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FORÇA DA FLORESTA, SAÚDE E DOENÇA: O USO DA FLORA MEDICINAL PELO POVO PARINTINTIN
Strength of forest, health and disease: the use of medicinal flora by the Parintintin people
Fuerza del bosque, salud y enfermedad: el uso de la flora medicinal por el pueblo Parintintin
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 19, núm. 1, 2021
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos


Recepção: 18 Março 2021

Aprovação: 25 Abril 2021

Publicado: 01 Junho 2021

DOI: https://doi.org/10.46551/rc24482692202114%20

Resumo: O artigo busca investigar a relação do povo Parintintin, autodenominado Pykahu, habitante da Terra Indígena Nove de Janeiro, município de Humaitá, Estado do Amazonas, com a floresta e o uso da flora medicinal, a partir dos seus saberes tradicionais, nos processos de cura. O método se ancora no empirismo e nos relatos orais produzidos por esse povo originário. Para tanto, utilizou-se de técnicas como observação participante, história oral, entrevistas semiestruturadas e informais, dentre outras. Para os Parintintin a floresta emana saúde, sendo que dela extraem inúmeras espécies vegetais utilizadas nos processos de cura do corpo e da alma. A estas se somam aquelas plantadas em quintais, além da utilização de fármacos. Desta forma, novos componentes se hibridizam àqueles próprios da cultura local, a partir do diálogo entre os saberes não indígenas (científico e popular) e indígenas, que acabam se transformando e se diversificando, se adaptando, mas também se impondo, de modo a garantir a saúde deste povo.

Palavras-chave: Floresta, Flora medicinal, Povo Parintintin.

Abstract: The article seeks to investigate the relationship of Parintintin people, self-styled Pykahu, inhabitant of Terra Indígena Nove de Janeiro, Humaitá municipality, Amazonas State, with the forest and the use of medicinal flora, based on their traditional knowledge, in the healing processes. The method is anchored in empiricism and oral reports produced by this original people. For that, was used techniques such as participant observation, oral history, semi-structured and informal interviews, among others. For the Parintintin the forest emanates health, from which they extract innumerable plant species used in the healing processes of the body and soul. To these are added those planted in backyards, in addition to the use of drugs. This way, new components if hybridise those specific of local culture, from the dialogue between non-indigenous (scientific and popular) and indigenous knowledge, that end up transforming and diversifying, adapting, but also imposing themselves, in order to ensure the health of this people.

Keywords: Forest, Medicinal flora, Parintintin people.

Resumen: El artículo busca investigar la relación del pueblo Parintintin, autodenominado Pykahu, habitante de la Terra Indígena Nove de Janeiro, municipio de Humaitá, Estado do Amazonas, con el bosque y el uso de la flora medicinal, a partir de sus saberes tradicionales, en los procesos de curación. El método está anclado en el empirismo y en los relatos orales producidos por este pueblo originario. Para eso, se utilizó técnicas como observación participante, historia oral, entrevistas semiestructuradas e informales, entre otras. Para los Parintintin el bosque emana salud, siendo que de ella extraen innumerables especies vegetales utilizadas en los procesos de curación del cuerpo y del alma. A estas se suman aquellas plantadas en patios traseros, además de la utilización de fármacos. De esta manera, nuevos componentes se hibridizan a aquellos propios de la cultura local, a partir del diálogo entre los saberes no indígenas (científico y popular) y indígenas, que acaban transformándose y diversificándose, adaptándose, pero también imponiéndose, con el fin de garantizar la salud de este pueblo.

Palabras clave: Bosque, Flora medicinal, Pueblo Parintintin.

Introdução

A relação dos seres humanos com as plantas se confunde com a própria história da humanidade, as quais são responsáveis por transformar a vida e os aspectos culturais de várias sociedades ao longo do tempo e ao largo do espaço. Desde tempos remotos os seres humanos vêm utilizando espécies vegetais para a cura de inúmeras enfermidades e mal-estares, por meio dos princípios ativos dos vegetais, de maneira empírica e/ou instintiva, com base em tentativas e erros.

Os povos indígenas são aqueles coletivos humanos que dão continuidade a essa antiga valorização das plantas, em razão de estarem conectados a natureza, entendendo-a de forma holística, pois são exímios conhecedores dela e apresentam formas sustentáveis de interação, mediante suas ações práticas e simbólicas. Uma das grandes dificuldades dos povos dos trópicos, após o contato com a sociedade não indígena e mesmo antes disso, são as doenças, as quais associam à espiritualidade (MEDEIROS et al, 2018). Para tanto, elaboraram um acervo de conhecimentos acerca do uso da flora para a cura das várias enfermidades.

Neste sentido, o ser humano é visto como produto “[...] de forças que se manifestam para ele em seu ambiente, e sobre as quais ele reage com sua magia e seus ritos” (DARDEL, 2011, p. 50). Devido à necessidade de uma relação equilibrada com a floresta os povos indígenas desenvolveram processos ritualísticos de cura, como benzimentos, chás, banhos e outros, tendo como instrumentos de cura as espécies vegetais. Seus rituais e sua magia conectam-nos a fonte da vida – a terra, território – e combatem seus agentes perniciosos (materiais e espirituais) quando necessário e a ela se mesclam em um tácito conluio.

A floresta é portadora de saúde, seja por possuir ar puro, por proporcionar bem estar ou pelas suas valências ocultas contidas nas espécies vegetais, que transmitem a sua força, proporcionando sanidade aos indígenas. Além de fornecer as espécies medicinais para os Parintintin ela emana uma paz de espírito, transportando-os para outro nível espiritual. Como infere Bachellard (1978, p. 318) “A paz da floresta é [...] uma paz da alma. A floresta é um estado de alma” (BACHELARD, 1978, p. 318).

Na cosmovisão desses povos cada ser vivente ou mesmo inanimado possui espírito e o que acontece aos seres humanos deve-se a ação dos espíritos, ou seja, a doença e a cura fazem parte desse corolário, o qual se pode nominar como etnoconhecimentos (ALMEIDA SILVA, 2010;STRACHULSKI, 2014). Deste modo, a doença e a saúde, para os indígenas, são representações que dizem respeito ao físico e ao espírito. Com isso, se uma pessoa adoece não deve ser levado em conta apenas o tópico da dor ou da doença, mas o corpo como um todo e tudo que envolve o local onde vive, habita, trabalha e estabelece suas múltiplas relações.

No caso específico dos Parintintin da Aldeia Traíra, mas que tem aproximações com outros povos originários, constata-se que possuem séculos de convívio com suas florestas, com a natureza local, tendo desenvolvido vários saberes e técnicas no que se refere ao uso sustentado das espécies vegetais. Destarte, Albuquerque e Andrade (2002, p. 275) apontam que os seres humanos atuam como agentes seletivos, “[...] alterando ciclos de vida, padrões de mortalidade, reprodução e sobrevivência de suas populações, bem como modificando e tirando vantagens das defesas químicas para seu benefício”.

Em direção análoga, Diegues et al (2001, p. 1) afirmam que as espécies vegetais “[...] são objeto de conhecimento, de domesticação e uso, fonte de inspiração para mitos e rituais das sociedades tradicionais [...]”. A utilização de espécies vegetais pelos Parintintin para a cura de enfermidades se dá tanto para males físicos como espirituais, a partir da compreensão de que a doença pode ser de duas ordens: do corpo, um desequilíbrio nos seus elementos, causada por micro-organismos, insetos e animais, ou da alma, provocada por forças sobrenaturais.

As práticas de cura biológicas ocorrem principalmente por meio de chás, mas também maceração e xarope, principalmente a partir de partes como folha, casca e raiz. Entretanto, em alguns momentos, como no falecimento de um indígena, as práticas simbólicas se fazem vivas, como o benzimento com urucum (Bixa orellana L.) para desprender o espírito do morto. A partir do diálogo de saberes com a sociedade não indígena os Parintintin também englobaram ao seu acervo de práticas tradicionais elementos extraculturais, como a busca por benzimentos com premissas da sociedade envolvente, num processo contínuo e inacabado de trocas culturais e diversificação de práticas e saberes.

Nesse diálogo de saberes, num processo de hibridação com outros agrupamentos humanos, além de incorporarem práticas de benzimento não indígenas, inseriram também práticas de manejo destes ao utilizarem espécies medicinais plantadas em seus quintais, e ao mesmo tempo buscam, conforme Almeida Silva (2010) e Strachulski (2018), mohanga, mõ’ã’tai ou mohã’ga (remédios) da floresta, herança de seu etnoconhecimento, muitas vezes com a associação de ambas as espécies vegetais por eles manuseadas.

Portanto, o objetivo do texto é investigar a relação do povo Parintintin, autodenominado Pykahu, da Aldeia Traíra, Terra Indígena Nove de Janeiro, município de Humaitá - AM, com a floresta e o uso da flora medicinal, a partir dos seus saberes tradicionais, nos processos de cura.

Materiais e métodos

Na aproximação aos Parintintin, para compreender seus saberes tradicionais, fez-se necessário realizar trabalho de campo, a partir da convivência diária com esse povo originário, realizando-se duas incursões. Uma primeira passagem pela Aldeia Traíra ocorreu no ano de 2015, a qual teve duração de 14 semanas divididas em três estadias de mais de um mês cada uma. A segunda passagem ocorreu no ano de 2017 e durou mais de 6 semanas consecutivas na Terra Indígena Nove de Janeiro (TINJ).

Na interação com os atores sociais e aproximação aos seus saberes, colocou-se em prática a técnica da observação participante. De acordo com Albuquerque et al (2010) esta metodologia permite uma análise de dentro da realidade estudada e possibilita captar os conhecimentos desenvolvidos e aplicados no cotidiano. Dessa forma, foi possível participar de algumas atividades locais, como agricultura, momentos de lazer, acompanhar os indígenas na mata e em quintais para a coleta de partes vegetais, presenciar processos de cura, como benzimentos, e outras atividades. Isso também possibilitou identificar os informantes-chave, indivíduos que possuem conhecimentos tradicionais destacados em relação aos demais.

Outras técnicas utilizadas em corroboração a anterior foram a história oral e as entrevistas semiestruturadas (ALBUQUERQUE et al, 2010), guiadas por um roteiro, que, a partir das experiências de vida retratadas nas narrativas, proporcionaram compreensões no tocante ao uso da flora (nativa e cultivada) como recurso medicinal para a cura de enfermidades do corpo e da alma, as formas de manejo desta, a percepção dos Parintintin sobre elas, entre outras questões.

Participaram seis atores sociais, dos quais três homens e três mulheres. A princípio foram seguidos alguns critérios para a escolha dos entrevistados, como tempo mínimo de residência na aldeia de 20 anos e idade acima de 40 anos, entendendo-se que os mais idosos e aqueles que viveram mais tempo no território Parintintin são as pessoas que possuem conhecimentos mais significativos sobre a cultura e a natureza local.

Também se fez uso de entrevistas informais (GIL, 2008), visando um detalhamento relativo aos dados obtidos nas entrevistas semiestruturadas, bem como sanar dúvidas e/ou curiosidades que persistiam ao longo do tempo. Para tal, utilizou-se um diário de campo e/ou um gravador para registro dos dados, ambos com o consentimento dos entrevistados.

Em outro momento, realizaram-se duas excursões na floresta com o sentido de anotar os nomes locais (populares e indígenas[1]) e científicos das espécies vegetais com poderes curativos, bem como realizar registros fotográficos destas. Nestes dois momentos teve-se a companhia de dois mateiros locais e um experiente engenheiro florestal (L. C. Maretto) da região Amazônica, sendo que cada qual realizou a sua identificação. O mesmo procedimento também foi adotado para as visitas aos quintais da aldeia Traíra.

Para congregar as duas visões (científica e indígena), elaborou-se um quadro com as seguintes informações: família, nome científico, nome popular e indígena, origem, usos indicados, parte usada, modo de administração, contraindicações e local de crescimento.

Não houve coleta botânica devido a vários fatores, em especial o respeito ao povo Parintintin, seu território e tudo que nele existe e ao atendimento a quesitos da legislação brasileira, como a necessidade de autorizações de órgãos governamentais.

Quando possível, parte das espécies identificadas pelos nomes populares foram registradas mediante fotografias e comparadas com as imagens das plantas contidas em Reflora (2020). Neste site, também foram consultadas a grafia das taxonomias e dos autores e a origem das espécies.

Caracterização da área de estudo

A Aldeia Traíra (Figura 1) pertence à Terra Indígena Nove de Janeiro (TINJ) habitada pelo povo Parintintin, localizada a cerca de cinco quilômetros da Rodovia Transamazônica (BR-230) no município de Humaitá – AM e com distância aproximada de 45 km da sede urbana, cujo trajeto é todo em estrada sem pavimentação asfáltica, o que dificulta a locomoção no período chuvoso, entre novembro a abril. Porém, por ser considerada uma distância relativamente curta para os padrões da região, permite-se grande mobilidade dos indígenas para irem à área urbana de Humaitá ou mesmo para dialogarem com os regionais que vivem no entorno da TINJ.


Figura 1
Mapa de localização da Terra Indígena Nove de Janeiro e da área de estudo
STRACHULSKI, 2016.

Os Parintintin – designação que teria sido empregada pelos rivais Munduruku – integram o conjunto de outros povos conhecidos por Kawahib(NIMUENDAJÚ, 1924). Também se autodenominam Pykahu, que significa avoante (Zenaida auriculata), um pássaro que existe na região do rio Madeira (CARDOZO; VALE JÚNIOR, 2012), além de, em algum momento da pesquisa, terem mencionado a palavra Tandewkuhu.

Atualmente, a maior parte da população vive em duas Terras Indígenas, Ipixuna e Nove de Janeiro, ambas em Humaitá, no Estado do Amazonas, com um total estimado em 480 pessoas (SESAI, 2014 apud ISA, 2018). De acordo com os próprios Parintintin, a população estimada em relação a cada aldeia é a seguinte: 60 pessoas em Canavial; 117 em Pupunha; e 135 em Traíra, o que perfaz um total de 312 residentes, além dos desaldeados ou que habitam em áreas urbanas da Amazônia[2].

Apesar das dificuldades enfrentadas, tais como falta de apoio governamental, confrontos com povos vizinhos e contato constante com seringueiros, a partir do final dos anos de 1990, os Parintintin conseguiram a regularização de seu território ancestral ou parte dele. O controle definitivo começou a ganhar corpo em 1992, quando suas terras foram declaradas de posse permanente e imemorial. A demarcação ocorreu em 1995/96 e a homologação em 03/11/1997 (BRASIL, 1997), com situação fundiária registrada no Cartório de Registros de Imóveis – CRI, e na Secretaria de Patrimônio da União – SPU, em 1998. A TINJ possui este nome, devido ao fato de que foi no dia 09 de Janeiro de 1913 no igarapé homônimo que ocorreu o primeiro contato entre os Parintintin e os não indígenas. Sua área oficial é de 228.777 ha.

Com atividade in loco e com a colaboração dos estudos da Kanindé (no prelo), percebeu-se que nas cercanias da Aldeia Traíra predomina a mata de igapó, a floresta de terra firme, as campinas e as capoeiras (floresta secundária em vários níveis de sucessão), que são originárias da abertura da mata primária para a criação de seus roçados. A floresta é uma grande fonte de recursos medicinais em seus vários ambientes e constituições florestais, em especial a mata de terra firme.

Os Parintintin possuem uma forte relação com a floresta, em virtude de que a maior parte de suas atividades nela ocorrem, como a caça, a coleta e a pesca, além de fortalecê-los espiritualmente. Neste sentido, o conhecimento, modo de coleta, preparo e uso de mohanga dela provenientes são elementos intrínsecos a cultura local e fundamentais a sua sanidade.

Por outro lado, os quintais implantados pelos indígenas, uma herança cultural adquirida da sociedade envolvente, também se revelam uma boa fonte de espécies medicinais utilizadas pelos Parintintin da Aldeia Traíra e, diferentemente das espécies da floresta, são cultivadas em áreas abertas perto de suas casas. Os quintais normalmente são ambientes de domínio das mulheres, mas também de conhecimento dos homens.

Característica marcante dos povos indígenas, em especial o povo Parintintin, é a sabedoria no uso e manejo da vegetação, pois ao longo do tempo, na localidade aonde hoje é a Aldeia Traíra, houve muita exploração da vegetação local pelos seringueiros e demais regionais. Revela-se a capacidade de ajustamento de suas práticas produtivas e culturais ao meio ecológico local, visto que realizam o plantio de espécies medicinais tanto adquiridas da sociedade envolvente como tiradas da mata, almejando a recomposição e o equilíbrio daquilo que foi perdido com os novos elementos em jogo. Em termos medicinais, permanecem muitas de suas práticas ancestrais e a essas se somam outras modernas.

Resultados e discussões

Na cosmovisão indígena a Terra com tudo que existe nela, seja visível ou não, palpável ou não, sentido ou percebido, integra o mesmo conjunto, logo a ação que nela ocorre possui repercussão no todo. Desse modo, as plantas não são meros objetos ou coisas, elas encontram-se com uma utilidade, um propósito ou sentido, o qual é compreendido em decorrência das experiências e da relação estabelecida como explicação à própria vida. Deste modo, a percepção e representação de seu mundo tem o significado que pode ser expresso na fala de Dardel (2011, p. 48):

[...] a ligação do homem com a terra recebeu, na atmosfera espaço-temporal do mundo mágico-mítico, um sentido essencialmente qualitativo. A geografia é mais do que uma base ou elemento. Ela é um poder. Da terra vêm as forças que atacam ou protegem o homem, que determinam sua existência social e seu próprio comportamento, que se misturam com sua vida orgânica e psíquica, a tal ponto que é impossível separar o mundo exterior dos fatos propriamente humanos.

A terra e seus elementos visíveis da superfície seriam apenas uma parte da realidade. A materialidade das plantas, o seu contato com a terra, representa uma fração de sua potencialidade. Seu significado vai além do que se vê, são suas valências ocultas que as tornam fundamentais para os indígenas na relação com a terra, o território, e seus demais elementos, pois tudo está integrado e nada ocorre por obra do acaso. As plantas, assim, se conectam e possuem interdependência com os animais, a terra, a água, os espíritos, a floresta em si, e com os indígenas, que delas dependem para seu bem-estar físico e espiritual.

Como infere Bachelard (1978, p. 317), “A floresta sobretudo, com o mistério de seu espaço indefinidamente prolongado além da cortina de seus troncos e de suas folhas, espaço encoberto para os olhos, mas transparente para a ação, é um verdadeiro transcendente psicológico”. Ela acaba manifestando toda sua força, poder, exuberância e magnitude física e espiritual, pois possibilita aos indígenas realizarem a completitude de suas concepções de mundo, visto que é um espaço aonde se conectam elementos materiais (espécies vegetais) e simbólicos (espíritos e seres – mãe da mata e curupira), em que se fundem os anseios do corpo, da mente e da alma.

Neste sentido, em decorrência das informações obtidas na vivência cotidiana sobre o uso de plantas medicinais e mohanga da floresta na Aldeia Traíra, foi possível evidenciar ainda que a população utiliza-se de espécies cultivadas em quintais e terreiros. Os Parintintin designam e classificam as espécies em conformidade com suas próprias concepções e denominações. Assim, tem-se que, “[...] essa diversidade da vida não é somente vista como ‘recurso natural’, mas sim como um conjunto de seres vivos que tem um valor de uso, um valor simbólico, integrado numa complexa cosmologia” (DIEGUES et al, 1999, p. 31-32, grifo nosso).

É a força da floresta, dos seus elementos, em especial os vegetais, que torna possível um enraizamento ao seu território, o lócus de sua reprodução física e cultural, cujos saberes tradicionais a ele estão atrelados e constituem a identidade territorial, de modo que se pode fazer uma aproximação com a constatação efetuada por Haesbaert (2004, p. 42):

O território envolve sempre, ao mesmo tempo [...] uma dimensão simbólica, cultural, por meio de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: a apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos.

A identidade territorial se desenvolve com o domínio e formação, pelos povos indígenas, de um território tanto físico (as espécies da flora, a terra, a água, etc.), que contempla a gestão deste e de seus recursos, como simbólico (espíritos, seres protetores, valor cultural das plantas), que inclui as relações sociais que nele se processam, como compartilhamento dos saberes tradicionais entre os membros da comunidade e outras práticas culturais.

No caso específico dos indígenas, afirma-se que a identidade territorial é estabelecida e aperfeiçoada pela relação que possuem com a terra, como elemento aglutinador e que possibilita a vivência e interação com os demais seres (vivos, inanimados e não vivos), o que se caracteriza como representações simbólicas, as quais oportunizam o sentido à vida desses povos.

Os povos originários buscam perpetuar os valores ancestrais adquiridos pelas sucessivas experiências em contínuas gerações, visto que possuem uma forte conexão com a natureza. Conhecem-na profundamente e praticam modos sustentáveis, assim como empregam experiências plenas de simbologias. Uma das grandes problemáticas enfrentadas por esses povos deve-se ao contato estabelecido com a sociedade não indígena, mesmo antes disso, são as doenças as quais associam ao desígnio dos espíritos (MEDEIROS et al, 2018). O processo de cura e o restabelecimento da saúde também atribuem a interseção dos espíritos que se encontram presentes nas plantas, águas, ar, rochas, animais, etc.

A doença pode se referir tanto à ampla gama de distúrbios orgânicos promovidos por agentes biológicos que precisam ser expulsos, bem como de personificações espirituais, cujos elementos presentes no corpo do hospedeiro representam materialmente a ação de espíritos, no caso Parintintin os anhanğ ou anhangá (representação do mal). Em sua compreensão de mundo, um corpo debilitado abre possibilidades para enfraquecer a alma e o inverso igualmente é válido. Para os Parintintin a doença pode ter duas concepções, conforme mencionado pelo cacique S. Parintintin em entrevista em 2015:

Existe uma doença que pode trazer causa de doença mesmo, às vezes a pessoa trabalha muito, às vezes não tem a alimentação correta né, pode existir uma doença. Agora, existe malvadeza, inveja, assim, fica de olho na pessoa né! Por exemplo: existe malvadeza de uma forma que natureza, normal né. Quem é pajé [...] faz alguma coisa pra pessoa ficar doente. Aí já é diferente né! É muito difícil um médico fazer curativo pra aquela pessoa ficar bom né! Se não for espiritual né, um pajé, uma pessoa que sabe rezar né, não tira aquela doença daquela pessoa né! Ele vai sofrer, sofrer até morrer né. Por isso que quem sabe, quem entende as coisas [...] tem gente que sabe. Tem coisa que o médico resolve, mas tem coisa que não dá nem previsão. Às vezes não dá nada. É assim, dá pra perceber duas coisas, a doença que é normal, que vem do ar, pode ser, e tem coisa que vem de malvadeza mesmo né, a pessoa malvada, faz ao outro pra ficar doente né! Esse é mais perigoso, porque pode ser que esse não tem mais cura. Se não for rezador, não descobrir aquela doença daquela pessoa ela morre.

Interpretando o pensamento Parintintin acerca da doença, entende-se que esta pode ser natural (do corpo) e não natural ou sobrenatural (espiritual). Dessa forma,

A doença natural é vista como resultado das forças ou condições naturais, tais como frio, calor e, possivelmente, por um desequilíbrio nos elementos do corpo. A doença não natural é causada por dois tipos principais de forças sobrenaturais: as causas ocultas que são o resultado dos maus espíritos ou agentes humanos relacionados a feitiçaria [...] (TORRI, 2013, p. 10).

Para os indígenas, estar doente é o retrato de um desequilíbrio do ser consigo mesmo, com a vida em sociedade e com a natureza, enfim, com o cosmos em si, cujo resultado se apresenta em efeitos materiais (moléstias físicas, do corpo) ou simbólicos (moléstias imateriais, espirituais). Fato comum em ambos os casos é que há a necessidade de se realizar procedimentos de cura ritualísticos de várias ordens (chás, benzimentos, banhos, etc.), visando restabelecer o equilíbrio. Nestas circunstâncias, as espécies vegetais recebem um papel primordial, visto que atuam como instrumentos de cura e são sinônimo de saúde física e bem-estar espiritual.

A história da vinculação do povo Parintintin da Aldeia Traíra com os elementos vegetais encontrados na floresta se estende desde tempos imemoriais. Afirmam que o ar da floresta é bom e representa saúde, por isso se sentem bem com seus demais parentes (vegetais e animais), reforçando sua espiritualidade, que os respalda e os orienta na hora de buscar um elemento da floresta, como uma espécie de uso medicinal, evitando que haja desperdício. É aonde se (re)encontram com os seres e não seres, revivem o passado e adquirem os aprendizados. Entrar na floresta para os indígenas é como se aprofundar “[...] num mundo sem limite [...] numa potencialidade da imensidão que se revela num valor” (BACHELARD, 1978, p. 317-320, grifo nosso). De acordo com os Parintintin, na floresta:

Não adoece, não sofre de tantas doenças que tem pra fora. Na cidade qualquer ventinho que dá, você já tá sentindo dor de cabeça, a quentura, já tá com a garganta ardendo, tô cansado, ta doendo minha garganta. Então, você entrou na floresta, você tá salvo. Então, é saudável quando você mora dentro da floresta. O indígena ajuda a floresta e a floresta ajuda ele pra não ficar doente (J. C. PARINTINTIN, entrevista em 2015).

Na floresta a gente recebe um ar puro da floresta mesmo, das árvores, das plantas (C. PARINTINTIN, entrevista em 2015).

O ar mais puro né. Eu fico confortável ali. Fica igual um ventilador ali, sempre tá ventando ali. O ar que a gente respira é diferente da cidade, é mais puro (F. PARINTINTIN, entrevista em 2015).

A floresta é vista como ambiente profícuo para a existência dos Parintintin e sua boa qualidade de vida, promovendo sua saúde e bem-estar, estando intimamente atrelada ao desenvolvimento de um conjunto de saberes tradicionais específicos, em especial aqueles vinculados a utilização das espécies vegetais para a cura de enfermidades.

Na afirmação de Diegues et al (1999, p. 30), constata-se que esse conhecimento pode ser “[...] definido como o conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo natural, sobrenatural, transmitido oralmente de geração em geração”. Em outros termos, significa dizer que a cultura dos povos indígenas está intrinsecamente ligada ao usufruto da natureza, de maneira que se torna difícil existir uma classificação dualista, algo que separe ou desassocie a vida em relação aos elementos do meio biofísico e as práticas socioculturais, ao contrário, seria mais comum se observar uma trajeção(BERQUE, 1999), um caminhar conjunto entre ambos. No caso dos povos indígenas, acrescenta-se uma transcendência, visto que perpassa a materialidade.

Contudo, não é fechado, guardado em uma caixa preta, mas aberto a novas contribuições, pois não se resume apenas a acúmulos de saberes transmitidos ao longo do tempo, mas processos complexos e em perpétua evolução de construção de conhecimentos, que são constantemente testados pelo movimento do espaço-tempo. São o resultado daquilo que foi transmitido, do que se aprendeu por conta própria e da necessidade de se reinventar para seguir seu continuum com a natureza. Uma imbricação de elementos temporais e espaciais que interconectados, traduzem a gama variada de fenômenos e processos que permeiam a relação entre humanidade e natureza (STRACHULSKI, 2014).

Tais saberes versam acerca dessa gama complexa de elementos cognoscíveis que não se restringem somente a saberes acerca da flora medicinal ou meras listagens de espécies vegetais. Como infere Almeida (2004, p. 39), “[...] compreendem as fórmulas sofisticadas, o receituário e os respectivos procedimentos para realizar a transformação. Eles respondem a indagações de como uma determinada erva é coletada, tratada e transformada num processo de fusão”. No presente estudo, foram citadas, no total, 95 espécies utilizadas para fins medicinais. Nele foram elencadas 16 etnoespécies mais proeminentes, isto é, com três ou mais citações, sejam elas cultivadas em quintais ou provenientes da floresta na TINJ (Quadro 1).

Quadro 1
Espécies vegetais mais citadas para o uso medicinal

Povo Parintintin. Org.: STRACHULSKI, 2015. Nota: *Espécies vegetais que não possuíam o nome na língua Tupi-Kawahib Parintintin, foram denominadas por dona M. G. Parintintin, como uma aproximação linguística em relação a outras espécies de seu conhecimento.

As espécies de interesse medicinal identificadas pelos Parintintin, na Aldeia Traíra e seus arredores, podem ter diferentes fontes ou ambientes de origem como a mata de terra firme “primária” ou secundária (floresta em seus vários níveis de sucessão), onde predomina a forma de vida arbórea, mas também as lianas; nas áreas de lavouras sobressaem as herbáceas; e nos quintais e terreiros existem arbóreas e herbáceas.

O local de coleta e o modo de manusear as espécies dependem de vários fatores, desde a disponibilidade temporal (fases da lua, tempo, estações do ano), necessidade e interesse por um recurso em especial. Utilizar uma espécie e não outra se justifica tanto pela disponibilidade na região e/ou pela configuração sociocultural da comunidade (valores, crenças, saberes, etc.) (AMOROZO, 2002; STRACHULSKI; FLORIANI, 2013;STRACHULSKI et al, 2018).

Isto mostra certa seletividade em termos de uso de espécies vegetais, pois grande parte delas não possui nome na língua Kawahib, ou seja, no passado não eram de seu conhecimento ou de seu interesse e somente após o contato com o não indígena é que essas passaram a ter alguma relevância, com isso, receberam os nomes atribuídos pela população não indígena pelos quais, atualmente, elas são identificadas.

Ressalta-se que muitos dos nomes de espécies vegetais também podem ter sido esquecidos em virtude das perseguições sofridas pelos Parintintin, principalmente no período dos seringais e na construção da Rodovia Transamazônica. Outro fato relevante é que com o falecimento dos sabedores (idosos e, em especial, pajés) muitos desses conhecimentos foram perdidos ou substituídos por fármacos. A não utilização por sucessivas gerações pode ter levado ao esquecimento dessas espécies.

Verificou-se que os Parintintin da Aldeia Traíra utilizam as plantas no seu cotidiano, principalmente a folha, administrada como chá, outras partes foram citadas em menor grau de uso, tais como casca, seiva, raiz, fruto, flor e a planta inteira quando se trata de herbáceas. Existem outras maneiras de preparo dessas espécies, como xarope, garrafada, massagem, banho, inalação, benzimento e defumação, com respeito aos modos particulares de fabricação, o que inclui ainda as contraindicações. Eles compreendem que em determinadas situações as pessoas não podem fazer uso de mohanga, com riscos à saúde, como o da saracura por uma gestante, pois pode provocar aborto.

No Quadro 1 foram citadas 23 enfermidades tratadas pelos Parintintin com a utilização de plantas medicinais e mohanga da floresta. Dentre as doenças destacam-se: gripes, sistema digestório, trato genital-urinário e doenças infecciosas como a malária. As plantas podem ser utilizadas sozinhas ou em conjunto, destinadas a uma ou mais moléstias.

Em vários momentos, durante a entrevista semiestruturada e não estruturada, a planta saracura foi a mais citada e que praticamente todos os Parintintin conhecem, pois dela fazem uso para o tratamento de várias enfermidades. A espécie é uma daquelas que não foram identificadas cientificamente. Para tanto, buscou-se preservar a identidade da planta[3], visto que a mesma possui um grande poder de cura para o povo: “O pessoal vem procurar de muito, porque já curou muito sintoma de câncer” (S. PARINTINTIN, entrevista em 2015).

O significado de utilidade de uma espécie vegetal varia dentro de um mesmo coletivo e entre as mais distintas sociedades (FLORIANI et al, 2016). A saracura, como indicado no Quadro 1, é uma planta de uso essencialmente material. Outros exemplos de uso prático ocorrem com a aplicação de óleo de copaíba e de andiroba por meio de massagens para tratamento de lesões e machucaduras (Figura 2).


Figura 2
Utilização do óleo de andiroba para massagem contra lesões
STRACHULSKI, 2015

Na atualidade, com a ação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), os Parintintin utilizam-se de fármacos junto com as plantas medicinais e/ou os mohanga da floresta. Os fitoterápicos, para o tratamento de moléstias, mostram-se muito frequentes e eficientes, sendo transmitidos entre as gerações e compartilhados no cotidiano. Tal assertiva é confirmada pelo cacique local S. Parintintin (entrevista em 2015): “O Parintintin pode dizer que não usa remédio do mato, mais usa mais do que da farmácia. Olha aí, todo uxi tem casca descascada” (Figura 3).

O uxi-liso, citado pelo cacique, é uma espécie muito utilizada por seu povo na cura de enfermidades, por isso há riscos e a necessidade de cuidados em extrair partes dessa planta, visto que se for retirada toda a casca em volta do caule ela pode vir a secar, devido a interrupção do fluxo de seiva. Como infere o cacique S. Parintintin (entrevista em 2015) com referência a Figura 3: “Até aqui foi tirado a casca e cresce de novo. Se tirar tudo ela morre. Tem que tirar só até a metade. Porque o que segura a vida da árvore é a casca, a água dela”.


Figura 3
Cacique S. Parintintin indica uxi-liso (espécie encontrada na mata)
STRACHULSKI, 2015

Esses conhecimentos sobre as espécies medicinais levam em consideração não somente a identificação e classificação de uma planta, mas incluem também modos de preparo, usos e os melhores processos de coleta do recurso, para que não se torne escasso ou deixe de existir (ALMEIDA, 2004). As práticas originárias são ressignificadas em novas práticas híbridas, referentes tanto ao modo de preparo e ingestão do mohanga como na aquisição das espécies vegetais, que podem ser encontradas de forma natural na mata (Figura 3), bem como plantadas nos quintais e terreiros (Figura 4).


Figura 4
J. C. Parintintin indica escama-de-pirarucu (espécie encontrada no quintal)
STRACHULSKI, 2015

Essa interação entre saberes – indígena e não indígena (científico e popular) –, opera trocas simbólicas e práticas, visto que ambas as perspectivas cognitivas possuem elementos mágicos e empíricos, oportunizando uma gama maior de formas de tratamento da saúde aos indígenas. Nesse sentido, “[...] o universo simbólico do rezador, curador ou pajé é encantado e racional ao mesmo tempo, pois as coisas são vividas e intelectualizadas” (SCHWEICKARDT, 2000, p. 248, grifo nosso).

Os quintais implantados pelos indígenas, uma herança cultural adquirida da sociedade envolvente aliada a um projeto pretérito (sobre horta medicinal) da organização não governamental Operação Amazônia Nativa (OPAN), também se revelam uma boa fonte de espécies medicinais utilizadas pelos Parintintin da Aldeia Traíra e, diferentemente das espécies da floresta, são cultivadas em áreas abertas perto de suas casas. Estes, normalmente, são ambientes de domínio das mulheres, mas de conhecimento dos homens também. Por outro lado, as matas são de domínio quase que exclusivo dos homens.

Após o contato e ao longo do convívio com a sociedade urbano-industrial os povos originários acabam incorporando elementos de outras culturas. Para tanto, buscam reequilibrar o que foi perdido ao longo do tempo. Agregam ao seu complexo sistema cognitivo-cultural práticas e conhecimentos modernos, os quais se metamorfoseiam e hibridizam elementos, que se percebem claramente na vida cotidiana, sendo caracterizados pelo manejo de espécies vegetais para uso medicinal (STRACHULSKI; FLORIANI, 2013).

Os conhecimentos originários, a partir do contato entre agrupamentos humanos com práticas culturais distintas, seriam “[...] a soma dos comportamentos, dos saberes, e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e em uma outra escala, pelo conjunto de grupos que fazem parte” (CLAVAL, 2007, p. 63). Dessa maneira, integram os elementos internos, próprios de sua cultura, além daqueles que surgiram do diálogo com outros povos. Para o conhecimento indígena a cultura e a natureza constituem um conjunto único. Como afirma Aguilera Urquiza (2006, p. 3):

As populações indígenas, normalmente, têm como base a percepção da profunda interdependência entre o mundo da natureza (vegetais e animais) e o mundo dos humanos, entendendo a natureza como algo vivente com quem podem interagir e estabelecer uma comunicação constante, apoiada numa visão cosmológica.

Nestes termos, além de serem utilizadas para fins práticos, as plantas podem conter poderes sobrenaturais, pois estão ligadas a práticas simbólicas de cura, as quais constituem o patrimônio cognitivo de um povo, que é composto tanto de saberes práticos, como de crenças (STRACHULSKI; FLORIANI, 2013), de valores culturais e cosmogônicos-espirituais (ALMEIDA SILVA, 2010; 2015). A ligação dos indígenas com a floresta e as espécies vegetais é assim expressa por M. Parintintin (entrevista em 2015):

Quando eu entro na floresta eu sinto um ar tão saudável, você sente o clima da natureza batendo totalmente em você. [...] Eu sinto que tô bem protegido, porque esse convívio com a natureza é que você mantém o espírito vivo, mantém essa ligação direta. Porque quanto você ajuda a natureza, você é ajudado por ela também.

Os povos indígenas, detentores de muitos sabres acerca da flora, possuem uma “[...] sintonia com a natureza ativa, transcendente, cognitiva: em lugar de natural, seria, por assim dizer, sobrenatural” (VIVEIROS DE CASTRO, 2007, p. 3). Os indígenas, nesse caso os Parintintin, construíram uma relação com a floresta que é de respeitabilidade, o que denota uma coevolução junto ao meio a partir da criação de um vínculo vital com o seu território. Sua conexão, como expresso na fala do indígena, não é somente física, mas também espiritual. Desse modo, a floresta proporciona aos indígenas transcender a materialidade, momento em que descobrem seus segredos, erigem seus saberes e alcançam o equilíbrio necessário à sua sanidade.

Há uma cosmovisão comum relacionada à floresta de que as espécies vegetais podem auxiliar no tratamento tanto de doenças físicas como simbólico-espirituais. Existem plantas que são indicadas para a cura do organismo e outras para tratar das doenças de sua alma, como contra maus presságios, mau-olhado, para o espírito do morto não perturbar os vivos e para proteção, como demonstrado no Quadro 1. Tal assertiva encontra respaldo na afirmação dada por Albuquerque (1997, p. 7, grifo nosso): “Paralelo a prática empírica, geralmente vem subjacente todo um sistema de crendices e ritos vinculados ao emprego das plantas que perdem a visão objetiva do cientista”.

Da mesma forma em que há um hibridismo na utilização prática das espécies vegetais, no tocante ao uso espiritual também se vê um amálgama de possibilidades. Deste modo, há a procura dos moradores locais tanto para receber benzimentos feitos a partir da cosmovisão da cultura indígena (Figura 05) como das premissas que foram absorvidas pelo contato com as populações não indígenas (Figura 06), que habitam as proximidades da Terra Indígena Nove de Janeiro, inclusive com a instauração de relações que resultaram em parentesco (casamento interétnico). Na visão de Canclini (2008), esses acontecimentos revelam processos culturais híbridos, de modo que seus saberes tradicionais não são esquecidos ou se extinguem, eles acabam se transformando e evoluindo, se adaptando, mas também se impondo.

As doenças do corpo naturalmente são tratadas mediante uso prático das espécies vegetais medicinais, enquanto as espirituais, da alma (culturais), com a realização de benzimentos. Estes são realizados em qualquer momento quando se trata de práticas não indígenas. Quando se referem aos indígenas são pontuais e ocorrem em momentos especiais e com a utilização de urucum, como se verifica em caso de falecimento.


Figura 5
Benzimento com urucum, realizado após o falecimento de indígena
STRACHULSKI, 2017


Figura 6
Benzimento realizado com planta e ensinamento do não indígena
STRACHULSKI, 2015

Os benzimentos Parintintin são rituais que servem para a proteção, prevenção e cura de doenças, além de afastar os anhanğ daqueles que morreram no local e considerados como inimigos, os quais aparecem numa situação de fragilização espiritual para trazer maus presságios e/ou desunião entre o povo. Estes seriam espíritos dos mortos, bestas ou demônios que representam simbolicamente ameaças à saúde, produzem desorientação, demência e morte (KRACKE, 1984).

No entanto, há anhanğ da floresta associados especialmente a vegetação, que são considerados bons e promovem a saúde. De acordo com Kracke (1990, p. 152), são “[...] espíritos com forma humana - ‘parece añang’- que vivem na mata, sopram sobre as pessoas para melhorar a sua saúde”. O relato de J. C. PARINTINTIN (entrevista em 2015) corrobora ao pressuposto referido:

Quando eu trabalhava em sorva, minha esposa nunca chegava tá tussindo, espirrando. Quando eu trabalhava em sorva eu não sofria de dor de cabeça. Não sabia nem o que era fraqueza, eu tinha força. Então, a floresta ela dá força e onde não tem floresta, você não tem força. Quando você tá morando dentro de uma floresta, você recebe aquela força maior, porque você não tá doente. A floresta, ela tira aquela doença. Aonde ela vai entrar, além dela entrar, ela sai, procura aonde tá mais fraco. A floresta é um salve para nós indígenas.

A floresta está associada à saúde, a um conforto físico e espiritual, cujos rituais de cura Parintintin – provenientes dos saberes tradicionais – emanam a força da floresta, em especial a partir dos benzimentos com vegetais. Os rituais amenizam a ação dos anhanğ maus, invocando os espíritos elevados (demiurgos) que com seu poder cosmogônico e dotados de experiências territoriais e culturais inibem astutamente espíritos causadores de males e, consequentemente, orientam e promovem o fortalecimento espiritual e físico dos vivos (ALMEIDA SILVA, 2010; 2015). C. Parintintin (entrevista em 2015) reforça tal ideia afirmando que “Esse é feito só quando morre alguém, é pra pessoa gozar de saúde pra frente, pra não pegar alguma doença feia. Faz com o urucum, porque ele não morre nunca”.

O ritual de benzimento feito por M. G. Parintintin deu-se em virtude do falecimento de seu esposo, cacique M. L. Parintintin, no dia seguinte à sua passagem terrena para outra dimensão da vida. Para tal, utilizou-se de galhos de urucum e benzeu várias pessoas da Aldeia Traíra, no período da manhã, o que simbólica e espiritualmente tinha o significado de que essas poderiam gozar de saúde e juventude, além de libertar o espírito do falecido do plano terreno e para que passasse a proteger seu povo. Ela passava as folhas principalmente no rosto das pessoas idosas e jovens, bem como nas pernas, braços, costas, etc.

Outro modo de libertar, afastar e evitar que o espírito venha a trazer sentimentos negativos para os parentes é fazer uma pulseira com abacaxi (Ananas spp.) e amarrar no punho, conforme descreve dona M. G. Parintintin (entrevista em 2015):

Esse aqui tem um segredo. A folha de abacaxi a gente tira e faz pulseira e amarra no braço, na perna, que é pra pessoa não chorar, não ter sentimento, esse aqui não morre nunca. Não dizer que viu sombra da pessoa, que ela está aparecendo, chamando. O J. já tá todo amarrado, eu amarrei nos braço e nas perna dele.

Entende-se que essa ação também possui o sentido de que o indígena falecido, ao passar por essa ritualística fúnebre, continuará no plano espiritual a proteger seus parentes e o território. Pois, “[...] a morte remete o homem à sua ‘morada’, ao seio materno, [...] como um laço sagrado que une o homem aos seres da Terra, das águas ou do ar” (DARDEL, 2011, p. 48-54).

Nesse sentido, mesmo após a morte o indígena permanece em seu território com sua energia espiritual sendo utilizada pelos vivos em prol da sua proteção e também de sua sanidade, através do uso das espécies medicinais, que estão diretamente conectadas a terra (território), e a partir delas é que o espírito bom promove a cura no enfermo, conectando-o a natureza novamente, visto que a doença é a ruptura dessa ligação. A planta, com as energias dos seres e espíritos da terra, ensina, cura e promove a vida.

A utilização das espécies vegetais no tratamento de doenças físicas e espirituais revela um saber resiliente, dinâmico e em perpétua constância. Pois, ao longo do contato com os não indígenas parte de suas práticas (materiais e simbólicas), instrumentos (vegetais) e processos (benzimentos, banhos, xaropes, etc.) de cura sofreram alterações, sendo capazes de absorver outros sistemas de valores, de forma complementar e/ou conflitante, e trazer para a sua realidade, para o seu território e os seus saberes, adaptando-se aos movimentos do espaço-tempo e a eles persuadindo.

Com isso, incorporam e aceitam também os benzimentos feitos pelos não indígenas, pois se verifica que na Aldeia Traíra há um não indígena, casado com uma Parintintin, que realiza tais práticas. Também existe indígena que realiza essa prática com preceitos derivados de outras culturas. Assim, ocorre a procura de muitos do entorno da TINJ, e mesmo dos indígenas, para que auxilie na cura de males do corpo e/ou da alma. Por reiteradas vezes comentava-se que o senhor R. Nonato ou a dona R. Parintintin haviam curado o filho de um ou outro parente da referida aldeia.

O benzimento realizado pelo não indígena R. Nonato ocorreu devido à uma ferroada de caba (vespa) no pesquisador Juliano (Figura 06). Contudo, cabe destacar que o mesmo procedimento foi anteriormente realizado por M. B. F. N. Parintintin, que recomendou o outro benzedor para dar prosseguimento ao tratamento iniciado, pois tinha compromisso na cidade para atender as demandas de seu povo. O sintoma identificado pelos curadores denomina-se de “vermelho” ou “vermelha”, o que se pode entender como uma inflamação.

Para o benzimento, utilizaram-se folhas de uma espécie conhecida na região por vassourinha (Scoparia dulcis L.), que era passada no pé inchado no sentido horizontal e vertical. Ambos os curadores inicialmente fizeram o sinal da cruz, o que está relacionado aos valores do cristianismo católico e reflete, portanto, a hibridização de práticas culturais e espirituais. O vegetal era passado do pé para fora, com o sentido e o objetivo de expulsar a dor e o problema para além do corpo. Durante a reza seu R. Nonato passava a planta no pé e no prato com água e sal. Em seguida, após o término da reza, jogava tudo fora.

Assim como constatado por Medeiros et al (2018) com os Paiter Suruí e em outros estudos (ALBUQUERQUE, 1997; AMOROZO, 2002; STRACHULSKI; FLORIANI, 2013; ALMEIDA SILVA, 2010; 2015), foi possível perceber que entre os Parintintin os conhecimentos sobre a utilização de espécies vegetais e a cura de enfermidades também são transmitidos, ao longo do tempo, entre as várias gerações. A transmissão se realiza de pais para filhos e netos, entre as famílias e em vários momentos, como aqueles que ocorrem com as excursões pela mata, durante a coleta das plantas e, mesmo, no processo de preparo de mohanga nas suas casas ou em outros locais.

Enfim, essa relação com a terra, a floresta e as plantas nos remete, ao início de nosso trabalho, que há a cura e possibilidade de compreender a natureza, de compartilhar e adquirirmos novos conhecimentos dentro de uma perspectiva geográfica, a qual está imbricada de representações simbólicas e subjetividades estabelecidas pelas experiências e vivências concretas ou daquelas resultantes das trajeções e/ou das transcendências.

Considerações finais

O estudo acerca dos etnoconhecimentos Parintintin mostra que o emprego de espécies vegetais para tratamento de enfermidades tem contribuído para sua permanência e subsistência, o que oportuniza certa autonomia em relação à medicina moderna. Mesmo com a existência de uma farmácia da SESAI na Aldeia Traíra, eles continuam fazendo constantes usos dos mohanga da floresta e das plantas medicinais, o que revela que seus saberes não caíram no ostracismo, apesar da imposição para que utilizem farmacoquímicos, mostrando-se ativos e eficientes e sendo transmitidos entre as gerações.

Revela-se a importância desses conhecimentos originários e sua relação com a floresta, calcados na conservação e preservação dos recursos naturais, a partir de suas práticas ambientalmente adequadas quanto ao manejo das espécies vegetais de uso medicinal (de quintais e da floresta), o que oportuniza a valorização da cultura do povo Parintintin como um todo.

A floresta, como expresso na fala dos Parintintin, provê seu sustento físico e espiritual, em especial graças às espécies vegetais que lhes proporcionam saúde. Na floresta repousa uma cosmicidade, que revela a hierofania deste lugar, uma emanação mítica da terra (BACHELARD, 1978; DARDEL, 2011). Ela respira a doença e converte-a em saúde quando transpira, pois é dela que sopram ventos de sanidade, de onde irradia a energia que provém da terra. A cura, mediante as espécies vegetais, é o resultado dessas manifestações transcendentais que promovem o equilíbrio do ser com o cosmos.

Os Parintintin da Aldeia Traíra demonstraram grande conhecimento e capacidade de utilização das espécies vegetais para a produção de mohanga e cura de enfermidades, como pode ser constatado na citação de 95 nomes populares de plantas usadas para os mais diversos tipos de tratamentos de doenças. Entretanto, ressalta-se que aqui foram especificadas apenas aquelas que tiveram maior empregabilidade e expressividade para essa coletividade indígena.

O uso e o potencial dos elementos naturais na perspectiva dos etnoconhecimentos não se pautam em uma concepção exclusivamente prática e utilitarista, incluindo uma vasta gama de significados (STRACHULSKI, 2014). As espécies vegetais conhecidas e manejadas por esse povo originário apresentam tanto um valor de cura para enfermidades do corpo, para tratar doenças causadas por micro-organismos, animais, etc., como para fins espirituais, em que na concepção Parintintin buscam expulsar os causadores dos males da alma e proporcionar a proteção espiritual, a partir das orações, rezas e benzimentos.

Evidencia-se que com o contato e ao longo do convívio com a sociedade não indígena os Parintintin adquiriram valores e práticas culturais diferentes das suas, possibilitando a coexistência de realidades, havendo uma articulação entre elementos indígenas e não indígenas, ora harmônica ora divergentemente. Isto posto, torna-se possível a utilização de espécies medicinais da mata e do quintal em conjunto, além dos farmacoquímicos, o que acaba permitindo uma diversificação e expansão de seus etnoconhecimentos.

Não obstante, as práticas xamânicas também se movimentam por um processo de ressignificação e/ou mudança e em diálogo com novos sistemas de ideias, pois se presenciou tanto o benzimento tradicional com o urucum, bem como aquele adquirido pelo intercâmbio cultural e espiritual com o não indígena. A despeito de constantes alterações, o que representa a adaptação e persuasão dos povos indígenas às realidades com as quais necessitam dialogar. As práticas habituais de curas ancestrais continuam presentes em suas vidas e não se descaracterizaram com o contato e convívio com a sociedade envolvente.

Os mohanga encontrados na floresta e de uso imemorial ou as plantas medicinais, cultivadas em seus quintais e de origem não indígena, são espécies amplamente conhecidas e manuseadas pelos Parintintin que com elas mantêm o respeito, visto entenderem que igualmente àquelas existentes na floresta, as de quintal são dotadas de espiritualidade, portanto, importantes para a sanidade do corpo e do espírito.

Desta forma, revelam-se processos culturais híbridos (CANCLINI, 2008), em que seus saberes tradicionais não são esquecidos ou se extinguem, ao contrário, se transformam e evoluem, se adaptam, mas também se impõe. Em relação aos seus etnoconhecimentos, práticas e crenças sobre a doença, processos e instrumentos de cura, ocorrem complementações e integrações, ao invés de exclusões e perdas. Novos componentes se hibridizam e mostram a capacidade dos povos originários de reinvenção e ressignificação do cosmos e de sua apreensão, de serem protagonistas de seus próprios modos de vida, ainda que tenham enormes desafios que são colocados em sua cotidianidade.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de doutorado ao pimeiro autor, oportunizado a realização desta pesquisa.

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VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo Batalha. A natureza em pessoa: sobre outras práticas de conhecimento. In: ENCONTRO VISÕES DO RIO BABEL: CONVERSAS SOBRE O FUTURO DA BACIA DO RIO NEGRO, 1., 2007, Manaus. Anais [...] Manaus: Instituto Socioambiental/Fundação Vitória Amazônica, 2007.

Notas

[1] Primeiramente foram citados nomes em português e depois se buscou na língua materna Tupi-Kawahib. Muitas das espécies vegetais não possuíam os nomes na língua local, pois no passado não eram conhecidas e/ou utilizadas pelos Parintintin. Nestes termos, fez-se um grande esforço por parte de alguns deles, em especial M. G. Parintintin, que falavam e/ou escreviam em Tupi-Kawahib para dar nomes as espécies que conheciam, as quais não possuíam nomes na língua indígena. Foram nomeadas a maioria das espécies identificadas localmente, inclusive aquelas que não possuíam correlação científica. Desta forma, visou-se fortalecer a cultura local, visto que acabaram trazendo para o seu horizonte cultural as espécies vegetais que originalmente não pertenciam ao seu mundo, conferindo significados particulares a estas com a atribuição de nomes Pykahu-Parintintin, além do estimulo aos jovens para que continuem propagando a sua língua e trazendo sentido ao mundo a partir dela.
[2] Conforme Cardozo e Vale Júnior (2012) os Parintintin vivem em cidades como Manaus, Manicoré e Borba, no Amazonas, Porto Velho, Ji-Paraná e Itapuã do Oeste, em Rondônia, locais que os membros deste povo elegeram para morar e buscar novas oportunidades, diferentes daquelas encontradas nas aldeias; também se registra a presença de famílias de Parintintin em aldeias dos povos indígenas Tenharin e Jiahui (Amazonas) e Gavião (Rondônia) (CIMI, 2015), e que estabeleceram relações de matrimônio (MIRANDA et al, 2017).
[3] A saracura não teve sua identificação realizada nem sua imagem utilizada, devido a grande importância que possui para o povo Parintintin no tocante ao uso medicinal. Buscou-se evitar transtornos futuros em relação a proteção de seus recursos naturais, visto que se utiliza a raiz da planta (se faz necessário retirar a planta inteira do solo) e, portanto, ao ser manipulada para remédio ela é automaticamente morta. Destarte, se seu poder de cura for largamente disseminado há a possibilidade de exaustão desse recurso, devido a pressão da sociedade não indígena, que já ocorre localmente, conforme salientou o cacique S. Parintintin (entrevista em 2015).

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