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Explorando conceitos estatísticos por meio da Modelagem Matemática: uma proposta para a Educação do Campo
Exploring Statistical concepts in Elementary Education through fishing: a proposal for Countryside Education
Educação Matemática Debate, vol. 4, 2020
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê — Modelagem Matemática e Resolução de Problemas


Recepção: 01 Maio 2020

Aprovação: 11 Junho 2020

Publicado: 13 Julho 2020

DOI: https://doi.org/10.46551/emd.e202028

Resumo: O presente artigo buscou discutir em que medida questões culturais aliadas à Modelagem Matemática podem contribuir e proporcionar aos alunos uma Aprendizagem Significativa. Participaram da pesquisa alunos do Ensino Fundamental de uma escola do campo do interior do Rio Grande do Sul. Foram realizadas intervenções no ambiente escolar e observações em sala de aula com o propósito de verificar os subsunçores dos alunos, fazer um levantamento de dados e analisar o contexto escolar. Esse levantamento possibilitou elencar três temáticas de interesse dos alunos: Pecuária, Pesca e Agricultura. Neste trabalho apresentamos uma atividade que aborda a temática Pesca como base para estudo de conceitos estatísticos e analisamos se a aprendizagem desses conceitos foi significativa. Da análise dos resultados foi possível inferir que a aprendizagem se torna significativa quando inserimos questões culturais como tema central, pois estas podem fundamentar a aprendizagem de novos conceitos; fortalecer e significar conceitos já conhecidos.

Palavras-chave: Modelagem Matemática, Educação do Campo, Educação Matemática.

Abstract: This paper sought to discuss the extent to which cultural issues allied with Mathematical Modeling can contribute and provide students with Meaningful Learning. Students from elementary schools in the countryside of Rio Grande do Sul participated in the research. Interventions were carried out in the school environment and classroom observations with the purpose of verifying the subsumers of the students, making a data survey and analyzing the school context. This survey made it possible to list three themes of interest to the students: Livestock, Fisheries and Agriculture. In this work we present an activity that addresses the topic of Fisheries as a basis for studying statistical concepts and analyze whether the learning of these concepts was significant. From the analysis of the results it was possible to infer that learning becomes significant when we insert cultural issues as a central theme, because these can underpin the learning of new concepts; strengthen and mean concepts already known.

Keywords: Mathematical Modelling, Countryside Education, Mathematics Education.

1 Introdução

A Educação do Campo vem, aos poucos, conquistando mais espaço quando se trata de representatividade em discussões sobre educação nos âmbitos municipal, estadual e federal, visando seu fortalecimento como modalidade de ensino (CASTAMAN, VIEIRA e RADKE, 2018).

Conforme documentos oficiais que regem a modalidade no país, a Educação do Campo tem como principal objetivo o fortalecimento, a oferta e a ampliação do ensino básico e superior oferecido a alunos que residem na zona rural. Assim, entende-se que deve ser ofertada a agricultores, pescadores, ribeirinhos, assentados e demais populações que residam em comunidades rurais (BRASIL, 2010).

Devido a esta pluralidade de vivências, saberes, crenças e concepções, as Diretrizes Nacionais da Educação do Campo determinam que o campo deve ser visto como um cenário de possibilidades, considerando a existência dos indivíduos e a valorização de suas raízes e cultura por parte da escola (BRASIL, 2002).

Assim, o presente trabalho[1] apresenta uma discussão de como as questões culturais podem contribuir para a Aprendizagem Significativa de conteúdos matemáticos por alunos de uma escola do campo.

Para isso, primeiramente foram efetuadas intervenções no ambiente escolar por meio de ações como: a) Roda de conversa realizada com os alunos, a fim de identificar as principais práticas realizadas na comunidade, e quais as suas concepções sobre a Matemática presente nessas atividades etc.; b) Evocação de Palavras ou Chuva de Ideias — um momento no qual foi apresentada uma nuvem com a frase “Matemática do Campo” e os alunos tiveram a oportunidade de expor seus pensamentos sobre a relação da disciplina com sua vivência, tanto no meio escolar, como pessoal; e c) Observações do ambiente escolar com o intuito de evidenciar temáticas e verificar a existência de subsunçores, para que estes se tornassem os elementos base no desenvolvimento das atividades de ensino.

Essas atividades, a priori, foram realizadas a fim de que fosse possível identificar os subsunçores dos alunos sobre a Matemática e sobre a vida no campo, pois, conforme ressalta Ausubel (2003), a Aprendizagem Significativa se dá por meio de duas condições essenciais: que o sujeito tenha âncoras que possam servir como base para os novos aprendizados, e que o material apresentado ao sujeito possa se relacionar de maneira não-arbitrária e não literal com qualquer elemento da estrutura cognitiva deste indivíduo.

Para isso, é importante e necessário estimar projeções sobre o que o aluno traz consigo, tanto com relação a conhecimento específico, quanto a conhecimentos culturais. Assim, após a análise, identificamos que houve presença destes dois conhecimentos nas respostas das atividades iniciais, podendo ser estipuladas, portanto, três grandes temáticas, as quais foram significativamente pontuadas pelos estudantes. São elas: Pesca, Agricultura e Pecuária.

Com o intuito de discutir em atividades de Modelagem as três temáticas, foram pensados três encontros de quatro períodos, um para cada tema. Neste artigo, iremos detalhar precisamente como se deu a realização de uma das aplicações — a aplicação que discutiu o tema da Pesca.

No referencial teórico, apresentaremos as duas principais bases que deram suporte a este trabalho: a Modelagem Matemática e a Educação do Campo. Logo após, apresentaremos a metodologia, o como se desenvolveu a aplicação, e, posteriormente, os resultados obtidos, os quais foram analisados com base na teoria da Aprendizagem Significativa. Por fim, as conclusões obtidas após o estudo.

2 Modelagem Matemática

Biembengut e Hein (2005) enfatizam que situações que são provenientes do mundo real demandam que os sujeitos tomem decisões, procurem soluções e sejam indagadores do seu próprio meio, uma vez que isto é uma atitude intrínseca ao ser humano. Por sua vez, estas soluções podem estar carregadas de significados, os quais envolvem desde os conceitos mais simples aos mais elaborados.

Nesta perspectiva, Barbosa (2001) destaca que a Modelagem assume a característica de ser uma metodologia que visa explorar os aspectos oriundos das vivências dos sujeitos com a finalidade de debater questões que evidenciem a importância da Matemática em assuntos sociais, visto que,

nem Matemática nem Modelagem são “fins”, mas sim “meios” para questionar a realidade vivida. Isso não significa que os alunos possam desenvolver complexas análises sobre a Matemática no mundo social, mas que Modelagem possui o potencial de gerar algum nível de crítica (p. 4).

Deste modo, a Modelagem é vista como uma metodologia que pode contribuir de forma significativa para o entendimento dos alunos sobre o meio onde vivem, compreendendo situações e, a partir destas, podendo criar problemas, desenvolvendo atitudes e capacidade para resolvê-los, dando assim significados à sua realidade por meio de conhecimentos científicos.

Blum (1995) define a Modelagem como sendo “um processo de construção de modelos que transforma uma situação real em uma situação Matemática” (p. 18). O estudo de Blum e Niss (1991) corrobora com esta ideia, afirmando, ainda, que a metodologia é muito abrangente quanto à escolha da situação do mundo real, uma vez que é capaz de modelar temas provenientes de vários campos do conhecimento, o que propicia aos alunos a utilização de conceitos não somente de uma área, o que oportuniza a construção de novos conhecimentos.

De acordo com Kaiser, Schwarz e Tiedemann (2010), as etapas de realização da Modelagem são: a) Situação do mundo real; b) Modelo do Mundo Real; c) Matematização; d) Modelo Matemático; e) Considerações; f) Resultados e g) Validação.

A primeira etapa consiste na escolha do tema ou assunto a ser debatido. O ponto de partida apoia-se em situação oriunda do mundo real que pode ser manipulada com o uso de conhecimentos científicos. A segunda etapa volta-se ao modelo do mundo real, ou seja, é o momento que, após a escolha da situação ou temática, o professor a contextualiza por meio de textos, diálogos, questionamentos, levantamento de dados sobre o tema etc. Para a terceira etapa, denominada de matematização, é necessário identificar quais conhecimentos podem ser construídos por meio da temática escolhida. A partir disso, como quarta etapa, é construído o modelo matemático que consiste no problema a ser respondido frente à temática, utilizando os conhecimentos já adquiridos pelos alunos.

Ao tentar responder às indagações por meio do modelo matemático, outros questionamentos podem surgir, assim como a construção de novos conceitos, estes com mais significados. A quinta etapa são as considerações matemáticas. Este momento resume-se ao levantamento das possíveis soluções para o problema, podendo o sujeito utilizar conceitos novos e já conhecidos.

A penúltima etapa é voltada à análise dos resultados obtidos, ou seja, é o momento de elencar quais foram estes resultados, quais conteúdos foram utilizados e quais foram os caminhos tomados na resolução do problema.

Por fim, temos o momento da validação, quando validamos o modelo construído e os caminhos adotados para a resolução deste por meio de questionamentos como: o problema foi resolvido? Os conteúdos foram suficientes para responder ao problema? A resolução foi adequada? A resolução atendeu às necessidades do problema? A imagem a seguir, Figura 1, ilustra o esquema que contempla as etapas apresentadas.


Figura 1
Etapas da Modelagem Matemática
(adaptado de KAISER, SCHWARZ e TIEDEMANN, 2010, p. 436)

Fica evidente, após a explanação das etapas, que a participação e a autonomia do sujeito frente os procedimentos são necessárias, uma vez que o desenvolvimento das etapas depende desta participação.

Corroboramos com o pensamento de Caldeira (2009), quando o autor enfatiza que o momento que as atividades de Modelagem são aplicadas pode ser visto pelos alunos como uma oportunidade de participação no seu próprio processo de aprendizagem, admitindo significados e relações matemáticas a questões sociais, o que acaba por facilitar a compreensão da realidade.

3 Educação do Campo

A Educação do Campo, assim como a Educação de modo geral, tem um histórico de muitas conquistas e ganhos por meio de lutas e movimentos sociais, dos quais se sobressaem temas sociais e pedagógicos, como, por exemplo, o acesso de todos à educação de qualidade, a abrangência de diferenças sociais e econômicas e, ainda, a formação para a cidadania crítica (LIBÂNEO, 2012).

Concretizada hoje como uma das principais modalidades educacionais, a Educação do Campo preza pela oferta de ensino em comunidades de difícil acesso, como agricultores, pescadores, ribeirinhos, assentados e demais indivíduos que residam no campo e que com as atividades do meio rural produzam seu sustento (BRASIL, 2010).

Com o objetivo de fortalecer e ampliar o Ensino Básico e Superior, ofertando à população que reside na zona rural uma educação de qualidade, os documentos que regem a Educação do Campo, como, por exemplo, o Decreto nº 7352, de 4 de novembro de 2010, que dispõe sobre a política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária — PRONERA, atentam para o fato de ser necessária e importante a inclusão de questões culturais nas práticas escolares, visando à qualificação do professor em termos metodológicos e pedagógicos (BRASIL, 2010).

A Resolução nº 2 de 2008, concebida pelo Conselho Nacional de Educação, enfatiza a necessidade de adaptação dos métodos de ensino às características de cada região, reforçando, no artigo 6, inciso § 1º, que “a organização e o funcionamento das escolas do campo respeitarão as diferenças entre as populações atendidas quanto à sua atividade econômica, seu estilo de vida, sua cultura e suas tradições”.

Assim, é evidente a importância de incluir no ambiente escolar práticas que estejam voltadas às questões culturais, conforme pregam os documentos norteadores da modalidade no país e no estado.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2018 o país contava com, aproximadamente, 58 mil escolas do campo em funcionamento; destas, em torno de 43 mil funcionavam com regime de multisseriação devido a questões como infraestrutura, corpo docente e falta de recursos (INEP, 2018).

Ressaltamos que é de total responsabilidade da União realizar a manutenção desses espaços escolares, no sentido de promover a educação e mudar um contexto histórico de defasagem na educação rural, com vistas a reduzir o analfabetismo, bem como proporcionar flexibilidade em horários e transporte para os alunos, inclusive da modalidade de Educação de Jovens e Adultos.

Porém, no âmbito nacional, estamos caminhando lentamente para um progresso. A falta de recursos financeiros e pedagógicos para a manutenção desses espaços tem ocasionado o fechamento de escolas. Segundo o Censo Escolar de 2018 (INEP, 2018), houve uma defasagem de quase 150 mil no número de matrículas em escolas do campo no país — um fator preocupante, já que o acesso à educação é um direito social.

Seguindo esta perspectiva, corroboramos com o pensamento de Charlot (2005), quando o este ressalta que

aumentam os índices de escolaridade, mas se agravam as desigualdades sociais de acesso ao saber, pois à escola pública é atribuída a função de incluir populações excluídas ou marginalizadas pela lógica neoliberal, sem que os governos lhe disponibilizem investimentos suficientes, bons professores e inovações pedagógicas (p. 143).

O resultado deste movimento, por vezes, consiste na implementação de escolas multisseriadas. Estas, por sua vez, são escolas que são regradas a um modelo organizacional que tem o intuito de mesclar em uma turma única alunos de diferentes níveis de ensino.

A Resolução nº 2, de 28 de abril de 2008, em seu artigo 4, pontua que o Projeto Político Pedagógico das escolas deve prezar por ver a escola como um ambiente de investigação e articulação entre as ciências e as questões culturais. O artigo 6 da mesma Resolução prevê que para essas escolas “atingirem o padrão de qualidade definido em nível nacional, necessitam de professores com formação pedagógica, inicial e continuada, instalações físicas e equipamentos adequados, materiais didáticos apropriados e supervisão pedagógica permanente” (BRASIL, 2008).

Assim, entendemos que é de extrema valia que a academia possa contribuir com este cenário, auxiliando os professores com a organização e a implementação de atividades que estejam ligadas ao contexto escolar e aos conhecimentos específicos de cada área, proporcionando aos alunos o demonstrativo de que a cultura também é rica de saberes e que estes podem auxiliar no processo de aprendizagem, admitindo sentido a aspectos e conteúdos que antes eram vistos somente como ciência e não como prática.

4 A atividade

A atividade foi aplicada com um grupo de alunos do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola do campo da região oeste do estado do Rio Grande do Sul. A turma em questão era constituída por onze estudantes, todos residentes na zona rural. A faixa etária dos estudantes concentrava-se entre 13 e 15 anos de idade. A escolha da turma e da escola deu-se devido à experiência de uma das autoras deste trabalho como monitora voluntária da disciplina de Matemática na escola, o que proporcionou familiaridade com o ambiente escolar e disponibilidade da escola para as intervenções.

A escola em questão situa-se na zona rural de um município do interior do estado do Rio Grande do Sul, onde predominam atividades como a Agricultura, a Pesca e a Pecuária como fonte de renda de muitas famílias da região da escola e da zona rural do município, o que justifica, a priori, o maior destaque destas temáticas nas atividades.

Como mencionado brevemente, a temática da Pesca, que iremos apresentar a seguir, surgiu após a análise de três momentos realizados com os alunos. Ressaltamos que as atividades aplicadas foram realizadas em dias distintos, totalizando quatro intervenções, todas elaboradas pelas autoras deste trabalho. O primeiro momento foi uma roda de conversa, um momento no qual os alunos puderam expor as principais práticas desempenhadas na comunidade e quais suas concepções sobre a Matemática presente nestas atividades etc.

O segundo momento foi a Evocação de Palavras ou Chuva de Ideias. Nesta ocasião foi apresentada uma nuvem com a frase “A Matemática do Campo”, e os alunos tiveram a oportunidade de expor seu pensamento sobre o que vinha em sua mente sobre a frase.

Por fim, foi realizada a observação do cotidiano escolar. Ao todo, foram observadas 16 horas/aula, em dois dias. Ao observar o ambiente de sala de aula, tínhamos como objetivo identificar se eram explorados conhecimentos do cotidiano, como os alunos trabalhavam individualmente, a participação da turma nas atividades propostas e o relacionamento entre os próprios estudantes.

Nestas ações realizadas a priori buscamos elencar quais as possíveis relações que os alunos conseguem observar quando pensavam na Matemática relacionada ou aplicada ao campo, quais as principais atividades que eles costumavam realizar em casa, em quais conceitos ou conteúdos tinham, ou não, dificuldade ou facilidade e, por fim, se os alunos sentiam falta de trabalhar e discutir, em sala de aula, aspectos relacionados à rotina do campo, da comunidade e das suas casas.

Como já mencionado, após o levantamento dos dados obtidos nos momentos descritos, observamos a presença de três principais eixos: Pecuária, Pesca e Agricultura. Neste artigo, apresentamos a experiência que obtivemos com a aplicação da atividade relativa à temática da Pesca, por meio da qual conseguimos destacar aspectos como a contribuição da Pesca para a economia e sua importância para a comunidade, como se dá a criação e a manutenção dos espaços destinados à piscicultura, quais as principais espécies de peixe da região e qual o custo e a produtividade de um piscicultor.

Uma observação a ser feita é que as atividades aqui apresentadas foram construídas somente pelas autoras deste trabalho, com base nas atividades a priori e na experiência de uma das autoras com a escola, o ambiente escolar e a turma escolhida para participar das atividades. E, ainda, que as atividades de Modelagem Matemática aqui apresentadas são elaboradas e pensadas sob um viés metodológico neste estudo, admitindo a Modelagem como a metodologia de ensino na qual o decorrer das ações foi baseado.

Assim, como contempla a metodologia de ensino da Modelagem Matemática, apresentamos a contextualização sobre a Pesca aos sujeitos. A Figura 2 ilustra o resumo sobre a temática que foi elemento norteador da roda de conversa sobre o assunto.


Figura 2
Contextualização sobre a Pesca discutida com os sujeitos
(Autoria própria)

Após esta discussão com os alunos foram desenvolvidas as demais etapas da metodologia da Modelagem Matemática. Na seção a seguir são analisados os resultados do desenvolvimento das etapas descritas nessa metodologia.

5 Resultados e discussões

No primeiro momento, já com a temática Pesca escolhida e, considerando as etapas da metodologia da Modelagem Matemática, foi apresentada aos alunos uma contextualização que expôs a contribuição da Pesca para a economia. Ressaltamos que no dia da aplicação contamos com a participação de oito estudantes, pois apesar da turma ter onze alunos matriculados, o grupo possuía um alto índice de infrequência. Este fato justifica-se, segundo a escola, porque muitos auxiliavam nas lidas do campo em suas residências e, também, por questões climáticas.

Assim, destacamos a importância e o papel da Pesca na comunidade, uma vez que os dados discutidos na contextualização consistiam em números nacionais. Deste modo, questionamos sobre o contato dos alunos e de suas famílias com essa prática.

Sobre este questionamento, três alunos expuseram sua opinião e seu conhecimento acerca da pesca. Para os alunos A e B, era comum a prática da venda e da criação de peixes na comunidade, uma vez que algumas famílias tinham como uma de suas fontes de renda a comercialização de peixes, criados em açudes ou tanques. O aluno C ponderou que conhecia pouco sobre a prática da pesca, porém, sabia da importância dela para a comunidade onde vivia.

Dando continuidade à atividade, debatemos com os alunos sobre a gama de açudes e rios alocados em fazendas, chácaras, terrenos e propriedades privadas próximos da escola. Assim, questionamos sobre as condições necessárias para a criação de peixes, quais espécies eram criadas na comunidade, qual o valor do quilo vendido de cada uma das espécies e qual a estrutura necessária para se criar estes peixes.

Neste momento, dois dos oito alunos alegaram ter maior conhecimento sobre o assunto, pois já tiveram a oportunidade de vivenciar a prática em suas residências. Os demais alunos destacaram que tinham conhecimento sobre as espécies que vivem na região, mas alertaram para o fato de não possuir experiência com a Pesca.

Aqui, podemos ver que os alunos, mesmo que não totalmente, tinham noção e alguns conhecimentos básicos sobre a prática da Pesca. Em atividades que têm como foco uma Aprendizagem Significativa de conteúdo, é essencial, uma vez que o conhecimento prévio é uma variável importante para aprendizagem significativa de elementos novos, sendo essa a variável que mais possui influência nas novas aprendizagens, ou seja, consistem nos subsunçores que, por sua vez, servirão de âncoras durante o decorrer do processo (MOREIRA, 2010).

Seguindo, a partir deste diálogo, decidimos trabalhar em dois grupos de quatro integrantes cada. Sendo orientados a dar nomes a estes grupos, o primeiro grupo estabeleceu como nome “Os Sardinhas” e o segundo grupo denominou-se “PesClub”.

Na sequência, os alunos foram questionados sobre quais eram os peixes encontrados na região, quais eram conhecidos por eles e qual o valor estabelecido por quilo para cada uma das espécies. Neste momento, cada grupo destacou cinco espécies e o respectivo preço por quilo. Como não havia dados exatos sobre o preço do quilo de peixe, os alunos estabeleceram uma média de valores, pois o preço também varia de acordo com a época do ano. A Tabela 1, a seguir, mostra os dados destacados pelos dois grupos, considerando o conhecimento popular e suas vivências na zona rural.

Tabela 1
Preço e espécies de peixes da região

Dados da Pesquisa[2]

Neste momento, observamos certa disparidade entre os valores estabelecidos pelos alunos, uma vez que o quilo do peixe Pintado para um grupo valia R$ 8,00 e para o outro grupo, R$ 20,50. Outro fato a ser observado foi a igualdade em ambos os grupos com relação ao preço por quilo da espécie Traíra, R$ 15,00. Assim, questionamos: Entre as espécies destacadas, qual é a média de preço por quilo? Dos valores destacados por vocês, é possível calcular a média aritmética do preço por quilo de peixe?”.

Os alunos não tinham conhecimento sobre o conteúdo, não sabiam o significado de média aritmética, sendo necessários, portanto, mais esclarecimentos. Neste momento, aproveitamos para discutir e apresentar o conceito de média aritmética, explicando que se trata de uma medida que surge do resultado da divisão do somatório de todos os valores de um conjunto de dados pela quantidade de valores adicionados.

Os alunos expuseram que sabiam fazer essa conta, mas não sabiam que esse resultado era a média aritmética. Utilizando os valores admitidos a cada espécie, ambos os grupos realizaram seus cálculos. O grupo Os Sardinhas utilizou os valores R$ 15,00, R$ 6,00, R$ 10,00, R$ 8,00 e R$ 3,00 e o grupo PesClub utilizou os valores R$ 15,00, R$ 17,99, R$ 9,00, R$ 20,50 e R$ 25,90.

Após os cálculos, o grupo Os Sardinhas destacou que a média dos valores foi de M = R$ 8,40 e o grupo PesClub obteve como resposta que sua média era de M = R$ 17,67. Quando questionamos por que houve uma diferença expressiva entre as médias, os alunos alegaram que o segundo grupo (PesClub) utilizou valores mais altos, o que justificava a diferença.

Voltando a analisar os valores da Tabela 1, a professora indagou: Há algum valor na tabela que apareceu com maior frequência entre os preços estabelecidos? Esses dois valores são iguais? Que significados têm esses dois valores encontrados? A partir das respostas a essas perguntas foram explicados os conceitos de média e moda e as diferenças entre eles.

Para os alunos, o termo moda fazia referência a roupas, desfiles e nada mais, ou seja, não havia conhecimento estatístico algum sobre o assunto, o que acarretou a necessidade de se realizar uma explanação formal sobre o conteúdo. Utilizamos o momento para discutir e apresentar o conceito de moda, assim, explicou-se brevemente que a moda, junto com a média e a mediana, são chamadas de medidas de posição ou, também, medidas de centralidade, que podem ser usadas para representar todo o conjunto de dados. No caso da moda, é o valor que mais se repete, o que possui a maior frequência entre os dados de um conjunto. No nosso exemplo, a moda está representada pelo número 15, que é o valor em Reais que mais aparece entre os dados tabelados.

Foi exposto, também, que, no caso de outro dado apresentar a mesma frequência do número 15, teremos, então, duas modas, sendo o conjunto de dados chamado de bimodal. Pela mesma lógica, no caso de três valores com a mesma frequência, o conjunto de dados será trimodal. Foi colocado também que em um conjunto de dados pode acontecer de nenhum valor se repetir mais do que uma vez, nesse caso, a moda pode não existir. Quando a moda não existe, denominamos o conjunto de amodal. Utilizando o mesmo exemplo, construímos o conceito da mediana.

Foi solicitado aos alunos que organizassem em ordem crescente os valores descritos pelos grupos, o que resultou na seguinte sequência: R$ 3,00, R$ 6,00, R$ 8,00, R$ 9,00, R$ 10,00, R$ 15,00, R$ 15,00, R$ 17,99, R$ 20,50, R$ 25,99. Após a organização dos dados, perguntamos aos alunos se a quantidade de valores era par ou ímpar e se havia algum número que estivesse dividindo o conjunto de dados ordenados em duas partes com a mesma quantidade.

Os alunos responderam que a quantidade de valores era par e que não existia um único número que fizesse a sequência de dados ficar dividida em duas partes com a mesma quantidade, mas que os valores R$ 10,00 e R$ 15,00 encontravam-se no meio do conjunto de dados. Diante desta manifestação, indicamos que a mediana seria a média aritmética dos dois valores centrais. Os alunos calcularam a mediana obtendo o valor de 12,5.


Figura 3
Cálculo da Mediana realizado pelos sujeitos
(Dados da Pesquisa)

Continuando o processo da construção do conceito da mediana, solicitamos aos alunos que retirassem qualquer um dos valores da sequência. A decisão do grupo foi a retirada do valor R$ 3,00, o que resultou na nova sequência: R$ 6,00, R$ 8,00, R$ 9,00, R$ 10,00, R$ 15,00, R$ 15,00, R$ 17,99, R$ 20,50, R$ 25,99. Novamente, perguntamos aos alunos se a quantidade de valores era par ou ímpar e se havia algum número que estivesse dividindo o conjunto de dados ordenados em duas partes com a mesma quantidade. Dessa vez, o grupo constatou que o número de valores era ímpar, e que o primeiro valor de R$ 15,00 estava no centro dos números, fazendo com que o conjunto de dados ficasse dividido em duas partes com a mesma quantidade de valores.

Dessa forma, mostramos que o termo “mediana” refere-se a “meio”, ou seja, dado um conjunto ordenado de informações numéricas, o valor central corresponde à mediana desse conjunto. Se a quantidade de valores for ímpar, a mediana será o valor central do conjunto numérico e, se a quantidade de valores for par, a mediana será a média aritmética dos dois valores centrais. Os alunos estavam atentos a esses novos conceitos, pois desconheciam esses termos.

Moreira (2009) destaca que a aprendizagem significativa é aquela oriunda da interação do novo conhecimento com outro conhecimento relevante já existente na estrutura cognitiva do indivíduo. Por meio dessa interação, o novo conhecimento torna-se significativo e, também, o conhecimento anterior fica mais relevante, tornando-o mais elaborado. A chave da aprendizagem significativa é a interação entre os conhecimentos novos e os conhecimentos prévios.

Seguindo a dinâmica, voltamos o foco da discussão para a questão dos gastos com a criação dos animais, como, por exemplo, gastos com tubulação, ração, tanques etc. Nesse momento, ambos os grupos organizaram um possível orçamento conforme ilustrado na Figura 4.


Figura 4
Organização dos gastos com a criação de peixes
(Dados da Pesquisa)

A disparidade dos valores em gastos justifica-se devido à quantidade de açudes determinada por cada grupo, pois Os Sardinhas (a) levaram em conta a construção e a manutenção de três açudes, já o grupo PesClub (b) estipulou valores para somente um açude. Após estas considerações, questionamos o intervalo de tempo em que cada espécie se encontra em condições para venda. Os alunos, por meio do diálogo em seus respectivos grupos, organizaram uma tabela (Tabela 2), onde foram explicitados o crescimento dos peixes e a possível periodicidade para condições de venda.

Tabela 2
Crescimento dos peixes e sua periodicidade

Dados da Pesquisa[3]

Voltando o assunto para a questão do lucro obtido por meio da comercialização dos peixes, os alunos começaram a estabelecer intervalos de tempo para a venda dos peixes, uma vez que cada espécie necessita de um peso e comprimento específico para comércio. O aluno A, do grupo Os Sardinhas, destacou que “pra saber o lucro, precisamos saber a quantidade de cada peixe que vamos colocar no tanque e, para saber a quantidade de peixe que vamos usar, a gente precisa saber o tamanho da piscina ou do açude”.

Em debate no grande grupo, delimitamos que nosso açude teria como dimensões 100 m × 200 m × 300 m, pois este seria um tamanho apropriado, tendo como base as experiências pessoais dos alunos. Quando questionamos sobre como chegariam à quantidade específica de peixes que pode ser acomodada neste espaço, os alunos responderam com convicção que esta aproximação iria ser realizada em função do “volume” do tanque.

Ressaltamos que a ideia de volume surgiu espontaneamente, uma vez que o conceito de volume não é utilizado na prática da pesca realizada na comunidade, pois segundo um dos alunos, as aproximações são feitas “no olho”.

Logo, explicaram que como já visto em sala de aula, o volume de uma caixa, ou neste caso, um tanque, pode ser encontrado por meio do “produto de suas dimensões, tomando como base a e b, indicado por B a área da base e a altura c por h, podendo ser escrito como V = B × h (DOLCE e POMPEO, 2019, p. 153). Ou seja, o volume seria V = 100 m × 200 m × 300 m, ou seja, V = 6.000.000 m3. Em contrapartida, perguntamos: Vocês precisam dessa medida em litros, pois estamos falando sobre piscinas ou açudes? Como se transforma metros cúbicos em litros?

Foi explicado que o metro cúbico consistia em uma unidade de volume, unidade utilizada para expressar a capacidade de um corpo em três dimensões, sendo estas altura, comprimento e profundidade. Assim, um metro cúbico corresponde a mil litros, dois metros cúbicos a dois mil litros, e assim sucessivamente; e quando estamos manipulando outras medidas, como os centímetros cúbicos, tem-se a equivalência — cada centímetro cúbico equivale a 0,001 litros.

Após estabelecer a quantidade em litros da capacidade do açude em questão, os alunos começaram a pensar na quantidade de peixes que poderiam habitar o espaço. Na Figura 5 são apresentadas as observações feitas pelos alunos sobre o crescimento e o peso dos peixes.

Neste momento, realizamos uma pesquisa em sites da internet em busca de informações sobre os peixes, e concluímos após este estudo, que cada peixe, independentemente da espécie, necessita de 4000 cm³ de água para sobreviver[4], o que fez o aluno B ficar surpreso, pois ele costumava “calcular no olho” a quantidade de peixes. Já o aluno C disse que estes piscicultores “não se preocupam muito em envolver conhecimentos mais difíceis nas atividades em casa”.

Assim, os alunos fizeram a correspondência de metro cúbico para centímetro cúbico para obter a quantidade de peixes que poderiam viver no açude. Ao dividirem 6.000.000 m3 por 4.000 cm3, chegaram à conclusão de que no tanque poderiam viver até 1.500 peixes.


Figura 5
Considerações sobre o crescimento dos peixes feitas pelos alunos.
(Dados da Pesquisa)

Destacamos que a quantidade de peixes foi considerável, mas como ficaria a quantia por espécie? O aluno D foi assertivo: “podemos pegar e dividir por 5, pois mantemos como padrão os 4000 cm³ para cada espécie”. Logo, delimitamos que seriam os 1.500 ÷ 5 = 300. Ou seja, 300 peixes de cada espécie.

Com base na fala do aluno D, que foi pontual na sua resposta, e na participação dos demais durante as etapas, contribuindo com conhecimentos e noções oriundas de sua vivência, destacamos que “toda cultura modela”[5], cada comunidade tem uma cultura, cada pessoa tem suas crenças e cada um de nós observa situações de modo distinto.

Neste momento, em conversa com os alunos sobre a questão do lucro, indagamos qual a estimativa de lucro por quilo de peixe comercializado ao longo dos anos. A partir disso, começamos a pensar na relação custo-benefício do negócio. Assim, os alunos destacaram os respectivos lucros com cada uma das espécies de peixes e o intervalo de tempo em que os peixes estariam em condições de venda. A Figura 6, a seguir, ilustra as estimativas de lucro de cada grupo.


Figura 6
Estimativa de Lucro dos grupos Os Sardinhas e PesClub
(Dados da Pesquisa)

Questionamos, então, como estes dados poderiam ser organizados. Indagamos: “Como vocês organizariam um gráfico com esses dados do piscicultor nos próximos anos?”.

O aluno E comentou: “nós nunca vimos gráfico nestes anos todos de estudo”, o que foi uma surpresa, pois muitas das dificuldades apresentadas no decorrer das atividades se devem a falta de conhecimento dos alunos, o que nos levou a pensar nas lacunas conceituais que vão se formando no decorrer da vida escolar.

Assim, orientamos os alunos a montar uma tabela para organizar seus dados. Para o aluno A, integrante do grupo Os Sardinhas, o piscicultor não irá lucrar nos primeiros dois anos, pois ainda estará pagando as dívidas com encanações, rações e tubulações, enquanto os peixes vão crescendo e pegando peso.

No primeiro ano (2019) e no segundo (2020) não haveria lucro. No terceiro ano (2021), o lucro poderia ser de R$ 102.577,00; e no quarto ano, de R$ 205.000,00[6]. Para a construção dos gráficos utilizamos o Excel, conforme ilustra a Tabela 3, disposta a seguir, com os valores do grupo já citado.

Tabela 3
Lucros obtidos pelo Grupo Os Sardinhas

Dados da Pesquisa[7]

Foi explicado aos alunos que para a construção do gráfico era necessário selecionar todas as células e clicar na aba inserir. Em seguida, no comando Gráficos Recomendados, para conseguirmos organizar os dados obtidos, de modo que eles possam ser representados por meio da opção gráficos de colunas, conforme podemos observar a seguir.


Figura 7
Gráfico demonstrativo dos lucros obtidos pelo Grupo Os Sardinhas
(Dados da Pesquisa)

O aluno C comentou que “nunca tinham pensado em montar um gráfico assim, fica bem mais organizado”. Com relação aos dados do outro grupo, seguimos a mesma dinâmica, organizando no Excel a Tabela 4. Nesse caso, o aluno E destacou que eles tinham lucro, pois já havia sido pagas as despesas extras e as vendas foram constantes.

Tabela 4
Lucros obtidos pelo Grupo PesClub

Dados da Pesquisa[8]

Assim, para construir o gráfico com os dados obtidos, utilizamos a mesma sistemática, resultando no seguinte gráfico:


Figura 8
Gráfico demonstrativo dos lucros obtidos pelo Grupo PesClub
(Dados da Pesquisa)

Após esta etapa, perguntamos aos alunos: “Vocês viram que somente discutindo a temática da Pesca nós conseguimos estudar muitos conteúdos matemáticos?”. O aluno B destacou: “Sim, conseguimos aprender mais coisas, é muito bom discutir coisas que a gente sabe.” – corroborando a importância de se discutir aspectos oriundos das vivências dos alunos.

Já o aluno A falou que a atividade foi importante e justificou: “Nós conseguimos aprender principalmente conteúdos novos e não somente reforço.” O que vai ao encontro do que prega a aprendizagem significativa, uma vez que por meio de conhecimentos já estabelecidos, podem ser construídos novos conhecimentos, pois conforme destaca Ausubel (1982), é importante valorizar o que o aluno sabe, os conhecimentos prévios dos alunos, que servem de âncoras para a construção de significados mais elaborados.

Em termos de metodologia, entendemos que a atividade contemplou os sete passos preconizados por Kaiser, Schwarz e Tiedermann (2010), que podem ser evidenciados no esquema a seguir:


Figura 9
Etapas da Modelagem Matemática percorridas na atividade
(Autoria Própria)

Ao finalizar a atividade, ressaltamos o empenho dos alunos em aprender sobre a prática da Pesca e a vontade de ensinar daqueles alunos que possuíam maior domínio do assunto, pois por meio destas ações foi possível a construção de um ambiente colaborativo para discussão e aprendizagem dos conhecimentos envolvidos na atividade de modo geral.

Segundo Moreira (2009), a aprendizagem pode se processar tanto por descoberta quanto por recepção, e ambas podem ser significativas. O que definirá se ela é significativa ou não é o modo como o conhecimento é relacionado com a vivência dos alunos. Com relação a isto, evidenciamos que foram observados os dois processos que organizam a estrutura cognitiva do sujeito, durante a atividade, são eles: a diferenciação progressiva e a reconciliação integrativa.

O processo de diferenciação progressiva foi observado em todos os momentos em que, ao atribuir valores para as respectivas espécies de peixes, os sujeitos tiveram a oportunidade de incluir conteúdos desconhecidos, uma vez que a estatística e seus conceitos não são explorados pela professora regente da turma. Logo, os alunos utilizaram conceitos oriundos da cultura e, por meio destes, foi possível a construção e a significação dos demais conceitos.

Quanto à reconciliação integrativa, deu-se a partir da concretização de conceitos científicos, como a média, a moda, a mediana, os gráficos e os quadros, que foram conhecimentos estatísticos pelos quais os alunos estabeleceram conexões a partir de suas vivências. Além, é claro, de conhecimentos sobre volume e unidades de capacidade, que foram essenciais no caso da construção do açude e sua manutenção. Até mesmo o termo moda, que para um dos alunos estava associado a roupas, pois esse era seu subsunçor quando ouve o termo, pôde ser associado a aspectos científicos.

Ainda, atentamos para a importância da inclusão e da discussão de aspectos oriundos do campo com alunos que residem no campo, uma vez que este fator acaba por influenciar na participação dos alunos em sala de aula, oportunizando aos mesmos um local de fala, de se expressar e de expor seus conhecimentos populares e culturais atribuindo-lhes significado.

6 Discussões finais

Knijnik e Wanderer (2006, p. 59), ao discutirem a Educação Matemática no contexto do campo, destacam ser possível afirmar que “o principal é trabalhar as coisas que têm relação com a realidade do aluno, trazer a vida de cada um para a sala de aula e mostrar que a vida deles é uma matemática”.

Com base nesta afirmação e nos resultados obtidos após a aplicação, é possível observar que as ligações estabelecidas entre a cultura dos alunos e os conhecimentos específicos da Matemática foram um fator essencial para a participação efetiva, motivando-os a pensar sobre a temática relacionada ao uso de conhecimentos de sua própria vivência, ajudando uns aos outros e construindo novos significados a partir dos já estabelecidos.

Assim, como o objetivo da proposta foi analisar em que medida as práticas da vida, as questões culturais aliadas à Modelagem podem propiciar a Aprendizagem Significativa de conteúdos matemáticos por alunos de escolas do campo, acreditamos que o desenvolvimento das atividades proporcionou momentos de reflexão sobre suas vivências e a exploração de conhecimentos dos alunos sobre a Pesca, de modo que estes impulsionaram a construção de novos saberes, e isto só foi possível por meio da pré-disposição e interesse apresentado por parte dos alunos. Segundo Ausubel (1968), a aprendizagem significativa

requer não só que o material de aprendizagem seja potencialmente significativo (i.e., relacionável à estrutura cognitiva de maneira não-arbitrária e não-literal), mas também que o aprendiz manifeste uma disposição para relacionar o novo material de modo substantivo e não-arbitrário a sua estrutura de conhecimento (p. 37-38).

Ou seja, a autonomia e a participação efetiva foram essenciais no processo de aprendizagem efetivado na atividade. A autonomia, por sua vez, é uma atitude necessária para atividades de Modelagem Matemática, isto devido ao fato de que a metodologia foi movida pelas indagações e questionamentos sobre o tema, que ao discutirmos, nos possibilitou a construção de situações problema, as quais auxiliaram na assimilação de conceitos e na admissão de significados frente a uma realidade específica.

Ainda, destacamos que como as atividades realizadas foram inéditas, os alunos foram instigados a resolver problemas que não são corriqueiros, o que os fez buscar alternativas, realizar pesquisas, ter atitude frente os questionamentos propostos e levantar dúvidas sobre os conhecimentos específicos ainda não bem consolidados e conhecidos por eles. Ausubel (2003) corrobora com este pensamento, uma vez que destaca que uma das principais atitudes do sujeito para que ocorra uma aprendizagem significativa é justamente o ineditismo das atividades.

Por isso, entendemos ter alcançado o objetivo do estudo, pois a Modelagem Matemática serviu como uma base sólida e, a metodologia, oportunizou a discussão e o aprendizado de conceitos, valorizando o lado científico e o cultural, abraçando seus propósitos enquanto metodologia de ensino, suas etapas e preceitos.

Frente a isso, concluímos destacando ser possível respeitar a natureza dos indivíduos, suas culturas, os problemas sociais, as questões econômicas, desde que dentro do ambiente escolar seja feita uma aproximação e não distanciamento da realidade dos alunos, pois só assim poderemos discutir e refletir sobre questões importantes que permeiam a sociedade em que vivemos e o mais importante, podemos dar sentido à ciência que nos rodeia.

Referências

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Notas

[1] O presente trabalho foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Código de financiamento 001.
[2] Os valores aqui destacados são imprecisos, uma vez que foram destacados pelos alunos com base em suas vivências.
[3] Os dados aqui apresentados são imprecisos, uma vez que foram descritos pelos alunos com base em suas vivências.
[4] Conforme Blog TerraZoo, disponível em https://blog.terrazoo.com.br.
[5] Informação descrita por Ademir Donizete Caldeira durante a palestra de abertura da XI Conferência Nacional de Modelagem na Educação Matemática, que ocorreu na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, em 2019.
[6] Os valores citados na atividade são irreais, uma vez que foram citados pelos sujeitos para simular uma situação de lucro sobre a venda de peixes.
[7] Dados imprecisos, estimados durante a atividade pelos sujeitos da pesquisa, baseados em suas vivências.
[8] Dados imprecisos, estimados durante a atividade pelos sujeitos da pesquisa, baseados em suas vivências

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