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Segregação socioespacial de conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida em Montes Claros/MG
Socio-spatial segregation of housing projects in the Minha Casa Minha Vida Program in the Montes Claros/MG
Segregación socioespacial de los proyectos de vivienda del Programa Minha Casa Minha Vida en Montes Claros/MG
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 21, núm. 01, pp. 350-376, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros



Recepción: 11 Abril 2022

Aprobación: 28 Junio 2023

Publicación: 30 Junio 2023

DOI: https://doi.org/10.46551/rc24482692202314

Resumo: O presente artigo tem como objetivo central investigar o processo de segregação urbana de conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), de atendimento às famílias de baixa renda na cidade de Montes Claros/MG. Para tanto, o presente trabalho parte do questionamento a respeito de como a localização sociogeográfica destes conjuntos pode ocasionar a segregação urbana na cidade. O trabalho utiliza uma abordagem descritiva, com pesquisa bibliográfica e documental, tendo como fonte de dados a base elaborada pela Prefeitura Municipal de Montes Claros e as imagens disponibilizadas pelo Google Street View. Para a atualização e cruzamento dos dados, foi usado o Sistema de Informações Geográficas (SIG), através do software ArcGIS - Versão 10.5. Nesse sentido, os resultados obtidos indicam que as políticas públicas habitacionais, quando não observam estudos de localização intraurbana, repercutem no cotidiano pela periferização urbana, o que amplia as desigualdades sociais e ocasiona segregação socioespacial.

Palavras-chave: Urbanização, Segregação socioespacial, Vazios Urbanos, Montes Claros, _________________________________________________________________________.

Abstract: The main objective of this article is to investigate the process of urban segregation of housing projects of the Minha Casa Minha Vida Program (PMCMV), which serves low-income families in the city of Montes Claros/MG. Therefore, the present work starts from the questioning about how the socio-geographic location of these sets can cause urban segregation in the city. The work uses a descriptive approach, with bibliographic and documentary research, having as a data source the base prepared by the Municipality of Montes Claros and the images made available by Google Street View. For the updating and crossing of the data crossing the information, the Geographic Information System (GIS) was used, through the ArcGIS software - Version 10.5. In this sense, the results obtained indicate that public housing policies, when they do not observe intra-urban location studies, have repercussions on everyday life due to urban periphery, which increases social inequalities and causes socio-spatial segregation.

Keywords: Urbanization, Socio-spatial segregation, Urban Voids, Montes Claros, ______________________________________________________________________.

Resumen: El objetivo principal de este artículo es investigar el proceso de segregación urbana de los proyectos de vivienda del Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que atiende a familias de bajos ingresos en la ciudad de Montes Claros/MG. Por tanto, el presente trabajo parte del cuestionamiento acerca de cómo la ubicación sociogeográfica de estos conjuntos puede provocar la segregación urbana en la ciudad. El trabajo utiliza un enfoque descriptivo, con investigación bibliográfica y documental, teniendo como fuente de datos la base elaborada por la Municipalidad de Montes Claros y las imágenes puestas a disposición por Google Street View. Para la actualización y cruce de los datos cruzando la información se utilizó el Sistema de Información Geográfica (SIG), a través del software ArcGIS - Versión 10.5. En este sentido, los resultados obtenidos indican que las políticas públicas de vivienda, cuando no observan estudios de localización intraurbana, repercuten en la vida cotidiana de la periferia urbana, lo que aumenta las desigualdades sociales y provoca la segregación socioespacial.

Palabras clave: Urbanización, Segregación socioespacial, Vacíos urbanos, Montes Claros.

Introdução

A cidade, na condição de meio de organização do espaço humano, reflete a estruturação social da sociedade em um determinado marco. A formação da cidade sempre tem uma relação direta com alguns elementos básicos, como o campo, a agricultura, o poder político, o Estado, dentre outros (LEFEBVRE, 2011).

Destaca-se que por essa concepção de cidade, de viés democrático, o direito à cidade vai muito além de moradia como local de abrigo ou refúgio, pois constitui também o espaço de integração com a família, com a vizinhança, com a cidade e com o país, de forma que o indivíduo possa encontrar condições concretas para realizar o exercício de sua cidadania, liberdade e dignidade (PAGANI, 2009).

O direito à cidade, conforme destacado por Lefebvre (2011), abrange principalmente o direito de desfrutar plenamente da centralidade urbana, sem a ocorrência de segregações espaciais ou temporais que restrinjam os moradores a usufruírem dos direitos disponíveis no espaço urbano.

Pelo inverso, o crescimento desordenado de uma cidade implica em um aumento nos preços dos terrenos urbanizados, levando a população com recursos financeiros mais limitados a serem deslocados para áreas perigosas e impróprias à moradia, com precariedade das habitações e a falta de acesso da população aos serviços básicos que devem ser oferecidos pelo Estado. Por consequência, reflete diretamente na ineficiência dos gestores públicos que assistem tal região e não conseguem conter avanços imobiliários irregulares ou impor medidas de política urbana que visem à organização do espaço.

O conceito de "habitat" passa a substituir a lógica do “habitar” como uma prática de separar e isolar a função residencial do restante da cidade, visando aprimorar seu planejamento e ordenamento. Essa forma de organização se materializou nos modernos subúrbios, nas periferias urbanas e nos conjuntos habitacionais que carecem dos elementos essenciais para uma inserção urbana completa, tais como serviços, equipamentos, participação social, convivialidade e laços comunitários. O resultado desse processo foi o surgimento de uma periferia desprovida de características urbanas, ao mesmo tempo em que permanece dependente da cidade. Lefebvre (2011, p. 18), descreve essa dinâmica como uma "urbanização desurbanizante e desurbanizada", ressaltando assim o paradoxo que a permeia.

O próprio Estado leva essa concepção do “habitat” ao limite ao adotar um modelo de política que difunde que a simples construção de mais casas seria a solução para as questões sociais urbanas. No entanto, como aponta Lefebvre (2011, p. 26), "não é um pensamento urbanístico que dirige as iniciativas dos organismos públicos e semipúblicos, é simplesmente o projeto de fornecer moradias o mais rápido possível pelo menor custo possível”. Nesse contexto, em 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/1988), estabeleceu que a política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, deveria ter por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Em período recente, foi adotada no Brasil uma política voltada para enfrentamento do problema habitacional para segmentos de baixa renda. Trata-se do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), do qual, até 2016, quase três milhões do total de 4,2 milhões de moradias contratadas foram entregues.

Situado na região norte do Estado de Minas Gerais, o município de Montes Claros/MG sofreu uma expansão rápida de sua parte urbana nas últimas décadas. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 indicavam que a população estimada do município é de 404.804 mil pessoas, e a densidade demográfica (2017) de 101,41 hab./Km² e também recebeu políticas do PMCMV. Atualmente, o município possui população estimada de 414.240 mil habitantes e densidade demográfica de 115,39 hab./Km².

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é investigar o processo de segregação urbana de conjuntos habitacionais do PMCMV em Montes Claros/MG de atendimento às famílias de baixa renda. Em específico, busca-se mapear os conjuntos imobiliários do PMCMV em Montes Claros/MG; indicar os aparelhos urbanos localizados próximos e analisar as repercussões urbanas decorrentes de tal localização.

Indagou-se em que medida a localização sociogeográfica dos conjuntos habitacionais contribui para o fenômeno da segregação. A localização sociogeográfica pode ser entendida como a posição espacial dos conjuntos habitacionais em relação a fatores sociais, econômicos e geográficos, sendo conceito central para compreender a relação entre o espaço urbano e a segregação, envolvendo aspectos como distribuição desigual de recursos, acesso a serviços públicos, infraestrutura, equipamentos sociais, redes de transporte e proximidade de áreas de trabalho.

Por sua vez, a justificativa decorre da necessidade de abordagem do assunto como um processo social e territorial que abrange fatores como uso e ocupação do solo, planejamento urbano, densidade populacional, distribuição socioespacial, localização de investimentos públicos e privados, bem como decisões políticas e econômicas, e não somente como questão técnica e de gestão pública.

O estudo será realizado através de uma abordagem qualitativa e quantitativa, ou quali-quantitativa. Quanto ao objetivo, a pesquisa é classificada em descritiva. Quanto aos procedimentos, a pesquisa é classificada como estudo de caso. O estudo também utilizará as pesquisas dos tipos bibliográfica e documental. A análise teve como foco os empreendimentos destinados às famílias de baixa renda, conforme critérios estabelecidos pelo Ministério das Cidades (faixas de renda 1 e 1,5 salários mínimos).

Foram usados dados oficiais disponíveis no sítio eletrônico da Prefeitura de Montes Claros (PMMC), bem como aqueles constantes das imagens fornecidas extraídas do Google Street View em 2014, além do levantamento de dados oficiais no sítio eletrônico do IBGE. Em seguida, foram elaborados os mapas utilizados neste trabalho, com as técnicas de Geoprocessamento por meio do software ArcGIS 10.5, com base na imagem de satélite QuickBird, do ano de 2015.

Segregação socioespacial, segregação urbana e suas repecurssões na cidade

Para entender o termo “segregação socioespacial” teoricamente, é preciso compreendê-lo epistemologicamente, através da identificação da grafia correta a ser utilizada. Esta pode mudar o sentido e o significado com o emprego do hífen. O precursor dessa discussão foi o Professor Marcelo Lopes de Souza (2008). Para Souza (2008) “socioespacial” e/ou “sócio-espacial” são termos diversos e complexos, com duas possibilidades de significados: a) Ausência do hífen – representa a intenção é considerar apenas o espaço social; e b) Emprego do hífen – quando há referência às relações sociais e ao espaço social, apesar que trata-se de dimensões da sociedade que não se confundem, por outro lado, são essencialmente interdependentes.

Diferente da perspectiva adotada por Souza (2008) em seus estudos, Catalão (2011, p. 176-178) afirma que para a compreensão de espaço considera que ele se trata de “espaço social”, portanto, é adequado utilizar os termos "espacial" e "socioespacial". O mesmo é contrário ao uso da grafia "sócio-espacial". Como a intenção é abordar apenas o espaço social, a será utilizada a grafia “segregação socioespacial".

O espaço é uma construção social, uma manifestação tangível da sociedade, que funciona como um meio de controle, produção e dominação, quando é organizado social, política e economicamente pelos seus agentes. Esses agentes possuem interesses, estratégias e práticas espaciais distintas, o que inevitavelmente gera conflitos. De acordo com Corrêa (1989), existem cinco categorias de agentes responsáveis por moldar a cidade capitalista: os industriais, os proprietários de terras, os promotores imobiliários, o Estado e as classes sociais excluídas.

Os industriais, em busca de eficiência produtiva, buscam localizações favoráveis para suas empresas, muitas vezes priorizando áreas com acesso a recursos naturais, mão de obra qualificada e infraestrutura adequada.

Os proprietários de terras desempenham um papel ativo como especuladores, concentrando seu interesse no valor de mercado de seus imóveis. Eles exercem uma influência significativa na conversão de terras rurais em áreas urbanas, sendo os principais impulsionadores da expansão da cidade por meio da periferia urbana.

À medida que novas áreas são parceladas na periferia urbana, esses agentes são responsáveis por essa transformação. Enquanto isso, algumas áreas localizadas mais próximas ao centro da cidade ou em locais estratégicos permanecem subutilizadas, aguardando uma valorização potencial por meio de investimentos em obras de infraestrutura pública.

Essa dinâmica de desenvolvimento urbano resulta em vazios urbanos nessas áreas, que permanecem à espera de um aumento no valor imobiliário antes de serem efetivamente utilizados. Dessa forma, os proprietários de terras desempenham um papel crucial na configuração espacial da cidade, impulsionando o processo de urbanização e influenciando a distribuição desigual de recursos e oportunidades.

Os promotores imobiliários desempenham um papel importante na transformação do espaço urbano, buscando oportunidades de negócio na construção e venda de propriedades, influenciando diretamente a forma e o uso das áreas urbanas.

Dentro das categorias propostas por Corrêa (1989), o Estado é reconhecido como um dos agentes centrais na produção do espaço urbano. Ele ocupa uma posição central em uma arena onde diversos interesses se confrontam. Além disso, o Estado detém o poder de definir e implementar ações que exercem um impacto significativo nas dinâmicas urbanas.

O Estado desempenha diversas funções que moldam o espaço urbano. Ele estabelece instrumentos normativos para regular a utilização do solo, impõe tributos sobre as propriedades de acordo com seu valor, uso e localização, e é responsável pela construção de obras de infraestrutura urbana, como estradas, sistemas de energia, água e saneamento, praças, parques, entre outros. Além disso, o Estado também influencia a localização de determinadas obras ou estruturas urbanas, como aterros sanitários.

Adicionalmente, o Estado define os tamanhos mínimos dos lotes e os tipos de usos permitidos em cada área urbana, exercendo uma influência direta no processo de valorização ou desvalorização de determinadas áreas. É importante destacar que a atuação do Estado não ocorre de forma neutra, como salientado por Corrêa (1989, p. 26), uma vez que está sujeita a conflitos de interesse e disputas pelo poder.

Segundo a visão marxista de David Harvey (2005), o Estado desempenha um papel central na sociedade capitalista. Ele se fundamenta na contradição entre os interesses particulares das classes dominantes e as demandas da sociedade como um todo, e procura resolver essa contradição por meio de estratégias específicas. Uma dessas estratégias é expressar os interesses das classes hegemônicas como legítimos e próprios do Estado. Isso cria uma aparência de autonomia em relação às classes dominantes, ao mesmo tempo em que os interesses da classe dominante são transformados em interesses comuns, apresentados como ideais universais.

O Estado, especialmente por meio de seu sistema legal, desempenha um papel crucial na manutenção do sistema capitalista. O Estado fornece suporte e garantia para a manutenção das relações existentes, como a garantia do direito à propriedade privada, o cumprimento de contratos e a estabilização do sistema monetário, entre outras ações.

Nessa perspectiva, a visão de Uriarte (2014) reforça a ideia de que o Estado atende aos interesses do capitalismo, estabelecendo normas e códigos que refletem a lógica capitalista, onde há uma separação entre lazer e trabalho, prazer e dever, natureza e alimentação, assim por diante. Essa concepção de ordem e racionalidade imposta pelo Estado está diretamente ligada à lógica do capital, que influencia as dinâmicas do espaço urbano.

Além disso, Singer (1979) destaca o papel relevante do Estado nas dinâmicas urbanas, principalmente por meio da realização de obras de infraestrutura em áreas específicas da cidade. Essas intervenções estatais promovem a atração de novas empresas e moradores para essas regiões, valorizando o solo urbano. Dessa forma, o Estado desempenha um papel fundamental na valorização e no desenvolvimento de certas áreas urbanas em detrimento de outras, moldando a configuração espacial da cidade de acordo com os interesses do capitalismo.

Assim, a ação do Estado na definição das normas, na realização de obras de infraestrutura e na valorização do solo urbano reforça sua importância como agente central na produção e organização do espaço urbano, perpetuando as desigualdades sociais e econômicas. Por fim, retomando as categorias de Corrêa (1989), tem-se as classes sociais excluídas, frequentemente marginalizadas no acesso e no uso do espaço urbano, que enfrentam condições precárias de moradia e dificuldades de acesso a serviços urbanos e oportunidades. Suas lutas por moradia digna e espaços públicos inclusivos são exemplos de conflitos que emergem da disputa pelo espaço.

Essas diferentes categorias de agentes, com suas respectivas estratégias e interesses, moldam a cidade e o espaço de maneira desigual, refletindo as relações de poder, desigualdade e dominação presentes na sociedade.

A análise dos agentes que produzem o espaço urbano é fundamental para compreender as segregações socioespaciais. Conforme mencionado anteriormente, o Estado, o mercado imobiliário e a classe dominante desempenham papéis significativos nesse processo (CORRÊA, 1989). Suas ações e decisões em relação à distribuição de recursos, planejamento urbano, políticas habitacionais e acesso a serviços públicos contribuem para as segregações socioespaciais (HARVEY, 1980). É importante considerar que as segregações socioespaciais não ocorrem apenas de forma espontânea ou voluntária, mas também podem ser programadas sob o pretexto de revitalização urbana ou planos de desenvolvimento. Nesse sentido, os poderes públicos muitas vezes adotam uma ideologia humanista ou promovem ações demagógicas para encobrir as segregações, enquanto elas continuam a prevalecer em diferentes setores da vida social (CORRÊA, 1989).

As segregações socioespaciais e as segregações urbanas são fenômenos interligados que afetam profundamente as cidades contemporâneas. Esses processos estão relacionados à separação e à exclusão de grupos sociais dentro do espaço urbano, resultando em disparidades socioeconômicas e acesso desigual a recursos e oportunidades.

As segregações socioespaciais podem ser entendidas como a concentração de grupos sociais distintos em áreas específicas de uma cidade, muitas vezes associadas à desigualdade de renda. Essas segregações residenciais podem ocorrer de forma espontânea, voluntária ou mesmo serem programadas por meio de políticas habitacionais e planejamento urbano (CORRÊA, 1989). As segregações socioespaciais não se limitam apenas à separação física, mas também envolvem privações socioespaciais, como a falta de acesso a serviços básicos e infraestrutura, transportes precários e limitações na mobilidade física (ALVES, 2018).

Por outro lado, a segregação urbana refere-se à separação de grupos sociais em espaços urbanos homogêneos e distantes uns dos outros (MARQUES, 2010). Essa segregação pode ser medida pela separação e homogeneidade entre grupos sociais, bem como pela concentração e predominância desses grupos em determinadas áreas da cidade (MARQUES, 2010). Ela está relacionada a fatores como renda, acesso a serviços públicos, equipamentos urbanos e oportunidades de emprego (HARVEY, 1980).

Os efeitos das segregações socioespaciais e urbanas são amplamente negativos. A concentração de grupos sociais em áreas segregadas leva à reprodução e intensificação das desigualdades sociais, dificultando a mobilidade social e restringindo o acesso a recursos e oportunidades para determinados grupos (MARQUES, 2010). As segregações também podem limitar o acesso à cultura, ao lazer e a espaços públicos, perpetuando assim a exclusão social (ALVES, 2018).

Além disso, as segregações socioespaciais e urbanas são alimentadas por diversos fatores, incluindo a atuação do Estado, do mercado imobiliário e da classe dominante (CORRÊA, 1989). Políticas públicas inadequadas e ações por parte das empresas contribuem para as segregações, mesmo que sejam promovidas sob o pretexto de desenvolvimento urbano ou melhoria da qualidade de vida (HARVEY, 1980).

É importante ressaltar que as segregações socioespaciais e urbanas não são meras consequências do funcionamento natural das cidades, mas sim produtos de processos históricos e estruturais de desigualdade e exploração.

No Brasil, o Estatuto da Cidade, Lei Nº 10.257, de 10 de julho de 2001, tem por escopo orientar a política de ordenamento do crescimento urbano com fins de preservação da função social da cidade, além de preconizar a criação, pelos municípios, de Planos Diretores, que são instrumentos básicos de política urbana para dar acesso igualitário de todo cidadão à cidade. O Plano Diretor deve primar pela função social da cidade e da propriedade, meio ambiente equilibrado e dispor sobre formas racionais de uso e ordenação do solo (HUFFNER; OLIVEIRA, 2017).

Contudo, conforme Pacheco explana, embora haja legislações voltadas à política urbana, com observância de um ambiente urbano democrático, a configuração do espaço urbano no Brasil ainda é caracterizada fortemente pela lógica do capital, notadamente marcada pelo fenômeno da especulação imobiliária, o que resulta na formação hoje de cidades segregadoras, dominadas por interesses de grupos minoritários, formados por empresários e até mesmo por integrantes do poder público (PACHECO, 2015).

Para Lefebvre, não se pode falar em direito à cidade quando há problemas de segregação em discussão. O urbanismo é inexistente se a classe operária não participa de seu processo. Segundo o autor, “isto não quer dizer que a classe operária fará sozinha a sociedade urbana, mas que sem ela nada é possível. A integração sem ela não tem sentido, e a desintegração continuará, sob a máscara e a nostalgia da interação” (LEFEBVRE, 2011, p. 113).

Ao discutir o caos das cidades, Santos traz à baila a questão da urbanização corporativa, bem como das especulações decorrentes dos vazios urbanos. Tais fatores culminam na periferização das populações menos favorecidas. Conforme Santos (2008, p. 96), “o capitalismo monopolista agrava a diferenciação quanto à dotação de recursos, uma vez que parcelas cada vez maiores da receita pública se dirigem à cidade econômica em detrimento da cidade social”.

Assim, pela perspectiva do processo de ocupação de terras urbanas, as faces das desigualdades sociais existentes no Brasil podem ser compreendidas. Os interesses econômicos da elite estruturam a cidade em seu benefício, ficando à margem as classes menos favorecidas (PACHECO, 2015).

A cidade de Montes Claros/MG

O município de Montes Claros/MG está localizado na mesorregião Norte do Estado de Minas Gerais, na Bacia do São Francisco. Conforme o Instituto de Geociências Aplicadas (IGA), a sede do município (a cidade) tem a seguinte localização geográfica: Latitude de 16º 43' 41", Longitude de 43º 51' 54"e altitude de 638 metros. O município tem área total de 3.576,76 Km² e limite com os seguintes municípios: ao norte, com São João da Ponte/MG; na orientação nordeste, com Capitão Enéas/MG; ao leste, com Francisco Sá/MG; na orientação sudeste, com Juramento/MG, Glaucilândia/MG e Claro dos Poções/MG; ao sul, com Bocaiúva/MG; ao oeste, com São João da Lagoa/MG e Coração de Jesus/MG; e, na orientação noreste, com Mirabela/MG e Patis/MG (MONTES CLAROS, 2019).

Destaca-se que Montes Claros/MG é classificada como uma cidade média, conforme os critérios estabelecidos pelo IBGE, sendo o município, e por conseguinte, a cidade mais importante da mesorregião Norte de Minas, que é uma região que se destaca no âmbito estadual e nacional por apresentar baixos indicadores socioeconômicos, assim como as mesorregiões Jequitinhonha e Vale do Mucuri, conforme Caon, Magalhães e Moreira (2012). A Figura 1 apresenta o mapa de localização do município, e por consequência, da cidade de Montes Claros/MG.


Figura 1
Mapa de localização do município de Montes Claros/MG
Elaborada pelos autores.

A posição central e hierarquicamente superior de Montes Claros/MG na rede urbana do Norte de Minas se consolidou ao longo do seu processo de formação (PEREIRA, 2007). A ocupação da região Norte de Minas é datada do século XVII, com a expansão das atividades agropecuárias. A base econômica, até a década de 70, era apoiada na agropecuária e nas atividades mercantis, no entanto, após esse período, a situação se modificou.

Na década de 1960, o norte de Minas passou a ser foco de políticas desenvolvimentistas da União, sendo incorporada à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), que foi criada pelo governo federal, em 1959, com o intuito de fomentar o processo de industrialização da região Nordeste do país (GOMES, 2007).

Em meados da década de 1960, a população do município de Montes Claros/MG tornou-se predominantemente urbana. O grau de urbanização do município passou de 40,66%, em 1960, para 73,10%, em 1970, e chegou a 87,60%, em 1980. A industrialização, a mecanização do campo, o êxodo rural e os movimentos migratórios intra-regionais contribuíram para acelerar o processo de urbanização de Montes Claros/MG (GOMES, 2007).

Para compreender o impacto dos incentivos promovidos pela SUDENE, observa-se que em 1960, a cidade possuía 82 estabelecimentos industriais, responsáveis pela geração de 778 empregos. Em 1970, esse número aumentou para 102 estabelecimentos desse tipo. De acordo com dados da Secretaria de Trabalho, Ação Social e Desportos, em 1976, Montes Claros contava com 223 estabelecimentos industriais, ou seja, mais do que o dobro em relação a 1970.

Os registros da Secretaria de Trabalho, Ação Social e Desportos revelam ainda que, dos 223 estabelecimentos industriais existentes em 1976, 154 deles empregavam até 10 funcionários cada, totalizando 502 trabalhadores. Apenas 69 desses estabelecimentos empregavam mais de 10 funcionários cada, oferecendo um total de 6.008 empregos na cidade (MONTES CLAROS, 1980).

Essas transformações descritas agravaram os problemas urbanos em Montes Claros/MG ao longo dos anos. A chegada de novas indústrias atraiu um grande número de trabalhadores para a cidade. No entanto, as novas indústrias caracterizavam-se por processos produtivos intensivos em capital, exigindo pouca mão de obra, geralmente especializada. Isso contrastava com as características dos trabalhadores migrantes do meio rural. Como resultado, o influxo migratório causou uma queda nos salários e deixou muitos imigrantes desempregados, aumentando a marginalização urbana (MONTES CLAROS, 1980).

Montes Claros/MG, assim como outras cidades médias brasileiras, buscou atender às mais variadas demandas da população, dentre elas a da habitação voltada às classes menos favorecidas, em situação de vulnerabilidade social. Para tanto, visando minimizar o déficit habitacional municipal calculado pela Fundação João Pinheiro – FJP (2013), que foi de 10 mil moradias no ano de 2010[1], o município de Montes Claros/MG firmou parceria com a Caixa Econômica Federal (CEF), desde 2011, e tem realizado a construção de moradias, visando à melhoria da condição de vida de milhares de famílias.

Nesse sentido, em 09 de abril de 2010, firmou-se o convênio entre o município de Montes Claros/MG e a CEF, por meio da operação 0.318.879-48/2010, iniciando planejamento da construção das primeiras 496 casas de Habitação de Interesse Popular, no Residencial Nova Suíça (VIEIRA, 2018). A Tabela 1 apresenta a discriminação da situação de habitação na cidade de Montes Claros/MG representada pelos empreendimentos imobiliários de interesse social instalados na cidade.

Tabela 1
Empreendimentos imobiliários de interesse social da cidade de Montes Claros/MG.

Vieira (2018, p. 54).

A partir da Tabela anterior, é possível observar que, de novembro de 2011 até maio de 2017, 4.851 famílias da cidade foram beneficiadas por Habitações de Interesse Social do PMCMV (VIEIRA, 2018).

Habitação de Interesso Social na cidade de Montes Claros/MG

Em março de 2009, o Governo Federal lançou o PMCMV, para subsidiar a aquisição de imóveis próprios (casas ou apartamentos), para famílias de baixa renda, tanto na área urbana como rural. Com isso, também houve geração de emprego e renda para trabalhadores da construção civil.

O programa é regulamentado pelo Ministério das Cidades e subsidiado com verbas provenientes do Orçamento Geral da União (OGU), repassadas para a Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil (BB). Desde seu lançamento, o programa sofreu alterações, perpassando por 3 (três) fases, com estipulação de renda mensal máxima das famílias para acesso. Na Fase 1, de 2009 a 2011, e na Fase 2, entre 2011 e 2016, foi dividido em 3 faixas de renda. Já na Fase 3, de 2016 até 2020, se dividia em 4 faixas de renda (1, 1,5, 2 e 3 salários mínimos).

A Faixa 1, que consiste em Habitação de Interesse Social, visa atender às famílias menos favorecidas economicamente. Assim, podem se cadastrar gratuitamente na Prefeitura Municipal ou em um órgão do governo estadual, apresentada a documentação exigida, não sendo necessária a comprovação de renda formal, uma vez que grande parte desse público realiza trabalho autônomo.

Por seu turno, famílias inseridas nas faixas de renda de 1,5, 2 e 3 salários mínimos que, devido ao valor dos rendimentos mensais, não se enquadram no perfil para a Habitação de Interesse Social, são assistidas diretamente pela CEF ou o BB. Esclareça-se que essas não participam de sorteios, uma vez que podem escolher onde desejam morar.

Cumpre ressaltar que a Medida Provisória Nº 996/2020, de 26 de agosto de 2020, o então Presidente, Jair Messias Bolsonaro, convertida na Lei Nº 14.118, de 12 de janeiro de 2021, criou o Programa Casa Verde e Amarela (PCVA), em substituição ao Programa Minha Casa Minha Vida, o que trouxe profundas mudanças na política de habitação no Brasil, especialmente no que se refere aos conjuntos habitacionais das faixas mais baixas.

O antigo programa, que contemplava famílias de baixa renda sem capacidade de endividamento, foi responsável pela construção de 1,5 milhão de moradias nessa faixa específica. No entanto, com a transição para o PCVA, observa-se uma série de alterações que afetaram diretamente essas famílias. A extinção do Programa Minha Casa Minha Vida e a ausência de novas contratações para a faixa 1 durante a gestão do Presidente Jair Bolsonaro "paralisou" o surgimento de novos projetos de conjuntos habitacionais de interesse social. Embora o novo programa tenha introduzido modalidades como regularização fundiária, melhoria e produção habitacional financiada, a falta de discussão com a sociedade civil e a ausência de contratações para habitação de interesse social com subsídios da OGU até 2024 impactou a criação de novos empreendimentos nos moldes analisados na pesquisa.

Posto isso, cumpre ressaltar que com a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, foi anunciado em janeiro de 2023, volta do Programa Minha Casa Minha Vida, com a posterior edição da Medida Provisória Nº 1.162/2023, que dispõe sobre o relançamento do Programa Minha Casa Minha Vida, e revogação do Programa Casa Verde Amarela.

A referida emenda foi aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 07/06/2023 e aprovada pelo Senado Federal no dia 13/06/2023, um dia antes do prazo final para a sua apreciação, e está aguardando a sanção pelo Presidente da República.

A Medida Provisória Nº 1.162/2023 promoveu algumas alterações pontuais em relação à Lei Nº 11.977, de 2009. Dentre as novidades, está a possibilidade de aquisição de unidades habitacionais usadas, locação social e melhorias habitacionais.

Dito isso, tem-se que a legislação vigente no Brasil sobre a regras e disposições para os conjuntos habitacionais de interesse social no momento é a Medida Provisória Nº 1.162/2023, contudo, todos os empreendimentos analisados no presente estudo foram autorizados, construídos, finalizados e entregues na vigência da Lei Nº 11.977/2009 (revogada em 2020), assim, considera-se as disposições desta, bem como de outras normas vigentes no período anterior ao PCVA para as análises da pesquisa.

O artigo 5º-A, da Lei Nº 11.977, de 7 de julho de 2009, define que devem ser observados os seguintes critérios para a implantação dos empreendimentos:

I - localização do terreno na malha urbana ou em área de expansão que atenda aos requisitos estabelecidos pelo Poder Executivo federal, observado o respectivo plano diretor, quando existente; II - adequação ambiental do projeto; III - infraestrutura básica que inclua vias de acesso, iluminação pública e solução de esgotamento sanitário e de drenagem de águas pluviais e permita ligações domiciliares de abastecimento de água e energia elétrica; e IV - a existência ou compromisso do poder público local de instalação ou de ampliação dos equipamentos e serviços relacionados a educação, saúde, lazer e transporte público (BRASIL, 2009).

De acordo com o subitem 2.4, especialmente no anexo IV, da Portaria N° 518, de novembro de 2013, ficou definido que sem prejuízo das exigências municipais de destinação de áreas públicas para aprovação de projetos independente do seu porte, os empreendimentos a partir de 500 unidades habitacionais deverão ter garantidas áreas para implantação dos equipamentos públicos necessários para atendimento da demanda gerada por estes (BRASIL, 2013).

Também, o subitem 2.8 dessa portaria, definiu que: “As famílias residentes nos empreendimentos, com crianças em idade escolar, deverão ser atendidas, por escolas de educação infantil e de ensino fundamental localizadas, preferencialmente, numa faixa de até dois mil metros ao redor do empreendimento” (BRASIL, 2011). Entretanto, tal realidade nem sempre ocorre, conforme se abordará a questão a nível da cidade de Montes Claros/MG.

De acordo com Paula (1979), no ano de 1950, o perímetro urbano do município de Montes Claros/MG contava com 2.853 prédios e uma centena de ruas. A Figura 2, elaborada a partir de descrição topográfica, permite a visualização do perímetro urbano de Montes Claros/MG no referido ano e em 2019, de modo a perceber seu crescimento urbano.


Figura 2
Perímetro urbano da cidade de Montes Claros/MG no ano de 1950
Elaborada pelos autores.

Nota-se que a população de Montes Claros/MG se concentrava na parte central, local de ocupação desde o período em que a cidade levava o nome de “Vila das Formigas”. O comércio, escolas, prestação de serviços de maneira geral e as residências estavam presentes apenas nesse espaço. Por volta de 1970, começou a formação e a estruturação de novos bairros próximos ao centro, mantendo essa parte com o maior adensamento, e o lado norte apresentou uma rápida expansão.

Com a Lei Federal Nº 11.977/2009, começou a implantação em Montes Claros/MG dos conjuntos habitacionais do PMCMV. A Figura 3 mostra a localização geográfica de 17 (dezessete) empreendimentos imobiliários de faixa 1 e 1,5 da cidade de Montes Claros/MG que foram objeto de mapeamento conforme procedimentos metodológicos mencionados. Alguns desses empreendimentos, inclusive, encontram-se situados fora do perímetro urbano constante da imagem de satélite (2014) utilizada para confecção do mapa.


Figura 3
Localização dos conjuntos habitacionais do PMCMV na cidade de Montes Claros/MG
Elaborada pelos autores.

Pela imagem, nota-se, desde logo, o distanciamento destes empreendimentos do centro da cidade. Assim, é possível afirmar que às famílias moradoras destes residenciais podem ser limitados de acessos aos relevantes equipamentos públicos, além de exigir significativo esforço dessas famílias para locomoção que, em decorrência da renda limitada, nem sempre possuem meios próprios e/ou condições financeiras para se locomoverem. A Figura 4 apresenta a infraestrutura urbana que avizinha os empreendimentos imobiliários do PMCMV da cidade de Montes Claros/MG, representados por equipamentos urbanos e comunitários como Unidades Básicas de Saúde (UBS), escolas, universidades e praças.

Tal mapa permite inferir que há conjuntos residenciais que são desprovidos dos equipamentos públicos necessários, escolas e postos de saúde. Apenas os conjuntos habitacionais da região norte e nordeste, que foram os primeiros a serem instalados (como o Residencial Vitória e Nova Suíça) são atendidos no entorno por praças, escolas e unidades de saúde.


Figura 4
Equipamentos comunitários próximos aos empreendimentos imobiliários do PMCMV da cidade de Montes Claros/MG
Elaborada pelos autores.

Destarte, tais empreendimentos imobiliários enfrentam problemas relacionados à infraestrutura urbana. Nestes, a falta de planejamento adequado para as vias de trânsito, de drenagem, de redes de água e esgoto, equipamentos sociais e áreas verdes são evidentes. Esses fatores refletem uma "inclusão social restrita", uma vez que tais serviços urbanos não são garantidos a toda a população, resultando em desigualdades habitacionais e acentuando as diferenças sociais e espaciais nas diversas áreas da cidade (LIMA, 2017).

Brito (2016) salienta que a ausência de uma localização adequada dentro da malha urbana e com acesso facilitado aos equipamentos urbanos representa uma violação do direito à moradia adequada, pois contribui para o fenômeno da segregação territorial e reforça a segregação socioeconômica.

O acesso a serviços, infraestrutura e equipamentos públicos é um elemento crucial para a concretização da moradia digna e do direito à cidade.

Cumpre ressaltar, ainda, que as construtoras e gestores locais, com vista a se isentarem da obrigatoriedade da construção de equipamentos públicos, podem lançar os empreendimentos com menos de 500 unidades habitacionais.

No caso de Montes Claros/MG, conforme Tabela 1, apenas dois conjuntos habitacionais possuem 500 ou mais unidades (Recanto das Águas e Vitória II) e mesmo os dois empreendimentos não possuem em suas áreas os equipamentos e serviços públicos determinados em lei, conforme se observa na Figura 4.

Tem-se ainda empreendimentos como o Residencial Montes Claros e o Residencial Minas Gerais, ambos com 499 unidades, ou seja, uma menos que o número mínimo para a obrigatoriedade de implementação de equipamentos públicos, na mesma linha, os residenciais Monte Sião I e Nova Suíça possuem, respectivamente, 498 e 496 unidades habitacionais, o que denota a clara estratégia para burlar as normas da Portaria n° 518, de novembro de 2013 e desobrigar as construtoras a destinarem áreas nos empreendimentos para a instalação dos equipamentos urbanos.

Importante verificar ainda, que a cidade é permeada de vazios urbanos em sua região central, sul e sudeste, que é mais equipada com estruturas e equipamentos urbanos, e que poderia abrigar estes conjuntos habitacionais. A Figura 5 apresenta o mapa dos vazios urbanos da cidade de Montes Claros/MG.

Ocorre que estes vazios são objeto de especulação imobiliária, fator que desencadeia problemas de urbanização. Para Santos (2005), a especulação imobiliária decorre da superposição de um sítio social ao sítio natural e da disputa entre atividades ou pessoas por dada localização. Criam-se, assim, sítios sociais, tendo em vista que o funcionamento da sociedade transforma seletivamente os lugares. Dessa forma, certos pontos se tornam mais acessíveis, atrativos e, também, mais valorizados.

Cabe salientar que a especulação imobiliária, a partir dos vazios urbanos, alimenta-se do fato de que a terra urbana, loteada ou não, é uma promessa de lucro no futuro. Tendo em vista que as terras apropriadas pela elite, embora não sejam utilizadas, são cada vez mais numerosas, a possibilidade de lotá-las de serviços públicos será sempre menor (SANTOS, 2005).


Figura 5
Vazios urbanos da cidade de Montes Claros/MG
Fernandes (2019).

Assim, a estratégia de alocação dos empreendimentos do PMCMV em Montes Claros nas “bordas” da cidade, caracterizadas pela baixa infraestrutura urbana e ausência de vários equipamentos urbanos é uma explicação da dinâmica da terra como mercadoria, e de como os agentes que produzem o espaço, principalmente os proprietários de terras e os produtores imobiliários, validados pela ação do Estado, articulam na chave do lucro e da especulação imobiliária, a despeito das consequências e segregações urbanas e socioespaciais advindas do deslocamento dos conjuntos habitacionais para áreas desurbanizadas.

Considerações finais

Diante do exposto no trabalho, tem-se a reafirmação da relevância da discussão sobre a segregação socioespacial e a sua relação direta com a localização dos empreendimentos do programa Minha Casa Minha Vida de interesse social. Observa-se que esses conjuntos habitacionais foram construídos em áreas periféricas, distantes do centro da cidade, carentes de infraestruturas urbanas o que acentua as desigualdades sociais.

Essa escolha de localização acaba reforçando a segregação socioespacial, pois as populações de baixa renda que são beneficiadas pelo programa acabam ficando isoladas em regiões carentes de serviços urbanos essenciais, como estruturas de lazer, praças, escolas, unidades de saúde e transporte público de qualidade. Essa falta de acesso adequado às infraestruturas urbanas compromete diretamente o direito à cidade desses moradores, dificultando o seu pleno desenvolvimento e a sua participação na vida urbana.

A lógica da terra como mercadoria, com vistas aos interesses de grupos econômicos hegemônicos, faz com que os empreendimentos habitacionais de interesse social sejam alocados nas bordas das cidades, mesmo com a existência de áreas mais centrais e equipadas com estruturas urbanas na cidade.

O Estado, por sua vez, consente com essa lógica hegemônica do mercado de terras e permite que esses moradores sejam atribuídos para imóveis em regiões desprovidas dos serviços urbanos básicos, o que intensifica a apartação social e espacial, e propicia a reprodução das desigualdades sociais.

Nesse sentido, é fundamental reconhecer que o direito à cidade vai além do acesso à moradia digna. Envolve também a garantia de acesso aos serviços, direitos e infraestruturas urbanas de qualidade, sem qualquer tipo de segregação, bem como a participação cidadã na tomada de decisões que afetam o espaço urbano. A efetivação desse direito requer uma abordagem integrada, que considere tanto a localização estratégica dos empreendimentos habitacionais, promovendo a inclusão social e a redução das desigualdades, quanto a oferta de infraestruturas adequadas para que os moradores possam usufruir plenamente dos benefícios da vida urbana.

Dessa forma, ao se refletir sobre os desafios enfrentados na construção de uma sociedade democrática e inclusiva no meio urbano, é essencial considerar a articulação entre a superação da segregação socioespacial, a localização adequada dos empreendimentos habitacionais de interesse social, o pleno exercício do direito à cidade e o acesso equitativo às infraestruturas urbanas. Somente através de políticas urbanas que valorizem a distribuição justa de recursos e a participação ativa dos cidadãos será possível transformar as cidades em espaços mais igualitários, sustentáveis e acolhedores para todos.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001 e da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG).

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Notas

[1] Nota técnica sobre Déficit Habitacional no Brasil 2013: resultados preliminares. Disponível em: < . Acesso em 10 de agosto de 2019.
Eduardo Vinícius Pereira Barbosa É Graduado em Direito e Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Atualmente é Professor na Faculdade Alto Médio São Francisco (FUNAN).

Endereço: Avenida. Jefferson Gitirana, 1.422, Cícero Passos, CEP: 39.270-000, Pirapora, MG, Brasil.

Éder de Souza Beirão É Graduado em Administração e Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Atualmente é Doutorando em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).

Endereço: Avenida. Ruy Braga, s/n, Vila Mauricéia, CEP: 39.401-089, Montes Claros/MG - Brasil.

Priscila Dias Alkimim É Graduada em Direito e Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Atualmente é bolsista no Citadino – Núcleo Interdisciplinar de Temáticas Urbanas da UNIMONTES com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG).

Endereço: Avenida. Ruy Braga, s/n, Vila Mauricéia, CEP: 39.401-089, Montes Claros/MG - Brasil.



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