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Alteração da largura em canal fluvial após assoreamento induzido por corridas de lama e detritos: estudo no rio Jacareí – litoral do Paraná
Width changes in a fluvial channel after silting by mud and debris flows: study in the Jacareí river - coast of Paraná, Brazil
Cambio de ancho de canal fluvial después de sedimentación inducida por flujos rápidos: estudio en el río Jacareí - costa de Paraná, Brasil
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 20, núm. 01, pp. 23-43, 2022
Universidade Estadual de Montes Claros



Recepción: 22 Abril 2021

Aprobación: 28 Julio 2021

Publicación: 01 Enero 2022

DOI: https://doi.org/10.46551/rc2448269220220220

Resumo: A largura do canal pode ser afetada por alterações no regime hidrológico ou por intervenções antrópicas. Eventos de corridas de lama e de detritos podem resultar em assoreamento de canal, ampliando sua largura, conforme exemplificado no processo que ocorreu em 2011 no trecho de planície do rio Jacareí (Litoral do Paraná). Objetiva-se analisar as alterações na largura do canal do rio Jacareí decorrentes do assoreamento induzido por evento extremo e pelas intervenções antrópicas posteriores. Propõem-se um roteiro metodológico para mensuração comparativa da largura de canais fluviais em ambiente SIG. O rio Jacareí teve significativas alterações na largura no período analisado, dividido em trechos alargados tanto pelo intenso assoreamento como por intervenções antrópicas. No trecho alargado pelo assoreamento, constatou-se um processo de retorno a condições de equilíbrio antes de o sistema ser perturbado pelo evento de 2011. Já no trecho do canal afetado por intervenções antrópicas, as larguras se mantiveram estáveis, provavelmente em função das características da obra efetuada (abertura e desassoreamento).

Palavras-chave: Sensoriamento Remoto, Aeronave Remotamente Pilotada, Morfometria fluvial, Equilíbrio fluvial, Impactos ambientais.

Abstract: The channel width can be affected by changes in the hydrological regime or by anthropic interventions. Debris and mud flows can result in channel silting, expanding its width, as exemplified in the process on the plains of the Jacareí River in 2011 (Paraná Coast). In this paper, we analyze changes in the width of the Jacareí River channel resulting from the silting up induced by an extreme event and also by the subsequent anthropic interventions. A methodological guide is proposed for comparative measurement of the width in GIS. The Jacareí River had significant changes in width in the analyzed period, divided in two stretches. In the stretch widened by silting up, there was a process of returning to equilibrium conditions before the system was disturbed by the 2011 event. In the stretch of the channel affected by anthropic interventions, the widths remained stable, probably due to the characteristics of the work carried out (opening and de-silting).

Keywords: Remote sensing, Remotely Piloted Aircraft, Fluvial morphometry, River balance, Environmental impacts.

Resumen: El ancho del canal puede verse afectado por cambios en el régimen hidrológico o por intervenciones antrópicas. Los eventos de flujos de lodo y de detritos pueden resultar en la sedimentación del canal, ampliando su ancho, como se ejemplifica en el proceso de 2011 en el río Jacareí (Costa de Paraná). El objetivo es analizar los cambios en el ancho del río Jacareí, derivados de la sedimentación inducida por evento extremo y también por las intervenciones antrópicas posteriores al evento. Se propone una guía metodológica para comparar el ancho de los ríos en GIS. El río Jacareí tuvo importantes cambios de ancho en el período analizado, dividido en tramo afectado por la intensa sedimentación y tamo afectado por intervenciones antrópicas. En el tramo afectado por la sedimentación se encontró un proceso de retorno a las condiciones de equilibrio antes de que el sistema fuera perturbado por el evento de 2011. En el tramo afectado por intervenciones antrópicas, los anchos se mantuvieron estables, probablemente por las características de los trabajos realizados en el canal (apertura y des-sedimentación).

Palabras clave: Detección remota, Aeronaves pilotadas a distancia, Morfometría fluvial, Equilibrio fluvial, Impactos ambientales.

Introdução

O parâmetro de largura é variável básica em estudos sobre a morfometria de canais fluviais. Pode ser definido como a largura da superfície de água que recobre o canal (CRISTOFOLETTI, 1981). Tal parâmetro é extensivamente utilizado em estimativas de outros atributos do sistema fluvial, como descarga e concentração de sedimentos (ELMI; TOURIAN; SNEEUW, 2015; PEREIRA et al., 2018). Estudos na Geomorfologia Fluvial integram a variação da largura do canal em análises das mudanças da forma em planta de rios (ASSUMPÇÃO; MARÇAL, 2012; WESLEY LAUER et al., 2017). Medições da largura do canal podem ser facilmente estimadas através do Sensoriamento Remoto. A variação temporal da largura de canais normalmente está associada à dinâmica fluvial e/ou a intervenções antrópicas.

Em estudo realizado no rio Cachoeira (Antonina – PR) foi identificado que alterações na largura do canal, bem como em outras variáveis morfométricas, estavam associadas à implantação de um canal de fuga de usina hidrelétrica e a dinâmica de uso da terra (ASSIS, 2011). Estudo realizado na bacia do rio Macaé (Rio de Janeiro) associou a variação da largura do canal a obras de retificação (ASSUMPÇÃO; MARÇAL, 2012).

Cabe salientar o papel dos eventos extremos pluviométricos na dinâmica desta variável morfométrica. Além das mudanças em função do aumento de vazão e erosão de margens, tais eventos podem desencadear movimentos de massa, como deslizamentos e corridas de lama e detritos, que podem afetar a largura de canais através do assoreamento. Um exemplo foi observado em março de 2011 no rio Jacareí, região central do litoral do Paraná. Após um acumulado pluviométrico de 321mm em 24 horas, diversos escorregamentos ocorreram nas vertentes da Serra da Prata, formando corridas de detritos, assoreando parte do trecho de planície do rio Jacareí (PINTO; PASSOS; CANEPARO, 2012; SILVEIRA et al., 2014). Ainda em 2011, obras de abertura e desassoreamento foram realizadas (PARANÁ, 2011).

No entanto, apesar da literatura já apontar a possibilidade de alargamento de canais fluvial por eventos de movimentos de massa (LIMA, 2017; YANG; FANG; LIU-ZENG, 2021), ainda são necessários estudos quantitativos que melhor caracterizem como este processo impacta esta variável morfométrica, principalmente no contexto de planícies fluviais em margem serrana. Além disso, são necessários roteiros metodológicos que considerem a variação da largura ao longo de todo o canal fluvial para fins comparativos, não apenas em pontos fixos ou observando os valores máximos de largura, como em estudos encontrados na literatura (ASSIS, 2011; MONTANHER; SOUZA FILHO; MARQUES, 2014; KLEINA; SANTOS, 2017; ASSIS; BAYER, 2020).

Assim, objetiva-se analisar as alterações na largura do canal do rio Jacareí após assoreamento induzido pelos movimentos de massa de 2011. Somado a isto, pretende-se propor um roteiro metodológico para mensuração comparativa da largura de canais fluviais em ambiente de Sistema de Informações Geográficas (SIG) a partir de dados de Sensoriamento Remoto.

Procedimentos metodológicos

A área de estudo é um trecho do canal fluvial do rio Jacareí, situado na porção de planície, no setor jusante da bacia hidrográfica do rio Jacareí. Encontra-se inserido na unidade morfoescultural planície litorânea, as margens da Serra do Mar paranaense (MAACK, 1981; SANTOS et al., 2006). A direção geral do fluxo é norte-noroeste, com foz na baía de Antonina. Próximo à área de estudo encontra-se a comunidade de Floresta, no limite entre os municípios de Paranaguá e Morretes, ambos no litoral do Paraná. O ponto inicial do trecho em análise (mais a montante) apresenta 30 metros de altitude, enquanto o ponto final (mais a jusante) apresenta 7 metros de altitude. O trecho do canal analisado foi estimando em 3,67 km em 2019.


Figura 1
Localização do trecho do canal do rio Jacareí em análise
Autores, 2022.

Para atender o objetivo proposto foi necessário o desenvolvimento de um roteiro metodológico próprio para mensuração da largura média do canal. Apesar desta variável amplamente analisada em estudos temporais da forma em planta de canais fluviais, o ponto de mensuração da largura no canal apresenta diferenças. Alguns autores analisam um ponto fixo no canal (MONTANHER; SOUZA FILHO; MARQUES, 2014; ASSIS; BAYER, 2020), outros escolhem pontos de maior e menor largura observada (ASSIS, 2011), e ainda outros focam em trechos do canal que passaram por processos específicos, como intervenções antrópicas e migração lateral (ASSUMPÇÃO; MARÇAL, 2012; KLEINA; SANTOS, 2017).

Foi desenvolvido um roteiro metodológico que calcule valores de largura ao longo de todo canal fluvial analisado por meio da definição de transectos (Figura 2). Para isso, foram obtidas imagens referentes à área de estudo de diversas fontes e datas. Estas foram organizadas em uma base de dados geoespaciais (BDG) (PAZ; DAL PAI; PAULA, 2020). Todas as imagens foram georreferenciados com base em imagem orbital de 02/05/2011 registrada pelo satélite World View-1 e disponibilizada pela secretaria de urbanismo da prefeitura de Paranaguá.


Figura 2
Roteiro metodológicos desenvolvido para a pesquisa
Autores, 2022.

Para analisar a área de estudo antes do evento de 2011, foi obtida uma imagem orbital do acervo Google Earth de 18/05/2006 (GOOGLE EARTH, 2020a). Para visualizar as mudanças após o evento extremo de 2011 e intervenções antrópicas, foi obtida uma imagem orbital também do acervo Google Earth de 16/09/2012 (GOOGLE EARTH, 2020b). Já para analisar a situação próxima ao presente, foi realizado um imageamento com RPA em 06/06/2019, próximo às 12:00 pm. Foi utilizado uma RPA modelo Phantom 4 Standard. O plano de voo foi elaborado no aplicativo DJI Pilot e os dados coletados foram processados no software Agisoft Metashape 1.2.0.

Destaca-se que a primeira e terceira imagem foram registradas no período do outono, enquanto a segunda foi registrada no final do inverno. No litoral do Paraná, as precipitações são bem distribuídas ao longo do ano, com aumento no verão (38,6% do total precipitado) e diminuição nos meses de outono e inverno (23,9% e 14,1%, respectivamente) (VANHONI; MENDONÇA, 2008; GOUDARD; PAULA, 2016). Considera-se então que o regime de chuvas nas duas estações não resulta em alterações significativas na largura do canal capazes de serem detectadas na escala de mapeamento realizada.

A bacia do rio Jacareí, inserida parcialmente na Serra do Mar, é suscetível a eventos de rápido aumento da vazão em função das chuvas, principalmente em eventos extremos (COLLISCHONN; KOBIYAMA, 2019). Visando assegurar que não houve influência de tais eventos na largura do canal, foram consultados valores de precipitação acumulada diária e horária nos dois dias que antecederam o registro de cada imagem orbital em estações de monitoramento próximas. Os dados em questão foram adquiridos no Banco de Dados Meteorológicos do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), referentes as estações PARANAGUÁ (83844) e MORRETES (A873). Esta consulta é importante visto o comportamento de rápida resposta hidrológica da bacia do rio Jacareí, conforme observações de campo.

Para sustentar a ideia de não interferência do regime de chuvas na largura do canal, frente ao método empregado, também foram consultados dados de monitoramento de precipitação e nível do rio Jacareí, executado por meio de uma parceria entre empresa privada (Envex Engenharia e Consultoria) e o Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (LAGEAMB) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) sob financiamento da TCP (Terminal de Contêineres de Paranaguá).

No software QGIS 3.10.9 foi realizada a vetorização em polígono do canal fluvial nas três imagens selecionadas considerando a lâmina d’água, com escala de tela fixada em 1:2500. Foi verificada a consistência topológica para eliminar vazios (gaps), sobreposições (overlaps) e vértices inválidos. Após, foi extraída a linha central de cada canal vetorizado com a ferramenta Centerline do QGIS 3.10.9. Para esta etapa foi necessário instalar o complemento Geometric Attributes.

A partir das linhas centrais foram gerados transectos utilizando a ferramenta Transect by Distance do complemento Geometric Attributes. O campo Transect Width se refere a largura do transecto, arbitrado neste estudo em 40 metros (considerando a largura máxima do canal observado previamente). O campo Sampling Distance se refere a distância que os transectos serão gerados, sendo arbitrado neste estudo em 35 metros, ou seja, cerca de 100 transectos em cada canal vetorizado. Após, foi utilizado a ferramenta Recortar, fatiando os transectos pelo polígono dos canais vetorizados. Cada transecto recém-cortado se refere a uma medida de largura do canal fluvial do rio Jacareí.

Foram extraídos dados de estatística descritiva das larguras do canal: mínimo, máximo, média, mediana e desvio padrão. Também foi calculado o comprimento do eixo central do canal. Os valores de largura do canal foram submetidos ao teste de correlação não paramétrico Ρρ (Rô) Spearman (p < 0,05), adotado em função do conjunto de dados quantitativos não apresentarem distribuição normal, verificado pelo teste Shapiro-Wilk (p > 0,05). Por fim, foram gerados produtos cartográficos para observar a variação espacial da largura do canal. Campanhas de campo foram realizadas visando validar os resultados obtidos e a realização de registros fotográficos. Imagens multitemporais do acervo Google Earth foram consultadas para embasar a discussão dos resultados.

Resultados e discussão

A Tabela 1 apresenta o resumo das medidas de largura e comprimento obtidas para o trecho do rio Jacareí em análise. Observa-se que as medidas de largura calculadas em 2006 tiveram aumento significativo em 2012. Destaca-se que a média do canal de 2006 para 2012 ampliou em cerca de 71%, passando de 7,11 m para 12,16 m. Já em 2019, as medidas da largura do canal se assemelham as calculadas para 2006. O comprimento do canal apresentou queda entre 2006 e 2012, encurtado em aproximadamente 13%. Em 2019 o canal se apresentava cerca de 10% mais curto em comparação a 2006.

Tabela 1
Estatística descritiva das medidas de largura e comprimento do canal do rio Jacareí

Autores, 2022.

Analisando a distribuição espacial dos valores de largura do canal e sua direção de fluxo, é possível definir trechos com características distintas (FIGURA 3). O trecho montante vai do ponto inicial sentido nordeste até a mudança de direção do canal para norte-nordeste. O trecho médio vai deste ponto até mudança novamente de direção do canal para nordeste. Já o trecho jusante vai deste ponto até a ponte da rodovia BR 277.

O trecho montante foi o que apresentou menor variação de largura. Em 2006 encontravam-se larguras entre 2 e 8 metros e entre 8 e 15 metros. Em 2012 este cenário foi mantido e somente em 2019 observou aumento de larguras para entre 15 e 22 metros. O trecho médio apresentou maior variação na largura do canal. Onde em 2006 predominava larguras entre 2 e 8 metros passou para entre 15 e 34 metros em 2012. Em 2019 o trecho médio volta a apresentar predomínio de larguras entre 2 e 8 metros, semelhante ao cenário encontrado em 2006.

Similar ao que ocorreu com o trecho médio, também predominava em 2006 no trecho jusante larguras entre 2 e 8 metros. Em 2012 também foi observado neste trecho predomínio de larguras entre 15 e 34 metros. No entanto, em 2019 se observou predomínio de larguras entre 8 e 15 metros, maior do que calculado para 2006. Embora as medidas de largura do canal entre 2006 e 2019 sejam similares, o teste de correlação estatística Ρρ (Rô) Spearman indicou uma fraca correlação positiva (0,202 - p < 0,05) (Tabela 2). A correlação dos valores de largura entre 2006 e 2012 apresentou correlação positiva muito fraca (0,106 - p < 0,05). Já entre 2006 e 2019 foi observada uma fraca correlação negativa entre as larguras calculadas.


Figura 3
Comparação entre as larguras do canal do rio Jacareí em 2006, 2012 e 2019
Autores, 2022.

Tabela 2
Resultado do teste de correlação estatística Ρρ (Rô) Spearman em todo o canal do rio Jacareí

Autores, 2022.

Considerando a correlação por trecho do canal do rio Jacareí (Tabela 3), observa-se um resultado interessante. As medidas de largura entre 2006 e 2019 no trecho médio apresentaram correlação moderada positiva. Este resultado pode estar relacionado ao processo de retorno do canal do rio Jacareí a condições anteriores ao evento de 2011, antes da intensa perturbação do sistema. A série de movimentos de massa desencadeados em março de 2011 provocou diversas corridas de lama e de detritos, resultando no assoreamento no canal do rio Jacareí. Após quase 10 anos, este trecho do rio Jacareí pode estar retornando ao seu padrão anterior ao evento. Demais medidas de largura nos trechos apresentaram de muito fraca correlação negativa a fraca correlação positiva.

Tabela 3
Resultado do teste de correlação estatística Ρρ (Rô) Spearman por trecho do canal do rio Jacareí

Autores, 2022.

No dia de captação das imagens de 2006 e 2012 não foi registrado precipitação (FIGURA 4). O dia 16/09/2012 foi precedido por 3,6 mm acumulados entre os dias 14 e 15 (FIGURA 4). No dia 06/06/2019 foi registrado 0,6 mm acumulados em 24h, sendo divididos em eventos de 0,2 mm às 00h, 06h e 10h (FIGURA 4). Destaca-se que o voo com a RPA foi realizado 12h, ocorrendo pelo menos duas horas do último registro de precipitação.


Figura 4
Precipitação acumulada nos dias próximos ao registro das imagens utilizadas no mapeamento das larguras do canal
Autores, 2022.

Para sustentar a ideia de não interferência nas medidas de largura aqui calculadas, apresenta-se um recorte dos dados preliminares do monitoramento supracitado na bacia do rio Jacareí para os meses de junho e setembro de 2020. O nível médio do rio Jacareí na planície em junho de 2020 foi de 0,31 cm, enquanto em setembro foi de 0,3 cm. Já o volume precipitado acumulado mensal, mensurado na estação situada na serra, ficou em 97,5 mm em junho e 46,75 mm em setembro.

Nota-se diferença substancial no acumulado pluviométrico (pouco mais que o dobro) entre os meses analisados acima. No entanto, a média do nível do rio Jacareí entre junho e setembro ficou próxima. Isso é explicado pela característica de rápida resposta hidrológica na bacia do rio Jacareí, onde eventos de precipitação extremos resultam em rápida ascensão do nível do rio. Este aumento de nível pode afetar as mensurações de acordo com o método aqui proposto. No entanto, a permanência desta configuração ampliada de margens não se mantém por muito tempo, sendo difícil tal cenário coincidir com a passagem de um sensor remoto para captação de imagens.

Para exemplificar, a FIGURA 5 apresenta dois eventos de precipitação em junho de 2020 e como eles afetaram o nível do rio Jacareí. Às 01:00am do dia 06/06/2020 teve início uma chuva que atingiu seu ápice às 03:00am, totalizando 7,25 mm. O rio Jacareí chegou a 0,51 m às 06:00am, retornando progressivamente a sua média após às 07:00am. No evento 2, em 25/06/2020, foi registrado 2,25 mm entre às 19:00pm e 21:00pm, não alterando o nível do rio Jacareí.


Figura 5
Precipitação e nível do rio Jacareí em 06/06/2020 e 25/06/2020.
LAGEAMB (2020).

Assim, conclui-se que a precipitação ocorrida em 06/06/2019 não afetaria a altura da lâmina d’água do rio Jacareí. Isso vale para as precipitações que antecedem 16/09/2012, visto a baixa intensidade das chuvas e sua distância temporal do dia de registro da imagem orbital utilizada. A reaplicação dos métodos aqui expostos deve levar em consideração a sazonalidade das chuvas e/ou o regime hidrológico da área após evento de precipitação. A seguir serão apresentadas discussões acerca dos calculados de largura efetuados.

Embora o trecho montante do canal tenha apresentado a menor variação da largura, este foi o mais afetado pelo evento extremo de março de 2011. Conforme ilustrado na FIGURA 6, neste trecho o canal foi totalmente assoreado pela deposição do material transportado pelas corridas de lama e detritos. Em 2019 este trecho encontra-se com canal aberto em função de obras de engenharia na área implementadas ainda em 2011 (PARANÁ, 2011).

No processo de desassoreamento e reabertura do canal, o material removido foi depositado logo as margens, formando uma espécie de dique marginal artificial. Em campanhas de campo foi mensurado que este dique marginal apresentava em 3 e 5 metros de altura (FIGURA 6 E). Em função desta feição, o rio Jacareí encontra-se neste trecho confinado, fato este evidenciado pela estabilidade da largura e posição do canal entre 2012 e 2019. A presença de vegetação herbácea e arbustiva no dique marginal indica certa estabilidade do material frente os processos erosivos do rio.

Entretanto, em caso de eventos extremos pluviométricos que ampliem substancialmente o poder erosivo do rio Jacareí ou mesmo outras intervenções antrópicas, o material contido neste dique pode ser carreado até a baía de Antonina (foz do rio Jacareí) o que pode agravar a situação de assoreamento que área já enfrenta (PAULA, 2016).


Figura 6
Comparação entre as larguras do canal do rio Jacareí no trecho montante. Escala aproximada de B e D: 1/2000
A: Cabanha NSA (2019). B: Acervo Google Earth (2020). C: Orlando Kissner/AENotícias. D: imagem World View-1 - Secretaria de urbanismo da prefeitura de Paranaguá. E: Registro fotográfico de M. O. Dal Pai. em 21/09/2020.

No trecho médio não foram observadas intervenções antrópicas nas imagens orbitais no período pós-evento. Isto indica que a ampliação da largura do canal entre 2006 e 2012 pode estar estritamente atrelada ao assoreamento induzido pelas corridas de lama e de detritos de 2011 (FIGURA 7 A e B). Em alguns trechos o canal que antes media 7 metros passou para cerca de 50 metros em 2011 (FIGURA 7 B e D). Analisando imagens orbitais do acervo Google Earth de 2015 (FIGURA 7 C), constata-se que a área ampliada do canal progressivamente foi convertida em barras arenosas laterais que logo foram tomadas pela vegetação e agregadas a planície de inundação do rio Jacareí.

Foi constatado com base nas imagens orbitais que o trecho jusante passou por obras de engenharia após o evento de 2011. A FIGURA 8 A demostra como maquinário foi utilizado para remover lama e material lenhoso próximo à ponte da rodovia BR 277. Tal acúmulo de material foi responsável pelo rompimento da ponte em março de 2011 (FIGURA 8 B e C). A largura em 2019 se manteve elevada neste trecho do canal em comparação a 2006 devido à instalação de um empreendimento de extração de areia no rio Jacareí em meados de 2015 (FIGURA 8 D). Esta operação atua em todo o trecho jusante, contribuindo para o alargamento do canal.


Figura 7
Comparação entre as larguras do canal do rio Jacareí no trecho médio. Escala aproximada de A, B e C: 1/2000
A: Cabanha NSA (2019). B: Acervo Google Earth (2020). C: Orlando Kissner/AENotícias. D: imagem World View-1 - Secretaria de urbanismo da prefeitura de Paranaguá. E: Registro fotográfico de M. O. Dal Pai. em 21/09/2020.


Figura 8
Trecho jusante do canal. Obras pós-evento e comparação entre as larguras do canal do rio Jacareí. Escala aproximada de C e D: 1/2000.
A: Orlando Kissner/AENotícias; B: Orlando Kissner/ AENotícias; C: imagem World View-1 - Secretária de urbanismo da prefeitura de Paranaguá; C: Os autores (2021).

Mudanças no canal como alargamento e aprofundamento geram diversos impactos quanto ao comportamento hidrológico, processos geomorfológicos e ao meio biótico, tanto no canal como na planície e na área a jusante (CUNHA, 2012). Um dos objetivos do alargamento e aprofundamento de canais fluviais é aumentar a capacidade de vazão (CUNHA, 2012). Muito provavelmente este foi um dos objetivos durante a reabertura do canal do rio Jacareí em seu trecho montante, visto que a configuração deixada pelo evento de 2011 favorecia eventos de inundação. No entanto, tais intervenções afetam dinâmicas ambientais entre o rio e planície, como a ciclagem de nutrientes e mobilidade do canal (ARNAUD et al., 2019). A construção de diques marginais com material dragado como observado no trecho montante pode ampliar impactos para trechos a jusante, como aumento de processos erosivos.

Cabe salientar o papel do evento extremo de 2011 na remoção da mata ciliar do rio Jacareí nos trechos montante e médio. Apenas no trecho jusante observa-se expressiva presença de vegetação. A manutenção da mata ciliar é se suma importância para conter processos de erosão de margens, contribuindo na diminuição da produção de sedimentos na área. Ainda, o evento de 2011 formou um deposito sedimentar que pode erodido pelo rio Jacareí (PAZ; PAULA, 2021).

Deve se considerar que este território apresenta agora características e processos ambientais distintos aos encontrados em 2006. O rio Jacareí, antes de padrão meandrante, agora se encontra retilíneo e a planície apresenta um estoque de sedimentos inconsolidados. Apesar de constatado aqui que trecho médio do rio Jacareí apresenta tendência de retorno ao seu padrão anterior a 2011, tal processo ainda levará tempo e estudos adicionais devem ser feitos visando caracterizar melhor este processo. Assim, recomenda-se a recuperação da mata ciliar do rio Jacareí com vistas à mitigação de processos erosivos, bem como que as condições ambientais atuais da área sejam consideradas na elaboração de zoneamentos e outros instrumentos ambientais.

Considerações finais

O rio Jacareí teve significativas alterações na sua largura em função do evento extremo de março de 2011. A variação das medidas de largura nos trechos montante e jusante são explicadas por interferências antrópicas. Tanto no trecho montante como jusante tem-se a expectativa de manutenção das larguras elevadas (em comparação a 2006) em função dos impactos das intervenções antrópicas ou da atividade econômica atuante.

No trecho médio a variação da largura do canal se deve ao assoreamento causado pelo evento extremo de 2011. Foi observado que embora o evento ocasionasse o alargamento do canal, ele retornou ao padrão de larguras parcialmente similar ao calculado para 2006. Em função das condições ambientais atuais do território, recomenda-se a recuperação da mata ciliar do rio Jacareí visto potencial de ampliação das taxas de produção de sedimentos.

Considera-se que o roteiro metodológico proposto nesta pesquisa atendeu ao objetivo proposto. Recomenda-se a aplicação deste roteiro em rios que passaram outros processos que resultaram em variação da largura do canal bem como estudos estatísticos do comportamento do método frente a ampliação da densidade de transectos no canal.

Agradecimentos

À CAPES pela concessão de bolsa de doutorado ao primeiro autor. À Universidade Federal do Paraná. À equipe do Laboratório de Biogeografia e Solos (LABS) e do Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (LAGEAMB). À equipe da Envex Engenharia e Consultoria. Ao Centro de Pesquisas Aplicadas em Geoinformação (CEPAG). Os autores também agradecem aos revisores deste artigo e ao editor da revista Cerrados, pelas críticas e sugestões ao longo dos processos de submissão, revisão e publicação.

Referências

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Notas

Autores Otacílio Lopes de Souza da Paz – É Graduado e Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atualmente é Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e é Professor do Centro Universitário Internacional (UNINTER).

Endereço: Av. Cel. Francisco H. dos Santos, n. 420, Jardim das Américas, Curitiba – Paraná.

Eduardo Vedor de Paula – É Graduado, Mestre e Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atualmente é Professor da Universidade Federal do Paraná e coordenador geral do Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (LAGEAMB) da UFPR.

Endereço: Av. Cel. Francisco H. dos Santos, n. 420, Jardim das Américas, Curitiba – Paraná.



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