Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Análise dos impactos da legislação de Áreas de Proteção Permanente – APP sobre a paisagem do cerrado: estudo de caso do município de Diamantino - MT
Analysis impacts of the legislation of Permanent Protection Areas –APP on the cerrado landscape: case study of the municipality of Diamantino – MT
Análisis impactos de la legislación de Áreas de Protección Permanente – APP aplicación en el paisaje de cerrado: estudio de caso del municipio de diamantino – MT
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 20, núm. 02, pp. 03-20, 2022
Universidade Estadual de Montes Claros



Recepción: 31 Diciembre 2021

Aprobación: 07 Junio 2022

Publicación: 01 Julio 2022

DOI: https://doi.org/10.46551/rc24482692202217

Resumo: A proteção ambiental no Brasil tem como premissa a tentativa de união entre as questões técnica ambientais e as legislativas. O objetivo principal deste trabalho é analisar os impactos das legislações ambientais, em especial sobre Áreas de Proteção Permanente, na paisagem do cerrado, tendo como exemplo o município de Diamantino - MT. Os dados utilizados nesta pesquisa foram da base do Cadastro Ambiental Rural – CAR, por meio do Sistema CAR – SICAR, do Boletim Informativo do Cadastro Técnico Federal e do Projeto de Conhecimento do Cerrado, com dados de uso e ocupação do solo do MAPBIOMAS. Ao analisar a distribuição espacial das APP’s no município de Diamantino – MT é notório uma fragmentação das áreas de proteção. Em poucos casos se formam corredores de preservação no município, em especial na porção leste do município. Portanto, ao analisar as APP’s de forma geral no Cerrado, e em específico no município de Diamantino, a luz do uso da legislação ambiental vigente, é notória que as falhas contidas nas normas beneficiam somente o lado político e econômico. Desse modo, essa questão caso não seja tratada com a seriedade que ela pede, pode causar um grande desequilíbrio no meio natural.

Palavras-chave: Áreas de Proteção Permanente, Legislação, Diamantino – MT.

Abstract: Environmental protection in Brazil is premised on the attempt to unite environmental and legislative technical issues. The main objective of this work is to analyze the impacts of environmental legislation, especially on Permanent Protection Areas, in the Cerrado landscape, taking as an example the municipality of Diamantino - MT. The data used in this research were from the Rural Environmental Registry - RER, through the CAR - SICAR System, from the Federal Technical Registry Information Bulletin and from the Cerrado Knowledge Project, with data on land use and occupation from MAPBIOMAS. When analyzing the spatial distribution of APPs in the municipality of Diamantino - MT, a fragmentation of protection areas is evident. In a few cases, preservation corridors are formed in the municipality, especially in the eastern portion of the municipality. Therefore, when analyzing APPs in general in the Cerrado, and specifically in the municipality of Diamantino, in light of the use of current environmental legislation, it is clear that the flaws contained in the norms benefit only the political and economic side. In this way, this issue, if not treated with the seriousness that it asks, can cause a great imbalance in the natural environment.

Keywords: Permanent Protection Areas, Legislation, Diamantino – MT.

Resumen: La protección ambiental en Brasil se basa en el intento de unir las cuestiones técnicas ambientales y legislativas. El objetivo principal de este trabajo es analizar los impactos de la legislación ambiental, especialmente en las Áreas de Protección Permanente, en el paisaje del Cerrado, tomando como ejemplo el municipio de Diamantino - MT. Los datos utilizados en esta investigación fueron del Registro Ambiental Rural - RAR, a través del Sistema CAR - SICAR, del Boletín Informativo del Registro Técnico Federal y del Proyecto Saber Cerrado, con datos de uso y ocupación de suelo de MAPBIOMAS. Al analizar la distribución espacial de las APP en el municipio de Diamantino - MT, se evidencia una fragmentación de las áreas de protección. En algunos casos, se forman corredores de preservación en el municipio, especialmente en la parte este del municipio. Por lo tanto, al analizar las APP en general en el Cerrado, y específicamente en el municipio de Diamantino, a la luz del uso de la legislación ambiental vigente, es claro que las fallas contenidas en las normas benefician solo el lado político y económico. De esta forma, este tema, si no se trata con la seriedad que pide, puede provocar un gran desequilibrio en el medio natural.

Palabras clave: Áreas de Protección Permanente, Legislación, Diamantino – MT.

Introdução

A proteção ambiental no Brasil tem como premissa a tentativa de união entre as questões técnica ambientais e as legislativas. Todavia, no que se refere às Áreas de Proteção Permanente - APP[1] existem muitas questões importantes a serem consideradas. Dessa forma, uma indagação / problema, surge: o conceito de APP vem sendo construído na tentativa de preservar ou conservar o ambiente?

Sobre os tipos e modalidades de APP, essas são construções, particularmente as contidas na Lei Federal 12.651 de 2012, que levam em conta questões essencialmente humanas. Assim, as discussões em relação as APP’s engendram o levantamento de aspectos positivos e negativos, os quais devem ser discutidos.

Dessa maneira, quando se analisa as APP’s em conjunto com as características do Domínio Morfoclimático do Cerrado é perceptível a dependência de uma legislação falha, pois, a mudança de legislação em 2012 promoveu a diminuição de áreas de proteção desse domínio. Assim é necessário conhecer o quanto essa mudança mudou a paisagem do Cerrado, em várias escalas, indo desde o próprio domínio até os municípios, por exemplo Diamantino no estado do Mato Grosso.

O objetivo principal deste trabalho é analisar os impactos das legislações ambientais, em especial sobre APP’s, na paisagem do cerrado, tendo como exemplo o município de Diamantino - MT. Para isso, é necessário elencar alguns objetivos específicos. O primeiro é conceituar o termo APP. Posteriormente enumerar os tipos de áreas de preservação, consonante com a legislação ambiental vigente. O terceiro é pontuar os aspectos positivos da existência das APP’s, já o quarto é pontuar os aspectos negativos das APP’s, tendo como princípio a legislação ambiental vigente. O quinto é analisar as mudanças da paisagem no Cerrado, por meio dos dados do Cadastro Ambiental Rural, com foco no município de Diamantino – MT. É necessário pontuar que esta pesquisa é exploratória e por optou-se em analisar somente um município da região Centro-Oeste do Brasil.

Tipologias de Área de Proteção Permante - APP

O conceito de APP no Brasil foi instituído pela Lei Federal 4.771 de 1965, todavia já em 1934 teve início o embasamento para esse conceito, o qual teve seus dizeres modificados em 2012 pela Lei Federal 12.651.

Segundo Ribeiro o Decreto Federal 23.793 de 1934, no seu capitulo II – artigo 3º classificava as florestas como: a) protetoras; b) remanescentes; c) modêlo; e d) de rendimento (2011, p.4). O objetivo das florestas protetoras, tanto em conjunto ou separa, era de:

(...) conservar o regime das aguas; evitar a erosão das terras pela ação dos agentes naturas; fixar dunas; auxiliar a defesa das fronteiras, de modo julgado necessário pelas autoridades militares; assegurar condições de salubridade publica; proteger sítios que por sua beleza mereçam ser conservados; asilar espécimes raros de fauna indígena (RIBEIRO, 2011, p. 4).

Esse decreto foi fundamental para a lei de 1965, a qual constituiu o primeiro conceito de Área de Preservação Permanente – APP. Em 1961 foi criado um grupo de trabalho reunindo vários profissionais de diversas áreas ligadas ao meio ambiente, incluso geógrafos, para elaboração de uma legislação florestal brasileira. Então em 1962 essa lei ficou pronta e começou a vigorar, posteriormente aos transmites legislativos, em 1965. Filho et al, esclarece que essa lei surgiu para defender a proteção ambiental de forma inflexível (2019, p. 13). Assim, segundo a Lei Federal 4.771 de 1965 (revogada) a APP era:

Área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (BRASIL, 1965).

Essa lei foi de suma importância para o ambiente como um todo, pois garantia sua proteção. Contudo, em 2012 foi instituída uma lei floresta no Brasil, a qual alterou de forma significativa alguns conceitos já consolidados pela antiga lei. Todavia, o conceito de APP foi pouco modificado, o qual é:

Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (BRASIL, 2012).

Nessa esteira, segundo Fernandes foram poucos os avanços ambientais com essa lei devido ao radicalismo do setor agropecuário, os quais defendem que as APP’s e as Reservas Legais impedem o desenvolvimento econômico, em especial o agronegócio, do país (2012, p.66). Além do conceito de APP é necessário pontuar os tipos existentes ao a lei de 2012. Nesse sentido, dentro da legislação vigente são oito tipos de áreas protegidas dentro do ambiente (Figura 1).


Figura 1
Tipos de APP’s segunda a Lei Federal 12.651 de 2012.
BRASIL, 2012.

Aspectos Positivos das APP’S

Mesmo a APP sendo uma construção humana e legal ela congrega aspectos positivos que devem ser evidenciados. Pode-se então elencar quatro pontos positivos das APP’s. O primeiro é de “resguardar as fontes hídricas, resguardar a paisagem, proteger a flora e a fauna e prevenir a erosão do solo” (OLIVEIRA et al, 2008 apud FILHO et al, 2019, p. 13). Essa afirmativa, pode ser a princípio obvia, mas é fundamental significância. Em um momento onde o ambiente é intensamente degradado, afirmar os principais objetivos da criação das APP’s é importante.

A APP também tem a função de sustentação do solo diminuindo o escoamento superficial e evitando a erosão e o transporte de partículas para o interior do leito do rio (FILHO et al, 2019, p. 14). Em uma área, em especial em leitos de cursos d’água é essencial que exista uma manta protetora de vegetação para evitar focos de erosão. Dessa forma a APP é relevante nesta proteção.

Outro aspecto positivo das APP’s é a manutenção do equilíbrio dinâmico do meio (FILHO et al, 2019, p. 16). A APP então funciona como uma garantia da continuidade dos fluxos de matéria e energia onde ela se encontra, seja nas restingas ou nos cursos d’águas.

Por fim, “outro papel importante é a oferta de sombra, fator que permite um controle da temperatura da água, melhorando a vida aquática e aumentando a oferta de nutrientes para os seres que lá vivem” (SCHAFFER et al, 2011 apud FILHO et al, 2019, p. 16). Assim, dentro da garantida do equilíbrio dinâmica a APP promove a interação fauna – flora, onde ela atua diretamente na preservação desses aspectos do ambiente.

Aspectos Negativos das APP’S

Apesar da construção das APP’s seja uma questão legal, sua preservação é essencial para garantir a preservação do equilíbrio e um bom funcionamento do sistema natural, dentro dos seus fluxos de matéria e energia. Ou seja, intervi-las deve ser em casos excepcionais. Não obstante, a lei que regula o aspecto florestal no Brasil abre brechas para que as intervenções sejam a regra, tornando a construção da APP um aspecto negativo para o ambiente. Nessa esteira podem-se elencar quatro casos, onde a brecha na legislação causa um desequilíbrio no meio. Vale ressaltar que os três primeiros casos são referentes às modalidades de intervenções utilidade pública, interesse social e baixo impacto (grifo nosso).

Utilidade Pública, Interesse Social e Baixo Impacto

Primeiramente dentro das intervenções de utilidade pública, pode-se destacar no artigo 3º - inciso VIII – alínea “b” da Lei Federal 12.651 de 2012, onde seu início explana que são intervenções em APP válidas aquelas que são destinadas a “obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios” (BRASIL, 2012). Essa prerrogativa pode, por exemplo, autorizar uma obra que viabilize a canalização de um curso d’água, onde a APP não faz mais sentido, pois ela perdeu sua função ecológica de proteção do curso d’água.

Sobre as intervenções de interesse social as alíneas “c” e “d” do inciso IX – artigo 3º do Código Florestal brasileiro são as que mais chamam a atenção, onde seus dizeres são:

c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei;

d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009 (BRASIL, 2012).

Na primeira é viabilizada a construção, por exemplo, de estádios de esportes em áreas de APP, mesmo sem nenhum arcabouço técnico que justifique tal intervenção e que garanta que no futuro, próximo ou longínquo, essa intervenção não poderá levar a consequências importantes para o equilíbrio dinâmico do ambiente. Já a segunda pode colocar vidas humanas em risco, quando autoriza assentamentos humanos em APP. A consequência mais clara é quando esse assentamento está localizado as margens de cursos d’água, onde mesmo que existam estudos que garantam que não correrá inundação no local, essa prerrogativa acaba com todo o fluxo de matéria e energia do local levando a uma degradação extrema.

Em relação à modalidade de baixo impacto o inciso X - Alínea “e” explana que:

e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores;

Mesmo que esse inciso tenha sido adicionado à lei com a intenção de garantir o direito à moradia de grupos sociais específicos, ele dá à prerrogativa de uma possível ameaça a vida dessas comunidades, quando é autorizado a construção de residências próximas as áreas de inundação de cursos d’água.

Anistia e Área Consolidada

O segundo ponto a ser citado sobre a lei florestal brasileira de 2012 é sobre a anistia dada a aqueles que interviram em APP’s e também em áreas de Reserva Legal, até a data de 22 de julho de 2008. Essa não se refere a nenhum marco ecológico ou a alteração legislativa ambiental, sendo apenas a data da edição do Decreto Federal 6.514/08, que regulamentou infrações administrativas ambientais já previstas desde 1998 (GARCIA, et al, 2016, p. 9).

Assim os proprietários de imóveis rurais que interviram em APP podem se regularizar sem nenhuma sanção jurídica, seja na esfera civil, administrativa ou penal, aderindo ao chamado Programa de Regularização Ambiental – PRA, onde o código florestal explana que:

Art. 59. A União, os Estados e o Distrito Federal deverão implantar Programas de Regularização Ambiental (PRAs) de posses e propriedades rurais, com o objetivo de adequá-las aos termos deste Capítulo. (Redação dada pela Lei 13.887, de 2019).

§ 4º No período entre a publicação desta Lei e a implantação do PRA em cada Estado e no Distrito Federal, bem como após a adesão do interessado ao PRA e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito. (Vide ADIN Nº 4.937) (Vide ADC Nº 42) (Vide ADIN Nº 4.902) (BRASIL, 2012).

Outra questão que contribui para a descaracterização, em específico, do domínio do Cerrado e também de outros domínios brasileiros é o conceito de Área Consolidada Rural, a qual é:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

IV - área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio (BRASIL, 2012).

O Art.3º, IV, traz a definição de área rural consolidada como sendo área de imóvel rural com ocupação antrópica pré-existente a 22 de julho de 2008. Com a aprovação desta definição e posteriores regulamentações haverá a permissão de uso antrópico de parte da faixa de Áreas de Preservação Permanente e de Áreas que deveriam ser protegidas como Reserva Legal. Tais áreas impactadas não serão restauradas conforme as métricas da Lei anterior. O termo, “áreas rurais consolidadas” não é mencionado no Código Florestal revogado (Lei 4.771/65) (GARCIA, et al, 2016, p. 9).

Questões importantes de serem pontuadas

Por fim, devem-se destacar três questões importantes que foram modificadas entre a lei florestal brasileira de 1965 para 2012. A primeira é em relação ao parâmetro de contagem da delimitação das APP’s de cursos d’água. A delimitação das APP’s será contabilizada a partir da calha do leito regular dos cursos d’água, conforme inciso I do artigo 4º da lei de 2012. Esse inciso modifica o critério para delimitação da APP que, conforme prevê a lei anterior (Lei 4771/65), deveria ser iniciado a partir do maior leito sazonal. É previsto com essa questão a “redução drástica da proteção dos rios, chegando a valores em torno de 50% de redução da proteção dos rios em áreas de Cerrado e Mata Atlântica” (Garcia et al. 2016, p. 14).

A segunda é em relação à recuperação de APP’s, pois foi aprovado o uso de espécies exóticas para a recomposição de APP’s em áreas consolidadas, no artigo 61-A, inciso IV, do parágrafo 13º. É notório que cada clima, solo, geologia, geomorfologia e o comportamento da água estão adaptados à vegetação, por isso quando se autoriza o plantio de espécies exóticas, não somente nas APP’s, mas também no Cerrado como um todo, pode levar a um desequilíbrio, o qual pode modificar todo um sistema natural.

O terceiro e último é em relação à contabilização da porcentagem de Reserva Legal – RL que pode ser inserida em APP. No Código anterior (4.771/1965), o cômputo das Áreas de Preservação Permanente, no cálculo da porcentagem das Reservas Legais era permitido apenas nas propriedades em que a soma das APP’s e RLs excedessem 80% da propriedade rural localizada na Amazônia, 50% das propriedades rurais localizadas em outras regiões do país e 25% das pequenas propriedades rurais. Porém, na Lei sancionada, o caput do artigo 15º prevê que o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo da porcentagem das Reservas Legais será permitido a todos os tipos de propriedade, pois não menciona restrições à prática em relação aos tipos de propriedade. Isso implica em uma perda generalizada de proteção ambiental em todas as propriedades, uma vez que existem diferenças quanto à função das APP’s e RL’s. (Garcia et al. 2016, p. 18 e 19).

Materiais e Métodos

Em início é necessário evidenciar a coleta e o tratamento dos dados coletados para analisar a mudança na paisagem do Cerrado, por meio da legislação ambiental sobre as APP’s. Os dados coletados nessa pesquisa foram da base do Cadastro Ambiental Rural – CAR, por meio do Sistema CAR – SICAR, do Boletim Informativo do Cadastro Técnico Federal e do Projeto de Conhecimento do Cerrado, com dados de uso e ocupação do solo do MAPBIOMAS. Foram coletados dados do Brasil, do Cerrado e do município de Diamantino – MT. No tratamento os dados foram organizados e citados ao longo do texto, onde alguns foram tabelados e mapeados para uma melhor compreensão da análise. O programa utilizado para a formatação dos dados foi o Microsoft Excel versão 2010 e para os mapeamentos utilizou-se o ArcMap 10.6.1.

Com base nos dados do CAR, no Brasil existe um número significativo de imóveis rurais e que ocupam uma parcela importante do território nacional. No CAR existem pouco mais de sete milhões de cadastros de imóveis rurais no Brasil. Esses ocupam uma área de aproximadamente 539 milhões de hectares. Entretanto, o dado que mais chama a atenção é de que 55,5% desses solicitaram adesão ao PRA, ou seja, 55,5% dos imóveis praticaram alguma forma de degradação do ambiente natural (Figura 2).


Figura 2
Áreas de proteção Ambiental no Cerrado
CAR, 2021.

Em relação às áreas de proteção de todos esses imóveis somente cerca de 193 milhões de hectares tem remanescente de vegetação nativa, ou seja, somente 36% tem vegetação nativa. Em relação às APP’s existem no Brasil, segundo o CAR, são 21.687.978,21 hectares, onde 59% tem remanescente de vegetação nativa.

Já em relação ao Cerrado existem 1.041.673 imóveis rurais cadastrados no CAR, onde ocupam uma área de 160.966.999,95 hectares. Partindo do princípio de que o Cerrado brasileiro ocupa uma área de cerca de 200.000.000,00 hectares, então desse total 80% está em imóveis rurais. No Cerrado, segundo o CAR existe uma área de APP de 7.404.371,78 hectares, sendo dessas, 66% tem remanescente de vegetação nativa. No caso do Cerrado outro dado importante é o das Reservas Legais, que somam 35.362.491,66 hectares e com remanescente de vegetação nativa 77%. Todavia, com a nova legislação parte desse número da Reserva Legal é formado por APP’s (Figura 3).


Figura 3
Áreas de proteção Ambiental no Cerrado
CAR, 2021.

O Município de Diamantino – MT

O município de Diamantino está localizado na porção central do estado do Mato Grosso (Figura 4). Nele são encontrados vários imóveis rurais, mas o que chama a atenção é a comparação entre a distribuição espacial das APP’s e das Reservas Legais, frente às áreas consideradas consolidadas e também da comparação entre o uso e ocupação do solo entre 1989 e 2019.

Ao analisar a distribuição espacial das APP’s no município de Diamantino – MT é notório uma fragmentação das áreas de proteção. Em poucos casos se formam corredores de preservação no município, em especial na porção leste do município (Figura 5).

Em relação às áreas de Reserva Legal, essas ocorrem em conjunto com as APP’s, diminuindo as áreas de efetiva preservação no município, onde a maior parte, apesar de estarem aprovadas, não estão averbadas no registro do imóvel (Figura 6).


Figura 4
Localização do município de Diamantino – MT
Autor, 2021.


Figura 5
Localização das faixas de APP’s de cursos d’água no município de Diamantino – MT
Autor, 2021.


Figura 6
Localização das áreas de Reserva Legal no município de Diamantino – MT
Autor, 2021.

Sobre as áreas consolidadas, é notório que as benesses da lei de 2012 fizeram com que o que não fosse APP ou Reserva Legal, se torna-se uma área consolidada (Figura 7).


Figura 7
Localização das Áreas Consolidadas no município de Diamantino – MT.
Autor, 2021.

Ao comparar o uso e ocupação do solo de Diamantino entre os últimos 30 anos é notório que a vegetação nativa perdeu um espaço importante para o sistema antrópico seja com o aumento da infraestrutura urbana, seja com as atividades do primeiro setor da economia (Tabela 1).

Tabela 1
Análise da diferença entre 1989 e 2019 no uso e ocupação do solo no município de Diamantino – MT

Projeto Conhecimento Cerrado e MAPBIOMA, 1989 e 2019.

Nesse aspecto a formação considerada de savânica foi a que perdeu mais espaço com uma diminuição drástica, entre 1989 e 2019, de 119.498,89 hectares. Outro aspecto a se considerar é o do aumento da água entre os anos analisados. Não obstante, esse dado, que a princípio pode ser considerado benéfico, na verdade pode ser o aumento de barramentos de cursos d’água e nascentes no município para uso direto na agropecuária.

Assim, é perceptível a mudança da paisagem no município de Diamantino – MT. Com isso, qual seria o verdadeiro conceito que as áreas de proteção devem ter. Sendo a continuação de Área de Preservação Permanente, tendo como conceito de:

manter a natureza intocável, promovendo ações que garantem a manutenção das características próprias do ambiente e as interações entre os seus componentes, como por exemplo, florestas em que o homem não pode desmatar, caçar ou fazer qualquer alteração (WATANABE. S, 1997).

Ou de uma Área de Conservação Permanente com o seguinte conceito de um:

uso sustentável da natureza, um sistema flexível ou um conjunto de diretrizes planejadas para o manejo de utilização sustentada dos recursos naturais, como por exemplo, reservas extrativistas onde comunidades locais tradicionais podem explorar os recursos naturais de forma sustentável (WATANABE. S, 1997).

A partir do momento que grande parte do espaço geográfico do Cerrado é utilizado para atividades antrópicas, faz necessário a continuação das áreas de proteção serem de preservação e não de conservação, a fim de manter um mínimo de remanescente de vegetação nativa neste domínio.

Considerações Finais

Portanto, a partir dos resultados apresentados, pode-se discutir qual é o verdadeiro grau de proteção que a delimitação das APP’s exerce sobre o ambiente. No caso de Diamantino – MT é evidente que elas não desempenham seu papel com eficiência. Todavia, é necessário pontuar que no meio rural, como no caso de Diamantino, elas podem desempenhar um papel importante, pois a união entre uma área protegida e as lavouras pode beneficiar, tanto o sistema antrópico, como o natural, dentro do mesmo ambiente. Contudo, deve ocorrer um alinhamento entre a agropecuária e o meio ambiente que balizado pela legislação vigente.

Ainda, no caso específico do Cerrado, como um todo, a paisagem predominante, é aquela típica da agropecuária, tendo como base os dados apresentados no CAR. Com isso, se pode afirmar é que a predominância é de uma paisagem antropizada pela monocultura e a pastagem para criação de gado, aspecto esse corroborado pelos instrumentos legais.

Por fim, ao analisar as APP’s de forma geral no Cerrado, e em específico no município de Diamantino, a luz do uso da legislação ambiental vigente, é notória que as falhas contidas nas normas beneficiam somente o lado político e econômico. Desse modo, essa questão caso não seja tratada com a seriedade que ela pede, pode causar um grande desequilíbrio no meio natural.

Referências

BRASIL. Lei Federal 4.771 de 15 de setembro de 1965 – Institui o Código Florestal. Brasília, 1965. Disponível em: . Acesso em: 29, out. 2021.

BRASIL. Lei Federal 12.651 de maio de 2012 - Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Brasília, 2012. Disponível em: . Acesso em: 01, jun. 2022.

BRASIL. Sistema Florestal Brasileiro. Boletim Informativo do Cadastro Técnico Federal – Estados do Brasil – Estados do Brasil. Brasília, 2021. Disponível em: . Acesso em: 29, out. 2021.

BRASIL. Sistema Florestal Brasileiro. Boletim Informativo do Cadastro Técnico Federal – Biomas do Brasil – Edição Especial - Biomas. Brasília, 2021. Disponível em: . Acesso em: 29, out. 2021.

BRASIL. Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural. Brasília, 2021. Disponível em: . Acesso em: 29, out. 2021.

FERNANDES, Ana Paula Donicht; ELESBÃO, Luiz Ernesto Grillo. Análise comparativa entre o atual Código Floresta Federal (Lei nº 4.771/1965) e o Projeto de lei nº 1.876/1999 aprovado pela comissão especial. Revista Enciclopédia Biosfera, [S./l.], v. 8, nº 15. Goiânia, 2012, p. 63 – 78. Disponível em: . Acesso em 29, out. 2021.

FILHO, Izaac Alves Martins; NEVES, Alex Jorge das; SILVA, Grabriel E.; VIEIRA, Andrea dos S. Áreas de Proteção Ambiental e a preservação do Bioma Cerrado. Revista Brasileira de Estudos de Segurança, [S./l.], v.12. Edição Especial, São Paulo, 2019, p. 10 – 19. Disponível em: . Acesso em 29, out. 2021.

GARCIA, Letícia Couto; ELLOVITCH, Mauro da Fonseca; RODRIGUES, Ricardo Ribeiro; BRANCALION, Pedro H.S. HATSUMOTO, Marcelo H; GARCIA COUTO, Fernanda; LOYOLA, Rafael; LEWINSOHN, Thomas Michael. Análise científica e jurídica das mudanças no Código Florestal, a recente Lei de Proteção da Vegetação Nativa. Rio de Janeiro: Abeco, 2016, 43 p. Disponível em: . Acesso em 27, out. 2021.

LAPIG. Projeto de Conhecimento do Cerrado. Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento. Goiânia, 2021. Disponível em: . Acesso em: 29, out. 2021.

RIBEIRO, Glaucus Vinicius Biasetto. A origem histórica do conceito de Área de Preservação Permanente no Brasil. Revista Themas, [S./l.], v. 8, nº. 01, São Paulo, 2011, p. 1 – 13. Disponível em: . Acesso em: 27, out. 2021.

WATANABE, S. (coord.). Glossário de ecologia. 2. ed. Editora ACIESP: São Paulo, 1997, 352 p.

Notas

[1] A partir desse momento ocorrerá uma abreviação do termo para APP.
João Benvindo do Amaral É Graduado em Geografia com Ênfase em Geoprocessamento pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC – MINAS) e Mestre em Geografia – Tratamento da Informação Espacial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC – MINAS). Atualmente é Doutorando no Progama de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Endereço: Avenida João Naves de Ávila, nº 2.121, Bairro Progresso, Uberlândia - MG.



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por