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Modelagem Matemática de transformações isovolumétricas: análise conforme a teoria de conciliação de metas
Mathematical Modeling of isovolumetric transformations: goal-conciliation-theoretic analysis
Educação Matemática Debate, vol. 4, 2020
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê — Modelagem Matemática e Resolução de Problemas


Recepção: 21 Abril 2020

Aprovação: 02 Junho 2020

Publicado: 06 Julho 2020

DOI: https://doi.org/10.46551/emd.e202025

Resumo: Analisamos a pertinência da arquitetura abdutivo-dedutiva da teoria de conciliação de metas para descrever e explicar processos cognitivos em tarefas de Modelagem Matemática. Para dar conta desse objetivo, observamos o desempenho de um grupo de estudantes do segundo ano do Curso Técnico de Química Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Santa Catarina, campus Criciúma, na tarefa de modelar transformações gasosas isovolumétricas com o auxílio de um simulador de propriedades gasosas. As evidências mostram que os estudantes foram capazes de modelar as transformações, negociando colaborativamente planos de ação intencional menores associados às diferentes fases e ações cognitivas de modelagem, com os quais, relacionando Matemática e Físico-Química, mobilizaram o objeto matemático adequado de seu repertório didático; propuseram um modelo; interpretaram e validaram os resultados; e refletiram sobre limitações e potencialidades do modelo. O estudo sugere que a arquitetura pode contribuir para descrever e explicar processos cognitivos em atividades de Modelagem Matemática, oferecendo ao professor ferramentas para gerar e avaliar intervenções didáticas.

Palavras-chave: Modelagem Matemática, Pragmática cognitiva, Planos de ação intencional.

Abstract: We analyze the pertinence of goal-conciliation-theoretic abductive-deductive architecture to describe and explain cognitive processes in Mathematical Modeling tasks. In achieving this objective, we observed the performance of a group of second-year students in the Technical Course of Chemistry Integrated to High School at the Federal Institute of Santa Catarina of Criciúma campus in the task of modeling isovolumetric transformations with a gas properties simulator. Evidence shows students were able to model the transformations, negotiating collaboratively smaller action plans associated with different modeling phases and cognitive actions, with which, relating Mathematics and Physics-Chemistry, they mobilized the suitable mathematical object from their didactic repertoire; proposed a model; interpreted and validated the results; and reflected on the limitations and potentialities of the model. The study suggests the architecture can contribute to describe and explain cognitive processes in Mathematical Modeling activities, providing the teacher with tools to generate and evaluate didactic interventions.

Keywords: Mathematical Modeling, Cognitive Pragmatics, Plans of Intentional Action.

1 Introdução

Este artigo decorre de uma tese de doutorado (ANDRADE FILHO, 2020), que visou verificar a pertinência epistemológica e metodológica da arquitetura abdutivo-dedutiva da teoria de conciliação de metas de Rauen (2014) para descrever e explicar processos cognitivos na mobilização de registros de representação semiótica em situações didáticas envolvendo Modelagem Matemática. Essa pesquisa mais ampla foi organizada por meio de um plano de ação intencional consistindo na proposição de uma situação didática envolvendo Modelagem Matemática de transformações gasosas isotérmicas, isobáricas e isovolumétricas, que foi aplicado a quatro grupos de estudantes do Curso Técnico de Química Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Santa Catarina, campus Criciúma.

Neste estudo em particular, analisamos a pertinência dessa arquitetura para descrever e explicar processos cognitivos em Modelagem Matemática de transformações gasosas isovolumétricas elaboradas por um desses grupos de estudantes. Para dar conta dessa demanda, o presente texto foi organizado em cinco seções. Na segunda seção, justificamos o estudo, apresentando a pertinência dos aportes da Modelagem Matemática no contexto de competências previstas na Base Nacional Comum Curricular para a Matemática no Ensino Médio. Na terceira seção, apresentamos os principais conceitos da teoria de conciliação de metas para fundamentar tanto a metodologia de realização do estudo como a metodologia de análise das evidências. Nas próximas duas seções, apresentamos o plano de ação intencional do estudo e analisamos as evidências produzidas pelos estudantes. Na sexta seção, por fim, tecemos considerações finais.

2 Modelagem Matemática e ensino

Conforme a Base Nacional Comum Curricular — BNCC (BRASIL, 2018), é prioritário no Ensino Médio construir uma visão integrada da Matemática, que seja aplicável em diferentes contextos da realidade, entre os quais, o de transformações gasosas isovolumétricas em físico-química nas quais o comportamento das variáveis temperatura e pressão são diretamente proporcionais quando o volume é mantido constante. Para construir essa visão integrada, vale “estimular processos mais elaborados de reflexão e de abstração, que deem sustentação a modos de pensar que permitam aos estudantes formular e resolver problemas em diversos contextos com mais autonomia e recursos matemáticos” (BRASIL, 2018, p. 529). Assim, os estudantes devem desenvolver processos de investigação, de construção de modelos e de resolução de problemas, mobilizando modos próprios de “raciocinar, representar, comunicar, argumentar e, com base em discussões e validações conjuntas, aprender conceitos e desenvolver representações e procedimentos cada vez mais sofisticados” (BRASIL, 2018, p. 529).

Para alcançar esses propósitos, o documento estabelece quatro competências gerais — raciocinar, representar, comunicar e argumentar — e, para desenvolvê-las, cinco competências específicas, entre as quais a terceira está relacionada com a interpretação e a construção de modelos, e a quinta está relacionada com a formulação de conjecturas com base em investigações, apresentando não apenas argumentos empíricos para validá-las, mas também argumentos “formais” incluindo a demonstração de proposições. Em comum, ambas as competências favorecem a Modelagem Matemática no contexto da Educação Matemática.

Para Almeida, Silva e Vertuan (2016), a modelagem é uma alternativa pedagógica relevante de abordagem matemática de uma situação-problema, pois envolve um conjunto de ações cognitivas do indivíduo, a representação e a manipulação de objetos matemáticos, e direciona-se a objetivos e metas estabelecidos e/ou reconhecidos pelo estudante. Para Almeida e Vertuan (2015, p. 22), trata-se de “uma alternativa pedagógica na qual fazemos uma abordagem, por meio da matemática, de uma situação-problema não essencialmente matemática”.

Segundo Almeida e Vertuan (2015, p. 21) e Almeida, Silva e Vertuan (2016, p. 12), há três elementos essenciais em Modelagem Matemática: uma situação problemática inicial (a situação-problema), uma situação desejada final (a resolução do problema) e “um conjunto de procedimentos e conceitos necessários para passar da situação inicial para a situação final” (o modelo propriamente dito). Por modelo matemático, Almeida e Vertuan (2014, p. 2) definem “um sistema conceitual, descritivo ou explicativo, expresso por meio de uma linguagem ou uma estrutura matemática e que tem por finalidade descrever ou explicar o comportamento de outro sistema, em geral, não matemático” (p. 13), além de viabilizar previsões.

Almeida, Silva e Vertuan (2016) definem cinco etapas em geral dinâmicas e não lineares na Modelagem Matemática — inteiração, matematização, resolução, interpretação de resultados e validação — que são articuladas com seis ações cognitivas — compreensão da situação, estruturação da situação, matematização, síntese, interpretação e validação, e comunicação e argumentação. Essas etapas e ações cognitivas podem ser vistas na Figura 1.


Figura 1
Fases da modelagem e ações cognitivas
(ALMEIDA, SILVA e VERTUAN, 2016, p. 19)

Na etapa de inteiração, o estudante entra em contato com a situação para conhecer suas características e especificidades, formular um problema e definir metas de resolução. Na etapa de matematização, em paralelo com a etapa de resolução, o estudante elabora um modelo para descrever a situação, analisar seus aspectos relevantes, responder às questões formuladas e, dependendo do contexto, viabilizar previsões. Na etapa de interpretação de resultados, o estudante analisa o problema à luz do modelo. A partir dessa análise, ele valida o modelo, considerando procedimentos e adequação da representação da situação.

No que se refere às ações cognitivas, na etapa de inteiração, ocorrem a compreensão e a estruturação da situação — representadas na Figura 1 pelas flechas 1 e 2. Ao se deparar com a situação-problema, o estudante precisa compreendê-lo por aproximações ou idealizações para construir uma representação mental. Nessa transição, ocorre a ação cognitiva de compreensãoda situação inicial, dos dados e do agrupamento de ideias. A partir disso, o estudante identifica o problema e define metas de resolução. Isso requer a ação cognitiva de estruturação da situação, ou seja, uma estruturação e/ou simplificação deliberada das informações sobre a situação. Na etapa e ação cognitiva de matematização (representada pela flecha 3), o estudante formula hipóteses, e seleciona e simplifica variáveis conforme o problema a ser resolvido. Esta etapa culmina com a construção de um modelo matemático. Na fase de resolução, há a ação cognitiva de síntese (representada pela flecha 4). Nessa fase, apresentam-se os resultados matemáticos e valida-se o modelo. Na etapa de validação, levando-se em consideração procedimentos e objetos matemáticos e sua adequação à situação, ocorre a ação cognitiva de interpretação e validação (representada pela flecha 5). Finalmente, ocorre a comunicação dos resultados. Para isso, é preciso argumentar e justificar os procedimentos adotados nas etapas anteriores, caracterizando a ação cognitiva de comunicação e argumentação (representada pela flecha 6).

Como podemos conferir, a modelagem consiste num conjunto complexo de ações dinâmicas em direção à resolução de uma situação-problema por meio de um modelo matemático. Dadas essas características, assumimos neste estudo a hipótese de que essa modelagem pode ser descrita e explicada em termos de um plano de ação intencional em direção ao que Rauen (2014) chama de conciliação de metas. Em outros termos, se a meta é a resolução de uma situação-problema, o modelo matemático funciona como uma hipótese abdutiva antefactual que concorre para sua resolução. Na próxima seção, apresentamos essa abordagem em duas partes, a primeira dedicada a conciliações individuais e a segunda a conciliações colaborativas.

3 Conciliação de metas

A teoria de conciliação de metas é uma abordagem pragmático-cognitiva da agência humana inspirada na teoria da relevância de Sperber e Wilson (1995). A teoria da relevância descreve e explica o processamento da linguagem, assumindo que a compreensão otimamente relevante de enunciados consiste numa inequação na qual efeitos cognitivos positivos superam esforços de processamento necessários para obtê-los. Rauen (2014) faz avançar essa perspectiva ao assumir que relevância é um conceito teórico dependente de meta, descrevendo e explicando a agência humana, inclusive a agência comunicacional, em termos de emergência, realização e checagem de uma hipótese abdutiva antefactual em direção à consecução de metas. Em outras palavras, assume-se em teoria de conciliação de metas que os indivíduos são proativos e, dessa maneira, capazes de elaborar planos de ação intencional em direção à consecução de seus propósitos. Nesse contexto, seguindo Bratman (1989)apudRauen (2018, p. 24), concebe-se intenção como “um plano de ação que o organismo escolhe e se compromete na busca de uma meta” de forma que são intencionais tanto a meta como o plano para alcançá-la.

Posto isso, Rauen (2014) argumenta que um plano de ação intencional pode ser descrito e explicado em quatro estágios dentre os quais os três primeiros são abdutivos e os três últimos são dedutivos. O primeiro desses quatro estágios, que ele toma como axiomático, consiste na projeção de uma meta [1], e os três estágios seguintes consistem na formulação [2], realização [3] e checagem [4] de pelo menos uma hipótese abdutiva antefactual. Essa arquitetura pode ser resumida conforme a Figura 2.

Figura 2
Arquitetura teoria de conciliação de metas

(RAUEN, 2018, p. 14)

Para ilustrar a descrição de um plano de ação individual, consideremos o caso de um estudante modelando matematicamente um problema. Conforme essa arquitetura abdutivo-dedutiva, o estágio [1] consiste na projeção da meta . e resolver a situação-problema. O estágio [2] consiste na formulação de pelo menos uma hipótese abdutiva antefactual Ha, em cuja formulação condicional “Se P, então Q” mobiliza-se uma ação antecedente ótima P — por exemplo, utilizar uma função polinomial do 1º grau — para alcançar o estado consequente Q de resolver a situação-problema. O estágio [3] refere-se à provável realização da ação antecedente P, ou seja, o agente delibera pela mobilização ou não de uma função polinomial do 1º grau para resolver a situação-problema. O estágio [4], por fim, consiste na checagem dedutiva da formulação hipotética. Na checagem, o agente avalia ou monitora o resultado da ação antecedente P — que funciona como premissa menor nesse contexto — no escopo dedutivo da formulação “Se P, então Q”, que funciona como premissa maior nesse contexto. Em síntese, assumindo o cenário ativo (Q; Se P, então Q), o estudante avalia se a mobilização da função polinomial do 1º grau resolve a situação-problema. O Esquema 1 resume essa descrição.

Esquema 1
Exemplo de um plano de ação intencional individual

(Elaboração dos Autores)

É justamente no quarto estágio que Rauen (2014) propõe dois conceitos essenciais em teoria de conciliação de metas: o de conciliação de metas e o de confirmação de hipóteses. Por conciliação de metas, Rauen (2018, p. 15) define certa situação na qual “o estado de meta Q’ em [4] satisfaz as expectativas de estado de meta Q em [1]”, de tal modo que o resultado da ação P em [4] é suficientemente semelhante com o resultado projetado em [1]. Por confirmação de hipóteses abdutivas antefactuais Ha, Rauen (2018, p. 15) define a situação na qual “o estado de meta Q’ em [4] satisfaz as expectativas de consecução lançadas pela hipótese em [2]”, de tal modo que o resultado da ação P reforça a hipótese abdutiva antefactual Ha. de que a ação antecedente P causa o estado consequente Q1.

A partir do conceito de conciliação, há quatro possibilidades: (a) conciliação ativa (1a), quando o estudante realiza a ação P no contexto da hipótese abdutiva antefactua Ha, e o estado Q’ em [4], como esperado, concilia-se com a meta Q em [1], ou seja, o modelo obtido resolve a situação-problema; (b) inconciliação ativa (1b), quando o estudante realiza a ação P, mas o estado – Q’ em [4] não se concilia com a meta Q em [1], ou melhor, o modelo obtido não resolve a situação-problema; (c) conciliação passiva (1c), quando o estudante não realiza a ação P, e o estado Q’ em [4], mesmo assim, concilia-se com a meta Q em [1], por exemplo, quando o estudante copia o modelo de um colega; e (d) inconciliação passiva (1d), quando o estudante não realiza a ação P, e o estado – Q’ em [4], como esperado, não se concilia com a meta Q em [1]. As quatro situações podem ser vistas na Figura 3.

Figura 3
Possibilidades de consecução de metas

(RAUEN, 2014, p. 604)

Dado que nosso exemplo modela um caso de conciliação entre a projeção da meta de resolver uma situação-problema e sua consecução que é implementada por um único indivíduo, dizemos que se trata de uma autoconciliação de meta. Nesse caso, o próprio indivíduo avalia a consecução da resolução do problema e a pertinência da mobilização de uma função polinomial do 1º grau para essa consecução. Todavia, há casos em que essas avaliações são colaborativas e a interveniência de estímulos comunicacionais é essencial.

Para ilustrar uma conciliação colaborativa ou heteroconciliação de meta, tomemos como exemplo um caso no qual um estudante precisa modelar a mesma situação-problema, mas a primeira hipótese abdutiva antefactual a lhe ocorrer é solicitar auxílio do professor. Nessa situação, o plano de ação intencional do estudante conteria três níveis. Para o estudante modelar a situação-problema Q, ele precisaria solicitar auxílio do professor P; e, para solicitar auxílio do professor P, ele precisaria que o professor lhe forneça orientações O2, como ilustra o Esquema 2.

Esquema 2
Exemplo de um plano de ação intencional colaborativo

(Elaboração dos Autores)

O obstáculo óbvio neste contexto é que a meta O de caráter prático de o professor auxiliar o estudante a modelar a situação-problema precisa ser comunicada. Rauen (2018, p. 24) argumenta que a descrição e a explicação dos processos comunicativos necessários para alcançar metas práticas deve considerar três camadas de intenções, dentre as quais somente as duas últimas são reconhecidas pela teoria da relevância: “uma intenção prática que superordena uma intenção informativa, uma intenção informativa que superordena uma intenção comunicativa, e uma intenção comunicativa propriamente dita”.

No caso que estamos ilustrando, a intenção prática O de o professor auxiliar o estudante a modelar a situação-problema — como forma de alcançar as intenções práticas P e Q de nível mais alto de o estudante obter o método e modelar a situação-problema — superordena uma intenção informativa N de tornar manifesto ou mais manifesto um conjunto de informações { / } coerente com essa intenção prática O3.

Esta intenção informativa N, por sua vez, superordena uma intenção comunicativa M de, mediante um estímulo ostensivo aberto — um estímulo deliberadamente produzido para chamar a atenção do interlocutor e fazer com que essa atenção esteja focada naquilo que o falante pretende comunicar — tornar mutuamente manifesto ou mais manifesto para ambos, professor e estudante, que o estudante torna manifesto esse conjunto de informações { / } coerente com a intenção prática O que superordena essa cadeia de intenções.

Finalmente, coerente com essa intenção prática O que superordena a cadeia de intenções, o estudante produz um estímulo ostensivo aberto que torna mutuamente manifesto ou mais manifesto para ambos, professor e estudante, que ele torna manifesto esse conjunto de informações { / } — intenção comunicativa M propriamente dita. Essa cadeia de intenções pode ser vista no Esquema 3.

Esquema 3
Exemplo de um plano de ação intencional comunicativo

(Elaboração dos Autores)

Em síntese, para que o estudante possa modelar a situação-problema com a orientação fornecida pelo professor, entram em cena processos de heteroconciliação; e, para que isso seja possível, entram em cena também processos de autoconciliação, com os quais ambos — estudante e professor — devem ser capazes de monitorar, cada qual a seu modo, o curso das ações. A Figura 4 resume essa cadeia complexa.

Figura 4
Auto e heteroconciliação de metas em uma solicitação de auxílio ao professor

(RAUEN, 2014, p. 613)

Conhecidas, mesmo que em linhas gerais, as principais noções de teoria de conciliação de metas, nosso argumento neste artigo é o de que qualquer plano de intervenção didática se comporta como um conjunto de hipóteses abdutivas de caráter didático em direção a metas potencialmente heteroconciliáveis de aprendizagem. O plano de ação intencional que sustenta as ações tanto do pesquisador como do professor neste estudo, que apresentamos na próxima sessão, foi concebido levando em conta essa arquitetura.

4 Plano de ação intencional

Para realizar a coleta dos dados, elaboramos atividades de Modelagem Matemática envolvendo transformações gasosas isotérmicas, isobáricas e isovolumétricas, entre as quais destacamos neste texto a atividade relacionada a transformações gasosas isovolumétricas. Seguindo a arquitetura descritivo-explanatória da teoria de conciliação de metas, a elaboração da atividade requereu dois planos de ação intencional — um plano destinado às ações próprias do pesquisador e outro destinado às ações próprias do professor — de tal modo que o primeiro plano superordenou o segundo.

Do ponto de vista do professor, assumimos que a meta Q de nível mais alto foi a de “habilitar o estudante a aplicar o conceito de função em atividades de Modelagem Matemática”. Nesse plano de ação intencional, admitimos que essa meta somente seria alcançada se as submetas P1 – 2 fossem alcançadas, ou seja, se o professor habilitasse o estudante a modelar situações no contexto da Físico-Química e propusesse situações em físico-química que envolvessem funções.

Da mesma forma, as submetas P1 – 2somente seriam atingidas se as ações antecedentes O1 – 3 fossem realizadas. Assim, para habilitar o estudante a modelar situações no contexto da Físico-Química, o professor deveria habilitá-lo a representar matematicamente situações fornecidas em língua natural; e, para propor ao estudante situações em Físico-Química envolvendo funções, o professor deveria possibilitar ao estudante a mobilização de diferentes objetos matemáticos e habilitá-lo a realizar as diferentes atividades cognitivas da Modelagem Matemática propostas pro Almeida, Silva e Vertuan (2016) — compreensão da situação, estruturação da situação, matematização, síntese, interpretação e validação, comunicação e argumentação. Esse plano de ação intencional pode ser visto no Esquema 4.

Esquema 4
Plano de ação intencional para a Modelagem Matemática de transformações gasosas isovolumétricas do ponto de vista do professor

(Elaboração dos Autores)

Do ponto de vista do pesquisador, por sua vez, assumimos haver uma meta R de nível ainda mais alto de “analisar a pertinência da arquitetura abdutiva-dedutivo da teoria de conciliação de metas para a descrição e a explicação de processos cognitivos em atividades envolvendo Modelagem Matemática de transformações gasosas isovolumétricas”. Essa meta R de nível mais alto — que equivale ao objetivo geral desse artigo — encabeça o plano de ação intencional específico do professor. Para isso, o pesquisador aplicou uma atividade envolvendo Modelagem Matemática P e, para poder aplicá-la, organizou a atividade O, conforme ilustra o Esquema 5.

Esquema 5
Plano de ação intencional para a modelagem matemática de transformações gasosas isovolumétricas do ponto de vista do pesquisador

(Elaboração dos Autores)

Apresentados em linhas gerais os planos de ação intencional, aplicamos a atividade com estudantes do segundo ano do Curso Técnico de Química Integrado ao Ensino Médio no ano de 2019. Dos 20 estudantes que participaram da pesquisa, dentre os 39 estudantes matriculados na unidade curricular Matemática, selecionamos para este artigo o desempenho dos cinco estudantes do grupo A na atividade de modelagem de transformações isovolumétricas. Para registrar diálogos e procedimentos, filmamos e fotografamos as atividades. Além disso, solicitamos que os estudantes anotassem e justificassem em portifólio as etapas de consecução. Na próxima seção, apresentamos a análise das evidências.

5 Análise das evidências

A atividade envolvendo transformações gasosas isovolumétricas foi organizada em duas etapas. A primeira consistiu na apresentação de um pequeno texto introdutório seguido de duas questões. A segunda etapa consistiu em um roteiro com orientações para utilização de um simulador e um conjunto de questões matemáticas.

O roteiro experimental foi elaborado com o auxílio do simulador Propriedades dos Gases desenvolvido pelo Phet Simulações[4], conforme pode ser visto na Figura 5.


Figura 5
Captura de tela do Simulador Propriedades dos Gases
(Elaboração dos Autores)

Segue a transcrição da atividade.




Feitas as orientações sobre a atividade e sobre o funcionamento do simulador, a etapa 1 do contexto foi resolvida coletivamente. O professor leu o contexto e, em seguida, questionou os estudantes sobre o comportamento das variáveis volume, pressão e temperatura. A seguir, apresentamos o diálogo com os estudantes:

Professor: O que a gente pode falar sobre essas três variáveis?

[Estudantes em silêncio]

Professor: Ao lerem esse contexto, qual é a primeira coisa que vocês concluem?

Estudante 1: Se é diretamente proporcional ou não.

Professor: Mas em relação a quem esse diretamente proporcional? Porque nós temos três variáveis. Nesse contexto... [um aluno interrompe para responder].

Estudante 1: Elas são diretamente proporcionais.

Professor: Todas elas são diretamente proporcionais?

Estudante 2: O volume é constante.

Estudante 3: A pressão e a temperatura são diretamente proporcionais.

Nesse momento o professor explica por que o volume é constante. E retoma o diálogo.

Professor: Alguém falou (ela falou) que pressão e temperatura são diretamente proporcionais. O que significa isso?

Estudante 3: Eu aumento a temperatura, eu aumento a pressão.

Estimulado pelo professor, o Estudante 1 sugere que as variáveis poderiam ser diretamente proporcionais. A partir dessa resposta, o professor questionou quais variáveis seriam diretamente proporcionais, destacando as três variáveis em pauta. Os estudantes concluíram que a variável volume seria constante, e as variáveis pressão e temperatura seriam diretamente proporcionais. O professor explicou em seguida que isso ocorre porque aumentos de temperatura implicam aumentos de pressão e vice-versa, de modo que os estudantes acabaram por concluir que a pressão era obtida em função da temperatura nesse contexto.

Nessa interação, observamos que professor e estudantes estabeleceram planos de ações intencionais e conciliaram metas e submetas projetadas para responder aos itens a e b da etapa 1 da atividade. Para alcançar a meta Q de “habilitar o estudante a compreender a relação entre as variáveis envolvidas”, o professor projetou a submeta P de “habilitar o estudante a identificar o comportamento de cada uma das variáveis envolvidas” e formulou a hipótese abdutiva antefactual de “fomentar as discussões a partir do enunciado”. Esse plano de ação intencional do professor pode ser visto no Esquema 6.

Esquema 6:
Plano de ação intencional do professor para habilitar os estudantes a compreender a relação entre as variáveis envolvidas nas transformações isovolumétricas

(Elaboração dos Autores)

Para alcançar a meta Q de “compreender como se dá a relação entre as variáveis”, os estudantes mobilizaram “conhecimentos e saberes de Matemática e Físico-Química da memória enciclopédica” P. Esse plano de ação intencional pode ser visto no Esquema 7.

Esquema 7
Plano de ação intencional dos estudantes para compreender como se dá a relação entre as variáveis nas transformações isovolumétricas

(Elaboração dos Autores)

A análise do diálogo nos permite conjecturar que, para finalizar a etapa 1 de maneira satisfatória, tornou-se necessário que professor e estudantes avaliassem e monitorassem colaborativamente suas metas e submetas. A Figura 6 ilustra esse processo.


Figura 6
Auto e heteroconciliação de metas na etapa 1 do contexto
(Elaboração dos Autores)

A etapa 1 possibilitou a identificação do problema e uma representação mental inicial da situação, caracterizando a fase de inteiração e ação cognitiva de compreensão da situação nos termos de Almeida, Silva e Vertuan (2016). A dedução de que o contexto tratava de uma transformação isovolumétrica se deu a partir do repertório didático da classe, levando-os a aprofundar a fase de inteiração e a iniciar as fases de matematização e resolução.

Na etapa 2 do contexto, os estudantes não mostraram dificuldades com o simulador. Eles questionaram quantos pontos deveriam ser registrados e foram instruídos pelo professor que deveriam ser consideradas quantidades que garantissem uma boa análise matemática dos dados. Em função disso, alguns grupos abduziram como ação antecedente pertinentes pesquisar na internet os temas “transformação gasosa” e “modelo matemático”.

A seguir, descrevemos e analisamos os procedimentos adotados pelo grupo A na resolução das quatro questões a, b, c e d, que encerram a etapa 2. Inicialmente, os estudantes registraram os dados obtidos no simulador. Esses registros caracterizaram a fase de inteiração e as ações cognitivas de compreensão da situação e estruturação da situação já iniciadas na etapa anterior, cujo resultado pode ser visto na Figura 7.


Figura 7
Dados registrados pelo Grupo A

Mais adiante, os estudantes utilizaram diferentes planos de ação intencional para analisar e validar os dados. O Estudante B, considerando que a razão entre as variáveis pressão e temperatura deveriam ser constantes, utilizou o objeto matemático “proporção”.


Figura 8
Evidências numéricas e algébricas da mobilização do objeto matemático proporção (Grupo A)

O comportamento do Estudante B, nos termos da teoria de conciliação de metas, pode ser modelado enquanto consecução da meta de “validar os dados coletados” Q e abdução da hipótese antefactual de “utilizar o objeto matemático proporção” P. Esse plano de ação intencional pode ser visto no Esquema 8.

Esquema 8
Plano de ação intencional do estudante B para validar os dados coletados

(Elaboração dos Autores)

Ao ser questionado pelo Estudante A sobre o motivo do uso de proporções, o Estudante B apelou para a equação geral dos gases P 1 V 1 T 1 = P 2 V 2 T 2 . Ele realizou os procedimentos necessários para simplificá-la e mostrar que, em uma transformação isovolumétrica, há a proporção P 1 T 1 = P 2 T 2 . Nos termos da teoria de conciliação de metas, a meta QA do Estudante A foi a de “compreender o raciocínio utilizado pelo Estudante B” e, para isso, ele estabeleceu a hipótese abdutiva antefactual de “solicitar que o Estudante B explicasse o raciocínio utilizado”. Esse plano de ação intencional pode ser visto no Esquema 9.

Esquema 9
Plano de ação intencional do estudante A para validar os dados coletados I

(Elaboração dos Autores)

Para responder a esse questionamento, o Estudante B estabeleceu a meta QBde “explicar por que em uma transformação isovolumétrica a razão entre pressão e temperatura em diferentes pontos deve ser constante” e, para atingi-la, a hipótese abdutiva antefactual de “utilizar procedimentos matemáticos necessários na simplificação da equação geral dos gases”. Esse plano de ação intencional pode ser visto no Esquema 10.

Esquema 10
Plano de ação intencional do estudante B para explicar por que em uma transformação isovolumétrica a razão entre pressão e temperatura em diferentes pontos deve ser constante

(Elaboração dos Autores)

O Estudante B usou as seguintes suposições S1 – 3para justificar seu raciocínio[5]:

S1 — Em uma transformação gasosa temos que P 1 V 1 T 1 = P 2 V 2 T 2 (premissa implicada, do repertório didático do Estudante B);

S2— Nesse contexto o volume é constante (premissa implicada, do contexto);

S3 P 1 T 1 = P 2 T 2 (conclusão implicada por modus ponens conjuntivo S 1 S 2 S 3 ).

Com base nessa resposta, o Estudante A compreendeu o raciocínio do Estudante B — o que constitui uma heteroconciliação de seu plano de ação intencional. Essa consecução pode ser vista no Esquema 11.

Esquema 11
Plano de ação intencional do estudante A para validar os dados coletados II

(Elaboração dos Autores)

Conforme a teoria de conciliação de metas, percebemos neste diálogo uma cadeia de auto e heteroconciliações de metas nas quais os estudantes A e B estabelecem planos de ações intencionais para atingirem suas metas QA e QB. Essas conciliações podem ser vistas na Figura 9.


Figura 9
Auto e heteroconciliação de metas QA e QB dos estudantes A e B
(Elaboração dos Autores)

Em seguida, para validar a proporção, o grupo verificou se o valor decimal era equivalente em ambas as razões. O grupo percebeu que as razões eram diferentes (196,85 ≠ 188,68), enfraquecendo a suposição até então factual de que as transformações isovolumétricas poderiam ser tratadas mediante o objeto matemático “proporção” — inconciliação ativa. Esse plano de ação intencional pode ser visto no Esquema 12.

Esquema 12
Plano de ação intencional do grupo A para validar os dados coletados I

(Elaboração dos Autores)

Por hipótese, a seguinte cadeia de suposições S1 – 4foi mobilizada.

S1 P 1 T 1 = P 2 T 2 (premissa implicada do repertório didático do grupo A);

S2— Podem-se utilizar dois pontos coletados para representar a proporção P 1 T 1 = P 2 T 2 por meio de uma representação numérica fracionária (conclusão implicada S1 → S2);

S3— Pode-se converter representações numéricas fracionárias em representações numéricas decimais (premissa implicada do repertório didático do grupo A);

S4— Pode-se converter a representação numérica fracionária para a decimal para validar a proporção P 1 T 1 = P 2 T 2 (conclusão implicada S3 → S4).

Ao se deparar com a diferença entre as razões, o grupo avaliou os procedimentos adotados. Os estudantes abduziram ex-post-facto que a diferença decorria da oscilação do simulador. Essa estratégia permitiu conciliar os dados discrepantes e validá-los — conciliação ativa. Esse plano de ação intencional pode ser visto no Esquema 13.

Esquema 13
Plano de ação intencional do grupo A para validar os dados coletados II

(Elaboração dos Autores)

Em síntese, para alcançar a meta Q de “validar os dados coletados”, o grupo A lançou duas hipóteses abdutivas antefactuais. Primeiro, utilizou representação numérica fracionária para apresentar a proporção mediante a conversão da representação numérica fracionária para a representação decimal. Dado que esse plano não permitiu validar os dados, o grupo avaliou os dados coletados e atribuiu as diferenças às oscilações do simulador.

Nesse esforço, o grupo aprofundou as ações cognitivas de compreensão e representação mental da situação e deu continuidade às fases de matematização e resolução e à ação cognitiva de matematização nos termos de Almeida, Silva e Virtuan (2016). Os estudantes buscaram representar matematicamente a situação por meio do objeto matemático proporção e compararam os dados com a definição de transformação isovolumétrica.

Mais adiante, o grupo discutiu como “obter o modelo matemático para modelar a transformação isovolumétrica” — meta Q. A hipótese abdutiva antefactual adotada foi a de “modelar a transformação por meio de uma função representada algebricamente” P. Um dos estudantes argumentou que seria necessário “obter uma função para posteriormente construir um gráfico”, e outro estudante argumentou que seria necessário “construir um gráfico para obter uma função”. A segunda hipótese acabou por ser escolhida pelo grupo, de forma que o plano de ação intencional do grupo A, incluindo a submeta O de “utilizar uma representação gráfica para obter uma representação algébrica”, pôde ser representado pelo Esquema 14.

Esquema 14
Primeira versão do plano de ação intencional dos estudantes do Grupo A para obter um modelo matemático para modelar a transformação isovolumétrica

(Elaboração dos Autores)

Na Figura 10 destacamos uma tentativa de elaboração manual de representação gráfica para a compreensão, estruturação e matematização da situação elaborada pelo grupo.


Figura 10
Evidências de tentativa de elaboração manual de uma representação gráfica para a compreensão, estruturação e matematização da situação (Grupo A)

A representação gráfica presente na Figura 10 nos permite concluir que os estudantes buscaram pares ordenados novos — (0; 0); (100; 0,5) — e atualizaram o par ordenado anterior (200; 1,03). Observamos aqui uma tentativa de os estudantes utilizarem as regras específicas da representação gráfica para compreender melhor a situação. A utilização do par ordenado (0; 0) caracteriza a mobilização de conhecimentos relativos à Físico-Química, uma vez que, teoricamente, a pressão é igual a zero quando a temperatura é igual zero em uma transformação isovolumétrica. Além disso, vale mencionar que até esse momento, os estudantes abduziam que uma função polinomial de grau 2 modelaria a transformação. Essa hipótese foi revista durante a elaboração do gráfico, quando os estudantes passaram a concebê-la como uma função polinomial de grau 1.

O plano de ação intencional do grupo A, incluindo a submeta N de “marcar diferentes pares ordenados no plano cartesiano”, pode ser representado pelo Esquema 15.

Esquema 15
Segunda versão do plano de ação intencional dos estudantes do Grupo A para obter um modelo matemático para modelar a transformação isovolumétrica

(Elaboração dos Autores)

Na sequência, os estudantes abduziram a estratégia de utilizar recursos computacionais para a construção da representação no registro gráfico. Inicialmente eles optaram pelo software LibreOffice Calc, mas migraram para o software GeoGebra. Dado que não dominavam os recursos da primeira ferramenta, o que sugeriria a inconciliação da consecução da modelagem, eles adotaram a segunda ferramenta. Essa ação adaptativa é pista relevante de como os indivíduos abduzem soluções criativas ad hoc premidos por uma meta superordenada.

O plano de ação intencional do grupo A, incluindo a submeta M de “utilizar o software GeoGebra”, pode ser representado pelo Esquema 16.

Esquema 16
Terceira versão do plano de ação intencional dos estudantes do Grupo A para obter um modelo matemático para modelar a transformação isovolumétrica

(Elaboração dos Autores)

Uma vez usando o software GeoGebra, os estudantes obtiveram o gráfico ilustrado na Figura 11.


Figura 11
Novas evidências da mobilização de representação gráfica do Grupo A (Grupo A)

O gráfico (Figura 11) nos leva a concluir que, durante as fases de matematização e resolução, nos termos de Almeida, Silva e Vertuan (2016), os estudantes incrementaram a quantidade de pares ordenados para obter uma melhor aproximação da reta que expressa a relação entre pressão e temperatura e, consequentemente, reduzir os erros decorrentes das oscilações do simulador. Desta maneira, mobilizaram simultaneamente representações numéricas de pares ordenados na lista à esquerda e respectivas representações algébrica e gráfica da função –3,1x + 600y = –10.

A Figura 12, a seguir, ilustra a resposta dos estudantes para o item a da etapa 2 — fase de resultados matemáticos e ação cognitiva de síntese nos termos de Almeida, Silva e Virtuan (2016). Conforme anotam os estudantes, eles obtiveram do gráfico a função –3,1x + 600y = –10.


Figura 12
Modelo matemático em representação algébrica do Grupo A (Grupo A)

No Esquema 17 ilustramos como o plano abdutivo-dedutivo de ação intencional utilizado pelo grupo A resulta na obtenção de um modelo matemático pertinente para a transformação isovolumétrica em pauta.

Esquema 17
Quarta versão do plano de ação intencional dos estudantes do Grupo A para obter um modelo matemático para modelar a transformação isovolumétrica

(Elaboração dos Autores)

Nessa descrição, observamos a realização e a checagem desse plano de ação intencional. Quando o grupo utiliza o software GeoGebra M, ele marca diferentes pares ordenados no plano cartesiano N’, utilizando uma representação gráfica para obter uma representação algébrica O’ e, desse modo, modelando a transformação por meio de uma função representada algebricamente P’. Essa consecução, finalmente, permitiu ao grupo obter modelo matemático para modelar a transformação isovolumétrica em questão Q’. Em síntese, uma conciliação colaborativa.

Para responder ao item b da etapa 2 — que solicitava ao grupo que calculasse a pressão para diferentes temperaturas e, em seguida, validasse seu resultado com o simulador — os estudantes do grupo A, mobilizando o modelo obtido na atividade ., realizaram tratamentos matemáticos para obter valores incógnitos de pressão a partir de valores aleatórios de temperatura. Na sequência, eles compararam os resultados obtidos matematicamente com aqueles resultados obtidos no simulador, como pode ser visto na Figura 13.


Figura 13
Resolução do item b da etapa 2 pelo Grupo A (Grupo A)

Os estudantes do grupo A observaram que ocorreram variações entre os valores obtidos no simulador e os calculados com o modelo matemático, e atribuíram essa variação às oscilações do simulador. Como podemos conferir, para uma temperatura de 397 K, os estudantes obtiveram um valor calculado de 2,03 atm e um valor de 1,9 atm no simulador; para uma temperatura de 39 K, obtiveram o valor de 0,18 atm em ambos os métodos.

Para responder ao item c da etapa 2, que questionava se era possível calcular o volume do recipiente a partir desse modelo e como seria esse procedimento, os estudantes abduziram que seria possível obter o volume do recipiente utilizando a fórmula pV= nRT. Para isso, assumiram que era necessário somente conhecer o número de mols.

Finalmente, para responder ao item d da etapa 2, que questionava em qual temperatura ocorreria um rompimento do recipiente e o que isso significaria matematicamente, os estudantes concluíram que haveria uma temperatura máxima suportada pelo sistema. Segundo eles, essa temperatura máxima estaria entre 1200 K e 1300 K, apesar de eles não relacionarem essa temperatura com o domínio da função.

Conhecido o desempenho dos estudantes do grupo A na modelagem de transformações isovolumétricas, estamos em condições de tecer considerações sobre esses resultados na próxima seção levando em conta os planos de ação intencional do professor e do pesquisador.

6 Considerações

Neste estudo — assumindo a perspectiva de Almeida, Silva e Vertuan (2016) de Modelagem Matemática como alternativa pedagógica relevante para abordar uma situação-problema em cinco fases e seis ações cognitivas — analisamos a pertinência da arquitetura abdutivo-dedutiva da teoria de conciliação de metas de Rauen (2014) para descrever e explicar processos cognitivos na Modelagem Matemática de transformações gasosas isovolumétricas de um grupo de cinco estudantes do segundo ano do Curso Técnico de Química Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Santa Catarina, campus Criciúma.

Em síntese, as evidências mostram que, instigados pela proposição das atividades, os estudantes foram capazes modelar as transformações isovolumétricas — meta Q de nível mais alto —, negociando colaborativamente planos de ação intencional sucessivamente menores e associados às diferentes fases e ações cognitivas de uma atividade de modelagem, com os quais, relacionando Matemática e Físico-Química, mobilizaram de seu repertório didático o objeto matemático adequado para a tarefa, propuseram um modelo, interpretaram e validaram os resultados obtidos a partir dele e, por fim, refletiram sobre suas limitações e potencialidades.

Ao longo da atividade, observamos que, a partir dos comandos, os estudantes abduziram hipóteses abdutivas antefactuais e estabeleceram planos de ação intencional, viabilizando o trânsito pelas cinco fases e seis ações cognitivas da Modelagem Matemática como preveem Almeida, Silva e Vertuan (2016). Por sua vez, como prevê Rauen (2014), esses planos eram extensivamente monitorados pelos estudantes e descartados em caso de inconciliação. Isso pôde ser observado, por exemplo, quando o grupo, ao se deparar com a diferença entre as razões, avalia os procedimentos e abduz ex-post-facto que essa diferença decorre da oscilação do simulador; ou quando o grupo percebe que não domina o software LibreOffice Calc e migra para o software GeoGebra. Como dissemos, trata-se de ações adaptativas que revelam abduções de soluções criativas ad hoc constrangidas por metas superordenadas.

Segue desses constrangimentos que o plano de ação intencional do professor, orientado pela arquitetura abdutivo-dedutiva da teoria de conciliação de metas, foi vetor da promoção de soluções criativas entre os estudantes, uma competência essencial em tempos de mudanças aceleradas, uma vez que foi concebido numa interface sinérgica entre uma abordagem baseada em resolução de problemas e uma teoria que permite descrever e explicar como os seres humanos produzem soluções ad hoc em direção à consecução de metas. Em outras palavras, diferente de uma abordagem dedutiva de resoluções de exercícios que corroboram modelos de conceitos e tratamentos matemáticos em geral expostos pelo professor, uma abordagem baseada em modelagem de problemas opera a partir da emergência ad hoc de soluções abdutivas antefactuais cuja meta é a de resolver problemas, cabendo ao professor orientar os processos.

Mais do que conceber as atividades, a arquitetura abdutivo-dedutiva da teoria de conciliação de metas mostrou ser capaz de descrever e explicar os planos de ação intencional desenvolvidos colaborativamente pelo grupo. Foi possível mostrar como os estudantes, a partir da marcação de diferentes pares ordenados no plano cartesiano por meio do software GeoGebra, geraram uma representação gráfica com a qual obtiveram uma representação algébrica que modelasse as transformações isovolumétricas por meio de uma função algébrica, obtendo o modelo matemático pertinente e, desse modo, conseguindo alcançar a meta . de nível mais alto.

Em síntese, o estudo sugere que a arquitetura pode contribuir para descrever e explicar processos cognitivos em atividades de Modelagem Matemática, oferecendo ao professor tanto ferramentas para gerar planos de ação intencional (intervenções didáticas) como para monitorá-los e avaliá-los. Todavia, cabe ressalvar que nesse estudo o professor conduziu a atividade de forma mais controlada. Ele auxiliou os estudantes a resolver a primeira etapa e forneceu orientações precisas para a realizar a segunda etapa. Cabe agora corroborar essa arquitetura em atividades de Modelagem Matemática que requeiram maior autonomia dos estudantes, como propõem Almeida, Silva e Vertuan (2016), e em situações progressivamente mais complexas que simulem demandas concretas de atividades contemporâneas do mundo do trabalho e da pesquisa.

Agradecimentos

Agradecemos enfaticamente as contribuições qualificadas dos consultores de “Educação Matemática Debate”, assumindo integralmente todo os erros remanescentes. Além disso, expressamos nosso reconhecimento ao apoio institucional da Universidade do Sul de Santa Catarina, do Instituto Federal de Santa Catarina, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Programas PROSUC e PNDE) e do Governo do Estado de Santa Catarina (Programa UNIEDU/FUMDES) para a realização da pesquisa.

Referências

ALMEIDA, Lourdes Maria Werle de; VERTUAN, Rodolfo Eduardo. Modelagem Matemática na Educação Matemática. In: ALMEIDA, Lourdes Maria Werle de; PESSÔA, Karina Alessandra. (Org.). Modelagem Matemática em foco. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2014, p. 1-19.

ALMEIDA, Lourdes Maria Werle de; VERTUAN, Rodolfo. Discussões sobre “como fazer” modelagem na sala de aula. In: ALMEIDA, Lourdes Maria Werle de; ARAÚJO, Jussara de Loiola; BISOGIN, Eleni. (Org.). Práticas de Modelagem Matemática: relatos de experiências e propostas pedagógicas. Londrina: EdUEL, 2015, p. 19-44.

ALMEIDA, Lourdes Werle de; SILVA, Karina Pessôa da; VERTUAN, Rodolfo Eduardo. Modelagem Matemática na educação básica. São Paulo: Contexto, 2016.

ANDRADE FILHO, Bazilicio Manoel de. Sequência didática envolvendo Modelagem Matemática de transformações gasosas: concepção, execução e análise de resultados orientada pela noção de conciliação de metas. 2020. 218f. Tese (Doutorado em Ciências da Linguagem) — Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão.

RAUEN, Fábio José. For a goal conciliation theory: ante-factual abductive hypotheses and proactive modelling. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 14, n. 13, p. 188-204, set./dez. 2014.

RAUEN, Fábio José. Por uma modelação abdutivo-dedutiva de interações comunicativas. In: TENUTA, Adriana Maria; COELHO, Sueli Maria. (Org.). Uma abordagem cognitiva da linguagem: perspectivas teóricas e descritivas. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2018, p. 13-30.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEB, 2018.

BRATMAN, Michael. Intention, plans and practical reason. Cambridge: Harvard. University Press, 1989.

SPERBER, Dan; WILSON, Deirdre. Relevance: communication & cognition. 2nd. ed. Oxford: Blackwell, 1995.

Notas

[1] Para aprofundamentos sobre o conceito de confirmação de metas, ver Rauen (2018).
[2] A representação é uma versão simplificada daquela apresentada para ilustrar o caso de autoconciliação. Nesta representação, explicitam-se apenas metas e submetas.
[3] Sobre manifestabilidade e manifestabilidade mútua, ler Sperber e Wilson (1995, p. 38-46).
[4] Disponível em: https://bit.ly/2LSaYG9; acesso em 10 maio 2019.
[5] Sobre o conceito e tratamento de suposições, ler Sperber e Wilson (1995).

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