Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA EM SUZANO-SP: aspectos socioespaciais e segregação
THE PROGRAM MINHA CASA MINHA VIDA IN SUZANO - SP: socio-spatial aspects and segregation
EL PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA EN SUZANO - SP: aspectos socioespaciales y segregación
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 18, núm. 02, pp. 447-473, 2020
Universidade Estadual de Montes Claros


Recepção: 11 Setembro 2020

Aprovação: 04 Dezembro 2020

Publicado: 07 Dezembro 2020

DOI: https://doi.org/10.46551/rc24482692202025

Resumo: O Programa minha Casa Minha Vida (PMCMV), política habitacional do governo federal lançada em 2009, foi criado para atacar o problema da falta de acesso à moradia dos mais pobres pelo mercado, por meio de subsídios e apoio a famílias de baixa renda. Não obstante, a política também visou promover o crescimento econômico estimulando o setor de construção civil. Este trabalho tem por objetivo compreender as implicações socioespaciais do PMCMV em Suzano–SP, onde cerca de 1,8 mil pessoas foram contempladas pelo programa. Os procedimentos metodológicos utilizados consistiram no levantamento bibliográfico, pesquisa documental, levantamento de dados secundários, elaboração e aplicação de questionários e sistematização e análise dos dados primários e secundários. Os resultados mostram que, embora o PMCMV reproduza em Suzano uma lógica de segregação socioespacial, com empreendimentos em área periféricas marcadas por problemas ambientais e pela presença insuficiente de equipamentos urbanos, significou uma conquista para os beneficiários, que deixaram de viver em áreas de risco, pagar aluguel ou depender de aluguel social.

Palavras-chave: Produção do espaço, Segregação socioespacial, PMCMV, Suzano.

Abstract: The Program Minha Casa Minha Vida (PMCMV – My House My Life) is the current housing policy that was launched in 2009 by the Federal Government to solve the lack of access to housing for poor people. Besides offering subsidies and support to low-income families, this policy also aimed to promote economic growth by strengthening the civil construction sector. This paper aims to understand the socio-spatial implications of PMCMV in Suzano – SP, where approximately 1,800 people received access to housing. The methodological procedures used consisted of current literature searches and review, documentary investigations, secondary data collection, preparation and use of questionnaires, as well as systematization and analysis of data. The results show that, despite the PMCMV reproduces in Suzano a logic of socio-spatial segregation, with housing units in peripheral areas marked by environmental problems and the insufficient presence of urban equipment, it means a conquest for the beneficiaries, who stop living in areas of cliff, pay rent or depend on social rent.

Keywords: Production of space, Socio-spatial segregation, PMCMV, Suzano.

Resumen: El Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) es una política del gobierno federal lanzada en 2009 que ha sido creada para intentar resolver el problema de la falta de acceso a la vivienda para familias de bajos ingresos, a través del mercado. Sin embargo, la política también tenía como uno de sus principales objetivos, promover el crecimiento económico del país impulsando el sector de la construcción civil. Este trabajo tiene como objetivo comprender las implicaciones socioespaciales causadas por la implementación del PMCMV en Suzano - SP, en donde alrededor de 1.800 personas fueron beneficiadas con el acceso a la vivienda. Los procedimientos metodológicos aplicados consistieron en la síntesis y revisión sistemática de la literatura existente, investigaciones documentales, preparación y aplicación de cuestionarios, y recopilación, sistematización y análisis de datos primarios y secundarios. Los resultados muestran que, si bien el PMCMV ha reproducido una lógica de segregación socioespacial en Suzano, con emprendimientos en zonas periféricas marcadas por problemas ambientales y por la insuficiente presencia de equipamientos urbanos, por otro lado significó un logro para los beneficiarios, que dejaron de vivir en zonas de riesgo, pagar renta o depender de renta social.

Palabras clave: Producción del espacio, Segregación socioespacial, PMCMV, Suzano.

INTRODUÇÃO

O processo de estruturação da cidade de São Paulo consolidou o fenômeno da segregação socioespacial (QUINTO JR, 2003). As cidades desenvolvidas em torno da grande metrópole caracterizam-se como cidades “dormitórios” e viabilizam o processo de periferização. A cidade de Suzano possui um histórico processo de formação territorial e social que coincide com o crescimento da metrópole paulistana (LANGENBUCH, 1971), apresentando uma estrutura de urbanização apoiada no crescimento econômico da grande metrópole e um quadro urbano problemático, cuja análise coloca-se como necessária para a compreensão dos condicionantes socioespaciais, especialmente aqueles ligados ao plano das políticas habitacionais e da segregação socioespacial.

Nesse sentido, neste trabalho, nosso propósito é compreender as implicações socioespaciais do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) na cidade de Suzano (figura 1). O município de Suzano está localizado na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), no Alto Tietê, possui uma área territorial de 206.24 km2 e, segundo projeções da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), conta com uma população estimada de 291.002 habitantes no ano 2020.


Figura 1
Localização de Suzano na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)
Vallim; Travassos, 2019.

O PMCMV, iniciado no ano de 2009, é uma política habitacional do governo federal que visa atacar o problema da falta de acesso à moradia pelos mais pobres pelo mercado, por meio de subsídios e apoio a famílias de baixa renda. Contudo, a política também foi criada com a finalidade de promover o crescimento econômico ancorado no setor de construção civil, permitindo a reprodução ampliada dos capitais de agentes econômicos diversos (bancos, construtoras e incorporadoras, proprietários de terras etc.). Na cidade de Suzano, foram contratados 14 empreendimentos do PMCMV na faixa 1, dos quais seis já foram entregues.

A cidade de Suzano, segundo o último censo do IBGE (2010), possui em torno de 1.400 domicílios classificados como subnormais, sendo que cinco deles estão localizados na porção norte da cidade. Esses cinco aglomerados contavam com uma população de 3.267 pessoas, representando 57% dos moradores em aglomerados subnormais. Até o ano de 2018, com a entrega das seis unidades, cerca de 1,8 mil pessoas foram contempladas pelo PMCMV, sendo que a maior parte dos empreendimentos entregues se encontra também na porção norte da cidade. No extremo norte, o relevo é mais acidentado e entrecortado por rios e córregos (estando sujeito a alagamentos) e por menor presença de equipamentos urbanos.

Neste texto, nosso propósito é analisar as implicações dessa política habitacional cidade de Suzano, a fim de verificar número e estratos de famílias atendidas, localização dos empreendimentos, presença de equipamentos e serviços urbanos, entre outros. Os procedimentos metodológicos consistiram no levantamento bibliográfico, levantamento de dados primários e secundários sobre a disposição de equipamentos urbanos nas áreas de construção das habitações vinculadas ao programa, realização de questionários com famílias beneficiadas pelo programa, sistematização e análise dos dados primários e secundários, entre outros.

Além desta introdução, o artigo está estruturado em cinco partes, levando em conta as considerações finais e as referências. Na primeira, discutimos a produção do espaço e a segregação socioespacial. Em seguida, analisamos as políticas habitacionais no Brasil, com destaque para o PMCMV. Na terceira parte, analisamos a implementação do PMCMV na cidade de Suzano e suas implicações socioespaciais. Ao final, constam as considerações finais e as referências utilizadas.

Segregação socioespacial: alguns apontamentos

A urbanização apresenta uma nova etapa de organização espacial, podemos observar sua intrínseca ligação com o desenvolvimento industrial (LEFEBVRE, 2001), disseminada como um aporte fundamental na expansão econômica do capital em sua fase industrial. Sob a industrialização, “a cidade se tornou força produtiva do capital com a concentração de capital fixo capaz de permitir que os momentos de realização do ciclo econômico pudessem constituir-se em sua totalidade” (CARLOS, 2018, p. 98). Assim, a produção do espaço urbano sob a égide do processo de acumulação e generalização da mercadoria “torna o uso do espaço da cidade cada vez mais dominado pelo valor de troca” (CARLOS, 2018, p. 98).

No Brasil, o processo de urbanização possui singularidades em sua configuração, na medida em que não emerge como resultado direto da industrialização, senão vinculado às atividades de monoculturas do setor agrícola (OLIVEIRA, 1982). Não obstante, os nossos espaços urbanos acompanharam a materialização de espacialidades desiguais, representadas pelo fenômeno da segregação socioespacial. A partir de meados do século XX, o processo de urbanização relacionado a uma industrialização poupadora de mão de obra, bem como a uma intensa exploração do trabalho e concentração da riqueza, colocou um contingente populacional significativo no setor informal da economia e em lugares acessíveis às suas rendas, especialmente nas periferias “com seus terrenos baratos pela ínfima ou total falta de infraestrutura ou construindo as favelas nas áreas onde a propriedade do solo não vigorava” (CARLOS, 2018, p. 98).

Segundo Lefebvre (2001), a dinâmica fomentada pelas relações de produção do espaço já caracterizam desigualdades estruturais, pois temos “o ordenamento do espaço segundo as exigências do modo de produção capitalista, ou seja, da reprodução das relações de produção (LEFEBVRE, 2001, p. 21). Nesse sentido, encontramos elementos teóricos aplicáveis à compreensão das práticas capitalistas na produção das desigualdades socioespaciais. “Um aspecto importante, talvez essencial, dessa prática, aparecerá: a fragmentação do espaço para venda e compra (a troca)” (LEFEBVRE 2001, p. 21). Dessa forma, podemos compreender a utilização do espaço como mercadoria, entrelaçada a ações especulativas de obtenção de lucro, fonte primária das atividades capitalistas, no seu quadro de reprodução dos condicionantes materiais.

O espaço, em suas diversas utilizações socioeconômicas, deixa ou reencontra finalidades adversas a sua condição original de habitat humano e passa a ser instrumento de atividades econômicas e especulativas no modo capitalista de produção. O espaço como condição, meio e produto da reprodução social, quando submetido à lógica capitalista, marca a passagem da cidade produzida como lugar da vida (como valor de uso) para a cidade produzida como valor de troca, que se impõe aos demais usos (CARLOS, 2018). O que temos é uma mercantilização do espaço, cuja incorporação das múltiplas práticas humanas sobre o mesmo passa a participar integralmente de sua lógica de funcionamento.

No curso do processo acelerado de urbanização, uma grande parte dos trabalhadores e das classes médias foi, portanto, alojada de uma maneira relativamente aceitável, mas sem invenção arquitetônica ou urbanística. Ao contrário, essa expansão das cidades é acompanhada de uma degradação da arquitetura e do quadro urbanístico. As pessoas, sobretudo os trabalhadores, são dispersadas, distanciadas dos centros urbanos. O que dominou essa extensão das cidades é a segregação econômica, social e cultural. O crescimento quantitativo da economia e das forças produtivas não provocou um desenvolvimento social, mas, ao contrário, uma deterioração da vida social (LEFEBVRE, 2001, p. 11).

A partir da acepção teórica do autor, podemos delinear alguns pontos de convergência entre a urbanização nos países “desenvolvidos” e nos países periféricos como o Brasil. Nosso processo de urbanização apresenta forma abrupta no seu desenvolvimento (SANTOS 1994), nesse sentido, a análise de Lefebvre (2001) - cuja expansão das cidades aparece associada à precarização e segregação - pode ser válida para compreensão de nossa realidade urbana. Segundo Santos (1994, p. 10),

A cidade em si, como relação social e como materialidade, torna-se criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico de que é suporte como por sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortiços) pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas, também, do modelo espacial.

A organização do espaço intraurbano apoia-se em orientações unilaterais, ou seja, conflui com as necessidades de organização da produção e reprodução do grande capital (SANTOS, 1994), motivando uma espacialidade desigual a qual nos parece previamente planejada, colocando a produção do espaço urbano totalmente desvinculada de objetivos sociais, ou seja, a organização espacial das cidades não apresenta como centralidade aspectos associados ao elemento social. A segregação (diferença nas formas de acesso à moradia, ao transporte urbano e aos espaços públicos) emerge como o negativo da cidade e da vida urbana, como expressão da dialética de produção do espaço urbano como valor de uso e valor de troca (CARLOS, 2018).

Embora o espaço urbano tenha como característica, em qualquer sociedade, a fragmentação - áreas distintas quanto à gênese, dinâmica, conteúdo, paisagem etc. – (CORRÊA, 2018), sob o capitalismo moderno essa fragmentação, engendrada em grande parte pela segregação residencial, muda de magnitude. Conforme salienta Souza (2010), os espaços residenciais sempre se diferenciaram ao longo da história da urbanização, estando presente já na antiguidade e relacionados à pobreza, etnia, entre outros fatores, mas é sob o capitalismo moderno que temos uma mudança não apenas de magnitude no padrão de segregação residencial, como também na sua complexidade espacial.

O capitalismo trará consigo uma separação crescente entre local de trabalho e local de moradia, e os locais de moradia dos proletários tenderão a se distanciar dos locais de moradia dos industriais e, até certo ponto, e cada vez mais, também dos locais de moradia dos pequeno-burgueses e profissionais liberais – enfim, da dita classe média (SOUZA, 2010, p. 69).

A diferenciação entre as áreas residenciais tende, cada vez mais, a refletir a diferenciação entre grupos sociais, especialmente a sua posição enquanto classe social. As “diferenças econômicas, de poder, de status etc. entre diversos grupos sociais se refletem no espaço, determinando ou, pelo menos, influenciando decisivamente onde os membros de cada grupo podem viver (SOUZA, 2010, p. 67). Este autor acrescenta, além dos fatores socioeconômicos, fatores étnicos, culturais e linguísticos como responsáveis pela diferenciação entre áreas residenciais.

Embora sob outro prisma teórico, Carlos (2018, p. 97) também realça que “a segregação está posta como fenômeno urbano que acompanha a criação das cidades em vários momentos de sua história”. Mas é sob o capitalismo que ganha outra forma, enquanto “produção do espaço – mercadoria como momento de realização do processo de acumulação” (CARLOS, 2018, p. 97). Segundo a autora, na produção do espaço urbano, “a segregação aparece como forma lógica da separação dos elementos constitutivos da cidadania ligados ao capital, que hierarquiza e separa como forma positiva de diferenciação” (CARLOS, 2018, p. 97). A segregação ganha realidade com “a separação/apartamento, condicionando as relações sociais, assim como o modo como cada cidadão se apropria do espaço” (CARLOS, 2018, p. 96).

Na mesma direção, considerando as classes sociais e suas frações como conteúdo essencial embora não exclusivo, Corrêa (2018, p. 40) afirma que:

[...] a segregação residencial é compreendida, então como estado intrinsecamente vinculada às classes sociais em seus espaços de existência e reprodução. A segregação residencial diz respeito, assim, à concentração no espaço urbano de classes sociais, gerando áreas sociais com tendências à homogeneidade interna e à heterogeneidade entre elas.

As abordagens delineadas apresentam elementos econômicos e sociais constitutivos do processo de segregação residencial. Analisando o fenômeno da segregação no bojo do processo de urbanização brasileira, percebemos algumas singularidades. Em alguns países, como os Estados Unidos, a segregação residencial segue grupos sociais específicos, ou seja, parcelas da sociedade menos expressivas em quantidade, já a nossa realidade agrava-se de forma relevante, pois a maior parte da população brasileira sofre com essa mazela, ainda que haja associação ou correlação entre etnicidade e pobreza (SOUZA, 2010).

É nesse contexto de especificidades que Vasconcelos (2018, p. 17) afirma que “as desigualdades sociais se refletem no espaço urbano e as formas resultantes delas diferem em função de cada contexto específico”. O autor alerta para a tradução e incorporação automática de noções e conceitos elaborados em outros contextos e realidades para analisar a nossa realidade, particularmente o conceito de segregação, que tem sido utilizado para explicar coisas demais. Nesse sentido, defende que o conceito de segregação deveria “ter sua utilização limitada a contextos históricos e nacionais específicos”, pois perde “o caráter heurístico quando se procura tudo explicar” (VASCONCELOS, 2018, p. 34).

Na mesma direção, Sposito (2018) salienta que o conceito de segregação mudou ao longo do tempo, inclusive de conteúdo, sendo amplamente desenvolvido pela Escola de Chicago e depois incorporado criticamente pela sociologia urbana francesa. Nesse sentido, a autora defende que tratemos das “especificidades da segregação segundo os componentes de cada realidade socioespacial” (p. 62). Além disso, reforça a necessidade de distinguir a segregação de outros termos e noções (exclusão social, marginalização espacial etc.), delimitar seu conteúdo (determinações, formas de expressão espacial, práticas espaciais que engendra, sujeitos sociais etc.), relacionar a escala geográfica de análise (relação entre parte e conjunto da cidade) e valorizar as dimensões que apóiem na compreensão das determinações (políticas, econômicas, étnicas etc.) em cada formação socioespacial.

Sposito (2018) entende que o conceito de segregação é muldimensional e deve ser entendido a partir de alguns pontos. O primeiro é que apenas cabe aplicar este conceito “quando as formas de diferenciação levam à separação espacial radical e implicam rompimento, sempre relativo, entre a parte segregada e o conjunto do espaço urbano” (SPOSITO, 2018, p. 65). O segundo é que existem muitas formas de se adjetivá-la (residencial, urbana), mas a “segregação socioespacial” contém duas dimensões mais importantes de sua constituição. A segregação é, ainda, sempre de natureza espacial, não se constituindo nem podendo se revelar sem a dimensão espacial. O quinto ponto é que se trata de um processo e, portanto, sua espacialidade só pode ser apreendida considerando as múltiplas temporalidades da vida urbana. Existe uma indissociabilidade entre objetividade e subjetividade na constituição dos espaços da segregação. O último ponto se relaciona ao anterior, em que a segregação vincula-se a sujeitos sociais envolvidos no processo, englobando quem segrega e os que estão segregados.

Desse modo, podemos traçar algumas considerações sobre o fenômeno de segregação socioespacial recorrente em nossa realidade. A construção das grandes cidades brasileiras, cujo enorme contingente populacional veio abrigar, reforçou o papel dos núcleos centrais de decisão econômica e política por sua centralidade espacial, decorrendo desse modelo nítida separação entre a área residencial dos trabalhadores e área residencial dos estratos de renda média e alta. Como nos aponta Correa (2018), a política de classe, ou seja, os mecanismos políticos e econômicos monopolizados e desfrutados pela elite contribuem de maneira significativa para o fomento das desigualdades forjadas no espaço.

Desde finais do século XX, outros elementos decorrentes do processo de reestruturação produtiva do capital, como a financeirização da economia, também auxiliam no desenvolvimento de novos mercados e na reprodução do espaço urbano em fragmentos como extensão do mundo da mercadoria, agravando o nosso quadro de desigualdade socioespacial. Há a ampliação de novas ações do grande capital representadas pelo setor de especulação imobiliária concomitante à mercantilização do espaço, engendrando, na maior parte das grandes cidades brasileiras, uma configuração espacial excludente (VOLOCHKO, 2015; SANTOS, 2015). O PMCMV se insere nesse contexto, permitindo a reprodução ampliada de capitais represados de diferentes frações do capital (financeiro, incorporadores, construtoras) e engendrando o aprofundamento da periferização, ou seja, a materialização de aglomerados habitacionais precários localizados nas franjas urbanas das grandes cidades brasileiras.

Políticas habitacionais no Brasil

As primeiras ações estatais na oferta de habitação popular datam de finais do século XIX, durante o período republicano, com a promulgação de decretos autorizando a atuação do estado na construção de casas para o aluguel, bem como a ação de terceiros e de setores tradicionais na produção da moradia. Nos anos 1920, a caixas de aposentadorias e pensões de trabalhadores também tiveram atuação indireta na construção de unidades habitacionais. Sob o governo de Getúlio Vargas, nos anos 1930, a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio resultou na unificação dos institutos de aposentadoria e pensão do setor funcional, permitindo ao estado financiar a previdência dos trabalhadores e também os projetos de infraestrutura.

Contudo, apesar dessas iniciativas, é apenas com a criação da Fundação da Casa Popular, em 1946, que temos um órgão federal com fundos unificados e objetivo explícito de produzir moradia urbana e rural para os trabalhadores. Até 1964, a fundação apoiou a produção de 17.832 unidades, enquanto os institutos de previdência foram responsáveis por 31.099 unidades. Além da concentração da construção de moradias nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente, a produção de moradias propiciada tanto pelos institutos previdenciários quanto pela Fundação “esteve longe de atender a necessidade de moradia decorrente do processo de urbanização da sociedade industrial no Brasil e ainda mais longe de atender à necessidade de habitação das classes de menor renda” (BOTAS; KOURY, 2014).

Entre finais dos anos 1950 e início dos anos 1960, o Brasil conhece as contradições de seu modelo de crescimento, com o esgotamento do Plano de Metas, o aumento do desemprego, a elevação da inflação, o incremento dos descontentamentos sociais, entre outros. A situação do setor habitacional era uma das mais graves, pois, com o crescimento explosivo da demanda por habitação – em função da urbanização acelerada -, o cenário foi marcado por uma inibição dos investimentos estatais, contribuindo para o aumento do déficit habitacional (SANTOS, 1999).

Segundo Santos (1999, p. 10), a concessão de empréstimos a valores nominais causava uma distorção no mercado, pois premiava os mutuários que pagavam em cruzeiros desvalorizados, afastava a poupança voluntária com as taxas de juros negativas e diminuía a possibilidade de aplicação das poucas instituições existentes. A resposta dos militares ao problema consistiu na criação de um mecanismo de poupança de longo prazo com correção monetária.

O período que inaugura o provimento de políticas habitacionais de maior escala no Brasil data do início dos anos 1960, concomitantemente ao período ditatorial. Com a centralização do poder político durante o regime militar, temos a configuração de meios institucionais que possibilitaram o surgimento de instrumentos políticos e econômicos com a finalidade de reduzir o déficit habitacional, representados pela criação do Banco Nacional de Habitação (BNH). Durante os anos 1964 a 1986, quando esteve vigente o BNH, a política nacional de habitação foi marcada por uma evidente estratégia de atuação. Segundo Bonduki (2008, p. 73), havia uma

estrutura institucional de abrangência nacional, paralela à administração direta, formado pelo BNH e uma rede de agentes promotores e financeiros (privados ou estatais) capazes de viabilizar a implementação em grande escala das ações necessárias na área da habitação e fontes de recursos estáveis, permanentes e independentes de oscilações políticas.

Ao longo do período de funcionamento do BNH foram financiadas a construção de 4,3 milhões de unidades novas, sendo que o setor popular contou com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para 2,4 milhões de unidades, enquanto a classe média recebeu financiamento, por meio do Sistema Brasileiro de Poupança (SBPE), de 1,9 milhão de habitações. Contudo, apesar da significativa produção habitacional, “ela esteve muito aquém das necessidades geradas pelo acelerado processo de urbanização que ocorreu no Brasil, na segunda metade do século XX” (BONDUKI, 2008, p. 73). O déficit habitacional não é suprido dentro do contexto de políticas estruturais desencadeadas pelo BNH, o que observamos, ao longo de sua existência, é a sua desvinculação do setor habitacional para atender os setores privados vinculados à produção do espaço urbano.

Entretanto, devemos definir alguns pontos relevantes ligados a essa inicial tentativa de sanar o déficit habitacional no Brasil. A capacidade de organização do estado nacional, associada às fontes de recursos estáveis, deve ser considerada como uma política de grande alcance e viável em seu aspecto econômico. Desse modo, não podemos negar uma política habitacional em moldes estruturais extremamente necessária para nossa realidade social, no entanto, é necessário pontuar suas contradições.

A conjuntura política e econômica existente no período de consolidação do BNH apresenta uma forte centralização mediada pela intervenção militar no Brasil. A promoção de políticas habitacionais está diretamente associada ao caráter populista desses governos. Ou seja, tem por objetivo alimentar uma base popular de sustentação do governo militar. E, por outro lado, inclui uma proposta de crescimento econômico fundamentada no setor de construção civil habitacional.

O Banco Nacional de Habitação, criado após o golpe em 1964, foi uma resposta do governo militar à forte crise de moradia presente num país que se urbanizava aceleradamente, buscando, por um lado, angariar apoio entre as massas populares urbanas, segmento que era uma das principais bases de sustentação do populismo afastado do poder e, por outro, criar uma política permanente de financiamento capaz de estruturar em moldes capitalistas o setor da construção civil habitacional, objetivo que acabou por prevalecer (BONDUKI, 2008, p. 72, grifo nosso).

Bonduki (2008) revela as intencionalidades subjacentes ao projeto de habitação, no qual os moldes capitalistas de produção de habitação merecem um aprofundamento teórico e analítico. A estrutura de organização social desigual da sociedade brasileira reverbera em sua configuração espacial, o déficit habitacional está diretamente relacionado ao processo histórico excludente de formação territorial do país. O processo abrupto de urbanização brasileira a partir das décadas de 1950, produzindo grande demanda por habitação nos grandes centros urbanizados, e a estrutura monopolística de concentração de terra, impedindo qualquer possibilidade de distribuição de terra (MARTINS, 2009), contribuíram para uma configuração territorial nacional incongruente (BASTIDE, 1964).

Porquanto o estabelecimento de práticas fundamentalmente capitalistas, no bojo de uma questão social basilar para qualquer sociedade como a habitação, demonstra descompromisso com a função pública de administração, associada ao favorecimento de setores específicos da sociedade. O desequilíbrio social no Brasil impede que a grande massa populacional tenha acesso à habitação pelo “mercado”, a ampliação do poder de compra da classe trabalhadora em países de economia avançada não ocorre da mesma maneira em países subdesenvolvidos como o Brasil.

Uma significativa diferença marca a situação da força de trabalho nos países capitalistas avançados, para quais essas afirmações genéricas são válidas, em relação à força de trabalho em países de industrialização tardia, como é o caso do Brasil. Embora grande parte dela esteja incorporada ao mercado de consumo de bens industriais, a habitação, para sua grande maioria, não é produzida ou comercializada através de relações tipicamente capitalistas (MARICATO, 1987, p. 20).

Observando as reflexões da autora, aproximamos nossas elucidações aos problemas estruturais existentes no quadro das habitações populares no Brasil, num contexto de reprodução da dinâmica capitalista, o consumo de bens e serviços foi ampliado. Entretanto, alguns itens fundamentais para a reprodução da classe trabalhadora, tais como a habitação, não foram oferecidos de tal forma a contemplar a maioria da população, sendo que toda essa condição se estabeleceu de forma permissível aos olhos do poder estatal.

O golpe militar foi a síntese de uma coalizão conservadora que, face ao esgotamento da industrialização e a intensificação das contradições sociais (entre elas, as demandas pelo direito à moradia), impôs uma agenda centralizadora e conservadora (SINGER, 1985). As políticas habitacionais devem ser analisadas neste contexto de crise e agenda conservadora, em que a construção de moradias visa atender, antes de tudo, o crescimento do setor da construção civil, por conta de suas repercussões positivas (geração de emprego e renda, extravasamento setorial para outras atividades econômicas, como cimento, siderurgia etc.)

Como destaca Santos (1999), o BNH tornou-se a principal instituição definidora de política urbana e promotora da indústria da construção civil no país. Essas medidas de financiamento dos programas de infraestrutura habitacional resultaram em grande fracasso, por conta da extrema concentração econômica associada à lógica capitalista de produção. Assim, assistimos ao desmonte de políticas estruturais no âmbito habitacional, os sucessivos períodos apresentam uma desconcentração institucional das políticas de cunho habitacional, cuja função é absorvida por diferentes esferas institucionais, como estados e municípios.

Com a ascensão política dos partidos progressistas nas primeiras décadas do século XXI, temos a retomada de políticas habitacionais guiadas por órgãos e instituições federais, representados pela criação do Ministério das Cidades. O ministério assumiu papel de coordenador, gerador e formulador da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, além de um papel importante na montagem e qualificação dos entes federados de uma estratégia nacional visando minorar os problemas urbanos das cidades brasileiras.

Entretanto, as ações em torno do quadro habitacional promovida pelos sucessivos governos progressistas reproduzem fatores econômicos existentes nos períodos predecessores. O PMCMV, lançado em 2009, durante o segundo governo Lula, foi anunciado como uma política anticíclica – para conter os efeitos da crise econômica global sobre a economia nacional –, como uma política de redução do déficit habitacional do país, mediante oferta de incentivos à compra de unidades habitacionais (ROLNIK et al., 2015). A meta inicial era a construção de um milhão de moradias até meados de 2011. Na segunda fase, entre 2011 e 2014, durante os governos Lula e de Dilma Rousseff, a meta foi ampliada para dois milhões de moradias. Cada uma dessas fases propunha construir um milhão de moradias para famílias com renda inferior a 10 salários mínimos.

A gestão operacional do MCMV, que passou a exercer a função de receber e aprovar (ou não) as propostas de construção dos empreendimentos submetidas por empresas da construção civil, coube à Caixa Econômica Federal (CEF). Conforme destaca Marques; Rodrigues (2013, p. 161), “aos governos locais coube principalmente a viabilização da questão da terra, após a adesão ao programa junto à caixa econômica federal (CEF)”. A esse respeito, Rolnik et al. (2015, p. 130-131) afirmam

A convergência de interesses de construtoras, governos locais e o Governo Federal em fazer o programa "rodar" suplantou preocupações com aspectos como a qualidade urbanística do entorno dos empreen­dimentos e a articulação da oferta habitacional com uma política fundiária abrangente, uma vez que considerações desse tipo afetariam a velocidade de sua implementação.

Os autores supracitados reforçam que o PMCV foi criado num momento específico do setor imobiliário, cujas empresas haviam aberto capital em bolsa e comprado um estoque de terrenos. Com a oferta superior à demanda, aliada à crise internacional, o programa cumpriu um papel ao evitar a falência das empresas, “mantendo a oferta de crédito no patamar necessário para que o setor pudesse manter suas atividades em ritmo acelerado e, assim, dar vazão ao capital imobilizado na formação de estoques de terra (ROLNIK et al., 2015, p. 131). Assim, o programa se afastou das diretrizes contidas na política habitacional, tornando-se uma política atrelada a fatores macroeconômicos e setoriais (ARANTES; FIX, 2009).

Os estoques de terras controlados pelos setores imobiliários e viabilizados pelos governos locais são visíveis na análise do PMCMV em Suzano, cuja demanda por terrenos de baixo valor configura-se como principal estratégia. O governo local é submetido aos interesses especulativos dos setores imobiliários e da construção civil, dois dos principais agentes (CORRÊA, 1995) definidores da localização dos empreendimentos em direção às áreas onde o valor da terra é menor e onde temos falta de estrutura urbana e uma série de problemas socioambientais. Por se tratarem de construções para atenderem a faixa 1, a margem de retorno do capital é menor, daí as estratégias dos agentes econômicos de periferização, com pouca presença de equipamentos urbanos, verticalização e compra de terrenos desvalorizados em fundos de vales.

Programa Minha Casa Minha Vida em Suzano

Na cidade de Suzano, situada na Região Metropolitana de São Paulo, estão sendo construídas quase 2 mil unidades habitacionais para famílias que se enquadram na faixa 1 do programa, ou seja, famílias que comprovem rendimentos de 1 a 3 salários mínimos. A implantação desse programa ocorre numa estrutura espacial marcada, historicamente, por um processo de segregação socioespacial, que foi sendo forjada no bojo do próprio processo de urbanização e industrialização, a partir dos anos 1970.

Suzano contava, no ano de 2010, com cerca de 262.480 habitantes, sendo que aproximadamente 2% da população encontrava-se nos aglomerados subnormais evidenciados pelo censo demográfico do IBGE. Ao todo, eram mais de 1.400 domicílios classificados como subnormais, distribuídos por 15 aglomerados subnormais, com maior representatividade os aglomerados de Cidade Miguel Brada Jaguari G1, Cacique, Jd. Belém, Jardim Luela e Jardim Varan, com 100 ou mais domicílios, sendo a maior parte deles localizados na porção norte. Esses cinco aglomerados contavam com uma população de 3.267 pessoas, representando 57% das pessoas moradoras em aglomerados subnormais na cidade.

A implementação do PMCMV em Suzano visa atender cerca de 1,8 mil pessoas, resultado do crescimento socioespacial da cidade, aliado à ampliação da favelização e periferização. É importante ressaltar que, de um universo de mais de 5 mil pessoas vivendo em aglomerados subnormais, as unidades habitacionais entregues estão aquém da demanda por moradia. Os imóveis entregues não atenderam nem a metade das pessoas residentes em aglomerados subnormais, isso porque não foram consideradas as famílias fora dos aglomerados subnormais que se situam na faixa 1 (1 a 3 salários mínimos) do programa habitacional.

Nosso recorte espacial para a análise das contradições reproduzidas em Suzano pelo PMCMV é a porção norte da cidade, por conta da maior densidade demográfica, concentração dos empreendimentos populares e porque os empreendimentos na porção sul ainda não foram entregues. Os empreendimentos que analisamos estão situados na franja urbana do extremo norte da cidade, nas extremidades do limite territorial do município. Os empreendimentos estão dispostos numa área de complicações de ordem socioespacial (GALLEGO, 2017), muitos deles foram construídos próximos a rios ou em fundos de vale.

O extremo norte da cidade contém vários bairros localizados em áreas de fundo de vale. As características físicas naturais possuem intrínseca relação com a dinâmica fundiária e urbanística, as espacialidades com menor valor fundiário apresentam-se permeadas por condicionantes naturais. Áreas próximas a córregos e rios de grande porte, como o Tietê, estão sujeitas a alagamentos, diminuindo consideravelmente o valor fundiário. Todos os empreendimentos analisados se encontram em áreas de valor fundiário depreciado por aspectos estruturais e problemáticas ambientais.

Além dos fatores ambientais, temos alinhado a essas problemáticas o distanciamento das áreas urbanizadas, identificado como outro elemento de redução do valor fundiário. Quanto mais afastados do centro e das centralidades comerciais e de serviços, mais os terrenos diminuem seu valor de mercado. Essa é a lógica mercadológica que se estabelece a partir da ampliação das relações capitalistas no setor de construção de habitações populares, contribuindo para a [A1] ampliação do processo de segregação socioespacial (BARBOSA, 2014; SPOSITO, 2018).

No trabalho de campo, realizamos uma observação sistemática dos locais de instalação dos empreendimentos e áreas adjacentes, visando identificar a presença de espaços de lazer e recreação, a existência de equipamentos urbanos (postos e unidades de saúde, segurança pública, iluminação, pontos e linhas de ônibus, escolas e creches, centralidades comerciais e de serviços, entre outros). Os empreendimentos onde aplicamos os questionários encontram-se elencados na tabela 1.

Tabela 1
Empreendimentos do PMCMV estudados

Secretaria Municipal de Habitação de Suzano, 2019.

Das 1.796 unidades habitacionais construídas e entregues em Suzano, a Construtora Cury foi responsável por 600 unidades (33,4%), seguida pela MRV Engenharia, com 440 unidades habitacionais (24,5%). As demais construtoras, Construquali e YPS, entregaram 378 unidades cada uma (ou 21,5% cada uma). Considerando nosso universo de 1.796 famílias contempladas pelo PMCMV, adotamos um nível de confiança de 95%, ideal para representar as posturas da população em questão. Com a amostra de 180 questionários, nossa margem de erro ou intervalo de confiança é de 7%. Distribuímos os questionários proporcionalmente segundo o tamanho de cada empreendimento.

A partir do trabalho de campo realizado nos empreendimentos que foram entregues, notamos que os respondentes do Condomínio Avenida Paulista II e do Residencial Esmeralda exibem uma concentração da distribuição até três pessoas por residência (figura 2).


Figura 2
Quantidade de pessoas residentes na habitação
Trabalho de campo, 2019.

Nos demais conjuntos habitacionais temos um maior número de moradores por habitação, situando na classe de 4 ou mais pessoas. No Condomínio Residencial Topázio, 58% dos respondentes declaram ter 4 ou mais pessoas nos seus apartamentos, seguidos por 55% no Solar das Oliveiras e por 51% no Solar das Hortências. Esses dois últimos estão situados no extremo norte, enquanto aquele está localizado na porção nordeste. Nos conjuntos habitacionais Solar das Hortências e Solar das Oliveiras, esse maior número de habitações com quatro ou mais pessoas é agravado pelo percentual de desempregados ou trabalhadores em situação informal e pela baixa renda auferida pelos respondentes.

O indicador de escolaridade mostra um predomínio nas faixas de ensino médio incompleto e ensino médio completo para quase todos os empreendimentos (figura 3), com exceção do Residencial Esmeralda, onde 14 (37%) dos respondentes declararam ter ensino fundamental incompleto. O maior percentual com ensino médio completo foi apresentado nos Solares das Hortências e das Oliveiras, com 38% (9 respondentes cada), seguido por Condomínio Residencial Topázio, com 34% (13 respondentes).


Figura 3
Grau de escolaridade dos moradores nos condomínios
Trabalho de campo, 2019.

O maior percentual de ensino superior completo e incompleto pode ser encontrado nos condomínios Topázio, Avenida Paulista I e Avenida Paulista II, nos quais em torno de 20% dos respondentes dos questionários declararam ter cursado ou estar cursando algum curso de nível superior. Nos demais condomínios, Solar e Hortências, o percentual para ensino superior (completo ou incompleto) é inferior a 10%. De todos os condomínios, o Esmeralda é o que apresenta percentual elevado com ensino fundamental incompleto ou completo, totalizando quase 50% dos respondentes.

A variável grau de escolaridade mostra, em termos gerais, que grande parte dos respondentes dos questionários se situa na faixa de ensino fundamental (incompleto ou completo) e ensino médio (completo ou incompleto), com destaque para os condomínios Residencial Esmeralda, Solar das Hortências e Solar das Oliveiras. Estes dois últimos são aqueles situados no extremo norte da cidade, mais distantes do centro histórico, carentes de equipamentos urbanos e imersos a problemas recorrentes de alagamentos. É importante essa variável de escolaridade porque ela tem implicações na inserção laboral das pessoas, tendo em vista que a baixa qualificação é um fator que impede ou dificulta o acesso a postos de trabalho formais que exigem alguma qualificação profissional.

Conforme vimos anteriormente, os participantes do PMCMV, na faixa 1, devem ter renda mensal entre um e três salários mínimos para se enquadrarem no programa. Dos seis empreendimentos inaugurados, cinco deles são habitados por moradores com renda mensal de até um salário mínimo, com percentual superior a 50% dos respondentes. Apenas o Residencial Esmeralda apresenta percentual inferior, com 47% nessa faixa, mas sem dúvida a maior perante as demais (figura 4).


Figura 4
Faixa de renda dos moradores nos condomínios
Trabalho de campo, 2019.

Na faixa até dois salários mínimos, o maior percentual pode ser encontrado no Residencial Solar das Hortências (46%), Residencial Esmeralda (45%), Solar das Oliveiras (40%) e Avenida Paulista I (34%). Em seguida, temos Condomínio Residencial Topázio (31%) e Avenida Paulista II (30%). Grande parte dos respondentes se situa nas faixas de um a dois salários mínimos. Entre dois e três salários mínimos, o percentual é bem menos expressivo, destacando-se Avenida Paulista I (10%), Avenida Paulista II (10%) e Condomínio Residencial Topázio (8%). Os dois primeiros estão localizados mais perto do centro histórico e comercial da cidade de Suzano, enquanto o último situa-se na porção nordeste.

A situação de baixa renda tem impacto não apenas no acesso a bens e serviços essenciais à reprodução social, mas ainda outra perversidade com relação à forma de inserção no mercado de trabalho (figura 5). Com exceção do Avenida Paulista I, onde temos 50% dos respondentes inseridos no mercado de trabalho formal, os respondentes dos demais empreendimentos estão, em sua maioria, numa situação de desemprego ou inserção precária no mercado de trabalho.


Figura 5
Situação da inserção laboral dos informantes
Trabalho de campo, 2019.

Exceto pelo Avenida Paulista I, nos outros empreendimentos o percentual de trabalhadores com inserção no mercado formal apresenta a seguinte situação: Condomínio Residencial Topázio (42%), Residencial Esmeralda (39%), Avenida Paulista II (33%), Solar das Hortências (17%), Solar das Oliveiras (10%). Podemos notar que os empreendimentos situados nas extremidades da cidade (Solar das Oliveiras e Solar das Hortências), próximos à divisa com o município de Itaquaquecetuba, são aqueles com presença muito pequena de trabalhadores no mercado de trabalho formal.

O percentual de desempregados é elevadíssimo no Solar das Oliveiras (60%), seguido por Solar das Hortências (42%) e Avenida Paulista II (40%). No restante, o percentual é de 37% para cada um deles. Grande parte dos moradores exerce atividade laboral na cidade de Suzano, com exceção do Residencial Esmeralda, onde 55% das pessoas respondentes declararam exercer alguma atividade de trabalho na cidade de São Paulo. Em menor importância, mas também significativa, temos Avenida Paulista II (43%), Avenida Paulista I (42%) e Solar das Hortências (40%) com destaque para trabalho fora de Suzano, demonstrando a situação de cidade dormitório da cidade.

Em alguns condomínios é relevante a transferência de renda social realizada pelo Estado, sob a forma de aposentadoria e de programas sociais, tais como o bolsa família (figura 6). Do total de respondentes, o Solar das Oliveiras chamou bastante a atenção, porque 65% declararam que, na família, havia pessoas beneficiadas pela transferência de renda do Estado. Na sequência, podemos destacar os empreendimentos Avenida Paulista II (53%), Avenida Paulista I (50%) e Condomínio Residencial Topázio (45%). Os menores percentuais encontrados foram para, respectivamente, Solar das Hortências (25%) e Residencial Esmeralda (37%).


Figura 6
Declarantes com membro da família beneficiário de renda de transferência social
Trabalho de campo, 2019.

Esses dados sobre transferência de renda social mostram a maior importância do bolsa família. No Avenida Paulista I, dos 16 respondentes com algum membro da família beneficiado, 81% (13) possuem a bolsa família. Solar das Oliveiras (77%) e Avenida Paulista II (73%) também exibem um percentual elevado para essa forma de transferência social. No Residencial Topázio, o percentual de bolsa família (41%) é um pouco menor que o da aposentadoria (59%). Apenas no Esmeralda temos um percentual elevado com beneficiários de aposentadoria (86%). Esses dados levantados estão coerentes com outras variáveis já analisadas, porque são pessoas com baixa renda, pouca ou nenhuma qualificação, com inserção precária no mercado de trabalho ou desempregadas.

Quanto aos principais problemas e dificuldades, o transporte é pouco representativo na maior parte dos empreendimentos analisados, seja pelo uso do automóvel, seja pela existência de transporte coletivo. Contudo, cabe lembrar que grande parte dos moradores mencionou a baixa freqüência de horários e a superlotação. Em todos os conjuntos habitacionais estudados, predomina o problema relacionado aos equipamentos urbanos (lazer, saúde etc.), com percentuais superiores a 50%, exceto o Condomínio Residencial Topázio, com 47%. Outro problema digno de nota são os custos de condomínio apresentados pelos moradores (figura 7).


Figura 7
Principais problemas e dificuldades enfrentados no conjunto habitacional
Trabalho de campo, 2019.

A ausência de equipamentos urbanos e os custos têm estreita relação com a estratégia de produção do espaço adotado pelas construtoras na cidade de Suzano. Com a estratégia de adensamento e verticalização dos empreendimentos do PMCMV nas áreas periféricas da cidade, os equipamentos urbanos são insuficientes ou inexistentes e os moradores também têm que arcar custos elevados de condomínio, por conta da oferta de serviços como limpeza, portaria, gás e água[1]. A menção aos custos é bem expressiva no Solar das Oliveiras, sendo relatada por 30% dos respondentes. Na sequência, temos o conjunto habitacional ao lado, o Solar das Hortências, com 21%, seguido pelo Avenida Paulista I, com 20%. Nos dois primeiros conjuntos habitacionais, esses custos ocupam parcela expressiva de seus rendimentos, tendo em vista que a renda é baixa e muitos moradores declararam estar em situações de desemprego ou exercendo trabalho informal.

Por essa razão, quando inquiridos sobre as principais vantagens de terem sido contemplados por uma moradia no PMCMV, os respondentes do Solar das Hortências (21%) e do Solar das Oliveiras (25%) declararam que não houve nenhuma vantagem (8). Muitas dessas pessoas são as que apresentam dificuldades financeiras e problemas de não pagamento das taxas de condomínio, alguns foram contemplados por viverem em áreas de risco ou em casas que foram interditadas pela defesa civil (figura 8). De todos os empreendimentos, o Solar das Hortências e o Solar das Oliveiras são aqueles que apresentam os elementos de segregação socioespacial, sofrendo não apenas com a ausência de equipamentos urbanos (transportes, saúde, comércio e serviços) e dificuldades de acesso aos centros comerciais e de serviços, mas também com problemas ambientais (alagamentos, ausência de rede de esgoto etc.).


Figura 8
Principais vantagens de ser contemplado pelo PMCMV
Trabalho de campo, 2019.

Embora haja esses problemas mencionados e outros que dizem respeito aos equipamentos urbanos, o percentual de moradores que mencionou o fim do aluguel e a melhoria da residência mostra que o PMCMV foi uma conquista, porque muitos viviam em áreas de risco, dependiam de aluguel social ou viviam em habitações interditadas etc. Portanto, essa política habitacional de amplitude nacional, desenhada e comandada por grandes construtoras e incorporadoras vinculadas ao capital financeiro, por mais que tenha apresentado diversos problemas decorrentes dessa lógica de mercadificação da moradia, significou uma conquista para grande parte da população atendida na cidade de Suzano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora o PMCMV tenha sido formulado e implementado sob os auspícios da influência política e econômica de poderosos agentes (proprietários fundiários, incorporadores imobiliários, construtoras, agentes financeiros, entre outros), tendo como centralidade a reprodução ampliada do capital, não diferindo da política habitacional durante o regime militar, é inegável que ela teve impacto nas diferentes escalas espaciais, garantindo o acesso à moradia para diferentes segmentos sociais, particularmente para os mais pobres, situados nas faixas de renda entre um e três salários mínimos.

O acesso à habitação, porém, é acompanhado da negação ao direito à cidade, na medida em que temos um aumento das desigualdades socioespaciais, pois os empreendimentos são lançados nas áreas periféricas, desprovidas de equipamentos urbanos e com problemas ambientais. Na cidade de Suzano, a maior parte dos empreendimentos lançados situa-se na porção norte, nas proximidades da divisa municipal com Itaquequecetuba. Nessa porção da cidade, o relevo é mais acidentado, entrecortado por rios e córregos, sujeitando os empreendimentos do PMCMV a sucessivos alagamentos. Além disso, a construção de empreendimentos verticais próximos um do outro tem pressionado a débil oferta de equipamentos urbanos, algo constatado nos questionários.

Não obstante a reprodução das desigualdades socioespaciais, muitos dos beneficiários do PMCMV na cidade de Suzano viviam em áreas de risco ou interditadas pela defesa civil, outros tinham que pagar aluguel ou dependiam do aluguel social da prefeitura. Por isso, parcela significativa dos moradores contemplados, quando inquirida sobre as principais vantagens de serem contemplados pelo programa, mencionou a melhoria na habitação, o fim do aluguel e a obtenção da casa própria. Esses resultados mostram a importância da política habitacional na garantia de acesso à moradia aos mais pobres e, ao mesmo tempo, a importância das lutas pelo direito à cidade que problematizem a produção da moradia sob uma lógica mercantil.

Notas

[1] Alguns moradores relataram que os fornecimentos de água e de gás foram suspensos em função do não pagamento das taxas de condomínio.

REFERÊNCIAS

ARANTES, Pedro Fiori; FIX, Mariana. Como o governo Lula pretende resolver o problema da habitação. Alguns comentários sobre o pacote habitacional Minha Casa, Minha Vida. Correio da Cidadania, 2009. Disponível em: <http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option= com_content&view=category&layout=blog&id=66&Itemid=171>. Acesso em: 20 jan. 2019.

BARBOSA, Jorge Luiz. A mobilidade urbana como expressão do direito à metrópole. In. LIMONAD, Ester et al. (Org.). Um novo planejamento para um novo Brasil? Rio de Janeiro: Letra Capital, 2014.

BASTIDE, Roger. Brasil terra de contrastes. São Paulo: DIFEL, 1964.

BONDUKI, Nabil Georges. Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas perspectivas no governo Lula. Revista Eletrônica de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n.1, p.70–104, 2008.

BOTAS, Nilce Cristina Aravecchia. KOURY, Ana Paula. A cidade industrial brasileira e a política habitacional na Era Vargas (1930-1954). Urbana, [S./l.], v.6, nº 8, p. 113-165, Jun.2014.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. A prática espacial urbana como segregação e o “direito à cidade” como horizonte utópico. In: VASCONCELOS, Pedro de Almeida; CORRÊA, Roberto Lobato; PINTAUDI, Silvana Maria (Org.). A cidade contemporânea: segregação espacial. São Paulo: Contexto, 2018, p. 96-110.

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995.

CORRÊA, Roberto Lobato. Segregação residencial: classes sociais e espaço urbano. In: VASCONCELOS, Pedro de Almeida; CORRÊA, Roberto Lobato; PINTAUDI, Silvana Maria (Org.). A cidade contemporânea: segregação espacial. São Paulo: Contexto, 2018, p. 40-59.

GALLEGO, Consuelo. A ocupação do território e do planejamento habitacional – Uma nova perspectiva ou um processo de exclusão social? In. ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 17, 2017, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2017.

LANGENBUCH, Juergen Richard. A Estruturação da Grande São Paulo – Estudo de Geografia Urbana. 1971. 564f. Tese (Doutorado em Geografia Humana), Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, Universidade de Campinas, 1971.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro 2001.

LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Rio de Janeiro: DP/A, 2001.

MARICATO, Erminia. Política habitacional no regime militar. Petrópolis: Ed. Vozes, 1987.

MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Contexto, 9ªed. 2009.

QUINTO JUNIOR, Luiz de Pinedo. Nova legislação urbanística e os velhos fantasmas. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n.46, p. 187-195, 2003.

ROLNIK, Raquel et al. O Programa Minha Casa Minha Vida nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas: aspectos socioespaciais e segregação. Cad. Metrop. [online].,[S./l.], v.17, n. 33, p.127-154, 2015.

SANTOS, César Simoni. Do lugar do negócio à cidade como negócio. In. CARLOS, Ana Fani A.; VOLOCHKO, Danilo; ALVAREZ, Isabel Pinto. (Org.). A cidade como negócio. São Paulo: Contexto, 2015, p. 13-42.

SANTOS, Claudio Hamilton M. Políticas federais de habitação no Brasil: 1964/1998. Brasília, DF: IPEA, 1999.

SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 2. ed. São Paulo:HUCITEC,1994.

SINGER, Paul. A crise do milagre. Interpretação crítica da economia brasileira. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1985.

SOUZA, Marcelo Lopes. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Segregação socioespacial e centralidade urbana. In: VASCONCELOS, Pedro de Almeida; CORRÊA, Roberto Lobato; PINTAUDI, Silvana Maria (Org.). A cidade contemporânea: segregação espacial. São Paulo: Contexto, 2018, p. 62-93.

VALLIM, Eduardo Martins; TRAVASSOS, Luciana Rodrigues Fagnoni Costa. Impasses sobre a urbanização e a produção de água no sistema produtor Alto Tietê: estudos sobre a evolução da mancha urbana e impactos ambientais no Município de Suzano-SP. Geografia em Atos, [S./l.], Presidente Prudente, n. 09, v. 01, p. 5-22, 2019.

VOLOCHKO, Danilo. A moradia como negócio e a valorização do espaço urbano metropolitano. In. CARLOS, Ana Fani A.; VOLOCHKO, Danilo; ALVAREZ, Isabel Pinto. (Org.). A cidade como negócio. São Paulo: Contexto, 2015, p. 97-120.

VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Contribuição para o debate sobre processos e formas socioespaciais nas cidades. In: VASCONCELOS, Pedro de Almeida; CORRÊA, Roberto Lobato; PINTAUDI, Silvana Maria (Org.). A cidade contemporânea: segregação espacial. São Paulo: Contexto, 2018, p. 17-37.



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por