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A nova fronteira agrícola do Brasil: um ensaio teórico sobre a insustentabilidade na região do Matopiba
The new agricultural frontier of Brazil: a theoretical essay on unsustainability in the Matopiba region
La nueva frontera agrícola de Brasil: un ensayo teórico sobre la insostenibilidad en la región de Matopiba
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 20, núm. 01, pp. 95-119, 2022
Universidade Estadual de Montes Claros



Recepción: 15 Junio 2021

Aprobación: 05 Octubre 2021

Publicación: 01 Febrero 2022

DOI: https://doi.org/10.46551/rc24482692202205

Resumo: A sustentabilidade socioambiental é determinada pelas relações estabelecidas, numa lógica de respeito, justiça e equidade, isso contempla as práticas produtivas. Logo, em função das características agricultáveis o Matopiba, como fronteira agrícola, vem sendo disputado e as relações inerentes colocadas em xeque. O objetivo deste artigo foi reunir indícios da dinâmica agrícola na região do Matopiba e sua relação com a sustentabilidade socioambiental. Para isso, foi desenvolvida uma revisão de literatura narrativa e pesquisa documental, de caráter exploratório, com coleta de dados na plataforma SIDRA do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A monocultura, desenvolvida a partir de um pacote tecnológico robusto e a internacionalização das grandes áreas da região de Cerrado, viabiliza a produção de commodities, com destaque para a soja. Além de impactos ambientais, o modelo de desenvolvimento capitalista adotado, aumenta as desigualdades de acesso à terra e modifica a dinâmica sociocultural dos campesinos e povos tradicionais. Assim, não há indícios suficientes para confirmar a sustentabilidade socioambiental no Matopiba, isto, porque o desenvolvimento da região têm se pautado na inferiorização das classes menos favorecidas e do planeta. Portanto, o Matopiba atende aos interesses de grupos dominantes e compromissos políticos firmados, tendo por base a destruição planetária.

Palavras-chave: Agricultura, Cerrado, Uso do solo.

Abstract: Social and environmental sustainability is determined by the relationships established in a logic of respect, justice and equity, which includes production practices. Therefore, due to its agricultural characteristics, Matopiba, as an agricultural frontier, has been disputed and the inherent relations put in check. This article gathers evidence of agricultural dynamics in the Matopiba region and its relationship with socio and environmental sustainability. For this, a exploratory review of narrative literature and documentary research was developed by collecting data on the SIDRA database of the Brazilian Institute of Geography and Statistics. Monoculture, developed from a robust technological package and the internationalization of large areas of the Cerrado region, enables the production of commodities, especially soy. In addition to environmental impacts, the model of capitalist development adopted increases inequalities in access to land and modifies the sociocultural dynamics of peasants and traditional peoples. Thus, there is not enough evidence to confirm the socio and environmental sustainability in Matopiba, because the development of the region has been based on the inferiorization of the less favored classes and the planet. Therefore, Matopiba serves the interests of dominant groups and political commitments made, all based on planetary destruction.

Keywords: Agriculture, Cerrado, Land use.

Resumen: La sustentabilidad social y ambiental está determinada por las relaciones que se establecen, en una lógica de respeto, justicia y equidad, que incluye prácticas productivas. Por lo tanto, por sus características agrícolas, Matopiba, como frontera agrícola, ha sido disputada y las relaciones inherentes puestas en jaque. El objetivo de este artículo fue recopilar evidencia de la dinámica agrícola en la región de Matopiba y su relación con la sostenibilidad socioambiental. Para ello, se desarrolló una revisión de literatura narrativa e investigación documental, de carácter exploratorio, con recolección de datos en la plataforma SIDRA del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística. El monocultivo, desarrollado a partir de un paquete tecnológico robusto y la internacionalización de grandes áreas de la región del Cerrado, permite la producción de commodities, especialmente soja. Además de los impactos ambientales, el modelo de desarrollo capitalista adoptado aumenta las desigualdades en el acceso a la tierra y modifica la dinámica sociocultural de los campesinos y pueblos tradicionales. Por lo tanto, no hay evidencia suficiente para confirmar la sostenibilidad socioambiental en Matopiba, porque el desarrollo de la región se ha basado en la inferiorización de las clases menos favorecidas y del planeta. Por tanto, Matopiba sirve a los intereses de los grupos dominantes y a los compromisos políticos asumidos, basados ​​en la destrucción planetaria.

Palabras clave: Agricultura, Cerrado, Uso del suelo.

Introdução

O Brasil pela sua extensão territorial, imensa biodiversidade e riqueza cultural, representa um país de inúmeras possibilidades produtivas e de desenvolvimento. Entretanto, o que tem se verificado nas últimas décadas é que apesar de toda tecnologia e desenvolvimento científico alcançado até aqui, o modus operandi resistindo em grande parte da sociedade capitalista compreende que a natureza está a serviço do ser humano.

Em consequência disso, o ritmo dos desequilíbrios e impactos ambientais atua direta e indiretamente sobre as dinâmicas da sociedade planetária. No que lhe concerne, o modelo de crescimento econômico adotado pelo Brasil pauta-se na mercantilização do meio ambiente e desconsidera, na maioria das vezes, a capacidade de regeneração dos ecossistemas, colocando o acúmulo de capital acima de qualquer forma de vida.

Neste contexto, tal concepção se associa a disseminação da agricultura no país, que apesar de possuir papel importante na produção de insumos, bens e serviços, também abrange a ocupação de áreas de terras agricultáveis, em locais estratégicos. Em maio de 2015, o Governo Federal divulgou por meio do Decreto nº 8.447o Plano de Desenvolvimento Agropecuário (PDA) do Matopiba, visando o crescimento econômico e sustentável da agricultura e pecuária nessa região. O Matopiba é uma região formada por áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

A região que já era alvo de especulações pelas suas características físicas e climáticas, com este decreto, é legitimada como território de investimentos em terras e monocultura. Entretanto, há anos, os reflexos da ocupação da região, eram agudamente percebidos, tanto pela transformação do uso do solo, quanto pelos impactos socioeconômicos causados pela exploração do território (PORCIONATO; CASTRO; PEREIRA, 2018).

Contudo, no ano de 2020 o decreto supracitado foi revogado e perdeu seu efeito legal. Esta decisão, do ponto de vista político, oferta a falsa impressão do adiamento do processo de desenvolvimento agrícola para o Matopiba. A degradação e as dinâmicas conflitivas na região mantêm-se antes, no decorrer e após sua existência institucional (CARTA PÚBLICA EM DEFESA DE DIREITOS TERRITORIAIS DAS COMUNIDADES DO CERRADO, 2021). Desta forma o foco deste artigo é a região do Matopiba e sua relação com a sustentabilidade socioambiental.

Dentro desta compreensão, a região do Matopiba, no sistema agrícola da monocultura, enquadra-se, portanto, em uma dinâmica territorial, permeada por contradições importantes, pois, se por um lado tende a proporcionar a produção de alimentos em grande escala, por outro, evidencia impactos socioambientais irreversíveis, que afetam a população local, global (LOBO, 2019; FAVARETO et al., 2019), o meio ambiente e as relações, transformando as formas de viver e produzir nesta região.

Tais aspectos, somados a devastação ocasionada, direcionam para a necessidade de buscar aparatos teóricos que permitam incorporar os desdobramentos da crise multidimensional da agricultura na região. Embora existam estudos com enfoque neste território específico, ainda são escassos os ensaios teóricos desenvolvidos nas condições de aglutinar informações e dados, que apontem pormenores acerca da sustentabilidade socioambiental no Matopiba. Portanto, o objetivo deste artigo foi reunir indícios da dinâmica agrícola na região do Matopiba e sua relação com a sustentabilidade socioambiental.

Com base nisso, o presente artigo está organizado em quatro seções, além desta introdução. A metodologia constitui a segunda seção, onde pormenorizamos as técnicas empregues na presente pesquisa. Logo depois, na terceira seção, apresentamos e discutimos os indícios encontrados. Na seção de considerações finais, descrevemos os principais achados, limitações do estudo e sugestões para futuras pesquisas.

Encaminhamento metodológico

Esta pesquisa se constitui num ensaio teórico acerca da aglutinação de indícios de insustentabilidade, na região do Matopiba. Desta forma, é definida como uma abordagem exploratória e interdisciplinar, construída a partir da revisão de literatura narrativa e pesquisa documental. Cabe ressaltar que nesta categoria de revisão de literatura, a seleção e a interpretação dos estudos ficam a critério do pesquisador (ROTHER, 2007).

Neste contexto e em função da relevância da região do Matopiba para o Brasil e da possível influência das práticas agrícolas da monocultura para a degradação ambiental, o presente estudo foi desenvolvido a partir da coleta de dados e informações disponíveis em relatórios oficiais, documentos e artigos científicos.

Para a coleta dos materiais foram consultadas duas bases de dados nacionais online, a citar: i) Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; e ii) Google Scholar. A pesquisa dos documentos norteadores foi realizada a partir de três palavras-chave, agrupadas entre si e pertinentes a temática em questão, são elas: Matopiba; Degradação ambiental; Desenvolvimento. Foram considerados estudos publicados a partir de 2014, com informações completas e relevantes para a área.

Os materiais de interesse, foram previamente arquivados, conforme o objetivo do artigo. Por conseguinte, a partir de uma leitura minuciosa, realizou-se o fichamento crítico dos materiais selecionados. Cada material foi analisado de forma individual.

Também foi utilizada a plataforma SIDRA de Produção Agrícola Municipal (PAM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a coleta de dados, a qual consistiu na sistematização da quantidade produzida das principais culturas anuais, no período de 1980-2019 e 1990-2019. Este recorte temporal se justifica pela indispensabilidade de estimar as produções agrícolas, estabelecidas após a intensificação da exploração das terras pelo agronegócio, na década de 1980, época em que se institui práticas da agricultura moderna na região. A organização dos dados quantitativos foi realizada a partir do software Microsoft Office Excel.

Resultados e discussão

A região pertencente à nova fronteira agrícola do país é formada por vasta área territorial, muito atrativa e disputada pelos interesses de capital (inter)nacional. Por este motivo, se constitui alvo de inúmeras discussões políticas, socioeconômicas e territoriais.

De forma geral, o acrônimo denominado Matopiba possui uma área de 73.848.967 milhões de hectares, abrange 31 microrregiões geográficas, 336 municípios em quatro estados brasileiros, a citar: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (MIRANDA; MAGALHÃES; CARVALHO, 2014). Sua delimitação territorial pode ser visualizada na Figura 1.


Figura 1
Mapa da delimitação territorial da região do Matopiba, Brasil
elaborado pelas autoras, com base em Mapbiomas, 2021.

O estado do Tocantins é o único contemplado em sua totalidade pela região do Matopiba. Nos estados do Maranhão, Piauí e Bahia, apenas algumas zonas específicas são integradas a esta circunscrição. A expansão agrícola neste território, pauta-se especialmente no desenvolvimento da agricultura de alta produtividade, sobre áreas de Cerrado, bioma predominante em 91% da área. O restante é constituído pelo bioma Amazônico e Caatinga, com 7,3% e 1,7%, respectivamente (MIRANDA; MAGALHÃES; CARVALHO, 2014).

Por este motivo, nos últimos anos, diversos movimentos sociais têm se unido em defesa do bioma, em função da degradação ambiental na região. Houve, na verdade, de forma célere, a transformação do uso do solo, das espécies cultivadas e da dinâmica de agricultura antes praticada. A agricultura e as áreas de pastagem para a pecuária ganhou espaço, em uma velocidade sem precedentes, que inseriu o bioma Cerrado em processo de aniquilação. A assolação das áreas naturais para o desenvolvimento de atividades econômicas de produtividade ao menos consideram o papel de resiliência e as funções do bioma para o planeta.

Como é sabido, o Cerrado tem papel relevante para o Planeta Terra, visto que funciona como um importante reservatório hídrico; além disso, possui uma ampla biodiversidade. Estas referências o tornam um bioma com características únicas, no continente sul-americano. Além disso, ele atua integrado a outros subsistemas e forma junto ao bioma Amazônico uma unidade dinâmica (CARNEIRO FILHO; COSTA, 2016).

De forma geral, a historicidade do Cerrado deu-se em torno de sua diversidade ambiental e bens naturais. Hoje, o Matopiba, como programa de desenvolvimento, representa uma das maiores ameaças à biodiversidade desse bioma e a vida das pessoas que ali vivem.

Em função disso, o conceito de desenvolvimento socioambiental, é colocado em pauta, já que os impactos socioambientais destrutivos, causados pela agricultura industrial tendem a se impor contra a sustentabilidade social, ambiental, cultural e tantas outras. Apoiamo-nos, portanto, no conceito de desenvolvimento socioambiental, como aquele que se volta à própria civilização no ambiente planetário; na luta pelo não esgotamento dos recursos naturais, pela redução da fome, da pobreza, das desigualdades sociais, políticas, econômicas, raciais, de gênero e outras mais, fundamentais à manutenção da vida.

É verdade, que este entendimento é quase que totalmente contrário as externalidades identificadas no Matopiba. Recentemente, evidenciou-se que a intensa exploração desta nova delimitação causou a destruição em mais de 50% do bioma original do Cerrado, restando apenas pontos de vegetação em unidades de conservação. As paisagens naturais e as dinâmicas intrínsecas à natureza, foram transformadas, em decorrência da mineração, da agricultura e pecuária (BOAVENTURA; SILVA, 2021).

Para contextualizar esses apontamentos, pesquisas desenvolvidas por Zalles et al. (2019) comprovam que a área de Cerrado substituída pela monocultura de grãos, entre 2000 e 2014, é duas vezes maior do que a área desmatada na floresta Amazônica, para o mesmo período analisado. Não significa que todos os impactos ambientais causados ao Cerrado são advindos apenas e somente das atividades agrícolas na região do Matopiba, mas que elas têm grande participação nisso.

De certa forma, o agronegócio e os latifúndios ainda colaboram com o enfraquecimento das práticas agrícolas sustentáveis, de base familiar, no Matopiba. O acúmulo de capital, perpassa, portanto, as ações de proveito da matéria prima e dos recursos naturais, e, desenvolve-se na exploração da cultura local, da vida humana.

Justamente, nesse contexto, a expansão agrícola e pecuária no Cerrado, especialmente, nos últimos 40 anos causou a degradação do bioma, numa perspectiva de produção capitalista, onde o lucro ultrapassa qualquer dimensão socioambiental (PITA; VEGA, 2017). Diante disso, o contexto torna-se preocupante, pois, ano a ano se verificam os efeitos assolantes da agricultura e, apesar disso, pouco se faz em prol da preservação dos biomas envolvidos. Neste sentido, a Figura 2 é didática, quanto a expansão territorial proporcionada pelas práticas de agricultura nos estados que compõem o Matopiba.


Figura 2
Mapa de expansão territorial da agricultura nos quatro estados do Matopiba, Brasil (1990-2019).
elaborado pelas autoras com base em Mapbiomas, 2021.

O mapa demonstra a intensificação das atividades de agricultura e formação de mosaico ou pastagens, nos estados do Matopiba. Ao longo de 29 anos, houve uma expansão de 82,53% da área territorial da agricultura nesta região. Como se verá mais adiante, a soja é uma das culturas agrícolas que apresenta maior preponderância. O aumento da produção agrícola na região foi acentuado pela modernização agrícola e, da mesma forma, contribuiu com um processo excludente, que atende aos interesses da elite e têm deixado impactos ambientais graves.

À vista disso, é de grande importância monitorar a dinâmica do uso, ocupação e gerenciamento dos recursos naturais, considerando a resiliência do meio ambiente. Ou seja, o desenvolvimento da região necessita ser coerente com a promoção da sustentabilidade humana e ambiental. Contudo, a disputa territorial e o uso indiscriminado do solo caminham articuladamente e vem refletindo na mercantilização da natureza.

Com base no uso do solo e nível de desmatamento, a perspectiva para o futuro é alarmante. Conforme Matricardi et al., (2018) a região Matopiba, até 2050, pode perder, num cenário pessimista, cerca de 15,9 milhões de hectares de vegetação nativa. Ademais, as condições ambientais e climáticas da região representam os principais fatores coadjuvantes da intensificação da agricultura e pastagens.

A exploração agrícola causada pelo cultivo de culturas comerciais, especialmente destinada à exportação, vem incorporando consequências para o Cerrado, inserindo a agricultura da região numa cadeia industrial, que altera a infraestrutura de comercialização local, as comunidades rurais e a natureza. Diante da alteração significativa da paisagem, torna-se relevante considerar outros impactos que envolvem a perda de biodiversidade, mudanças climáticas, alterações no ciclo hidrológico, uso indiscriminado de fertilizantes, erosão, assoreamento, compactação do solo e outros.

Concatenado a esta perspectiva, mais recentemente, em agosto de 2019, segundo Stefano, Lima e Mendonça (2020) um episódio marcante da degradação ambiental foi vivenciado na região — o dia do fogo. Esta ocorrência, contou com a participação de representantes de grileiros e da esfera do agronegócio, os quais em conjunto atearam fogo em áreas de Cerrado e Amazônia e, entre os municípios mais afetados encontram-se aqueles pertencentes ao Matopiba.

Como se nota, a formação da fronteira vai muito além da disputa pelo solo ou do uso inadequado dos recursos naturais. Tende, a se estabelecer sob uma concepção de domínio territorial, humano e ambiental, onde a amplificação da agricultura para o aumento da capacidade produtiva é entendida como sinônimo de desenvolvimento e progresso.

Diante da insustentabilidade, o quadro, portanto, é de especulação sobre como minimizar os impactos socioambientais que vem sendo acelerados em função da agricultura e pecuária na região. Neste sentido, observa-se o mascaramento da realidade da região como área desocupada e discute-se a ideia de uma corrida, ainda em curso, pela conquista desta área. Junto a isso, há o posicionamento do poder público que tem, genericamente, admitido o Matopiba como espaço não passível de apropriação camponesa; reconhecendo-o como território produtivo extensivo, marcado pela incorporação de técnicas agrícolas modernas (PITTA; BOECHAT; MENDONÇA, 2017; PEREIRA, 2020).

Isto posto, compreende-se, que esta região é um território político, colocado indiretamente à utilidade agrícola enganadora, como espaço de exploração socioambiental, que se alia à expropriação, tensões e conflitos. Acerca do caráter predatório e capitalista na dinâmica no Matopiba, descreve-se:

[…] a produção em termos de commodities brutas como soja, algodão e milho está atrelada a escala interplanetária do capitalismo, que tal como se configura, evidencia a busca incessante do lucro. A escala macro de produção e o valor troca são partes da lógica da acumulação capital. Por um lado, não interessa ao capital que é representado pelos grandes proprietários rurais, pelos grupos econômicos, pelo capital estrangeiro e pelos fundos de pensão envolver-se em negócio de pequena escala na medida em que não favorecem o processo de acumulação; de outro, esse modelo de acumulação do capital no campo não traduz ou se reverte em desenvolvimento social porque é concentrador de terras, renda e riqueza (MONDARDO; AZEVEDO, 2019, p. 303, grifo nosso).

Deve-se considerar, neste contexto, não apenas o desenvolvimento da agricultura moderna e a modificação do espaço, mas a abundância ainda existente nos Biomas que compõem essa região e quais os devidos cuidados que estão sendo adotados durante sua apropriação. A região do Matopiba precisa urgentemente de um rearranjo capaz de frear essa tendência destruidora e desmedida sobre o planeta[1].

Não obstante, nota-se que o desenvolvimento constante das cadeias produtivas nessa região é uma realidade, a qual tem se alicerçado na abundância do crescimento econômico, nada, além disso. Conforme dados obtidos na plataforma de PAM/IBGE observa-se exponencialmente o crescimento da produção de culturas de importância econômica no Matopiba, ao longo de 39 anos, com destaque especialmente para as três últimas décadas, conforme a Figura 3.



Figura 3

Gráfico de evolução da produção de algodão, milho e soja na região do Matopiba, Brasil.

Elaborado pelas autoras, com base nos dados do PAM/IBGE, 2021.

Certamente, isso não se refere apenas a expansão da área plantada, mas também a utilização de tecnologias que levaram a apropriação de recursos naturais da região, para o aumento da produtividade. O crescimento total da produção das três culturas, entre 1980 e 2019, foi de cerca de 6.706,69%.

Além desse crescimento avantajado na produtividade, as ações agrícolas implementadas contribuem com o desemprego no campo e com o êxodo rural, facilitando o uso do solo do Matopiba para fins agrícolas. O governo brasileiro, através de políticas e programas de incentivo, como o PDA, por exemplo, têm participação nisso e, pelo mesmo motivo, têm o papel de buscar reverter a situação em que a região foi submetida.

Nesse sentido, as práticas produtivas da agricultura moderna na região, podem ser facilmente percebidas pela expansão da área plantada. Um aspecto interessante é que no início da década de 1990, a região do Matopiba em área plantada de soja, milho e algodão era responsável por apenas 8% do total plantado no Brasil. Em 2019, essas culturas já representavam 11,48% da área plantada no país. Esses indícios apontam que dinâmica de plantio e uso do solo na região pela agricultura foi fortemente concentrada, especialmente em produção de commodities.

Sem dúvida, outro dado importante é o crescimento de 215,14% entre 1990-2019 da área plantada com essas três principais culturas, na região do Matopiba. Houve um salto de 2.016.451 milhões de hectares, para 6.354.670 milhões na região em questão. Quando se refere à área plantada no Matopiba, a soja também ganha local de destaque, em que a área plantada aumentou 939,5% no período, atingindo 4.230.765 milhões de hectares em 2019. O destaque é que a expansão da área de soja tem se concentrado principalmente no estado da Bahia, de 1990 a 2019 a área plantada aumentou de 360.015 para 1.581.842 milhões de hectares, isto representa um crescimento de cerca de 339,3%, somente neste estado. Entretanto, o cultivo de soja também tem se deslocado para os estados do Maranhão, Tocantins e Piauí, com um aumento percentual considerável na área plantada, para o mesmo período.

Com relação ao aumento da área plantada de algodão, observa-se que de 207.226 mil hectares em 1990, ela passou para 377.891 no ano de 2019, um crescimento percentual de 82,3% para os quatro estados que compõe o Matopiba. O destaque, neste caso, também é do estado da Bahia, no qual se percebe um crescimento de 85,9% na área plantada. Por sua vez, no estado do Piauí, para o mesmo período, notou-se diminuição de 16,5% na área plantada com algodão. Isso, indica, portanto, que a expansão da área de algodão vem acontecendo, nos últimos 29 anos, principalmente nos estados de Bahia, Maranhão e Tocantins, marginalizando o estado do Piauí do mapa da produção dessa cultura.

A expansão da área de plantio da milhocultura na região do Matopiba teve um crescimento de 24,5% no período de 1990 a 2019. Mais uma vez, o estado da Bahia se destaca, especialmente a partir de 2000, no aumento expressivo da área. Para o período de 1990 a 2019, houve um aumento de 45,7% na área planada de milho no estado da Bahia. Entretanto, no estado do Maranhão observou-se queda de 14,6% na área para plantio da mesma cultura. Na Figura 4, apresentam-se os gráficos de expansão da área plantada de algodão, milho e soja para os quatro estados brasileiros que compõem o Matopiba, no período de 1990 a 2019.


Figura 4
Gráficos de expansão da área plantada de algodão, milho e soja nos quatro estados do Matopiba, Brasil
Elaborado pelas autoras, com base nos dados do PAM/IBGE, 2021.

Considerando a Figura 4, verifica-se que embora a expansão da área plantada das culturas seja distribuída em todos os estados, a Bahia tem se destacado na expansão da área para as três culturas. Com base nisso, o estado da Bahia pode ser considerado o polo da agricultura de commodities, em que houve maior expansão de área, em tamanho, quando comparada aos outros três estados.

Nesse sentido, percebe-se que o aumento da área plantada, não corresponde as características de autoconsumo, a qual geralmente contempla pequenas áreas cultivadas. Assim, em termos de agricultura, o movimento atual no Matopiba vem sendo transformado recentemente, a partir da produção intensiva, em larga escala e da reversão das paisagens naturais em grandes campos de plantio.

Entretanto, a expansão das áreas na região é fruto de estratégias políticas para o crescimento das exportações. Importa expressar que a crise econômica de 2008 causou alterações no perfil do agronegócio no Brasil, gerando um novo movimento da produção de commodities. O momento exigia o aumento expressivo do capital financeiro e para isso ser possível não bastava apenas o incremento da produtividade, mas a expansão da área plantada. Esta circunstância colaborou com a ocupação significativa das chapadas do Matopiba, por inúmeras transnacionais produtoras de commodities (PITTA; BOECHAT; MENDONÇA, 2017).

Se antes disso a expansão das áreas já apresentava crescimento exponencial, a partir desse momento, estabeleceu-se uma agressiva e insustentável forma de produzir. Logo, os gargalos se expressaram, além de tudo, na concentração de renda e no fortalecimento da agricultura industrial.

Como efeito desse processo, a deflagração inicial da região ocorreu nos moldes do capitalismo transacional, na perspectiva de atender, especificamente, demandas exigidas pelo capital estrangeiro e nacional. O poder público, pelas tratativas firmadas, não mediu esforços para a formalização do Matopiba, como a nova fronteira agrícola e passou a subsidiar financeiramente o desenvolvimento da infraestrutura, urbanização e garantia no nível da precificação, favorecendo a exportação de bens primários e fortalecendo grandes proprietários fundiários (XAVIER, 2019).

O reconhecimento legal do Matopiba passou a legitimá-lo como espaço de exploração. Com a abertura desta porta de entrada, toda sua abundância tornou-se alvo de especulação internacional. Isto se confirma com os dados apresentados pelo Relatório publicado em 2018, pela FIAN International, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e Comissão Pastoral da Terra. Este documento aponta o financiamento para a expansão agrícola do Matopiba por grandes potências mundiais, a citar: EUA e Europa. Assim, inegavelmente, interpreta-se esse apoio como indicativo de exploração de terras, destruição de recursos naturais e desapropriação de povos locais.

Destarte, os países interessados na produção de commodities em terras brasileiras, com valiosas características férteis e agricultáveis, em vista disso, deslocaram olhares para o Matopiba, tornando-o um ativo estratégico. Apesar deste fato não ser recente, muitas empresas internacionais têm investido fortemente em grandes propriedades no país e utilizando, portanto, de forma massiva essas terras e os recursos naturais brasileiros, para a obtenção de lucro.

Esta afirmação é coerente, também, às informações apresentadas pelo Relatório DataLuta Brasil, publicado em 2020. Tal documento confirma que inúmeras empresas internacionais[2]estão atuando na região do Matopiba, operando tanto na produção de commodities, como na pecuária e compra de terras (DATA LUTA, 2020).

Neste caso, o que se percebe é uma oligopolização de terras para empresas multinacionais, numa lógica de estabelecimento de relações internacionais, onde apenas os acordos políticos estratégicos são colocados em pauta. O meio ambiente, as comunidades que ali vivem, sua qualidade de vida, aspectos sociais ou ambientais, deslocam-se como segundo plano. As características deste fenômeno se concentram no capital financeiro, onde os rendimentos são a regra central e a comunidade planetária apenas uma multiplicidade insignificante.

A agricultura no Matopiba está se desenvolvendo a qualquer custo, neste sentido, além da busca incessante pelo aproveitamento excessivo do solo e da água, há que se considerar os impactos ambientais, a violência e a exclusão das comunidades tradicionais da região. Voltam-se, portanto, os olhares para os mais de cinquenta grupos indígenas que ali vivem, quilombolas, vazanteiros, sertanejos, extrativistas, agricultores familiares e outros, que em sua maioria, fazem o uso sustentável dos recursos da região e não têm seus direitos garantidos pelo poder público. Esses grupos devem, portanto, ser compreendidos como agentes sociais desse território, em que sua estrutura de agricultura ou subsistência corresponde ao sentimento de pertença deles ao território (FIAN INTERNATIONAL, 2018; ALENCAR; CARDOSO JÚNIOR; LUNAS, 2019).

Ora, esta nova reorganização do território no Matopiba, no jogo de interesses, tem envolvido e impactado, indiretamente milhares de pessoas, num contexto local e global. Aqueles que estão se apropriado indistintamente da região, além de oprimir a cultura de diversos povos tradicionais, tendem a seguir enterrando as relações sociais e humanas que fazem parte de sua constituição.

Diante disso, enfatizamos que temporalmente, o processo de apropriação do território agricultável causou o aumento das desigualdades sociais e a negligência de direitos humanos essenciais à vida, como a água, por exemplo. Sem dúvida, a nova fronteira agrícola atua como um sistema compressor, que opera em regime de expulsão, desconstrução e erradicação das comunidades que viviam na região e detêm diferentes modos de vida, costumes. Se por um lado anuncia-se o crescimento econômico, em posse de latifundiários e multinacionais que atuam no Matopiba, por outro ainda se verifica a fome, a pobreza e a diminuição do acesso à água para grande parte da população da região (MONDARDO; AZEVEDO, 2019; LOPES, LIMA; REIS, 2021).

Como a apropriação do Matopiba se refere principalmente a exploração dos recursos naturais, ainda cabe discutir a dinâmica da água no modelo de agricultura desenvolvido nesta região. Nesta conjuntura, uma das características mais marcantes do Matopiba é, pois, o fato desta região abranger três importantes bacias hidrográficas, sendo: Bacia do Rio Tocantins, Bacia do Atlântico, ao norte/nordeste, e Bacia do Rio São Francisco, presentes em 43%, 40% e 17% do território, respectivamente. Tais bacias, abrigam os principais rios da região, como: Araguaia, Tocantins, São Francisco, Parnaíba e outros, fundamentais ao sustento de inúmeras famílias (MAGALHÃES; MIRANDA, 2014), agricultores familiares e povos tradicionais. Os rios além de ofertar água para a sobrevivência de inúmeras famílias, certamente constituem fonte de renda para muitas delas, por este motivo, seu gerenciamento é tão importante.

Como é sabido, a agricultura é um dos setores produtivos que utiliza excesso de água. No Matopiba, os detentores do poder encontram os elementos essenciais para a agricultura industrial: terras férteis, planícies, grande disponibilidade de água e clima favorável, tornando ainda mais propensa a vulnerabilidade ambiental na região.

Sem pormenorizar, as práticas de monocultura na região operam com maquinários pesados e invasivos, ambientalmente falando, como: tratores, plantadeiras, colheitadeiras, pivôs para irrigação e outros, por exemplo. Além do emprego dessas tecnologias, as práticas agrícolas consistem no uso excessivo de agrotóxicos, insumos e fertilizantes químicos, que vem colaborando com a devastação dos recursos hídricos, solo e ar (PITA; VEGA, 2017).

Os resíduos gerados pelas atividades agrícolas causam impactos desmedidos, que afetam a natureza, a saúde pública e do planeta todo. A implementação do projeto Matopiba fez com que aumentasse a insustentabilidade socioambiental, favorecendo

[…] um processo sistemático de violação de direitos humanos com a desterritorialização de comunidades, desaparecimentos dos mananciais, poluição das fontes de água pelo uso abusivo de agrotóxicos nos monocultivos, degradação e poluição do solo, extinção de árvores e frutos nativos importantes na cultura alimentar da região – como pequi, buriti, bacuri e bacaba -, agravando o quadro de insegurança alimentar das comunidades (CARTA ABERTA - CAMPANHA NACIONAL EM DEFESA DO CERRADO, 2016, p. 1).

Não compete apenas apontar o uso indiscriminado dos produtos químicos na agricultura, pois, isso já é uma realidade descontrolada no país. Mas, é relevante, sobretudo, evidenciar a importância da gestão correta do uso do solo e dos demais recursos naturais.

Convém destacar que a dimensão agropecuária se relaciona com a qualidade da água do planeta, onde o solo atua na filtragem de poluentes, desenvolvendo papel relevante na proteção de águas subterrâneas e superficiais. Em vista de tais fatores, a fiscalização rígida e recorrente do uso de produtos químicos, torna-se essencial para a proteção hídrica, saúde humana e ambiental (SPADOTTO; MINGOTI, 2017).

Além de causar possíveis danos à saúde humana pela intoxicação, os produtos químicos podem causar insegurança alimentar, em função dos seus resíduos nos alimentos. Ademais, percebe-se que no Matopiba, a agricultura causa um sistema inter-relacionado de impactos socioambientais. Desta forma, outro fator que precisa ser considerado é a expansão do cultivo de grãos no Matopiba, sobre aquíferos de grandes proporções, os quais são caracterizados como fontes importantes para o equilíbrio hídrico no Brasil e do planeta, visto que tudo é interdependente.

Percebe-se, assim, que as práticas de irrigação, a destruição da vegetação nativa, o uso e a compactação dos solos afetam a recarga dos aquíferos existentes na região e a própria disponibilidade de água. Ademais, nas áreas agrícolas, a infiltração torna-se menor do que em regiões nativas, cujas práticas modernas favorecem a erosão, perda de matéria orgânica e a redução da qualidade do solo (SALOMON, 2020).

O rápido crescimento da agricultura pode ser compreendido como expressão significativa que se opõe à sustentabilidade e influência constantemente as populações locais. Em linhas gerais,

O uso de agrotóxicos pelas empresas do agronegócio também causa graves impactos socioambientais. Os agrotóxicos são muitas vezes despejados de aviões, o que contamina os rios e o lençol freático, mata peixes e roças das populações rurais, além da contaminação de alimentos e do aumento da incidência de doenças como câncer. O uso de insumos químicos nas fazendas do agronegócio gera desequilíbrio ambiental e aumenta a quantidade de insetos nas roças das comunidades próximas, devastando e inviabilizando sua produção de alimentos. O desmatamento das chapadas no Cerrado extingue a fauna local e a possibilidade da caça para alimentação das populações rurais (PITTA; MENDONÇA, 2017, p. 59-60).

Tendo em vista a diversidade e dimensão dos impactos causados pela expansão da agricultura na região, muitos desses agricultores familiares, quilombolas, indígenas e outros são colocados em situação de vulnerabilidade socioambiental.

Observa-se, ainda, indícios de que a formação dos proeminentes desertos verdes, no Matopiba, vem sendo realizada em terras públicas. Geralmente, as grandes fazendas ocupam áreas indígenas, quilombolas e de pequenos agricultores, a partir da grilagem de documentos e expropriação dessas pessoas. Essa expulsão, na maioria das vezes, converte-se em fome e pobreza; isto tem obrigado as pessoas a se submeterem a péssimas condições de trabalho nas fazendas (PITTA; BOECHAT; MENDONÇA, 2017), causando uma corrente de subalternidade ao modelo capitalista.

Em face disso, é pertinente a resistência dos campesinos e povos tradicionais ao processo do capital, a partir dos movimentos sociais. Como premissa, torna-se fundamental estabelecer uma luta coletiva contra os moldes da exploração do Matopiba, que paradoxalmente abre caminhos cada vez maiores para as desigualdades sociais e territoriais no Brasil.

Entretanto, na dimensão concreta da práxis agrícola no Matopiba, o cenário atual evidencia uma discrepância na distribuição de renda e terras. A dinâmica econômica na região não está conseguindo causar um padrão homogêneo de sustentabilidade socioambiental a este território. Se por um lado, em municípios específicos verifica-se a pujança na produção de commodities e o enriquecimento de empresas estrangeiras, em outra face, nota-se discrepância nos padrões de qualidade vida, onde a pobreza e as desigualdades sociais são maiores que a riqueza e o bem-estar (FIAN INTERNATIONAL, 2018).

Defendemos, a construção de uma sociedade sustentável, equitativa, coletiva, justa e ética. O processo de expansão agrícola do Matopiba apenas será significativo se houver o respeito pela vida, pela cultura, pelo meio ambiente, pelo todo. A inclusão, união e valorização do sujeito humano, portanto, estão intrinsecamente ligadas ao processo de sustentabilidade socioambiental. Embora se almeje a liberdade e a justiça a-capitalista, a região do Matopiba tem se diluído em princípios opostos a essa ideia.

Sob este enfoque, além dos grandes impactos na dinâmica de vida da população, a expansão agrícola na região aumentou consideravelmente o número de confrontos por terra. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (2020) conflitos causados pela disputa de terras no Matopiba cresceram 1.988%, de 2000 a 2019. A luta por terras agricultáveis é hegemônica na região e acontece, essencialmente, num contexto de medo e insegurança constante.

Assim, as lutas camponesas eclodem em função de sua própria sobrevivência, a qual depende dos cultivos diversificados nas terras do Matopiba. Por isso, é pertinente defender a história, a família e seu modo de vida — a identidade de cada grupo. Outrossim, a luta dos capitalistas produtores pelo domínio do espaço, parece consistir no anseio de ver os camponeses desapropriados e subordinados a eles. A lógica da agropecuária, tende a compreender o modelo de produção dos camponeses como incompatível ao acúmulo capitalista, por isso, precisa ser substituída.

Essa noção meramente capitalista tem sido incorporada em conflitos por outros recursos naturais no Matopiba. Além da terra, tratada como ativo financeiro, há inúmeras disputas por água, especialmente onde existem nascentes e cabeceiras. Esse tipo de conflito tem crescido concomitantemente à expansão das grandes empresas, na região. Outrossim, ameaças, mortes e ações de cangaceiros passam a travar uma nova batalha com as comunidades tradicionais, no entanto, esta que se refere à defesa da própria vida (FIAN INTERNATIONAL, 2018; FELICIANO; ROCHA, 2019).

A partir da reflexão elaborada até aqui e quando se considera a dimensão dos impactos sociais, ambientais, humanos e outros, gerados pela nova fronteira agrícola brasileira, percebe-se que ela representa, primeiro, um território de disputa, que permeia entre a vida e o capital.

A necessidade permanece, portanto, no sentido de emergir indícios sobre a insustentabilidade socioambiental no Matopiba, cuja muitas vezes é mascarada com o discurso incompleto de geração de renda e emprego, para as populações do campo. Não se pretende negar a região em toda sua dimensão, pelo contrário, a ideia é e esclarecer os entraves que tem o tornado um território insustentável.

Assim, é urgente e necessário superar discursos unicamente otimistas, que colocam em xeque a mobilização em defesa da vida, da fraternidade e sustentabilidade no Matopiba (BOAVENTURA; SILVA, 2021). Tais circunstâncias, colocam o futuro de todos em dependência de uma nova irracionalidade produtiva e de acumulação de capital, que desconsidera qualquer forma de vida ou vivência.

Considerações finais

Neste artigo reunimos alguns indícios acerca da dinâmica agrícola na região do Matopiba e sua relação com a sustentabilidade socioambiental. Esta última, enquanto multifacetada, pode ser compreendida como um sistema de inter-relações humanas, ambientais e outras, numa escala que considera o todo e pretende a convivência harmônica.

Ao longo deste artigo, descobrimos que em todos os estados do Matopiba houve expansão considerável da agricultura. Este fato se confirma tanto pelo aumento da área plantada e nível de produtividade, quanto pela utilização de um pacote tecnológico, que viabiliza o cultivo de commodities, principalmente de soja, nas circunstâncias locais.

Essas constatações se estendem ao próprio histórico de expansão do uso do solo no Matopiba para fins de agricultura e pecuária, que ocorre em torno do avanço em áreas nativas do Cerrado e no aumento das desigualdades de acesso à terra. Somado a isso, a internacionalização das áreas produtivas tem causado impactos sobre a dinâmica do rural, dos povos tradicionais e campesinos.

Neste contexto, percebe-se que o modelo de sustentabilidade socioambiental no Matopiba está ancorado na monopolização dos recursos naturais da região, tratados com descaso pela elite dos commodities. Ou seja, os efeitos de melhoria de qualidade de vida e acúmulo de bens, a partir da nova fronteira agrícola ocorrem exclusivamente aos agricultores industriais, com tímidos impactos do desenvolvimento territorial.

Este estudo, portanto, indica que não há indícios suficientes para confirmar a sustentabilidade socioambiental no Matopiba, visto que a lógica do desenvolvimento na região têm ocorrido numa prática insustentável do regime capitalista, de expulsão, exclusão e inferiorização[3] das classes desfavorecidas no âmbito rural. Nossos resultados apontam que o Matopiba é iniciativa de cunho político, onde a sustentabilidade socioambiental se condiciona aos interesses de diferentes grupos e compromissos firmados entre classes dominantes. Como parte disso, a insustentabilidade verificada, está mais para uma marginalização sociocultural, implantada no âmago da destruição planetária, onde a sustentabilidade tende a ser postergada, deixada para depois e, talvez o depois seja irreversível.

Mesmo diante dessa situação perceptível, constatamos algumas limitações. Embora nossos achados estejam apoiados em dados oficiais, a amostragem de documentos reunidos não representa a totalidade dos indícios sobre a questão em estudo. Desta forma, sugere-se que estudos futuros incluam o acompanhamento de dados do Matopiba, para avaliar evidências de sustentabilidade socioambiental numa escala municipal e de que modo isso se relaciona com a melhoria da qualidade de vida da população.

Agradecimentos

Agradecemos a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), a CAPES -Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e o CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo financiamento por meio da bolsa concedida. As autoras agradecem aos revisores deste artigo, pelas críticas e valiosas sugestões.

Referências

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Notas

[1] O termo planeta, utilizado aqui, refere-se, pois à compreensão de que ele é uno e comum a todos os seus habitantes. A falta de compreensão sobre a interdependência global tem nos conduzido a pensar que os impactos locais são apenas locais, e não são.
[2] Para ver a lista completa das empresas de capital estrangeiro no Matopiba, acesse o relatório Data Luta Brasil, no link a seguir: .
[3] Ato ou efeito de inferiorizar algo, alguém ou a si mesmo; de reduzir o valor, fazer pouco de; diminuição, rebaixamento, desvalorização: inferiorização do trabalho rural, inferiorização das mulheres. Disponível em: < https://www.dicio.com.br/inferiorizacao/> . Acesso em: 25 set. 2021.
Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno É Graduada em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz (FAG), Mestra em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Atualmente é Doutoranda em Desenvolvimento Rural Sustentável pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), membro da Resilience Climate International Research Network – RIPERC.

Endereço: Rua Pernambuco, n. 1777, Centro, 85960-000, Marechal Cândido Rondon, Paraná, Brasil.

Irene Carniatto É graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Mestra em Educação em Ciências pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Doutora em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pós-doutora em Educação pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Pesquisadora e docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná no colegiado de Ciências Biológicas e no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável da mesma instituição. Coordenadora da Resilience Climate International Research Network – RIPERC e do Centro de Ensino, Pesquisas e Extensão em Proteção e Desastre da UNIOESTE.

Endereço: Rua Pernambuco, n. 1777, Centro, 85960-000, Marechal Cândido Rondon, Paraná, Brasil.



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