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Reconfiguração nas centralidades em cidades médias brasileiras: reverberação do setor supermercadista em Marabá (PA)
Reconfiguration in the centralities in brazilian medium-cities: the impact of supermarkets in Marabá (Pará)
Reconfiguración en las centralidades en ciudades intermedias brasileñas: reverberación del sector de supermercados en Marabá (Pará)
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 20, núm. 02, pp. 52-83, 2022
Universidade Estadual de Montes Claros



Recepción: 11 Junio 2022

Aprobación: 26 Agosto 2022

Publicación: 01 Septiembre 2022

DOI: https://doi.org/10.46551/rc24482692202219

Resumo: A desconcentração espacial de corporações do setor terciário proporcionou a chegada de grandes superfícies comerciais em espaços urbanos não-metropolitanos. Esta dinâmica favoreceu o estabelecimento de novos espaços privados de consumo em Marabá, cidade média paraense. Fruto de pesquisa, este artigo visa contribuir para uma interpretação das práticas existentes nesta cidade, no que tange às centralidades do seu intraurbano diante da implantação, especialmente, dos supermercados. O percurso metodológico, de maneira geral, consistiu em revisão de literatura sobre temas e processos selecionados para investigação relacionados diretamente com o fenômeno urbano-espacial estudado, bem como de levantamento e análise de dados primários obtidos por meio de entrevistas e formulários aplicados nas saídas dos estabelecimentos supermercadistas. A nosso ver, houve mudanças significativas nas centralidades e, consequentemente, na estruturação da cidade de Marabá. Em linhas gerais, os novos espaços de consumo não apenas efetivaram-se, individualmente, enquanto expressões de centralidade, como suas respectivas presença e atuação, em muito contribuíram para a formação e consolidação de uma nova área central na cidade, localizada ao longo de parte considerável do trecho urbano da Rodovia Transamazônica.

Palavras-chave: Cidade média amazônica, Estruturação da cidade, Policentralidade.

Abstract: The spatial deconcentration of tertiary sector corporations has promoted the arrival of large commercial surfaces in non-metropolitan urban spaces. This dynamic has favored the establishment of new spaces of private consumption in Marabá, a medium-sized city in the state of Pará. Resulting from research, this article aims to help interpret the existing practices in this city, with regard to the centralities of the intra-urban areas, especially in relation to the establishment of supermarkets. The methodological path, in general terms, consisted of a literature review on topics and processes directly related to the urban-spatial phenomenon studied, as well as an investigation and analysis of primary data obtained through interviews and forms applied at the exits of the supermarket establishments. In our view, there were significant changes in the centralities and, consequently, in the structure of the city of Marabá. In general terms, the new consumption spaces were not only effective, on an individual basis, as expressions of centrality, but also with regard to their respective presence and performance, and has contributed significantly to the formation and consolidation of a new central area in the city, located along a considerable part of the urban stretch of the Trans-Amazon Highway.

Keywords: Amazonian medium-cities, Urban structure, Poly-centrality.

Resumen: La desconcentración espacial de empresas del sector terciario resultó en la llegada de grandes superficies comerciales en espacios urbanos no-metropolitanos. Esta dinámica favoreció el estabelecimiento de nuevos espacios privados de consumo en Marabá, ciudad intermedia de el Estado de Pará. Resultant de búsqueda, este artículo pretende contribuir para una interpretación de las prácticas existentes en esta ciudad, con respecto a las centralidades de su intraurbano teniendo en cuenta la implantación, especialmente, de los supermercados. El camino metodológico, de manera general, consistió en una revisión de la literatura sobre temas y procesos seleccionados para la investigación directamente relacionados con el fenómeno urbano-espacial estudiado, así como encuesta y análisis de datos primarios obtenidos a través de entrevistas y formularios aplicados a las salidas de supermercado. Em nuestra percepción, hubo cambios significativos en la centralidades y, como consecuencia, en la estructuración de la ciudad de Marabá. En líneas generales, los nuevos espacios de consumo no sólo se establecieron individualmente como expresiones de centralidad, como su respectiva presencia y desempeño, contribuido significativamente a la formación y consolidación de una nueva zona central en la ciudad, ubicado a lo largo de una parte considerable del tramo urbano de la carretera Transamazônica.

Palabras clave: Ciudad intermedia de la región amazónica, Estructuración de la ciudad, Policentralidad.

Introdução

Em seus processos de expansão, as empresas comerciais optam pela instalação das grandes plataformas em cidades que exercem, com maior ou menor abrangência, alguma centralidade nas redes urbanas (GOMES, 2017), o que torna as cidades médias atraentes. De modo geral, a inauguração desses grandes empreendimentos comerciais causa mudanças no espaço das cidades (SPOSITO, 2013; SILVA, 2017), e impõem-se de forma mais veemente em cidades não-metropolitanas.

Este trabalho se propõe a contribuir na produção do conhecimento acerca das centralidades em cidades médias, conformando arcabouço teórico que trata de transformações provocadas no espaço urbano, mediante implantação de grandes estabelecimentos comerciais nestas cidades. Estendendo-se além das reflexões teóricas, o texto apresenta um estudo de caso realizado em uma das principais cidades médias da Amazônia Brasileira (TRINDADE JR et al, 2010; RIBEIRO, 2010; RODRIGUES, 2010; SPOSITO, 2013) A urbe em discussão é Marabá, no Sudeste do Pará (Figura 1).


Figura 1
Localização de Marabá-PA
Organização: Os autores. Elaboração: SOUSA (2019).

Este artigo objetiva responder quais foram as modificações nas centralidades do espaço intraurbano de Marabá (PA), considerando a implantação de grandes estabelecimentos comerciais como desencadeadores dessas transformações. Optamos pelo setor supermercadista em nosso estudo por ser bastante representativo do fenômeno em análise. Utilizamos o termo “setor supermercadista” por abranger supermercado, hipermercado e cash and carry, também chamado de atacarejo. Além do poder de centralidade que os estabelecimentos desse setor exercem, levamos em conta o fato de serem, em Marabá, os empreendimentos que mais se repetem, já que as outras grandes estruturas comerciais seriam uma loja de departamentos e um shopping center.

Julgamos pertinente mencionar o percurso e escolhas metodológicas. Por se tratar de uma cidade média, sua centralidade na região e as articulações que intermedia na rede urbana talvez seja o que primeiro nos salta aos olhos quando miramos Marabá. Porém, ratificamos que nossa escala de análise é o intraurbano, e que esse é um estudo sobre as centralidades na cidade e não a da cidade sobre a região. Memoramos a afirmação de Corrêa (2011) quando escreve que:

Não há uma escala que a priori seja melhor que a outra. Sua escolha, para efeito de pesquisa, vincula-se aos propósitos do pesquisador, que constrói o seu objeto de investigação. Nessa construção, emerge a escala espacial apropriada, que ressaltará alguns pontos do real, minimizando ou eclipsando outros. O objeto construído é, em termos geográficos, escalarmente delineado (CORRÊA, 2011, p. 42).

Tendo delineado a escala da cidade como nosso foco, a regional ficará, de algum modo, minimizada. No entanto, é válido esclarecer que por tratar-se de uma cidade com funções de intermediação na rede urbana, não é possível desvincular as dinâmicas do intraurbano, das que se apresentam através da relação de Marabá com o seu entorno.

Como primeira etapa, sistematizamos um levantamento bibliográfico sobre os principais temas em debate, de modo que sua leitura nos permitisse tratar sobre centralidade na cidade, bem como acerca da implantação de grandes empreendimentos comerciais nas cidades e suas reverberações no tocante às centralidades. Também foi fundamental a consulta a pesquisas pretéritas sobre Marabá.

Como etapas subsequentes, realizamos análise documental e levantamos dados primários fazendo uso de formulários, aplicados com os clientes nas saídas dos supermercados. Realizamos a aplicação de cento e oitenta formulários, sendo sessenta em cada loja (Colina Atacado e Varejo, Supermercado Mateus e Atacadão). As exceções foram o Mix Mateus e o hipermercado Líder. O intuito da aplicação destes formulários foi compreender as práticas espaciais dos clientes.

Os estabelecimentos do setor supermercadista em Marabá, não apenas efetivaram-se como expressões de centralidade, como suas respectivas presenças e atuações em muito contribuíram para a formação e consolidação de uma centralidade maior, a da Rodovia Transamazônica na condição de espaço central, como centralidade linear. Essa via agora exerce importante papel não apenas como caminho para ir até o trabalho em um mesmo núcleo ou de um núcleo a outro da cidade, mas, pode ser o destino diário de centenas de trabalhadores (incomparavelmente maior que antes da instalação dos grandes empreendimentos).

Considerações acerca de centralidade(s) no intraurbano

Na literatura geográfica verifica-se uma mudança que, com vistas a apresentar outras dimensões para além da geometria e das acessibilidades, tem valorizado e observado bem mais as centralidades que os centros (BARATA-SALGUEIRO, 2013). Na obra de Fernandes (2013), o “centro” aparece como “lugar”, enquanto a “centralidade” é condição. Semelhantemente, Maia, Silva e Whitacker (2017), veem “centro” como a forma espacial, e “centralidade” a propriedade de uma área de ser, de alguma maneira, central. São os atributos – comércio, serviços, administração pública, lazer, turismo – que conferem ao local sua centralidade.

As áreas dotadas de centralidade atraem e dispersam fluxos de toda ordem, materializados, em grande parte, nos deslocamentos de pessoas e veículos, mas também em uma gama de movimentos materiais e imateriais, os quais atribuem a esses espaços um caráter econômico dominante (SPOSITO, 1991).

Nesse âmbito, exerce algum protagonismo o comércio. Pintaudi (2005, p. 155) lembra que “sobre a centralidade, conquanto se afigure um princípio constitutivo no plano do espaço urbano, é preciso destacar, incessantemente, que a troca de produtos sempre esteve associada a ela”. Essa centralidade do comércio tem sido exercida, cada vez mais, por meio de espaços de consumo fechados, como shopping centers, grandes lojas de departamento e supermercadistas (SILVA, 2017).

As áreas que concentram atividades terciárias são as com maior poder estruturador no intraurbano, haja vista a atração diária tanto de consumidores quanto de trabalhadores (VILLAÇA, 2001). Sua influência é significativa não apenas na estrutura, mas também na estruturação da cidade. A expressão estruturação transmite a ideia de que a “organização/desorganização da cidade contém a dinâmica do próprio processo social que a determina, sendo a estrutura em cada corte do tempo do processo de estruturação, também determinante dos momentos seguintes do processo” (SPOSITO, 1991, p. 2).

A estruturação da cidade deve ser entendida, portanto, enquanto processo de modificação contínua das estruturas urbanas. Quando há um conjunto de intensas mudanças na estruturação, com uma ruptura abrupta em relação à estrutura anterior, passando o espaço a se reproduzir de acordo com tais mudanças, Sposito (2004) afirma tratar de reestruturação. A autora tem utilizado os termos estruturação e reestruturação urbana e estruturação e reestruturação da cidade, para se referir às dinâmicas e processos ocorridos na escala das redes urbanas e para a escala da cidade, respectivamente.

“A organização urbana passou [...] de uma situação dominada por um centro para uma outra de policentrismo em que existem várias áreas de centralidade [...] (BARATA-SALGUEIRO, 2013, p. 18)”. Silva (2017) sugere, quanto a policentralidade, tratar da incorporação de um padrão estadunidense de centralidade intraurbana, estabelecido, principalmente, pela concentração do consumo em espaços coletivos privados, como shopping centers, grandes lojas de departamentos, e supermercadistas.

A localização das grandes superfícies comerciais, “depende de grande quantidade de movimentação do capital, isto é, devem atender a uma grande clientela e por isso, localizam-se nos maiores eixos de circulação” (SILVA, 2003, p. 93). Há diferenças entre os padrões de escolhas locacionais dessas plataformas de acordo com o tamanho e influência das cidades na rede. Em metrópoles, as empresas se permitem localizar em distintas áreas da cidade. Haja vista a maior extensão do tecido urbano, distribuir-se espacialmente é estratégico (SPOSITO e GÓES, 2015). Dessa forma, é possível encontrar amplos espaços de consumo em distintas vias de acesso mais rápido e facilitado, podendo ser rodovias ou avenidas, em distintas áreas da cidade.

De modo diferente, nas cidades médias, as menores distâncias e menor dispersão urbana, bem como, a consequente quantidade reduzida de lojas, como também o destaque regional, onde se visa atender consumidores de outras cidades faz com que tais grupos, ao escolherem terrenos para seus empreendimentos, almejem na grande maioria das vezes, localizarem-se nas rodovias. Sposito e Góes (2015, p. 116), confirmam que

[..] nos estratos inferiores da rede urbana, com destaque para as cidades que exercem papéis de intermediação, as empresas vão instalar uma, duas ou três unidades. As escolhas locacionais que fazem são orientadas, a nosso ver, por dois critérios principais: atingir, de modo mais amplo possível, segmentos socioeconômicos aos quais são direcionados seus produtos e facilitar o acesso de consumidores que, deslocando-se por rodovias, são provenientes de municípios menores da região.

Norteia nossas análises, a perspectiva de Sposito (2013) de que há “multicentralidade” e “policentralidade”. Trata-se de multicentralidade quando percebemos que “mais de um centro ou a emergência de vários subcentros passam a organizar a vida cotidiana, em suas múltiplas facetas” (SPOSITO, 2013, p. 56). A policentralidade se estabelece quando a multiplicidade de áreas centrais é resultante não apenas das transformações do tempo social e da acumulação desigual no espaço, mas de planejamento e ação de agentes capitalistas produtores do espaço.

As redefinições na centralidade, no tocante à localização e conteúdo social e econômico provenientes da interferência desses agentes não podem ser chamadas de multicentralidade, do latim multi que significa muitos, mas sim de policentralidade, com o prefixo poli, do grego, que significa vários e expressa diversidade (SPOSITO, 2013). Nas palavras de Sposito, “sendo que uma tendência sempre se combina à outra, mesmo que contraditoriamente, faça surgir uma multi(poli)centralidade” (SPOSITO, 2013, p. 56). Nosso foco, a partir de agora, é compreender como o supramencionado padrão estadunidense, multi(poli)cêntrico a partir de espaços privados de consumo, se apresenta em uma cidade média amazônica cuja vida urbana é regida por mais de uma área detentora de centralidade, portanto multicêntrica, há décadas, desde os anos 1980, quando consolidaram-se, para além do centro único, duas outras áreas de concentração de comércio, serviços e outros atributos (TRINDADE JÚNIOR et al, 2010; SOUZA et al, 2013; CARVALHO, 2019), como veremos a seguir.

A cidade polinucleada e multicêntrica

Marabá manteve-se monocêntrica até a década de 1970. Nesse decênio, a partir dos investimentos provenientes das políticas de desenvolvimento e integração da Amazônia realizadas pelo Estado, somados com a implantação do projeto Grande Carajás, não só o espaço regional passou por uma intensa reestruturação, como houve também intenso processo de reestruturação da cidade, e esta passou a ser constituída de diferentes e descontínuos núcleos urbanos.

Com o advento das redes tecno-políticas (rede rodoviária, rede de transporte, redes elétricas, redes de comunicações, rede urbana) (BECKER, 1982; 1991), a partir da década de 1970, provenientes de intensos investimentos governamentais, o avanço do capital financeiro e industrial, bem como de outras frentes de expansão atreladas ou não a atividades econômicas como a pecuária, a extração madeireira, a agricultura camponesa etc. (HÈBETTE, 2004), contribuiu para uma nova configuração de Marabá cujas marcas se fizeram presentes notadamente na sua paisagem urbana, quando então novos núcleos, além da Velha Marabá, onde se originou a cidade, passaram a constituir a estrutura da cidade (TRINDADE JÚNIOR et al, 2010, p.19).

Pensada pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e planejada pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), foi criada, em 1975, a “Nova Marabá”. Este novo núcleo urbano tinha como um de seus principais propósitos servir ao Estado como base para os grandes empreendimentos, além de atender ao contingente populacional que chegava à cidade (ALMEIDA, 2008; CARVALHO e SOUZA, 2021).

No mesmo período, surgia e se consolidava o núcleo urbano Cidade Nova, tendo também o Estado, como um dos principais agentes responsáveis por sua instituição (CARVALHO e SOUZA, 2021). “Configurava-se, assim, a cidade tripartite de que nos fala Becker (1990a), com três núcleos bem definidos e descontínuos, ainda que compondo uma só unidade urbana” (TRINDADE JÚNIOR. et al, 2010, p.20). Para além da cidade “tripartite”, Marabá é, atualmente, formada por mais dois núcleos, o São Félix, na margem direita do Rio Tocantins e Morada Nova, a doze quilômetros da Nova Marabá, como podemos ver na Figura 2:


Figura 2
Núcleos urbanos de Marabá-PA[1]
Organização: Os autores. Elaboração: SOUSA (2020).

A referida expansão e reestruturação da cidade levou ao aumento da distância entre a principal área comercial, no núcleo pioneiro, e a população residente nos novos núcleos. Desse modo, elevou-se os gastos com transporte e a ampliação do tempo gasto para o acesso ao consumo. Isto motivou a descentralização do comércio e dos serviços, que deixaram de concentrar-se, exclusivamente, na Velha Marabá e começaram a se reunir também nos núcleos Nova Marabá e Cidade Nova (SOUZA et al., 2013). Consequentemente, Marabá desenvolveu diferentes e importantes centralidades no seu intraurbano, que coexistem e se complementam desde que se consolidaram na década de 1980. Não houve, durante mais de três décadas, grandes mudanças quanto a essa estrutura. Cada um dos três espaços centrais apresenta uma avenida onde concentra maior parte de seus equipamentos e estabelecimentos terciários (Figuras 3 e 4).


Figura 3
Principais centros terciários de Marabá (PA)
Organização: Os autores. Elaboração: SOUSA (2020).


Figura 4
Os três centros terciários de Marabá (PA)
Os autores (2020).

A Revisão do Plano Diretor Participativo de Marabá (PMM e DIAGONAL, 2011) identifica como polares e lineares, as centralidades nesta cidade. As polares caracterizadas por concentrarem “serviços e comércio em uma área razoavelmente delimitada, que inclui um conjunto de vias integradas e articuladas ao restante do tecido urbano” (PMM e DIAGONAL, 2011, p. 199). As lineares são aquelas “que se organizam ao longo de vias com fluxos de mobilidade intensos e conectadas a áreas residenciais” (ibidem). A partir de observação in loco constatamos que nas áreas centrais lineares, dificilmente o cidadão conseguirá transitar de um extremo ao outro a pé para suas compras; já nas áreas centrais polares tal situação é possível ao pedestre. As lineares seriam a Avenida VP-8, na Nova Marabá e a Rodovia Transamazônica (nos núcleos Nova Marabá e Cidade Nova). As polares seriam: a Avenida Nagib Mutran e entorno da Praça são Francisco (Núcleo Cidade Nova); a Feira da Folha 28[2] na Nova Marabá; boa parte do núcleo pioneiro, considerando a Avenida Antônio Maia e adjacências, e a orla Sebastião Miranda, principal concentração de serviços e comércio noturno; além da área comercial do bairro Laranjeiras, no Núcleo cidade Nova.

Souza et al. (2013) optaram por não inserir em suas análises duas centralidades propostas pela Prefeitura Municipal (PMM e DIAGONAL, 2011), uma polar e uma linear, quais sejam: a do bairro Laranjeiras e a da Transamazônica. Concordamos com os autores quando afirmam não terem incluído o bairro Laranjeiras em suas análises por constatarem, mediante visita in loco, que tal estrutura terciária era de baixa complexidade e atendia apenas seu entorno imediato. E prosseguem: “No caso da Transamazônica, a sua consolidação enquanto centralidade ainda está em curso, com alguns empreendimentos importantes se instalando neste local durante o processo de realização da pesquisa” (SOUZA et al., 2013, p. 12).

A Transamazônica, apesar da revisão do plano diretor apresentá-la como uma centralidade linear, era ínfima a atração exercida por essa via sobre o citadino até 2012, tal como também observamos na BR-222. Isso porque o comércio nos espaços rodoviários na cidade, para além das funções rodoviárias, era voltado, quase exclusivamente, para o espaço regional, especialmente, para o espaço agrário, ou seja, para Marabá na condição de centro regional, tendo distribuidoras, concessionárias de veículos, rodoviárias, aeroporto e uma concentração de estabelecimentos voltados para a agricultura e pecuária. As três áreas centrais apresentadas têm sido, desde os anos 1980, as que proporcionam ao citadino o que há de mais importante no tocante ao terciário em Marabá. Isso até iniciarem as operações de grandes estabelecimentos comerciais nas rodovias, principalmente, na Rodovia Transamazônica, onde há a consolidação dessa via enquanto importante centralidade intraurbana. Trabalharemos essas transformações, a seguir.

A(s) Nova(s) Centralidade(s) e uma Marabá multi(poli)cêntrica

De acordo com Souza et al. (2013) a Transamazônica, no início da década de 2010, caminhava para transformar-se em um espaço central, com a inauguração de alguns empreendimentos comerciais e a previsão de outros. Como os autores lembram, no entanto, ainda não era, de fato, central. Até então, o citadino não se dirigia às rodovias para consumir. Tal realidade começou a mudar com a inauguração do primeiro supermercado, o Mateus, na Nova Marabá, em 2012. A afirmação é uma generalização, pois as rodovias já apresentavam comércio direcionado, sobretudo, ao consumo produtivo (SANTOS, 1996) regional, mas isso não impedia que o residente na cidade consumisse em tal local, produtos que se relacionam às demandas cotidianas.

A nosso ver, a constituição da centralidade linear da BR-230 iniciou-se nesse momento. Desde então, vários estabelecimentos terciários foram inaugurados no eixo rodoviário, em especial, na Transamazônica. Eles são de variados tipos, ramos comerciais e tamanhos. Destacam-se, porém, as seguintes grandes plataformas: no núcleo Cidade Nova, uma loja de departamentos, a Havan, e o cash and carry Mix Mateus, e na Nova Marabá, quatro do setor supermercadista e um shopping center. No mesmo período já se notava significativa diminuição no número de grandes estabelecimentos supermercadistas de empresas de capital local, os quais, em sua maioria, localizavam-se nas áreas centrais ou próximas a estas. Vejamos a localização dos que eram, em 2009 e 2019 respectivamente, os principais supermercados de Marabá (Figuras 5 e 6).


Figura 5
Localização dos supermercados no perímetro urbano de Marabá-PA em 2009
Organização: Os autores. Elaboração: SOUSA (2019).


Figura
Localização dos supermercados no perímetro urbano de Marabá-PA em 2019
Organização: Os autores. Elaboração: SOUSA (2019).

É nítida a mudança de localização dos supermercados na cidade, das tradicionais e já conformadas áreas centrais ou em áreas contíguas, para as rodovias, especialmente para a Transamazônica, cumprindo-se em Marabá o que preconiza Silva (2003) de que esses estabelecimentos tendem a se localizar nos principais eixos de circulação, e, sendo uma cidade média, observa-se também o que afirmam Sposito e Góes (2015), de que nestas, os eixos de circulação que atraem as grandes plataformas são as rodovias.

Essa mudança ocorre, sobretudo, em função das melhorias pelas quais passou a Transamazônica no início dos anos 2010, tendo na duplicação das vias e na construção de uma ponte e de viadutos os principais destaques. Isso porque tais obras proporcionaram a essa via, transformar-se em um eixo de circulação bem mais fluido e atrativo, referindo-nos não apenas à fluidez de via regional, mas também de via (intra)urbana. Soma-se essa nova “Transamazônica marabaense”, mais fluida e moderna, com a oferta de grandes terrenos em suas margens, algo que as antigas localidades não proporcionavam.

Constatamos por meio de visita in loco, que a Rodovia Transamazônica, em 2019, já apresentava para além das grandes superfícies, uma série de outros estabelecimentos voltados para consumo e lazer do citadino, além de toda uma estrutura para o transporte motorizado intraurbano. Estes seriam pequenos postos de combustíveis típicos de vias urbanas, em contraposição aos grandes postos rodoviários que predominavam até algum tempo e que ainda existem, e a implantação de paradas de ônibus, em sua maioria próximas aos grandes empreendimentos comerciais.

A mudança de localização dos principais supermercadistas é fator de destaque na consolidação dessa(s) nova(s) centralidade(s). Referimo-nos ao plural, por compreendermos que cada um dos grandes empreendimentos é uma expressão de centralidade. Utilizamos também o singular, por compreendermos que essas mesmas expressões de centralidade, somadas aos outros estabelecimentos terciários de menor porte que surgiram na última década às margens da Transamazônica, somados, ainda, aos equipamentos terciários característicos de grandes rodovias no espaço urbano e que já existiam há décadas, consolidam essa via como uma nova centralidade e, a nosso ver, a principal concentração terciária da cidade.

Na nossa percepção, as grandes plataformas comerciais se assemelham às centralidades polares, haja vista exercerem expressiva atração e permitirem as compras em espaço limitado, podendo o pedestre circular com razoável conforto em toda a área de vendas. No entanto, estas plataformas, especialmente os supermercados, embora possuam variedade de produtos e até “lojas” no seu interior, não podem ser totalmente equiparadas com a variedade (de estabelecimentos, preços, qualidade), extensão/tamanho e, claro, importância na e para a cidade, com as tradicionais áreas centrais. Neste sentido, trazemos duas proposições com base nos elementos levantados até aqui. A primeira é de outra nomenclatura para esses espaços. Como menciona Sposito (1991), os centros comerciais são “nós” na cidade. Inspirados nessa formulação, chamaremos estas expressões de centralidade, os estabelecimentos supermercadistas, de “centralidades nodais”. São “nós” de centralidade na urbe para onde convergem e/ou se distribuem mercadorias, capitais e pessoas. Nossa segunda proposição apresenta-se como um novo mapa das centralidades em Marabá (Figura 7).


Figura 7
Novo mapa das centralidades em Marabá – PA, 2019
Organização: Os autores. Elaboração: SOUSA (2019).

Mantêm-se na condição de centralidades polares a Velha Marabá (Avenida Antônio Maia e entorno, orla), a Avenida Nagib Mutran com Praça São Francisco e arredores (no núcleo Cidade Nova) e a Feira da Folha 28. Quanto às lineares, mantém-se a rodovia BR-230 agora, de fato e inexoravelmente, uma via central. Também permanece a Avenida VP-8, mas tal centralidade estende-se, a nosso ver, com base em observação in loco, pela Avenida VP-7. Assim como a Feira da 28 e a VP-8 se avizinham, se complementam e suas centralidades se confundem, também ocorre, situação semelhante, agora, com a Transamazônica e os grandes estabelecimentos.

Nosso estudo compreende um grande estabelecimento comercial enquanto uma centralidade nodal, bem como o avizinhamento desses empreendimentos. Desse modo, o atacarejo do Grupo Colina é um nó de centralidade na urbe, enquanto a Havan e o Mix Mateus, adjacentes, são outro, e da mesma forma o Supermercado Mateus e Atacadão, também próximos. A exceção é o avizinhamento do Shopping Pátio Marabá com o Hipermercado Líder, na nossa percepção, como centralidade polar. Assimilamos dessa forma em face da variedade encontrada nestes dois, do “porte”, e proximidade entre eles.

Referimo-nos ao fato de serem vizinhas as duas maiores plataformas comerciais da cidade, onde podemos encontrar no Líder: supermercado, loja de departamentos, drogaria, ótica, materiais para construção e decoração, restaurante e lanchonete. Na notícia da inauguração, o jornal Correio (2017) fala que além das lojas do próprio grupo, supramencionadas, a estrutura conta com 19 espaços para locação para diversos segmentos. Bem maior, o Shopping Pátio Marabá apresenta, segundo seu próprio sítio, sessenta e quatro estabelecimentos comerciais e quarenta e quatro de serviços.

Essa(s) nova(s) centralidade(s), seu(s) surgimento(s) e consolidação – tanto una, quanto múltipla – ocorrem direta e intimamente relacionados às ações de agentes capitalistas, os quais apresentam e trouxeram para a cidade novos conteúdos sociais e econômicos, redefinindo padrões não só no tocante à estrutura física, mas de diversidade, variedade e qualidade. Concluímos, portanto, com base na proposta de Sposito (2013), tratar-se agora, de uma cidade multi(poli)cêntrica.

Um processo que sugere redefinições da centralidade intraurbana, abrange, em seu curso, alguns agentes, com destaque para as corporações, claro, e para os consumidores. No intuito de compreender as práticas espaciais dos citadinos, tratamos, por meio de pesquisa de campo, de como as pessoas se relacionam com as mudanças no setor supermercadista, e consequentemente nas centralidades, a fim de aferir se, de fato, efetivam-se as afirmações já tecidas.

As transformações nas centralidades com base nas relações entre as pessoas e os supermercados

As atividades terciárias, especialmente o comércio, ganham destaque no que tange à centralidade na cidade (PINTAUDI, 2005), considerando-se o poder de atrair fluxos materiais e imateriais. No entanto, é a atração de pessoas que vai lhes atribuir, de fato, a característica da centralidade no espaço intraurbano e, consequentemente, seu poder estruturador (VILLAÇA, 2001). Com a finalidade de identificarmos o alcance da centralidade intraurbana de cada um dos supermercados, nos interessou saber, entre outras coisas, onde os clientes residiam e em quais supermercados, para além daquele em que estavam, faziam suas compras. Outrossim, compreendemos ser importante ouvir dos citadinos quais eram os seus principais locais de compra dez anos antes, em 2009.

Vejamos o local de residência dos clientes do Supermercado Mateus, Figura 8, a seguir.


Figura 8
Local de residência dos clientes do Supermercado Mateus (2019)
Pesquisa de campo (2019). Organização: Os autores (2019). Elaboração: SOUSA (2019).

No Mateus percebeu-se a prevalência de clientes residentes nos bairros do núcleo N

No Mateus percebeu-se a prevalência de clientes residentes nos bairros do núcleo Nova Marabá, com ênfase para o bairro Folha 33. Também aparece com algum destaque a Velha Marabá, além de alguns outros bairros do núcleo Cidade Nova, com menos expressividade. A forte presença de moradores da Folha 33 atribui-se à proximidade, afinal é o bairro onde está localizado o supermercado. Instigante observar que também aparece com destaque o núcleo Velha Marabá, que abriga a área central mais antiga da cidade e que possuía supermercado até o fim dos anos 2000 (FIGURA 5), mas no mapa de localização dos supermercados de 2019 (FIGURA 6) é possível ver que não há mais. Esse alcance significativo do Mateus na Velha Marabá pode ser atribuído tanto a essa ausência de supermercado no núcleo, quanto à proximidade. A referida loja também alcança o núcleo São Félix e alguns bairros do núcleo Cidade Nova, com menos expressividade.

Observemos, agora, o levantamento desse dado no cash and carry do grupo Carrefour, o Atacadão (FIGURA 9).


Figura 9
Local de residência dos clientes Atacadão (2019)
Pesquisa de campo (2019). Organização: Os autores (2019). Elaboração: SOUSA (2019).

Como observado, no Atacadão sobressaem os clientes residentes da Nova Marabá. Obtivemos esta afirmação mediante somatório dos residentes em diferentes bairros. Também o núcleo Cidade Nova, com clientes que residem no bairro Cidade Nova, bairro da Paz, Liberdade, Novo Horizonte e, em especial, o Belo Horizonte. É destaque o alcance significativo do Atacadão no núcleo Morada Nova, distante 12 km da Nova Marabá, sendo inclusive o único dos três a apresentar clientes nesse núcleo. Diferentemente do Mateus, o Atacadão parece não atrair muito o residente no Núcleo Velha Marabá, mesmo os dois se avizinhando e sendo os supermercadistas mais próximos desse núcleo.

Analisemos, agora, o mapa com os locais de moradia dos clientes do estabelecimento Colina Varejo e Atacado, único supermercadista da cidade não localizado na Rodovia Transamazônica em 2019, estando ainda em espaço rodoviário, porém, na BR 222. (Figura 10).


Figura 10
Local de residência dos clientes Colina
Pesquisa de campo (2019). Organização: O autor (2019). Elaboração: SOUSA (2019).

No Colina, a maioria dos clientes reside nos bairros próximos, como Araguaia, Km 07 e Folha 29, além do Nossa Senhora Aparecida. A maioria dos consumidores, somando aos já citados, são do núcleo Nova Marabá. O Colina também alcança o Cidade Jardim, o Belo Horizonte, e, com força, o São Félix.

Ainda sobre os dados angariados no Colina, perguntamos ao cliente se ele fazia compras também em outros estabelecimentos, o que nos proporcionou elaborar o seguinte gráfico (Figura 11).


Figura 11
Outros locais de compra dos clientes Colina
pesquisa de campo. Elaboração: Os autores (2020).

O estabelecimento que mais divide público com o Colina é o Mateus, sendo o mais citado como outra opção, seguido do Atacadão e do Líder. Citamos ainda a menção feita por clientes quanto ao “comércio de bairro”, os quais denominamos como todo estabelecimento de menor porte que venda os mesmos produtos encontrados, sobretudo nas seções de mercearia, nos grandes supermercados (mercadinhos, bodegas, lojas de conveniência, entre outros).

A Figura 12 nos mostra as respostas a essa questão quando direcionada aos clientes do Supermercado Mateus.


Figura 12
Outros locais de compra dos clientes do Mateus
Pesquisa de campo. Elaboração: Os autores (2020).

Entre os clientes abordados pela nossa pesquisa no Mateus, apenas um citou estabelecimentos menores, a maioria disse comprar também no Atacadão, referido 25 vezes. Empatados com quatorze citações cada, aparecem o Hipermercado Líder e o atacarejo Colina. Cinco vezes a loja Mix Mateus, no núcleo Cidade Nova, é citada. Quinze pessoas afirmaram comprar unicamente no Mateus.

Se o Atacadão surge como proeminente concorrente do Mateus, é verdadeira a recíproca (Figura 13). Um total de 26 pessoas declararam realizar compras também no Mateus. Em seguida, o Mix Mateus, citado quatorze vezes, seguido do Líder, treze vezes, e do Colina, dez vezes. Foram referidos ainda cinco comércios menores e cinco clientes fidelizados no Atacadão.


Figura 13
Outros locais de compras dos clientes do Atacadão
Pesquisa de campo. Elaboração: Os autores (2020).

Indagamos aos clientes quais eram os principais locais de compra dez anos antes, em 2009. Antes de formularmos a pergunta, foi necessário filtrar os “entrevistados”, para identificar os que moravam em Marabá nesse período. Dos 160 clientes residentes em Marabá abordados nas três lojas, 136, o equivalente a 85%, afirmaram morar na zona urbana de Marabá em 2009, e, portanto, aptos a responder à questão seguinte. Trabalhamos com esse universo de 136 pessoas que domiciliavam na cidade no fim dos anos 2000, para entendermos, com base nas respostas mais recorrentes, quais eram os principais estabelecimentos onde se faziam as compras nesse período. Os participantes da pesquisa citaram, na maioria das vezes, mais de uma loja. Expomos, a seguir, a quantidade de vezes que cada uma é citada (Figura 14).


Figura 14
Locais de compra dos citadinos em 2009
Pesquisa de campo. Elaboração: Os autores (2020).

Conforme observamos, a proeminência do Supermercado Rede Valor, localizado na Avenida VP-8, citado 68 vezes, o coloca como o principal local de compra da cidade em 2009. Contudo, só foi possível realizar a pesquisa em superfícies comerciais localizadas no núcleo Nova Marabá o que, naturalmente, levou a um número maior de habitantes desse núcleo respondendo às questões. Os demais resultados também apontam, majoritariamente, para superfícies comerciais no núcleo Nova Marabá.

Ainda assim, a loja do Grupo Alvorada, localizada no núcleo Cidade Nova, na Avenida Nagib Mutran, foi citada onze vezes como sendo uma das opções na hora das compras no ano de 2009. Já a loja do mesmo grupo localizada na Velha Marabá, mesmo com a centralidade da Avenida Antônio Maia bem mais associada ao comércio varejista em geral, com destaque para o setor de vestuário, móveis e eletrodomésticos, ainda foi citada uma vez.

O segundo estabelecimento mais citado, 39 vezes, não era um supermercado, ao menos naquela época. Trata-se da Distribuidora Colina, que abriu suas portas para compras em menor quantidade, desde que em fardos fechados, e assim atraiu público do intraurbano marabaense em um contexto em que a cidade não possuía atacarejos. Curiosamente o referido estabelecimento se localizava na Rodovia Transamazônica, em um “ponto” pouco adequado e carente de espaço físico. Posteriormente a empresa deixou de atuar como distribuidora, abrindo o Colina Varejo e Atacado. Também na Rodovia localizava-se o Correntão Rural, cujo público-alvo eram pessoas provenientes da zona rural. Mesmo assim, foi citado por quatro dos 136 pesquisados.

Enquanto o Supermercado Guerra, na Folha 16, foi lembrado por 31 pessoas, o então vizinho do Guerra, o Supermercado Dular, foi citado dezoito vezes. Também como pudemos observar, a quantidade de pessoas que afirmaram comprar, em 2009, em comércio de bairro, totalizou 35.

Perguntamos ainda aos clientes, qual a opinião deles a respeito da localização dos atuais supermercados em relação às localizações anteriores, ou seja, essa mudança do interior dos núcleos, em avenidas, para as rodovias. Explanaremos os resultados obtidos nessa questão em cada uma das lojas, separadamente, haja vista que mesmo a pergunta sendo relativa ao conjunto de supermercados, naturalmente o entrevistado respondia sob influência do estabelecimento onde se encontrava, alguns, inclusive, fazendo menção a estes. O primeiro gráfico proveniente dessa questão é referente aos clientes abordados no Colina Varejo e Atacado (Figura 15).


Figura 15
Local dos atuais supermercados em comparação a 2009 segundo os clientes Colina
Pesquisa de campo. Elaboração: Os autores (2020).

As respostas mais recorrentes foram quanto à maior facilidade de acesso. Tal resposta foi referida 44 vezes, portanto, muito à frente da segunda “vantagem” das atuais localizações, que seriam, de acordo com seis pessoas, a possibilidade de oferecerem os amplos estacionamentos. No entanto, nem só vantagens foram referidas. Somadas as questões associadas as desvantagens para pedestres e à proximidade com a rodovia, especialmente vinculada ao trânsito intenso, obtivemos um total de sete respostas sugestivas do entendimento da rodovia como para circulação quase exclusiva de veículos.

Os menores totais estão ligados a questões de localização mais diretamente. Segundo três pessoas agora disseram elas contam com supermercado mais próximo de casa, uma afirmou ter ficado mais distante e duas que as localizações são “estratégicas”, bem “localizadas” e/ou bem “centralizadas”. E, ainda, dois participantes afirmaram ser indiferentes à mudança de localização.

Entre os consumidores abordados na saída do Mateus, apenas um se declarou indiferente à mudança (Figura 16).


Figura 16
Local dos atuais supermercados em comparação a 2009 segundo os clientes Mateus
Pesquisa de campo. Elaboração: Os autores (2020).

Quatro afirmaram ter agora um grande supermercado mais perto de casa. Também de acordo com os quatro, com a ida para as rodovias os estacionamentos aumentaram de tamanho. Seis e sete lembraram desvantagens para o acesso de pedestres e desvantagens relativas ao trânsito da BR-230, respectivamente. Para dez pessoas os estabelecimentos estão mais distantes das suas residências. Como observamos, foram mencionadas quinze vezes expressões como “bem centralizado”, “estratégico” e “bem localizado”. As respostas mais recorrentes, 35 vezes, foram relacionadas às vantagens ou facilidades de acesso.

No Atacadão as respostas mais recorrentes foram relativas às facilidades e melhorias de acesso dos estabelecimentos de 2019 comparados aos de 2009 (Figura 17).


Figura 17
Local dos atuais supermercados em comparação a 2009 segundo os clientes Atacadão
Pesquisa de campo. Elaboração: Os autores (2020).

No Atacadão, a acessibilidade foi citada positivamente trinta vezes. “Bem centralizado”, “estratégico” e expressões semelhantes foram ouvidas dezenove vezes. Desvantagens quanto à proximidade dos estabelecimentos com a rodovia foram citadas seis vezes; além disso, uma mencionou especificamente as dificuldades do pedestre. Também foram respostas únicas nesse atacarejo a opinião segundo a qual atualmente é mais seguro realizar as compras ali por serem os supermercados mais afastados dos centros; que ficaram mais distantes de casa; e que era indiferente à mudança. Quatro pessoas ressaltaram gostar das atuais localizações em virtude da existência dos amplos estacionamentos, o que não era possível nos antigos supermercados.

É visível insigne complementaridade entre a maioria das respostas. Observamos recorrência no tocante à preocupação quanto à acessibilidade pelas pessoas. Para elas, isso justifica-se, seja pela facilidade de chegar e sair, pelas vias, pelo amplo estacionamento onde é possível estacionar rapidamente, realizar as compras e ir embora sem transtornos, seja pela dificuldade de acesso por parte de pedestres. Evidencia-se, ainda, a similar preocupação sobre a intensa proximidade com a movimentação rodoviária e a recorrência segundo o qual as localizações estavam em pontos mais estratégicos, ou mais centralizados.

Estes foram dados angariados em campo junto aos clientes destas três grandes plataformas comerciais, que se relacionam de maneira mais direta com a questão da centralidade intraurbana. Os mapas (figuras 8, 9, 10) demostram o alcance dos estabelecimentos supermercadistas na urbe, em todo o núcleo Nova Marabá, onde localizam-se, e além, nos demais núcleos da cidade. O Atacadão, inclusive, mostra relevante alcance no Núcleo Morada Nova, distante 12 Km da Nova Marabá, onde, por conta da distância tende a predominar o comércio de bairro.

As informações constantes nas Figuras (gráficos) 11, 12 e 13, em comparativo com a figura 14, ratificam a mudança no local de compras, do interior dos núcleos para as rodovias. Tanto dos antigos supermercados, mostrados na Figura 5, que não existem mais, quanto do comércio de bairro. Para 2009, as citações “comércio de bairro”, totalizaram 35. Contudo, a soma de citações referentes a esse tipo de loja em 2019 é dez, a denotar uma diminuição na procura por esses estabelecimentos, concomitante ao direcionamento para as grandes lojas nas rodovias.

As exceções são dois estabelecimentos localizados, em 2009, na rodovia Transamazônica, que não são originalmente voltados para o público da cidade. Um era uma distribuidora (Distribuidora Colina), instalada em Marabá para usufruir de sua centralidade na rede urbana e de sua capacidade de ser o centro logístico da região (RIBEIRO, 2010; RODRIGUES, 2010), enquanto o outro, o Correntão Rural, era uma casa voltada para o espaço agrário de Marabá e municípios vizinhos. Em ambos os casos, compreende-se a localização na rodovia por ser esta, em termos miltonianos, um “fixo” estruturante de “fluxos”, (SANTOS, 1994; 1996; 2007; 2008) regionais, escala para o qual ambos estavam voltados.

As figuras 15, 16 e 17, atinentes ao local dos atuais supermercados, nos eixos rodoviários, em comparação com os antigos, em avenidas no interior dos núcleos, denota, a partir da sobressalência de respostas referentes à vantagens de acesso e/ou “bem localizado”, “bem centralizado”, que o público considera, em sua maioria, os estabelecimentos nas rodovias mais acessíveis que os antigos, no interior dos núcleos.

Compreender as centralidades em determinada urbe é bastante valioso para a compreensão do espaço urbano como um todo. Foi o que perseguimos nesse estudo, um entendimento de como são e como se conformaram os atuais espaços centrais em Marabá, tanto os mais antigos quanto, sobretudo, as novas expressões de centralidade na cidade. Também tentamos mostrar os agentes e processos inerentes a tais formações e suas consequências. De posse destas análises, passamos às considerações finais, onde ratificaremos as principais conclusões a respeito dos processos espaciais estudados.

Considerações finais

As presenças e atuações dos estabelecimentos do setor supermercadista em Marabá, não somente efetivaram-se como expressões de centralidade, mas contribuíram bastante para a formação e consolidação de uma centralidade maior, a da Rodovia Transamazônica na condição de espaço central, como centralidade linear.

Essa via agora exerce importante papel tanto como caminho para ir até o trabalho em um mesmo núcleo ou de um núcleo a outro da cidade, mas também, como o destino diário de centenas de trabalhadores (incomparavelmente maior que antes da instalação dos grandes empreendimentos). Ademais, deixou de ser apenas caminho para ir consumir e passou a ser um dos principais, senão o principal destino, aonde o citadino vai para realizar compras, além das possibilidades de lazer e alimentação.

Inerente às transformações expostas, temos agora não apenas uma cidade com múltiplos centros, uma condição de multicentralidade, mas, sim, nos termos propostos por Sposito (2013), de multi(poli)centralidade, tendo em vista estes novos espaços centrais propiciarem variedade de preços, produtos, espaços, vantagens e vários atrativos, tanto objetivos quanto subjetivos, e serem previamente pensados a partir, principalmente, das corporações.

Uma de nossas contribuições se fez também cartograficamente: nossa proposta foi apresentada neste artigo e trouxe uma fundamentada (re)leitura das centralidades em Marabá que complementa a classificação do plano diretor.

Conforme ressaltamos, a implantação desses estabelecimentos pode causar modificações na estruturação da cidade (SILVA, 2017; SPOSITO 2013). Como propõem Sposito (1991) e Maia, Silva e Whitacker (2017), dentre outros, o termo estruturação denota e abrange os processos espaciais sobre e na estrutura urbana em contínua mudança.

A materialidade desta(s) nova(s) centralidade(s) encontra-se, primeiramente, em alterações na estrutura da cidade, nos fixos (a construção dos próprios estabelecimentos, a criação de postos de gasolina “urbanos” na rodovia, a implantação de paradas de ônibus próximas aos grandes empreendimentos, a instalação de vários estabelecimentos terciários menores etc.).

Estes fixos pressupõem fluxos, com os quais a estrutura da cidade contribui basilarmente. Todas essas mudanças, surgimento e consolidação de novas expressões de centralidade, ao mesmo tempo que fazem parte da estruturação da cidade, causam transformações nesta estruturação, ao alterar e/ou criar, em pouco tempo, novos fluxos (casa-trabalho-casa, casa-compras-casa, casa-lazer-casa e tantos outros), bem como, mudar a fluidez entre os núcleos. Reafirmamos, portanto, a existência de alteração, para além da estrutura, na estruturação da cidade.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Explicitamos aqui nossos agradecimentos.

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Notas

[1] Uma mancha urbana mais a leste no mapa, desconectada das demais e sem identificação como as outras, é a Zona de Expansão do núcleo Nova Marabá, e trata-se, majoritariamente, de loteamentos e residenciais privados.
[2] A Feira da Folha 28 (polar) e a avenida VP-8 (linear) se avizinham, e suas respectivas centralidades se confundem e se complementam. “Folha” é a nomenclatura de boa parte dos bairros da Nova Marabá, seguida de numeração.
Magno Ricardo Silva de Carvalho É Graduado em Geografia pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente é Doutorando no Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Presidente Prudente.

Endereço: Rua Roberto Símonsen, 305 – Centro Educacional, Presidente Prudente – SP, 19060-900.

Iara Rafaela Gomes É graduada e mestra em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Doutora em Geografia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente é professora do departamento de Geografia e do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFC.

Endereço: Avenida Mister Hull, s/n - Pici - CEP 60455-760 - Fortaleza – CE.



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