o encontro proporcionou às alfabetizadoras perceberem que precisam ter claro porque ensinam e para quem estão ensinando Matemática — sua realidade; serviu para oferecer elementos para que elaborem e aprendam relações, fatos, conceitos e procedimentos matemáticos que sejam úteis tanto para resolver problemas reais, como para desenvolver o raciocínio lógico. As discussões desse encontro foram significativas para qualificar os conhecimentos das professoras, fomentar a mudança e reflexão sobre a prática.

Palavras-chave: Ensino de Matemática, Formação de alfabetizadoras, Saberes matemáticos, PNAIC, Alfabetização matemática.

Abstract: PNAIC seeks that all children are fully literate by the age of eight. The objective is to analyze the last meeting of the 2014 cycle, dedicated to mathematical knowledge and other fields of knowledge. The investigation is of a qualitative nature and as a methodology, documentary research and content analysis are used to highlight the data of the program documents and the portfolios of five teachers who participated in PNAIC in 2014 in the municipality of Eldorado / SP. We found that the meeting provided the literacy teachers to realize that they need to be clear why they teach and to whom they are teaching mathematics - their reality; it served to offer elements for them to elaborate and learn mathematical relationships, facts, concepts and procedures that are useful both to solve real problems and to develop logical reasoning. The discussions at this meeting were significant in order to qualify the teachers' knowledge, foster change and reflect on the practice.

Keywords: Mathematics teaching, Training of literacy teachers, Mathematical knowledge, PNAIC, Mathematical literacy.

1 Introdução

A formação inicial e continuada de professores para o ensino de Matemática e atuação na educação básica brasileira vem sendo um desafio constante para o Estado em suas diferentes esferas — federal, estadual e municipal. Os resultados das avaliações externas, a diminuição de procura pela carreira docente, o evidente baixo prestígio dos professores na sociedade, a política salarial deficitária dos estados e municípios para a educação básica etc. (GATTI, 2012), são problemas que precisam ter uma abordagem imediata e, também, a médio e longo prazo.

Diante de resultados educacionais deficitários, logo surge a ideia de que falta formação para os professores e, assim, são criados programas de formação para complementar ou suplementar a atuação pedagógica desses profissionais (DIAS SOBRINHO, 2003). Nesse contexto, em 2012, surge o Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) ou simplesmente Pacto, como alguns passaram a nomear o Programa.

Mesmo não desconsiderando as nuances e os problemas apontados anteriormente, não podemos negar a importância de programas de formação continuada para a melhoria da prática docente dos profissionais que atuam nos diferentes níveis educacionais.

Neste artigo, temos como objetivo analisar o último encontro do ciclo do PNAIC 2014 dedicado aos saberes matemáticos e outros campos do saber. Dessa forma, se busca refletir sobre a vivência formativa das professoras alfabetizadoras em relação aos saberes matemáticos e sua integração com os ouros campos do saber. Esse encontro abordou a retomada dos conteúdos já estudados nas unidades anteriores — Números e Operações, Grandezas e Medidas, Geometria, Estatística — e buscou refletir sobre o ensino da Matemática de modo a aproveitar os contextos e situações-problema. Sendo o primeiro como ponto de partida da ativi­dade matemática e o segundo para compreender fatos, ideias, conceitos e ferramentas matemáticas para resolver proble­mas do mundo real.

A investigação é de natureza qualitativa e como metodologia de pesquisa utilizamos a pesquisa documental e a análise de conteúdo para evidenciar os dados dos documentos do Programa e dos portfólios de cinco professoras que participaram do PNAIC em 2014. Destacamos que esta análise teve maior foco na pauta do encontro de formação e no registro do portfólio das professoras alfabetizadoras (PA).

Buscamos os portfólios das alfabetizadoras por entendermos esses materiais como documentos carregados de pessoalidade carregam as particularidades do autor e, por isso, contribuem para a construção da identidade pessoal e profissional. Os portfólios foram construídos pelas professoras durante a formação do PNAIC em 2014 e deveriam conter reflexões sobre os encontros e atividades desenvolvidas no curso de formação, além de memórias, relatórios dos encontros, tarefas, fotos, relatos das atividades com alunos etc., fato que mostra seu potencial para análise das reverberações do Programa na formação das professoras alfabetizadoras.

2 O PNAIC e a formação de alfabetizadoras para o ensino de Matemática

Instituído pela Portaria n. 867, de 4 de julho de 2012, que institui o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), suas ações e define suas diretrizes gerais (BRASIL, 2012), em regime de pactuação entre o Governo Federal, os estados e municípios, o Pacto teve suas ações no período de 2012 a 2018, divididas em quatro eixos: formação continuada, materiais didáticos, avaliações e gestão e controle social.

O PNAIC possui algumas inovações que o diferenciam dos programas anteriores. Uma delas está ligada ao sentido de pacto que foi proposto, algo implícito no próprio nome do Programa. Assim, buscou-se o direto envolvimento das três esferas públicas nas ações, como definem os artigos 23 e 211 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), que pautam o regime de cooperação entre os entes federados e o regime de colaboração entre os sistemas de ensino.

Paulo Freire, ao assumir a Secretaria de Educação do Município de São Paulo, em 1989, já reivindicava a educação como um processo permanente que demanda continuidade e planejamento a longo prazo. Para o autor,

superar o imediatismo, a desinformação e a descontinuidade administrativa que caracterizam a educação de hoje é um grande desafio para uma administração popular. Não se trata de dar uma direção única e burocrática à educação. Trata-se de criar um sistema municipal de educação pública articulado com a sociedade, capaz de superar a atual pulverização. (FREIRE, 1989, p. 5)

O célebre educador brasileiro já indicava a necessidade de uma educação pública articulada com a sociedade. Trazendo o pensamento do autor para este estudo, vislumbramos tal possibilidade no PNAIC ao propor em seu discurso institucional a participação da comunidade escolar e famílias no acompanhamento do Programa. Porém, tal situação foi ao longo de cada edição do Programa sendo menos latente, passando a contar somente em seu discurso institucional, o que evidencia a necessidade de se criar programas educacionais que realmente se articulem com a sociedade e a comunidade escolar.

Institucionalmente esse pacto envolve o Governo Federal, as secretarias de educação, financiadores e apoiadores das ações; também as Universidades, parceiras na elaboração e realização das ações previstas. Já individualmente, as professoras optaram por aderir ao processo formativo e, para isso, inicialmente, receberam incentivos do Governo Federal e de seus municípios de atuação — bolsa de estudos e abertura para o desenvolvimento das atividades de formação.

O PNAIC, assim como os programas que o antecederam, assumiu um discurso de fortalecimento da Educação Básica; sem dúvidas, é o maior programa de formação já implantado pelo Ministério da Educação (ROLKOUSKI, 2013). Segundo o material do PNAIC, para combater os problemas de alfabetização “era fundamental criar uma proposta para o professor alfabetizador a partir de um processo de formação continuada, marcado com a articulação de todas as políticas do MEC, o que deflagrou uma política de Estado [...]” (BRASIL, 2015, p. 7).

Entre outros pontos que podem ser considerados como avanços em relação a programas anteriores voltados à formação de alfabetizadoras, se destaca a sua cobertura, seja pelo número de vagas no curso de formação — todas as docentes da rede pública que atuassem com classes do 1º ao 3º ano poderiam participar — ou pela oferta de bolsa de estudos a todos os participantes, o que aconteceu até 2016.

Com uma proposta ampla, o Programa abarcou num mesmo projeto de formação continuada professoras do 1º, 2º e 3º ano das classes regulares, como também docentes das classes multisseriadas, do campo, das escolas quilombolas, indígenas etc., mostrando um grande esforço para englobar a diversidade presente nos vários pontos do país, visando à melhoria da alfabetização dos alunos do Ciclo de Alfabetização. Algumas dessas temáticas foram abordadas dentro dos materiais utilizados no curso, tais como os cadernos específicos para a Educação do Campo e sobre Educação Especial e Educação Inclusiva.

Ao analisar a concepção de alfabetização do PNAIC, nota-se que esta vai muito além dos programas anteriores, pois não se restringe ao ensino da língua materna, mas envolve as demais áreas do saber e as práticas sociais, perspectiva denominada de “alfabetizar letrando”.

A proposição da alfabetização como um direito de todas as crianças também é um dos pontos que diferencia o PNAIC de outros programas de alfabetização. Barbosa (2017) analisa que se a alfabetização de qualidade não for defendida como um direito de todos os alunos, com certeza as crianças provenientes de lares com menor nível socioeconômico serão aqueles a pagar mais caro pela inoperância dos gestores políticos e a baixa qualidade de educação, pela pouca efetividade do trabalho pedagógico nas escolas, pela falta de investimento de recursos financeiros e materiais, entre outras.

O Programa agrega ao seu discurso oficial ações anteriores do MEC, assim como de instituições da sociedade civil. Nota-se que o discurso do PNAIC foi construído a partir de dois fatores principais: a incorporação do discurso do Movimento Todos pela Educação — garantir a alfabetização de todas as crianças até os oito anos de idade — e os baixos índices de alfabetização da população brasileira (ALFERES e MAINARDES, 2018)

Assim, podemos perceber que mesmo com aspectos qualitativos, o PNAIC também possui pontos que precisam ser melhor compreendidos tanto na sua concepção, como no seu arranjo institucional.

Nessa investigação, atemo-nos ao processo de formação desenvolvido durante o ano de 2014, o segundo ano de formação do Programa. No município de Eldorado (SP), os encontros aconteceram durante um sábado do mês e duravam 8 horas diárias; organização acordada entre as orientadoras de estudo (OE) e as professoras.

Durante esse ano, a formação abordou temas sobre o ensino de Matemática. Para isso foram produzidos pelas universidades parceiras um conjunto de 12 cadernos, sendo um caderno de Apresentação e 11 cadernos de formação (Unidade 1 — Organização do trabalho pedagógico; Unidade 2 — Quantificação, registros e agrupamentos; Unidade 3 — Construção do sistema de numeração decimal; Unidade 4 — Operações na resolução de problemas; Unidade 5 — Geometria; Unidade 6 — Medidas e Grandezas; Unidade 7 — Educação Estatística; Unidade 8 — Saberes matemáticos e outros campos do saber, jogos na alfabetização matemática, Educação Matemática do Campo e Educação Inclusiva).

O curso de formação em 2014 teve carga horária de 160 horas, distribuídas em encontros presenciais, estudos de retomada do ano anterior e o seminário final. A carga horária de linguagem/letramento, com 40 horas, inicialmente foi cumprida com tarefas realizadas em casa/escola e depois socializadas em um encontro.

De acordo com o cronograma fornecido por uma das orientadoras de estudo (OE), o ciclo de formação de 2014 se iniciou em 17 de maio e terminou em 6 de dezembro. Nesse período, houve 12 encontros e um seminário. O cronograma de formação é apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Cronograma de formação em 2014

Elaboração dos Autores

Em 2014, assim como em 2013, as cursistas foram avaliadas pela participação nos encontros e frequência nas atividades realizadas; entretanto, para 2014, também foi proposto às alfabetizadoras que organizassem um portfólio de seu percurso formativo, documento de análise neste artigo.

Esse documento deveria ser constituído por uma pasta com as atividades desenvolvidas no Programa, sejam elas impressas ou digital, na qual deveria conter as memórias, relatórios dos encontros, tarefas, fotos, relato das atividades com alunos, além de utilizar diferentes recursos: desenhos, textos literários, músicas, dobraduras etc. Esse instrumento, utilizado durante a formação como uma forma de avaliação da aprendizagem dos cursistas, será analisado com foco na aquisição de conhecimentos e na melhoria da prática docente das alfabetizadoras.

As estratégias formativas adotadas nos encontros envolviam diferentes práticas buscando desenvolver um processo global de formação e melhoria da prática docente de alfabetização. Nóvoa (2007) nos ensina que a formação do professor é, por vezes, excessivamente teórica, outras vezes excessivamente metodológica,

mas há um déficit de práticas, de refletir sobre as práticas, de trabalhar sobre as práticas, de saber como fazer. É desesperante ver certos professores que têm genuinamente uma enorme vontade de fazer de outro modo e não sabem como. Têm o corpo e a cabeça cheios de teoria, de livros, de teses, de autores, mas não sabem como aquilo tudo se transforma em prática, como aquilo tudo se organiza numa prática coerente. Por isso, tenho defendido, há muitos anos, a necessidade de uma formação centrada nas práticas e na análise dessas práticas (p. 14)

A lógica adotada no curso de formação do PNAIC no município de Eldorado, onde as alfabetizadoras pesquisadas atuavam, apresenta-se como fator positivo para romper com o modelo aplicacionista do conhecimento promovido em geral pelos cursos de formação, que segundo Nóvoa (1991),

a formação continuada tem, entre outros objetivos, propor novas metodologias e colocar os profissionais a par das discussões teóricas atuais, com a intenção de contribuir para as mudanças que se fazem necessárias para a melhoria da ação pedagógica na escola e consequentemente da educação (s/p.).

Assim, dentro da proposta de seu curso de formação, o PNAIC deveria possibilitar às professoras do Ciclo de Alfabetização adquirir conhecimentos que pudessem melhorar a prática profissional das alfabetizadoras, relacionadas ao processo de ensino e de aprendizagem nos diferentes campos do saber referente a esse Ciclo. Concordamos com o texto do Programa no sentido de que

a alfabetização é, sem dúvida, uma das prioridades nacionais no contexto atual, pois o professor alfabetizador tem a função de auxiliar na formação para o bom exercício da cidadania. Para exercer essa função de forma plena, é preciso que o professor tenha clareza do que ensinar e como ensinar e sobre qual concepção de alfabetização está subjacente à sua prática. (BRASIL, 2015, p. 21)

Ademais, entendemos que a implementação de programas de formação, como o PNAIC, está sujeita à interpretação, à análise de suas potencialidades, e à limitação desse estudo, a melhoria da formação docente — desenvolvimento profissional — das alfabetizadoras que participaram do curso no âmbito do Programa.

3 Saberes matemáticos e outros campos do saber

Durante a formação, como já mencionamos, o portfólio foi utilizado como um instrumento de avaliação das cursistas, mas para essa investigação o analisamos como um recurso de melhoria da prática docente com foco no ensino de Matemática no Ciclo de Alfabetização. Ao abordar os saberes matemáticos, sabemos que

para o entendimento de muitos professores o aluno, aprenderá melhor quanto maior for o número de exercícios por ele resolvido. Será que de fato essa resolução de exercícios repetitivos de certos algoritmos e esquemas, de solução geram o aprendizado? Os professores em geral mostram a matemática como um corpo de conhecimentos acabado e polido. Ao aluno não é dado em nenhum momento a oportunidade ou gerada a necessidade de criar nada, nem mesmo uma solução mais interessante. O aluno assim, passa a acreditar que na aula de matemática o seu papel é passivo e desinteressante. (D'AMBROSIO, B., 1989, p. 16)

Percebemos que esse quadro está presente em todas as etapas da educação quando se refere ao ensino de Matemática. Essa postura tradicional e de repetição de procedimentos ainda é vista por muitos professores como a única forma de ensinar essa disciplina.

O tema “saberes matemáticos e outros campos do saber” foi o último encontro do PNAIC em 2014; aconteceu em 22 de novembro e teve como objetivos retomar os conteúdos já estudados nas sete unidades anteriores e refletir sobre o ensino de Matemática de modo a aproveitar os contextos e as situações-problema. A leitura deleite escolhida para o encontro foi o livro Cospe-fogo, o dragão, de Luciene Regina Paulino Tognetta. Após a retomada do encontro anterior, as cursistas iniciaram a reflexão sobre os saberes matemáticos e outros campos do saber. Em seguida, houve o estudo coletivo dos textos Matemática e realidade. Os contextos e Resolução de problemas(BRASIL, 2014).

Dando seguimento à formação, as professoras alfabetizadoras (PA) do grupo de formação foram divididas em cinco equipes para a leitura de textos sobre conexões matemáticas: Grupo 1 —Números e geometria e geometria e grandezas; Grupo 2 — Números e medidas e números e estatística; Grupo 3 —Conexões e problematização (calendário); Grupo 4 —Conexões e relações numéricas; e Grupo 5 — Conexões para a aprendizagem de conceitos e procedimentos (BRASIL, 2014). Cada grupo teve que socializar com os demais as reflexões levantadas pelo texto que ficou encarregado.

Como avaliação/fechamento do encontro houve a retomada da dinâmica “Mandala” vivenciada no primeiro encontro —Nós e borboletas —, quando os cursistas falaram sobre suas expectativas iniciais em relação à formação, as questões giraram em torno da ficha cadastral, onde havia questões referentes à relação das alfabetizadoras com a Matemática, tanto como estudantes, como professoras dessa área. Depois, foi realizada a avaliação das Unidades 7 e 8 da formação, em que as professoras alfabetizadoras deveriam escrever sobre suas experiências positivas com alfabetização e relatar o que consideraram importante para o seu trabalho dentro dos conteúdos teóricos e práticos desenvolvidos na unidade, destacando alguns exemplos sobre a importância desse conhecimento para a sua prática pedagógica. Também deveriam responder três questões: Quais foram as maiores dificuldades encontradas durante a formação (encontros presenciais, atividades de casa/escola etc)? Quais eram as sugestões para que os estudos continuassem independentemente de o PNAIC acontecer ou não em 2015? O que as professoras alfabetizadoras estavam levando para a sua prática pedagógica e/ou vida dos encontros proporcionados pelo PNAIC — Letramento e Matemática?

A tarefa de casa/escola do encontro foi organizar o portfólio. Os lembretes finais foram sobre a data do II Seminário Municipal do PNAIC no Município — Alfabetização Matemática (6 dez.), sobre a realização das avaliações e atividades obrigatórias no período de 15 a 17 dos meses de dezembro/2014 (8ª avaliação — 8º encontro 25/10), janeiro/2015 (9ª avaliação — 9º encontro 08/11) e fevereiro/2015 (10ª avaliação — 10º encontro 29/11); e também a entrega do portfólio, até o dia 15/01/2015. A pauta desse encontro é apresentada no Quadro 2.

Quadro 2
Unidade 8 – saberes matemáticos e outros campos do saber.

Adaptação a partir da pauta original

A pauta desse encontro se mostra mais resumida que as anteriores. Destaca-se a retomada da dinâmica “Mandala”, realizada no primeiro encontro de formação e a atividade de avaliação das unidades 7 e 8. Sua estrutura é menos fomentadora de momentos de reflexão para as professoras; envolveu o estudo em grupo de textos teóricos e sua posterior socialização.

Seu tema saberes matemáticos e outros campos do saber teve como função fomentar práticas integradoras entre a Matemática e as demais áreas, de forma a tornar a própria Matemática mais prazerosa e que sua aprendizagem aconteça de fato, principalmente pelas múltiplas relações existentes entre os saberes das diversas áreas. De forma muito comum, a Matemática é apresentada de forma isolada, sem integração com outros contextos, seja com outras áreas de conhecimento — Língua Portuguesa, Geografia, Ciências etc.) ou mesmo entre seus eixos — Números, Operações, Geometria, Grandezas, Medidas, Estatística.

Monteiro e Mendes (2019) ao analisarem que a Etnomatemática pode ser pensada para além da relação entre Matemática escolar e cotidiana, nos ajudam a perceber que ao tomar como foco a mobilização dos saberes nas diferentes práticas sociais e culturais é preciso trazer para discussão práticas e saberes na perspectiva em que “são significados, e as formas de uso a partir da ótica dos sujeitos que as realizam, e, desta maneira, buscar nas práticas e não nas disciplinas (Matemática, História, ...) os possíveis sentidos desses saberes” (p. 8). Assim, integrando saberes matemáticos a outros campos podemos reconstruir aprendizagens, de forma contextualizada e significativa para os alunos.

Os portfólios possuem a seguinte estrutura: ficha do professor cursista e a sistematização das atividades de cada unidade temática; reflexão e prática; tarefa de casa/tarefa de escola e relatório da unidade. No quadro-síntese do encontro deveria conter informações sobre o ano/série de atuação, a data do encontro e a carga horária, os objetivos da unidade, e o desenvolvimento do encontro — a leitura deleite do encontro, apresentação do conteúdo e atividades práticas, a tarefa de casa/escola e a avaliação do encontro; e os recursos utilizados. Ao fim, as professoras alfabetizadoras (PA) deveriam fazer uma autoavaliação do encontro. Em reflexão e prática, deveriam refletir sobre o encontro; a terefa de casa/escola seria o registro de como se deu em sala de aula a atividade fomentada pelo encontro de formação, como foi a prática de sala de aula das PA. O relatório deveria conter a sistematização do processo que foi vivenciado em relação ao tema estudado na formação do PNAIC.

Estabelecidos os motivos que justificam o direito das crianças de aprender Mate­mática, “busca-se ampliar as abordagens que contribuem para que os alunos aprendam relações, fatos, conceitos e procedimentos matemáticos que sejam úteis tanto para resolver problemas reais, como para desenvolver o raciocínio lógico” (BRASIL, 2014, p. 5).

Os trechos dos portfólios analisados enfatizam, entre outros aspectos, que essa unidade trouxe conceitos como os contextos e as situações-problema. No que tange à contextualização, o PNAIC adota as ideias da Educação Matemática Realista que tem seus fundamentos na contextualização, nas conexões, na problematização e nas interações. Como afirma Freudenthal (1982),

o que importa é saber como se encaixa um determinado tema em todo o corpo do ensino de Matemática, se se pode integrar com o todo, ou se é tão estranho, bizarro ou isolado que, finalmente não deixaria nenhuma marca na educação do indivíduo (FREUDENTHAL, 1982 apud BRASIL, 2014, p. 26).

Pode-se afirmar que o trabalho contextualizado possibilita ao aluno perceber que conceitos/conteúdos matemáticos são ferramentas para resolver situações de outras áreas. Isso vai além da verificação de que o aluno tem uma dada informação ou se aprendeu um determinado procedimento, mas sim, se é capaz de generalizar sua aplicação (GÓMEZ-GRANELL, 1995 apud SANTOS, 2005, p. 119-120). Em relação a resolução de problemas, D’Ambrosio (1989) sublinha que

através de experiências com problemas de naturezas diferentes o aluno interpreta o fenômeno matemático e procura explicá-lo dentro de sua concepção da matemática envolvida. O processo de formalização é lento e surge da necessidade de uma nova forma de comunicação pelo aluno. Nesse processo o aluno envolve-se com o "fazer" matemática no sentido de criar hipóteses e conjecturas e investigá-los a partir da situação problema proposta. (p. 3)

Os trechos dos portfólios analisados revelam que “Este estudo veio trazer novos conceitos para a minha prática, principalmente, como transmitir aos alunos meios de como usar as estratégias na resolução de problemas como também saber utilizá-la em diferentes contextos sócios e culturais” (PA1). A docente ressalta as estratégias para a resolução de problemas em diferentes contextos socioculturais. Apesar de utilizar o termo “transmitir”, percebemos ao longo dos registros dos outros encontros que a alfabetizadora sempre fez relatos numa perspectiva de mediação de conhecimento, o que foi possível verificar a partir do portfólio como um todo.

Cruz e Martiniak (2015) destacam que as ações do PNAIC esbarraram em algumas dificuldades estruturais e relacionadas à prática pedagógica do professor. As autoras destacam entre essas dificuldades a concepção de alfabetização e a importância da formação continuada para o exercício da docência, pois o processo de alfabetização é complexo e multifacetado. Principalmente por pelo fato de no Pacto haver a proposição de uma alfabetização em contexto amplo, em todas as áreas do conhecimento e no caso da Matemática, a alfabetização matemática. Por isso, o exercício da docência requer que a professora tenha o domínio de conhecimentos teóricos sobre a alfabetização e seus determinantes referente aos saberes matemáticos e outros campos do saber.

Ao refletir sobre a prática, a PA1 afirma que a Matemática está inserida em toda situação da nossa vida.

[...] através das suas ações, respeitando a geração e os acúmulos de conhecimentos, obedecendo e apoiando-se no processo cultural de mediação, de contagem, de classificação, de comparação, de representação e de inferências. Esses processos se dão de maneiras diferentes nas diversas culturas e transforma-se ao longo do tempo. Nós educadores precisamos facilitar esse caminho entre a matemática e o saber, isto é, conhecer e saber fazer e para que isso aconteça nada melhor que começar pela realidade dos alunos, envolvendo todas as áreas de conhecimento, assim temos a matemática como instrumento que auxilia a compreender, descrever e modificar a realidade (PA1)

A reflexão da professora está centrada no ensino de Matemática como forma de compreender, descrever e modificar a realidade. Essa afirmação está pertinente às propostas dos textos do caderno de formação (BRASIL, 2014). Ao apresentar uma concepção cultural de ensino de Matemática, PA1 reflete que a área está inserida nas diversas culturas e é preciso facilitar o caminho entre essa área e o saber, o que entendemos ser a mediação entre o conhecimento matemático como forma de conhecimento cultural.

Assim, quando falamos de aprender Matemática, de se alfabetizar em matemática, percebemos que esta não deve se resumir a procedimentos mecânicos de como utilizar seus símbolos, o que Freudenthal chamou de “Matematização” (FREUDENTHAL, 1968). Para aprender Matemática devemos partir da realidade, mantendo a disciplina conectada ao mundo real, o que nos leva à uma valorização dos saberes matemáticos e sua relação com os outros campos do saber. Conforme escreve Meirieu (1998, p. 119),

nenhum conteúdo existe fora do ato que permite pensá-lo, da mesma forma que nenhuma operação mental pode funcionar no vazio. Para isso, o professor necessita ter uma concepção epistemológica da ciência que ensina, dos métodos lógicos e investigativos dessa ciência e das condições históricas e sociais do contexto de produção e aplicação dos conteúdos dessa ciência.

Essa afirmação nos remete às concepções de formação e os formatos curriculares dos atuais cursos de formação de professores, nos quais os conhecimentos são apresentados de forma desconexa da realidade, sendo ensinados por seu “peso” no currículo e não por sua relevância social e epistemológica (D’AMBROSIO, U., 1996). Assim, o tempo dedicado para uma disciplina é o que se determina no currículo de formação, não havendo a reflexão sobre o papel desse conhecimento para a formação do futuro docente. Refletindo sobre o conteúdo dessa unidade, a PA2 relatou que:

Se os alunos necessitam de um sentido para aprender matemática, nós como professores, precisamos ter claro por que estamos ensinando desta ou daquela maneira e para quem estamos ensinando matemática. Para envolver a criança nas situações de práticas matemáticas, optamos por partir daquilo que é sensível, próximo, familiar e significativo: sua realidade. (PA2)

Assim, como a PA1, essa alfabetizadora apresenta uma concepção alinhada aos textos do caderno de formação (BRASIL, 2014) e consideramos que essa incorporação da proposta do PNAIC é um avanço em relação à reflexão sobre a prática docente e sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo (SHULMAN, 1987). A professora também defende que os alunos necessitam perceber o sentido do conhecimento que está sendo ensinado, e para isso a realidade da criança oportuniza essa significância.

Contextualizar é relacionar o saber matemático ao que é familiar e experienciado pelo aluno, àquilo que não lhe é estranho. Contextos contribuem para introduzir um novo tema ou conceito matemático; aprofundar um novo conceito ou procedimento; mostrar o poder da Matemática; envolver os alunos no problema (BRASIL, 2014).

Ao avaliar a unidade, a alfabetizadora reflete que essa serviu para

Oferecer elementos aos professores para que elaborem e aprendam relações, fatos, conceitos e procedimentos matemáticos que sejam úteis tanto para resolver problemas reais, como para desenvolver o raciocínio lógico (PA2)

O excerto apresentado mostra que a professora alfabetizadora passou a ter uma nova concepção sobre os saberes matemáticos e outros campos do saber, o que era o objetivo do encontro de formação. Nesse sentido, D’Ambrosio, U. (1996) argumenta que a compartimentalização disciplinar do conhecimento, que está no mundo como um todo cognitivo e histórico, tem causado sérios prejuízos à educação escolar. O PNAIC oportunizou às professoras possibilidades de descompartimentalizar os conhecimentos matemáticos em relação às outras áreas do saber.

Read (2001), ao analisar o sistema educacional na forma como temos organizado atualmente, de forma compartimentada, afirma que há uma coleção de disciplinas sendo desenvolvidas isoladamente, competindo entre si. Para o autor, essas disciplinas deveriam se fundir umas às outras para construir o conhecimento, pois o processo de educação pressupõe uma integração.

Ao refletir sobre essa unidade, PA3 enfatiza:

[...] com certeza, nosso olhar e nossa postura obtiveram um salto positivo diante das novas perspectivas apresentadas nos encontros, nos estudos do caderno e nas atividades aplicadas. É inegável nossa mudança na leveza quando pronunciamos a palavra matemática, enfim, depois de muitos conceitos quebrados, uma nova compreensão sobre o sistema de numeração decimal e suas varias aplicações e ramificações em todos os campos do saber, percebemos matemática em tudo, desde o momento em que nascemos e durante toda nossa vida, a construção de um novo paradigma foi marcante nessa formação 2014. (PA3)

O trecho do portfólio da professora alfabetizadora enfatiza sua mudança ocasionada após o programa de formação. Essa professora reflete sobre as mudanças de conceitos e a nova visão/relação que passou a ter sobre a Matemática, ao considerar que “percebemos matemática em tudo” (PA3). Para a alfabetizadora, essa formação foi marcante, mostrando sua aceitação à proposta, como também o atendimento de pontos que considerava ser uma necessidade de formação.

Em seu relatório sobre o encontro de formação Saberes matemáticos e outros campos do saber, destacou:

As crianças brincam e jogam em situações variadas de suas vidas, muitas brincadeiras envolvem procedimentos de: contagem, medição, orientação, visualização de quantidades etc. Crianças pensam logicamente ante situações do cotidiano. Isso ocorre, por exemplo, quando elas praticam jogos com regras ou quando organizam coisas por atributos: coisas pessoais como roupas e brinquedos e coisas da casa como talheres, pratos e guardanapos. Ao se apropriarem de um modo de organização, mesmo que induzido pelos adultos, elas estão aceitando e incorporando princípios de natureza lógica. (PA3)

O texto da PA3 faz uma reflexão sobre o desenvolvimento do pensamento lógico nas crianças e como esse está interligado às suas práticas sociais. A professora também ressalta as brincadeiras e jogos em situações variadas de suas vidas, pois envolvem, quase sempre, procedimentos de contagem de pontos, medição, orientação, visualização de quantidades etc. Nota-se a necessidade de se investigar e explorar os contextos a partir do universo das crianças, de sua cultura e experiências.

Em seu registro, a PA4 destaca o estudo coletivo de textos e a socialização como atividades presentes nos encontros.

Começamos com a leitura de deleite “Cospe fogo, o dragão”, então fizemos uma retomada dos conteúdos estudados nas unidades anteriores. Estudamos textos coletivamente, depois socializamos. Preparamos também o material para o seminário. Foi de grande valia, tendo em vista que ideias e situações de natureza matemática estão presentes nas coisas do dia a dia, nas atividades profissionais. Em nossa sociedade, é fácil reconhecer a presença e o valor da matemática e o seu ensino que além de obrigatório é universal. (PA4)

O relato da alfabetizadora enfatiza a importância das atividades de formação para mudança de concepções durante os encontros de formação. Adquiriu uma concepção da Matemática como algo do dia a dia e nas atividades profissionais, defende-a como um conhecimento universal.

Consideramos que a contextualização dos objetos matemáticos é um fator importante nos processos ligados ao desenvolvimento de conhecimentos. No Ciclo de Alfabetização, isso se torna fundamental, pois quando estão envolvidas e se sentem motivadas, as crianças podem perceber regularidades, fazer relações, formular questões e raciocinar sobre a situação e/ou objeto matemático de estudo.

Analisando o relatório sobre a unidade 8, da PA5, trazemos seu conteúdo integral:

A abertura do último encontro foi com a leitura da pauta e os objetivos, retomada dos conteúdos já estudados nas sete unidades anteriores e refletir sobre o ensino da matemática de modo a aproveitar os contextos e situações-problema, a leitura deleite realizada pela orientadora "Cospe fogo o dragão", após foi feito uma socialização reflexiva de nossa prática onde ela concluiu: "Não adianta ter conhecimento ampliado e, não coloca-lo em prática". Na continuidade do encontro foi relembrado o 1° encontro atividade da mandala, se nós tínhamos superado os nós durante o curso, fazendo a contemplação de nossas vivências, no data show estudamos os saberes matemáticos e outros campos do saber. Utilizando o livro do acervo do Pnaic ponderando a respeito, com o autor Ubiratan D'Ambrósio e Freudental, que a matemática é uma atividade humana, faz parte da nossa cultura, além de ser uma poderosa ferramenta para a resolução de problemas, tanto os problemas do dia a dia, que os indivíduos enfrentam nas suas tarefas cotidianas, como os mais complexos que aparecem em atividades profissionais e científicas. A seguir passamos para o estudo dos contextos na educação matemática realista que são pontos de partida da atividade matemática. Uma matemática, relacionada ao que é familiar e experimentado pelo aluno, aquilo que não lhe é estranho, ao concreto no sentido das operações, contextualizando sempre, dando sequência analisamos o conteúdo de resolução de problemas, no qual os currículos levam os alunos a desenvolverem suas capacidades, enfrentarem e as resolverem de variados tipos e finalidades. O que se espera é que, o aluno seja capaz de utilizar suas compreensões sobre fatos, ideias, conceitos e ferramentas matemáticas, elucidando problemas do mundo real, do seu dia a dia, de suas coisas, de afazeres, uma realidade que tenha significado para que faça sentido. Desta perspectiva, a realidade é usada como campo de aplicação da matemática e como fonte fornecedora de situações para aprender matemática. A orientadora concluiu o conteúdo falando que devemos contextualizar sempre, relacionando o conteúdo a realidade do aluno e, fazendo bons planejamentos, atendendo as dificuldades dos mesmos, preparando boas práticas pedagógicas e metodológicas. Após fez a organização do seminário, onde nós cursistas iremos apresentar os temas estudados, levando um pouco das práticas realizadas com nossos alunos. Fechando o encontro com a entrega da avaliação das unidades, foi um curso acima das minhas expectativas, de muito aprendizado e que em conversas com os colegas e nas práticas, "suis generis" (único em seu género). (PA5)

O registro da professora possui um teor mais descritivo sobre o encontro, mesmo assim percebemos que o processo de formação vivenciado buscou fomentar a reflexibilidade, a socialização e a mobilização de conhecimentos, três dos seis princípios do PNAIC para o seu processo formativo — reflexividade; mobilização dos saberes docentes; constituição da identidade profissional; socialização; engajamento; colaboração. Como podemos notar, se articulam com os demais, de forma a incorporar aspectos de outros princípios.

No texto, PA5 enfatiza aspectos presentes no caderno de formação; destaca-se as concepções de que “matemática é uma atividade humana”, é uma “ferramenta para a resolução de problemas”, seu ensino deve ser contextualizado, a “realidade é usada como campo de aplicação da matemática e como fonte fornecedora de situações para aprender matemática”; proposições pedagógicas que se mostraram latentes durante o programa de formação.

Ao final, PA5 reflete que “foi um curso acima das minhas expectativas, de muito aprendizado e que em conversas com os colegas e nas práticas, "suis generis" (único em seu gênero), mostrando plena satisfação com a proposta formativa que vivenciou no PNAIC, sem semelhança com nenhuma outra formação que vivenciou.

As reflexões das professoras, referente à essa unidade, envolvem exclusivamente conhecimentos pedagógicos do conteúdo (SHULMAN, 1987), ou seja, como ensinar a Matemática. Ressalta-se que “acreditamos que o professor precisa utilizar a matemática formal para compreender a matemática de seus alunos, levantando hipóteses e baseando-se nos trabalhos deles para, depois, mediante as interações com esses mesmos alunos, refinar suas hipóteses” (D’AMBROSIO, B., 2005, p. 25). Para isso, é fundamental que as professoras adquiram a prática de ouvir a voz dos alunos e que utilizem suas concepções emergentes durante o processo de escuta para interpretar o sentido que os alunos atribuem à Matemática.

Analisando os portfólios das professoras alfabetizadoras, notamos a importância da resolução de problemas e, principalmente, da contextualização para o ensino de Matemática no Ciclo de Alfabetização.

O último encontro de formação do PNAIC em 2014 abordou os contextos e as situações-problema; percebemos que independente da área, essas discussões são relevantes e devem ser ofertadas de modo contínuo nas formações e nos encontros realizados com alfabetizadoras, principalmente por estas terem como expectativa de atuação uma prática que integre os saberes de uma área dentro de situações reais e que valorize o contexto dos alunos.

Ao analisar os portfólios das professoras, se percebe que as ações de formação, como o PNAIC, são importantes, pois

o professor hoje também tem uma série de crenças sobre o ensino e a aprendizagem de matemática que reforçam a prática educacional por ele exercida. Muitas vezes ele se sente convencido de que tópicos da matemática são ensinados por serem úteis aos alunos no futuro. Esta "motivação" é pouco convincente para os alunos, principalmente numa realidade educacional como a brasileira em que apenas uma pequena parte dos alunos ingressantes no primeiro ano escolar termina sua escolaridade de oito anos obrigatórios. (D'AMBROSIO, B., 1989. p. 16)

Ou como no caso do Programa, em que se busca reverter a situação de que vários alunos que chegam ao 3º ano do Ensino Fundamental sem estarem alfabetizados ou com baixa fluência em leitura e escrita e nos conhecimentos matemáticos.

Notamos que o PNAIC assume uma proposta de complementar de formação docente, pois, pela nossa experiência com a educação básica, essas proposições não são “novidades” para o ensino de Matemática nos Anos Iniciais, o que Shulman (2004) trata como um dos três desafios centrais para processos formativos — a amnésia (eu me esqueci disso). Assim como impacta os outros dois desafios: a ilusão da aprendizagem ou a compreensão ilusória (eu pensei que havia entendido isso) e a falta de uso do que foi aprendido ou ideias inertes (eu compreendo, mas não posso usar isso).

Dessa forma, as discussões desse encontro são significativas para qualificar os conhecimentos das professoras, colocando-as a par das discussões teóricas atuais, de modo a contribuir para as mudanças na prática pedagógica, e também, na melhoria do processo educacional no ciclo de alfabetização.

4 Considerações

Neste artigo analisamos o último encontro do período formativo de 2014 do PNAIC com a temática Saberes matemáticos e outros campos do saber. No encontro foram retomados os conteúdos já estudados nas unidades anteriores e houve a reflexão sobre os contextos e situações-problema no ensino de Matemática.

As discussões focaram a pauta do encontro e o registro do portfólio das alfabetizadoras, no qual analisamos as memórias, relatórios dos encontros, tarefas e relatos das professoras alfabetizadoras.

Destaca-se que o PNAIC, como um programa voltado à alfabetização, vai além dos programas anteriores. Ao adotar a perspectiva denominada de alfabetizar letrando não restringiu o processo de alfabetização ao ensino da língua materna, mas envolveu as demais áreas do saber e as práticas sociais. No PNAIC, a concepção de estar alfabetizado é poder transitar com eficiência e sem temor numa intrincada trama de práticas sociais ligadas à escrita (FERREIRO, 2006). Diante do exposto, consideramos que o Programa foi e é muito relevante (ALFERES e MAINARDES, 2018).

Ao analisar o PNAIC como um programa nacional voltado à formação de alfabetizadoras, consideramos que pensar na professora que alfabetiza é levar em conta sua prática pedagógica e a formação continuada como espaços para a aprendizagem docente. O programa foi exitoso ao propor metodologias e colocar as alfabetizadoras a par das discussões teóricas atuais, com a intenção de contribuir para as mudanças necessárias à melhoria da ação pedagógica no ensino de matemática no ciclo de alfabetização e consequentemente da educação (NÓVOA,1991).

Ao analisar os registros do último encontro do período de formação voltado ao ensino de Matemática no Ciclo de Alfabetização, podemos verificar que para as professoras alfabetizadoras que participaram da formação, o encontro foi significativo; os registros nos portfólios mostram uma receptividade à proposta do PNAIC.

Em nosso entender, o desafio é encontrar e construir práticas de ensino que valorizem a resolução de problemas e os contextos, e assim, possam desenvolver os conhecimentos matemáticos integrando-os outros campos do saber, contextualizando a Matemática em todas suas dimensões: a social, a científica e a cultural.

Trouxe novos conceitos para a prática, fez as alfabetizadoras perceberem que precisam ter claro porque ensinam desta ou daquela maneira e para quem estão ensinando Matemática — sua realidade; serviu para oferecer elementos para que elaborem e aprendam relações, fatos, conceitos e procedimentos matemáticos que sejam úteis tanto para resolver problemas reais, como para desenvolver o raciocínio lógico; que é fácil reconhecer a presença e o valor da Matemática e o seu ensino.

O registro da PA5, por exemplo, enfatiza aspectos presentes no caderno de formação e se destaca as concepções de a “matemática é uma atividade humana”, é uma “ferramenta para a resolução de problemas”, seu ensino deve ser contextualizado, a “realidade é usada como campo de aplicação da matemática e como fonte fornecedora de situações para aprender matemática”; proposições pedagógicas que se mostraram latentes durante o programa de formação. Ou como afirma a PA3, “É inegável nossa mudança na leveza quando pronunciamos a palavra matemática...”, “...percebemos matemática em tudo...”, e que houve a construção de um novo paradigma que foi marcante no curso de formação de 2014.

Verificamos que as discussões desse encontro foram significativas para qualificar os conhecimentos das professoras, fomentar a mudança e reflexão sobre a prática; houve a integração dos saberes matemáticos a outros campos, principalmente em relação a contextos e a resolução de problemas na formação das alfabetizadoras.

Referências

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