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RIO SÃO FRANCISCO: um lugar-território
SÃO FRANCISCO RIVER: a place-territory
RÍO SÃO FRANCISCO: un lugar-territorio
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 18, núm. 02, pp. 319-343, 2020
Universidade Estadual de Montes Claros


Recepção: 23 Agosto 2020

Aprovação: 08 Outubro 2020

Publicado: 16 Outubro 2020

DOI: https://doi.org/10.46551/rc2448269222020

Resumo: O artigo tem como objetivo primeiro discutir os fundamentos teóricos e conceituais que norteiam as categorias geográficas lugar e território e, a partir de suas respectivas similitudes, apresentar uma leitura híbrida/composta dessas categorias, formando o lugar-território. Essas similitudes estão assentadas nos processos de apropriação material e simbólica, nas identidades e no sentido do pertencimento que conformam essas categorias. Utiliza-se como referência empírica de análise o rio São Francisco em seu baixo curso, cuja espacialidade é caracterizada pela complexidade diversa de usos e apropriações revelada tanto pela leitura do lugar quanto pela leitura do território. Destarte, essa complexidade observada nas vivências com o rio e em entrevistas semiestruturadas delineou os fundamentos que fazem da espacialidade ribeirinha um lugar-território.

Palavras-chave: Lugar, Território, Simbolismo, Materialidade, Ribeirinho.

Abstract: The article aims to first discuss the theoretical and conceptual foundations that guide the geographical categories place and territory and, based on their respective similarities, present a hybrid / composed reading of these categories, forming the place-territory. These similarities are based on the processes of material and symbolic appropriation, on the identities and the sense of belonging that make up these categories. As an empirical reference for analysis, the São Francisco river is used in its low course, whose spatiality is characterized by the diverse complexity of uses and appropriations that are revealed both by reading the place and by reading the territory. Thus, this complexity observed in the experiences with the river and in semi-structured interviews outlined the fundamentals that make riverside spatiality a place-territory.

Keywords: Place, Territory, Symbolism, Materiality, Riverside.

Resumen: El artículo tiene como objetivo discutir primero los fundamentos teóricos y conceptuales que guían las categorías geográficas de lugar y territorio y, en función de sus respectivas similitudes, presentar una lectura híbrida / compuesta de estas categorías, formando el lugar-territorio. Estas similitudes se basan en los procesos de apropiación material y simbólica, en las identidades y el sentido de pertenencia que conforman estas categorías. Como referencia empírica para el análisis, el río São Francisco se utiliza en su curso bajo, cuya espacialidad se caracteriza por la diversa complejidad de usos y apropiaciones que se revelan tanto al leer el lugar como al leer el territorio. Por lo tanto, esta complejidad observada en las experiencias con el río y en entrevistas semiestructuradas esbozó los fundamentos que hacen de la espacialidad ribereña un lugar-territorio.

Palabras clave: Lugar, Territorio, Simbolismo, Materialidad, Orilla.

INTRODUÇÃO

Na contemporaneidade, a complexidade de organização das diversas sociedades sobre o espaço, assim como o conjunto de transformações socioeconômicas, políticas, culturais e ambientais desvencilhadas, sobretudo a partir das últimas décadas do século XX, tem impulsionado a ciência e, de modo particular, a ciência geográfica a buscar diferentes leituras da realidade em curso. Trata-se da busca por estratégias, conceitos e mecanismos que estreitem a realidade vivida no contexto dessas transformações.

Assim, debruçar-se sobre categorias geográficas como lugar e território, sobretudo em espacialidades moldadas por peculiaridades culturais historicamente construídas, tem permitido compreendê-las como espaços de vida que se materializam pelas existências e pelos sentidos do pertencimento. Lugar e território, em maior ou menor grau, “remetem a experiências geográficas que por vezes se distinguem, por vezes se aproximam, experiências que carregam em si a marca do espaço vivido” (SERPA, 2019, p. 61).

Dada essa compreensão, o objetivo do artigo é discutir os fundamentos teóricos e conceituais que norteiam as categorias geográficas lugar e território e, a partir de suas respectivas similitudes, apresentar uma leitura híbrida/composta dessas categorias, formando o lugar-território. A construção conceitual do lugar-território, aportada nas similitudes das identidades, nas relações de pertencimento e nos processos de apropriação, em diferentes dimensões, é um fundamento constituinte do próprio sentido dessas categorias, podendo ser observada nas contribuições de Santos (1996), Haesbaert (1999), Souza (2013), Serpa (2019), Carlos (2007), Helph (2014), entre outros estudiosos.

Como recorte empírico e espaço de referência, recorre-se ao rio São Francisco em seu baixo curso – entre os Estados de Alagoas e Sergipe –, demonstrando a possibilidade de leitura desse ambiente pela construção do lugar-território. É cabível ressaltar, ainda, a complexidade da espacialidade ribeirinha observada no baixo rio São Francisco, em que estão presentes, por um lado, o conjunto de relações existenciais que caracterizam e atribuem forma à vida ribeirinha e às suas identidades e o amálgama local dos povos com a natureza, revelando um rio que é lugar. Por outro lado, nas mesmas espacialidades e no mesmo ambiente, está presente o conjunto de formas materiais que se revelam pela apropriação da natureza, pelas políticas de governo, pelos usos da terra e das águas, pelas relações conflituosas de posses e apropriações diversas, revelando, assim, um rio que é território.

Para o desenvolvimento das análises, metodologicamente, a pesquisa está fundamentada na revisão da literatura, sustentando-se principalmente nas categorias lugar e território e nos estudos que apresentam o rio São Francisco como referência analítica. Foram realizados ainda, como fundamento à interproteção dos fenômenos in loco, trabalhos de campo, entrevistas semiestruturadas e observações dirigidas.

Posto isso, o artigo está estruturado em três momentos, os quais seguem esta introdução. No primeiro momento, de abordagem teórica e conceitual, discutem-se os fundamentos materiais e simbólicos que constituem o lugar e o território. No segundo, são discutidas as relações identitárias e de pertencimento que compreendem o amálgama do lugar e do território. Em seguida, recorre-se à leitura do lugar-território pela realidade empírica do baixo rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe.

MEDIAÇÃO SIMBÓLICO-MATERIAL NA CONSTITUIÇÃO DE LUGARES E TERRITÓRIOS

A mediação simbólico-material apresentada na constituição de lugares e territórios tem sido abordada em diversas análises, sem que uma se sobreponha ou exclua a outra. Lugar e território, enquanto constituintes da condição primeira do espaço (RAFFESTIN, 1993), refletem o vivido, a apropriação e as relações que se estabelecem pelas territorialidades.

A mediação simbólico-material do lugar pode ser notoriamente observada nas contribuições apresentadas por Tuan (2013 [1983]), Holzer (1998, 2014), Carlos (2007), Helph (2014), Marandola Jr. (2014) e Chaveiro (2014). Quanto ao território, por sua vez, destacam-se as contribuições, dentre outras, de Raffestin (1993), Haesbaert (2009), Santos (1996, 2000), Bonnemaison (2002), Cruz (2006, 2007), Saquet (2009, 2013), Almeida (2005), Souza (2013) e Serpa (2019).

Todos esses estudiosos supracitados se aportam para caracterizar lugar e território em uma concretude de objetos materiais, mas também em significados, simbologias e representações sociais que significam e ressignificam o espaço enquanto produto existencial da ação humana e base de reprodução da vida. Assim, para Carlos (2007, p. 14), “o lugar abre a perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, os processos de apropriação do espaço”. Ainda para a autora, “ele [o lugar] guarda em si e não fora dele o seu significado e as dimensões do movimento da vida, possíveis de ser apreendido pela memória através dos sentidos do corpo” (CARLOS, 2007, p. 14).

O corpo e, portanto, a ideia de corporeidade apresentada por Merleau-Ponty (1996) são elementos centrais na constituição do lugar, já que é por este que se experiencia e se ocupa o espaço em todas as suas dimensões escalares. É pelo corpo que de desfruta de sensações, das percepções e dos sentidos que fazem ser-no-mundo. Daí se figura a assertiva de que as relações espaciais, e com elas o mundo vivido, considerado como sendo o próprio lugar, “qualifica a experiência do existir” (CHAVEIRO, 2014, p. 251).

Embora na obra de Merleau-Ponty (1996) não seja realizada menção direta ao lugar, observa-se o entendimento de que o mundo vivido apresentado pelo filósofo é constituinte do próprio lugar, que é existencial e experienciável, aproximando-se do mundo de significados [o próprio lugar] de Tuan (2013). Essa aproximação entre o lugar e o mundo vivido já foi sinalizada por Nogueira (2005, p. 13) ao discutir a necessidade de se “reaprender a ver o lugar; esta reaprendizagem se dá pelas histórias narradas por quem os vive”.

Chaveiro (2014, p. 253-254) apreende o corpo enquanto “guardador de lugares” e o lugar “enquanto guardador de relações corporais”. Isso pode se dar pelo fato de ser o corpo o instrumento canalizador da experiência com o mundo. É pelo corpo e pelas relações perceptivas e cognitivas que se expressa a consciência da existência, a partir da qual são desenvolvidas as experiências do existir e de sentir o espaço, bem como suas mediações simbólicas e materiais que justificam a construção e a representação dos lugares. Assim, “o lugar é uma edificação de ininterruptas relações, vertidas por apropriação do espaço, construídas por corporeidades em movimento” (CHAVEIRO, 2014, p. 276).

O lugar se dá pelo movimento do corpo, portanto, o movimento da vida que qualifica e dá singularidade aos lugares como um reflexo da atuação humana sobre o espaço apropriado. É nesse sentido que Relph (2014, p. 31) descreve o núcleo de significação do lugar. Para esse autor, “lugar é um microcosmos. É onde cada um de nós se relaciona com o mundo e onde o mundo se relaciona conosco”. A ideia do lugar enquanto “microcosmos” foi apresentada por Tuan (2013), para quem eles constituem centros de significados organizados e despertam afetividades, podendo ser acrescidas ou não ao longo do tempo.

Por sua vez, Holzer (1998, p. 72) apoia-se em Tuan ao considerar que o “conteúdo do lugar é o conteúdo do mundo, já que ambos são produzidos pela consciência humana e por sua relação intersubjetiva com as coisas [...]”. É nessa circunstancialidade que o lugar está no mundo e o mundo está no lugar. Essa construção se aproxima do pensamento de Santos ao assinalar que:

Cada lugar é, à sua maneira, o mundo. Ou, como afirma Maria Adélia de Souza (1995, p. 65), ‘todos os lugares são virtualmente mundiais’. [...] irrecusavelmente imerso numa comunhão com o mundo, torna-se exponencialmente diferente dos demais (1996, p. 252).

A condição simbólica e cultural que arraiga a identidade no/pelo lugar e que insere o corpo no mundo envolve as relações existenciais do presente, mas, também, a memória enquanto “sedimentos” de momentos vividos, experienciados e sentidos. A esse respeito, Souza contribui ao enfatizar que:

[...] no caso do conceito de lugar, não é a dimensão do poder que está em primeiro plano, ou que é aquela mais imediatamente perceptível, diferentemente com o que se passa com o conceito de território, mas sim a dimensão cultural-simbólica e, a partir daí, as questões envolvendo as identidades, a intersubjetividade e as trocas simbólicas por trás da construção de imagens e sentidos dos lugares enquanto espacialidades vividas e percebidas, dotadas de significados [...] (2013, p. 115).

Em continuidade e sem se desprender da mediação simbólico-material, passa-se a entender o território enquanto constituinte dessas relações, mesmo compreendendo o sentido de poder que o atravessa e o sustenta. Todavia, é fundamental evidenciar que o lugar revelado pelo pertencimento é, também, revelado pela apropriação, seja ela simbólica ou material, e isso permite que se compreendam ambas as categorias formadas e constituídas por relações de poder. Assim, se acresce mais uma vez o pensamento de Souza:

Dizer que, em se tratando do conceito de lugar, não é mais a dimensão do poder que é aquela mais imediatamente perceptível, mas sim a dimensão cultural-simbólica, não significa, porém, de jeito nenhum, sugerir que a dimensão do poder não deva ser levada em conta. Pensar assim seria cometer um rematado disparate (2013, p. 115-116).

E finaliza acrescentando que:

[...] é certo que lugares são, em geral, também territórios. Ocorre que postular que territórios e lugares frequentemente se superponham não é o mesmo que sugerir que sempre haja algo como uma correlação perfeita entre eles. {Para exemplificar o contexto entre lugares e territórios o autor apresenta o contexto da ilha da Irlanda} Exemplo: Para muitos irlandeses, na sua maioria católicos, toda a ilha da Irlanda é um só lugar (mas com um inconveniente de que, no Ulster, ou Irlanda do Norte, a maioria é protestante...); um lugar, porém, dividido entre dois territórios: para os protestantes do Ulster, seu território, integrante do Reino Unido, é um lugar totalmente à parte, e assim deve permanecer (SOUZA, 2013, p. 126).

Ao ser revelado pelo pertencimento e pelos significados, do lugar emana o sentido de posse, de uma apropriação simbólica que o significa e que lhe é própria. Nele, estão abrigadas as experiências mais íntimas com o espaço, é onde estão assentadas as raízes ou, de outro modo, onde está a própria facticidade, e, parafraseando Santos (2000, p. 212), “o ato de pertencer aquilo que nos pertence”. Logo, o lugar é a apropriação daquilo que é mais íntimo e subjetivo e que, ainda que não seja um espaço fechado, se diferencia do lugar do “outro” em contraponto ao “meu lugar”.

Haesbaert (2012, p. 96), ao se respaldar em Lefebvre, demonstra que a dimensão do território “[...] vai da dominação político-econômica mais concreta e funcional à apropriação mais subjetiva e/ou cultural-simbólica”. Para tanto, essa dimensão só é revelada pelas relações de interesses unívocas aos indivíduos que a constituem e que “dependem da dinâmica de poder e das estratégias que estão em jogo” (HAESBAERT, 2012, p. 96).

Distante de ser uma dualidade conflitiva na constituição do território, esses elementos são inseridos no arcabouço do território enquanto uma teia de significados sociais geradores de identidades, pois são, também, pontos de referência em que os indivíduos encontram aporte e buscam ressignificar suas vidas pelos diferentes tipos de apropriação e de valores.

Como exemplo dessa dimensão de apropriação, tem-se os territórios quilombolas e/ou indígenas, na medida em que são demarcados por e a partir de relações de apropriação que historicamente se estabelecem em um dado espaço. Essa apropriação se revela não tão somente pela posse do recorte espacial, mas pelas relações simbólicas e afetivas que foram estabelecidas no espaço e que o caracterizam e lhe dão singularidade. Tais características, de acordo com Bonnemaison (2002, p. 120), “inscrevem-se dentro de uma visão cultural e emocional da terra, isto é, dentro de uma relação de territorialidade”.

A constituição desses territórios, mesmo embasada na existência de relações e conflitos políticos no processo de conquista e acesso à terra, remete ao mesmo tempo a um objetivo que é comum a um grupo e que possui de alguma maneira relações em comum, sejam elas políticas, ideológicas, culturais, étnicas, etc. São essas as características que singularizam o grupo que passa a viver e experienciar em um mesmo espaço e que, com o passar do tempo, estabelece relações de territorialidade que antes não lhe ocorriam.

Consequentemente, no mesmo espaço de lutas, resistência, amor/afeição pela terra, se inscreve a identidade. Trata-se de uma identidade que é construída por objetivos que lhe são comuns, sendo caracterizada pelas trocas de experiências e por relações materiais, enfim, pela partilha de um mesmo mundo em que os significados são criados, produzidos e ressignificados. Por esse olhar se observa que esse modelo de território já não é tão somente político, mas também fonte de significados.

Destarte, por esse embasamento é possível apreender, então, a espacialidade do rio São Francisco enquanto um território apropriado por sujeitos e atores sociais – pela própria figura do Estado –, mas, também, pelas relações de pertencimento em que as práticas da vida cotidiana se efetivam.

Santos (2000, p. 96) considera que “o território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida sobre os quais ele influi”. O território é, assim, um conjunto indissociável de elementos materiais e imateriais que caracterizam, dão forma, essência e significado a uma determinada porção do espaço; um jogo de relações em que a identidade é o elemento-chave que o caracteriza – sem que, para tanto, seja uniforme e estática.

Em se tratando das territorialidades, Bonnemaison (2002) considera que elas estão associadas ao modo como os homens se relacionam com o espaço que os circunda. Para ele, “a territorialidade é compreendida muito mais pela relação social e cultural que um grupo mantém com a trama de lugares e itinerários que constituem seu território do que pela referência aos conceitos habituais de apropriação biológica e de fronteira” (BONNEMAISON, 2002, p. 99-100).

Aproximando-se da leitura de territorialidade apresentada pela escola francesa, Raffestin (2010, p. 15), na Suíça, pondera que as territorialidades se caracterizam por serem “um conjunto de relações materiais e imateriais”. Elas, portanto, singularizam o espaço e o mundo vivido, que são produzidos pela mediação dialética simbólico-material e que se materializam na paisagem, na apropriação do espaço, nas relações do cotidiano e nas redes estabelecidas entre lugares e territórios. Consistem, ainda, no conjunto de símbolos que demarcam, revelam e significam determinadas porções do espaço, sem que para tanto eles – o espaço e o mundo vivido – apresentem limites fundamentalmente específicos.

É nesse sentido que as territorialidades suplantam os limites do território habitual quando percebido apenas pelo entrecruzamento de limites bem estabelecidos. As territorialidades conduzem a uma aproximação das noções de redes em que relações são instituídas entre lugares, territórios e sujeitos. Essas redes de relações constituem um espaço em que os sujeitos que o compõem possuem e desempenham funções e atividades afins, ou seja, têm características semelhantes – tanto materiais quanto subjetivas – que podem, no tempo-espaço, ser constituintes de identidades por intermediação dos significados que são atribuídos ao espaço.

É pela organização do espaço, por sua funcionalidade e pelas relações simbólicas e materiais que as territorialidades se estabelecem. Estas atribuem função e sentido ao território, muito embora possam se configurar no espaço sem a precisa constituição de um. As territorialidades enquanto relação cultural são, assim, a expressão do vivido, mas envolvem também movimento e semelhanças entre sujeitos e culturas. A esse respeito, Raffestin considera que:

A territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do vivido territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivas (1993, p. 158).

Com efeito, se as territorialidades são concebidas pelas relações estabelecidas no cotidiano, também se concebem, em conformidade, enquanto produto da história e do tempo ou, de outro modo, produto da cultura e do enraizamento, constituindo o modo de relacionamento apresentado pelo homem no seu espaço de vivência.

LUGAR E TERRITÓRIO: ESPAÇOS DE IDENTIFICAÇÃO E PERTENCIMENTO

As reflexões inerentes ao lugar e ao território, assim como aos elementos que os constituem, permitem adentrar os fundamentos da identidade e, por conseguinte, das identidades territoriais. A identidade adensa o lugar e o território, de modo que não se é mais possível falar deles sem, portanto, falar também da identidade, de mudanças e de ressignificações, como também de enraizamento, de pertencimento e dos sentidos de ser, estar, permanecer, atuar, viver etc.

Ao pensar as identidades enquanto uma construção histórica e espaço-temporal que emoldura lugar e território, se delineiam os itinerários da compreensão dessas identidades como fenômenos geográficos, pois elas são reveladas pela vinculação dos fenômenos e dos sujeitos identitários ao espaço, aos lugares e aos territórios.

As identidades, conforme apresentadas por Castells (1999), Haesbaert (1999, 2012) e Hall (2006), remetem à ideia de mudanças e permanências, ou seja, uma construção enquanto multiplicidade e movimento em diferentes tempos e espaços e em diferentes contextos socioculturais. Envolvem, também, discursos, representações, práticas sociais e significados que são produzidos, reproduzidos e moldados pelas experiências de vida, mas que não se tornam apáticos aos acontecimentos externos à realidade.

Castells (1999, p. 22), em O Poder da Identidade, se atém à identidade enquanto “processo de construção de significados com base em um atributo cultural, ou ainda em um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significados”. Esse conjunto de atributos culturais está associado à matéria-prima ou à base necessária à existência da identidade e que “é fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais [...]” (CASTELLS, 1999, p. 22).

Para Cruz (2007, p. 260), a identidade deve ser considerada “uma construção histórica e relacional dos significados sociais e culturais que norteiam o processo de distinção e identificação de um indivíduo ou de um grupo”. Assim sendo, a ideia de identidade envolve também as relações de diferenciação entre o “eu” e o “outro”, entre escalas e lugares, seja pelas distinções culturais, ideológicas, de poder, de pertencimento, entre outras. Todos esses são elementos de diferenciação, mas também de afirmação e reconhecimento.

Essas diferenças são carregadas de historicidade e se reafirmam pela coletividade de grupos e pelas raízes que foram estabelecidas no/com o espaço/lugar. De modo consonante, Benitez e Levi assinalam que:

La identidad es una construcción social reforzada por un discurso que lo retroalimenta, que se apoya en criterios y rasgos distintivos para afirmar y reafirmar similitudes y diferencias. [...] Aunque dichos rasgos pudiesen contemplar también aspectos de género, religión, grupo étnico, ocupación, el carácter de originario o avecindado es determinante en la forma como se perciben a sí mismos y al otro, en la forma como se construye la colectividad y se establece la alteridad (2009, p. 125).

A identidade enquanto construção histórica já fora apontada por Hall (2006), para quem está sujeita à ressignificação, envolvendo os vínculos de pertencimento, as heranças e as aspirações futuras. Enquanto processo, as identidades não se apresentam de maneira estanque. Elas são significadas e ressignificadas de acordo com o contexto cultural a que pertencem e no qual são reveladas.

O ambiente de referência identitário e os sujeitos que o compõem são resultantes de uma “construção” relacional em diferentes momentos, tendo como substrato heranças, percepções, histórias de vida e idealizações que não são passíveis de entendimento apenas pela leitura do momento presente.

Por conseguinte, e sem a pretensão de tecer um diálogo dissociado da empiria, compreende-se que essas concepções permitem uma importante aproximação para se discutir o pertencimento e a identidade, englobando, simultaneamente, as transformações pelas quais o rio São Francisco e os povos que historicamente ocupam suas margens têm passado em decorrência, primeiro, dos ciclos econômicos e, segundo, dos grandes projetos de desenvolvimento nacional, a saber, a construção de diversos complexos de usinas hidroelétricas, sobretudo nos anos subsequentes à década de 1950 do século XX.

Vargas (1999) e Fontes (2011) enfatizam as consequências políticas, geográficas e socioculturais dessas barragens e traduzem essas consequências sobretudo pelo controle definitivo da vazão das águas sanfranciscanas em detrimento da geração de energia elétrica. Essas barragens, conforme escreve Pfau (2011, p. 78), “afundaram cidades, igrejas e sítios arqueológicos, desapropriaram índios, quilombolas e vazanteiros, mexeram nas tradições e cultura dos ribeirinhos”. Já no tocante ao baixo curso, Fontes (2011, p. 43) avalia que a “construção da barragem de Xingó representou o marco definitivo em relação ao controle do homem sobre o comportamento do seguimento do sistema fluvial situado à jusante dessa barragem”.

O controle definitivo da vazão do rio pelas grandes barragens influenciou de maneira significativa os modos de vida das populações ribeirinhas, que já não mais dispunham das enchentes periódicas que traziam fertilidade às várzeas e lagoas amplamente ocupadas pela cultura do arroz. Ocorria, assim, o declínio de um modelo econômico singular, com alterações também no sistema de transporte fluvial, que passou a funcionar de maneira deficitária devido às condições de vazão e assoreamento causadas pelo acúmulo de sedimentos.

No que concerne a esses acontecimentos, as transformações na base física do rio São Francisco em consequência da implantação das hidroelétricas marcaram de modo mais incisivo, portanto, a chegada do outro, “os de fora”. Delinearam significativas mudanças na vida cotidiana e o reconhecimento de um modo de ser específico em detrimento dos modos de vida e dos objetivos dos que chegaram.

Com essa aproximação, comunga-se do entendimento de que as identidades, embora sejam expressas pela subjetividade, não se dissociam de foram alguma de uma base de referência material. O simbólico se apresenta e é constituído pelo material, mas não somente por ele. O rio, as terras e suas paisagens, o roçado, a casa e a igreja etc., todos esses são elementos de base material, mas que não se desvencilham dos significados que se expressam pelo simbólico imaterial. A esse respeito, Cruz se posiciona afirmando que:

A identidade é construída subjetivamente, baseada nas representações, nos discursos, nos sistemas de classificação simbólica, embora não seja algo puramente subjetivo e não se restrinja à ‘textualidade’ e ao ‘simbólico’. Ela não é uma construção puramente imaginária que despreza a realidade material e objetiva das experiências e das práticas sociais como muitos afirmam, e nem tão pouco é algo materialmente dado, objetivo, uma essência imutável, fixa e definitiva (2007, p. 263).

De tal modo, observa-se que as identidades apresentam como principal característica as relações que se entremeiam ao universo material e simbólico, sem que isso ocorra de maneira antagônica. A existência da base material pode ser entendida como sendo o ponto de partida, a matéria-prima e/ou o espaço de referência que dá sentido à identidade e em que seus idealizadores produzem e ressignificam o espaço vivido.

A esse respeito, Poche (1983) apresenta o chamado “espaço de referência identitária”, ou seja, o espaço que compreende a concretude material e a base dos elementos simbólicos. Cruz (2007, p. 271) considera que é no espaço de referência identitário que “são forjadas as práticas materiais (formas de uso, organização e produção do espaço) e as representações espaciais que constroem o sentimento e significado de pertencimento dos grupos ou indivíduos em relação a um território”.

O lugar e o território constituem essa base, pois é neles que a identidade toma forma, seja pela apropriação e pelo uso ou pelas relações de pertencimento e enraizamento. Nesse contexto, as contribuições de Almeida (2005, p. 109) apontam para o fato de que “o território ele o é, para aqueles que têm uma identidade territorial com ele, o resultado de uma apropriação simbólico-expressiva do espaço, sendo portador de significados e relações simbólicas”.

Haesbaert (1999, p. 178) comunga do entendimento de que as identidades se “fundamentam através do território [...], tanto no sentido simbólico quanto concreto. Assim, a identidade social é também uma identidade territorial quando o referente simbólico central da construção dessa identidade parte ou perpassa o território”. Aqui, e após esta análise, se reafirma o pensamento de Santos (2000) ao assinalar que o território não está vazio de conteúdo e de concretude humana.

Os modos de vida e as sociabilidades que se expressam na vida cotidiana ribeirinha dos povos que adensam o vale sanfranciscano são reveladores de um espaço de referência identitária associado às condições necessárias de manutenção da vida no rio. É pelo rio, base física palpável, visível e sentida, que o homem estabelece sua base identitária, uma consciência socioespacial do pertencimento.

A consciência do pertencimento, para Cruz (2006, p. 189), também apresenta centralidade na constituição das identidades. Não basta estar, é preciso que se tenha uma consciência do estar e do ato de pertencer a um dado lugar, ao território que se afirma pelas “práticas e representações espaciais que envolvem ao mesmo tempo o domínio funcional-estratégico (finalidades) sobre um determinado espaço e a apropriação simbólico/expressiva do espaço (afinidades/afetividades)”.

O domínio funcional-estratégico é revelado, sobretudo, pela apropriação material do lugar e do território, pensado junto às relações de poder e aos usos estratégicos pelos mais diferentes sujeitos e atores sociais atuantes. Por sua vez, a apropriação simbólica está associada às relações subjetivas inerentes à vida cotidiana dos indivíduos, às relações afetivas e aos significados impregnados no lugar. Mas também está associada às concepções ideológicas e políticas e ao autorreconhecimento.

Essa compreensão da apropriação material e simbólico-subjetiva do lugar e, consequentemente, dos territórios faz pensar acerca da espacialidade do rio São Francisco enquanto lugar-território, em que, de um lado, tem-se um rio institucionalizado, palco de políticas estruturais que têm se apresentado como modernizadoras, mas que desnaturalizaram o rio ao longo das últimas décadas, principalmente em seu baixo curso; e, de outro lado, tem-se um rio demarcado pelo pertencimento e pelas identidades de seus povos, revelador de uma geograficidade endêmica e que resguarda as histórias de vida, os costumes e as tradições.

A memória enquanto construção histórica e cultural da vida humana ocupa centralidade na constituição das identidades territoriais e nos significados que são atribuídos aos lugares. Nesse contexto, a identidade pode ser expressa pelas lembranças e pelo sentimento de pertencimento a um determinado espaço, mesmo estando distante dele. A topofilia ou, de outro modo, o sentimento afetuoso pelos lugares, tal como apresentado por Tuan (2012), revela essa “atração” do homem pelo lugar, envolvendo os vínculos afetivos e de pertencimento, mas, também, as memória e as lembranças.

Ao contextualizar o conjunto de relações inerentes à memória e à constituição do lugar, Marandola Jr. (2014) considera que este último é revelado pelas lembranças como experiências vivenciadas e sentidas em que o sentido de permanência é um elemento marcante na constituição das identidades. E acrescenta:

O tempo é vivido como memória, e por isso memória e identidade adensam o lugar. A memória é a experiência vivida que o significa, definindo-o enquanto tal. Não é à toa que pensar o lugar é mais fácil recuando no tempo: lugar de nascimento, lugar de lembranças, lugar de saudade, lugar de memória, lugar de identidade. Ele parece mais conectado a uma tradição, a uma experiência profunda de entrelaçamento com a terra. Um ritmo lento onde o sentido de permanência prevalece (MARANDOLA JR., 2014, p. 229).

A memória enquanto experiência vivida resguarda em si os sedimentos das histórias de vida e das relações espaciais que são desenvolvidas no lugar. Portanto, “a memória, ao mesmo tempo em que nos modela, é também por nós modelada [sic]. Isso resume a dialética da memória e da identidade, que se conjugam, se nutrem mutuamente, se apoiam uma na outra para produzir uma história de vida [...]” (CANDAU, 2012, p. 16).

O ato de se recordar do lugar da infância, das atividades do cotidiano, de um modo de vida específico é, também, um processo de construção de relações espaciais. É um resgatar da própria identidade. “O espaço valorizado produz memória e é carregado de sentido e símbolos que o transforma em território cultural marcado por relações sociais que portam referenciais identitários [...]” (SCHALLENBERGER, 2011, p. 07). Uma moradora de Aracaju/SE disse o seguinte: “sinto saudade da beira do rio [São Francisco], da infância, do banho. Viver aqui era uma maravilha. Todos os fins de semana, nas festas e feriados eu e meu esposo voltamos aqui” (Entrevista realizada em Bonsucesso, povoado do município de Poço Redondo/SE, janeiro de 2019).

As lembranças de momentos vividos e que se expressam pela memória são, assim, o ponto de partida que liga o passado e o presente no processo de reconstrução das experiências espaciais com o lugar, mas, também, com as outras pessoas e os demais elementos impregnados como marcas na paisagem, aos quais são atribuídos significados por meio das vivências do cotidiano.

Mesmo após 30 anos residindo fora do povoado e estando em um ambiente diferenciado, caracterizado por elementos culturais distintos daqueles de sua origem – no caso específico, residindo na cidade de Aracaju/SE –, a entrevistada não se desvencilhou do enraizamento e dos elementos que dão identidade ao povoado de Bonsucesso/SE. O rio São Francisco, a igreja, as festas de padroeiro, a antiga fazenda de arroz, todos esses são elementos de referência identitária que estão impregnados nas lembranças ou se fazem presentes no cotidiano local. Esses são, pois, os fundamentos que traduzem o rio São Francisco como um lugar.

O ir e voltar ao povoado ribeirinho de Bonsucesso/SE evidencia as relações de territorialidade que se estabelecem tendo por base as lembranças de momentos vividos, sobretudo, na infância, territorialidades essas que são vinculadas ao rio, às práticas cotidianas, aos festejos e à afabilidade para com o lugar, atribuindo-lhe singularidades e demonstrando o sentido material e simbólico do espaço. É constituinte ainda dos laços e das redes que os ligam ao lugar da infância, do nascimento, da primeira casa. Nessa acepção, mesmo não residindo nas proximidades do rio São Francisco, o sentido de pertencimento ao rio permanece tal como permanece o sentido de lugar.

ITINERÁRIOS QUE FAZEM O “LUGAR-TERRITÓRIO”

O sentido de pertencer, de ser e de estar antecipa as relações de posse e de poder e a dimensão política do território, mesmo sendo esses resultantes de um constructo simbólico-material? É possível pensar o território e as identidades territoriais à frente do enraizamento no/pelo lugar, das relações vividas no cotidiano? Essas são algumas das indagações que fazem enveredar no que Haesbaert (2016, p. 27) chamou de “constelações geográficas de conceitos” no entorno da categoria-mestra que é o espaço.

E a dimensão espacial do rio São Francisco deve ser pensada como um território sobreposto ao lugar, ou seria o vivido o elemento-chave constituinte de um lugar-território? Nossos itinerários estão pautados na busca por essa compreensão, um caminho pensado pela práxis que se revela e é revelado no delineamento teórico, mas, principalmente, pelas percepções de sujeitos que vivem e experienciam a realidade colocada, ou seja, “os de dentro”, bem como pelas observações que se tracejam no rio São Francisco enquanto referência empírica de análise.

A valorização das percepções para esse entendimento está assentada em Merleau-Ponty (1996) ao demonstrar que a percepção reúne as experiências sensoriais e daí, também, as concepções de espaço. Ou seja, o entendimento da dimensão espacial, em variadas escalas e pelo entendimento dos “de dentro”, será pensado e estabelecido pela realidade vivida, mas também pelas revelações percebidas e expressas nas paisagens, uma vez que estas envolvem “muito mais que uma justaposição de detalhes pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma convergência, um momento vivido, uma ligação interna, uma ‘impressão’ que une todos os elementos” (DARDEL, 2015, p. 30).

A cultura enquanto produção humana no espaço qualifica, identifica, diferencia e afirma lugares e territórios, de modo que as formas materiais e simbólicas que se expressam nas paisagens e lhes atribuem sentido só se tornam possíveis e perceptíveis pela cultura. Assim, a valorização da cultura associada ao contexto da constituição identitária dá sentido e formas ao espaço, transformando-o em lugar, em território.

Relembrando as contribuições teóricas já mencionadas, denota-se que lugar e território são adensados por relações de pertencimento, portanto por identidades e por elementos materiais e simbólicos. Essas características estão ancoradas em Souza (2013, p. 121) ao considerar que “[...] na prática, lugares são, menos ou mais claramente, e menos ou mais fortemente, quase sempre territórios”. É fundamental perceber que, por esse mesmo modo de ver, territórios também se apresentam quase sempre como lugares. Esses lugares do território são revelados pelo mundo vivido.

Mesmo sendo o território caracterizado pelas bases econômica, biológica, social, política etc., como considerado por Bonnemaison (2002), Fernandes (2009), Thomaz Júnior (2011), Saquet (2013), entre outros, “sua expressão mais humana identifica-o como o lugar de mediação entre os homens e sua cultura. [...] O território é, pois, esta parcela do espaço enraizada numa mesma identidade e que reúne indivíduos com o mesmo sentimento” (MEDEIROS, 2009, p. 217-218).

O respaldo para esse entendimento pode ser percebido, mais uma vez, no exemplo dos territórios quilombolas e/ou indígenas. Estes constituem espaços demarcados por relações de poder em que o sentido de posse é o elemento mais marcante no espaço. Todavia, esses territórios resguardam a historicidade dos povos, os hábitos, os costumes, as tradições, enfim, toda a sua cultura. São espaços de aconchego, segurança e preservação dos sentidos que os fazem “ser” quilombolas, indígenas ou, ainda, ribeirinhos, sertanejos, assentados e, portanto, que os fazem ser-no-mundo e Ser-no-mundo com os outros, pois revelam o sentido da existência. São territórios marcados pelas relações identitárias e de pertencimento. Uma topofilia[2], uma geograficidade[3] os ligam ao espaço, ao mundo vivido, onde estão assentadas as experiências da vida cotidiana. Com isso, se fala não mais de um território e sim de um lugar de vida. Um lugar que se faz território. Um lugar-território.

Ao apresentar lugar e território como categorias existenciais que inserem o “ser-no-mundo”, Serpa (2017, p. 593) demonstra que ambas se engendram pelas experiências desenvolvidas com o espaço e que “deve-se es­tar atento às suas manifestações (e qualidades) nos modos como ocupamos e nos apropriamos do espaço, nas diferentes escalas e situações espaço-temporais”. Sua contribuição vai de encontro ao entendimento de que as noções de escala pouco influenciam na composição de lugar e território. A multiescalaridade é o elemento básico para esse desvelar categorial.

O lugar-território enquanto uma construção relacional (Figura 1) ainda se apresenta como incipiente nas análises geográficas, principalmente quando se pensa o universo da pesquisa para além dos caminhos da teoria. Todavia, a ideia de lugar-território está presente em diversos estudos, sobretudo naqueles que buscam associação entre território, territorialidade, identidades, identidades territoriais, pertencimento, representações, poder/posse, funcional/estratégico, lugar e mundo vivido, simbólico/material, significação/ressignificação e, ainda, território-lugar.


Figura 1
Lugar-território enquanto construção relacional
o autor, 2019.

Importantes contribuições se destacam quanto ao fato da “constelação” de lugar e território. Em particular, Santos e Almeida (2018, p. 190) se utilizam das duas categorias com vistas a apresentar e “discutir o modo pelo qual o ribeirinho dá sentido ao seu espaço”. Esses sentidos estão associados aos modos de vida, aos cheiros, às percepções, mas também aos modos que antecedem a instrumentalização do território. Portanto, “estes [territórios] são originários na efetivação da pesca, no lazer, nas celebrações e culto aos ancestrais. Com isso territórios podem designar um território que emerge a partir dos seus lugares” (SANTOS; ALMEIDA, 2018, p. 207).

Assim, corrobora-se a proposição de que “o território é, de início, um espaço cultural de identificação ou de pertencimento e a sua apropriação só acontece em um segundo momento” (MEDEIROS, 2009, p. 217). Trata-se de um espaço em que a condição da vida se desenvolve pela satisfação das necessidades humanas. Essa premissa nos faz falar primeiro em lugar, que é expresso por valores, significados, representações etc., e, após isso, delinear os caminhos que constituem a face do território.

Antes de ser uma miscelânea de conceitos ou categorias, essa construção nos encaminha para a possibilidade de novos arranjos de leituras do espaço. Novos caminhos. Novas interpretações que se fazem e refazem por abordagens consolidadas e justificáveis, não se tratando, assim, do simples agrupamento de categorias.

À vista disso, e se aportando nos caminhos até o momento delineados, entende-se o lugar-território como a porção do espaço definida por relações de pertencimento que se produzem, reproduzem e se ressignificam no cotidiano, intermediadas por um conjunto indissociável de elementos simbólico-materiais que refletem um modo de vida específico. O Lugar-território é, portanto, multiescalar, não apresenta dimensões espaciais definidas ou específicas e é “sitiado” por sociabilidades que se revelam pelo sentimento de posse, por relações políticas e pelo poder, em diferentes níveis.

O lugar-território é, também, o espaço do enraizamento em que a memória e as identidades territoriais são preservadas e valorizadas e em que os grupos sociais encontram respaldo para o processo de preservação dos saberes, dos fazeres e da cultura enquanto processo que está sempre em mudança, em transformação. É um espaço em construção no qual o material não se sobrepõe ao simbólico – e vice-versa –, e isso não significa a ausência de conflitos, sobretudo quando se leva em consideração que o lugar-território também é mediado por elementos que constituem uma dimensão funcional-estratégica.

Essa leitura do lugar-território permite perceber que as relações sociais, políticas e simbólicas não se excluem. E o lugar, enquanto microcosmos e mundo de significados (TUAN, 2013; MARANDOLA JR., 2014; HELPH, 2014), não se isenta dos constituintes funcionais que moldam o espaço. Dessa maneira, encaminha-se a discussão para uma possível resposta à indagação inicial ao considerar que as relações de pertencimento, os sentidos de ser e estar e a conjectura do enraizamento no/pelo lugar antecipam as relações de posse e de poder e, assim, também, a dimensão funcional-estratégica.

A ressignificação do pertencer e do habitar também deve ser levada em consideração na constituição do lugar-território. Os diferentes tempos que se expressam entre um modo de vida específico, caracterizado pela cultura e pela identidade, se entrecruzam com o contraste da tecnificação do espaço, em função de projetos de desenvolvimento, de interesses diversos e, também, unilaterais. Esses são os diferentes tempos do espaço e do território e que, para Muñoz (2006, p. 236), “varía según como las personas haen uso del mismo y, e ese sentido, el tiempo establece diferencias claras entre los habitantes de su espaço concreto”.

Esses diferentes tempos não estão associados tão somente ao tempo histórico ou cronológico, mas aos diferentes ritmos pelos quais as sociedades fazem uso do espaço, se utilizam da natureza e reproduzem suas vidas, seus modos de vida. Também dizem respeito ao processo de apropriação e às relações culturais. São os tempos em que os lugares são reproduzidos e moldados. O tempo da cidade não é o mesmo dos habitantes da vila rural, do ribeirinho, do pescador e das comunidades tradicionais, por exemplo. Assim, se diferenciam os tempos do camponês e do grande produtor rural, muito embora também se entrecruzem.

Pensado como um lugar-território, o rio São Francisco constitui um espaço de contrastes entre os elementos constituintes das experiências cotidianas (Figuras 2C, D e F), de modos de vida específicos e do meio funcional-estratégico, caracterizado pela apropriação e instrumentalização do ambiente natural (Figuras 2A, B e E), que é o “palco” da vida ribeirinha.


Figura 2
Lugar-território do baixo rio São Francisco – AL/SE – entre as dimensões do cotidiano e a funcional-estratégica
A) Rio apropriado por empresas de turismo e lazer, em Canindé de São Francisco/SE. B) Dimensão técnica/operativa do rio: paredões do lago da Usina Hidroelétrica de Xingó, vista do município de Piranhas/AL. C) Canoas tradicionais de pesca e transporte usadas no cotidiano dos ribeirinhos, povoado Bonsucesso, município de Poço Redondo/SE. D) Vivências: crianças tomam banho e brincam no rio, povoado Cajueiro, município de Poço Redondo/SE. E) Funcional-estratégico: rio dos limites e da integração: transporte de passageiros e cargas em lanchas no porto fluvial de Pão de Açúcar/AL. F) Múltiplos usos do rio: lazer e pesca, comunidade Bode, município de Traipu/AL. Fonte: o autor, 2019.

Essa condição contrastiva e dialética é constituinte do lugar-território sanfranciscano e, em específico, do baixo rio São Francisco. Nele, o ribeirinho, os povos que ocupam o rio e suas margens, desenvolve um modo de ser e de estar que lhe é próprio, fruto da profunda interação do homem com a natureza, mas é no mesmo ambiente que as políticas de Estado, por exemplo, são implantadas, provocando alterações significativas no ambiente e na vida do próprio homem.

Outra característica desse processo é a apropriação dos recursos naturais frente às diferentes formas de uso pelos sujeitos sociais que na história recente têm enxergado o ambiente do rio e das terras adjacentes como território de políticas de planejamento e de caráter funcional e estratégico.

Esses elementos integram a paisagem sanfranciscana de modo que se torna impossível pensar o rio São Francisco, seus povos, a cultura, os modos de vida e as terras de beira-rio sem essas interferências que, de forma geral, compreendem o reflexo dos grandes projetos de desenvolvimento regional e, por conseguinte, nacional.

Esses apontamentos são necessários para se delinear o entendimento de que os povos que habitam o baixo rio São Francisco convivem com esses elementos que foram impregnados na paisagem e vivenciaram e vivenciam significativas mudanças nos modos de ser ribeirinho e de estar no rio. Com efeito, o rio permanece, é o lugar do habitar, da identidade, do enraizamento, e onde o pertencimento é marcante, ora pela memória/lembranças, ora pela vida que ali se faz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do respaldo teórico, buscou-se demonstrar ao longo deste artigo que a leitura do lugar-território se constitui na possibilidade de uma análise integrada das dimensões social, política e simbólica de determinadas espacialidades. Assim, argumenta-se que, mesmo sendo o território caracterizado pelas bases econômica, biológica, social, política e de apropriação, “a sua extensão mais humana identifica-o como o lugar da mediação entre os homens e sua cultura” (MEDEIROS, 2009, p. 217-218).

Em face desse itinerário e dessa construção categorial que fazem o lugar-território, considera-se que se trata de uma interpretação entre tantas outras, um modo de ver, de fazer e de melhor entender as espacialidades que se entremeiam por sujeitos e sentidos que nem sempre são harmônicos e convergentes. O fundamento ou, de outro modo, a ideia consiste em demonstrar a coexistência de sentidos, identidades e modos de apropriação numa mesma espacialidade, no caso referido, a espacialidade ribeirinha do baixo rio São Francisco.

O baixo rio São Francisco, como espaço de referência observado pelo olhar do lugar-território, compreende duas dimensões específicas e que não se excluem: a dimensão mais simbólica e subjetiva e a dimensão material de apropriação do espaço e da natureza. Não há, pois, a possibilidade de compreender uma dessas dimensões sem se levar em consideração a presença da outra.

O rio São Francisco, como lugar, é revelado pela apropriação simbólica, pelas identidades, pelo pertencimento. É revelado também pelos laços afetivos e culturais que guardam as heranças e as tradições de modos de vida associados ao ciclo das águas, ainda muito fortemente representado nas memórias individuais e coletivas. O rio-lugar passa a ser entendido como um espaço com dimensões difíceis de serem estabelecidas, e as localidades de residência estão assentadas junto a um conjunto de elementos que compõem o lugar do ribeirinho.

Como território, o rio São Francisco compreende o espaço, que, tal como o lugar, resguarda em suas águas e terras, entre as duas margens, uma pluralidade de identidades, sujeitos e culturas. O rio-território é apropriado cultural e politicamente. Nele estão estruturados o ribeirinho e o não ribeirinho, os “de fora”. Esse território é apropriado pelas políticas de governo, pelos grandes projetos de irrigação, por empresas de turismo e lazer, por casas e chácaras de veraneio. Mas, também, é apropriado culturalmente pelos “de dentro”, uma apropriação que é simbólica e material. Assim sendo, configura-se aí não apenas um lugar, ou tão somente um território, conforma-se, pois, um lugar-território.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – pela concessão de bolsa de mestrado, base para o desenvolvimento da pesquisa. À Universidade Federal de Sergipe pelo fornecimento de transportes e recursos financeiros para o desenvolvimento das jornadas de campo.

Notas

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5769 Revista Cerrados (Unimontes) 1678-8346 2448-2692 Universidade Estadual de Montes Claros Brasil revista.cerrados@unimontes.br no Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución-NoComercial-SinDerivar 4.0 Internacional. https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/ 576962806017 Sin sección RIO SÃO FRANCISCO: um lugar-território SÃO FRANCISCO RIVER: a place-territory RÍO SÃO FRANCISCO: un lugar-territorio Cícero Bezerra da Silva cicerogeografia016@gmail.com Universidade Federal de Sergipe – UFS, São Cristóvão, Sergipe, Brasil Universidade Federal de Sergipe – UF Brasil https://orcid.org/0000-0001-6013-4797 23 08 2020 08 10 2020 16102020 2020 18 02 319 343 O artigo tem como objetivo primeiro discutir os fundamentos teóricos e conceituais que norteiam as categorias geográficas lugar e território e, a partir de suas respectivas similitudes, apresentar uma leitura híbrida/composta dessas categorias, formando o lugar-território. Essas similitudes estão assentadas nos processos de apropriação material e simbólica, nas identidades e no sentido do pertencimento que conformam essas categorias. Utiliza-se como referência empírica de análise o rio São Francisco em seu baixo curso, cuja espacialidade é caracterizada pela complexidade diversa de usos e apropriações revelada tanto pela leitura do lugar quanto pela leitura do território. Destarte, essa complexidade observada nas vivências com o rio e em entrevistas semiestruturadas delineou os fundamentos que fazem da espacialidade ribeirinha um lugar-território. The article aims to first discuss the theoretical and conceptual foundations that guide the geographical categories place and territory and, based on their respective similarities, present a hybrid / composed reading of these categories, forming the place-territory. These similarities are based on the processes of material and symbolic appropriation, on the identities and the sense of belonging that make up these categories. As an empirical reference for analysis, the São Francisco river is used in its low course, whose spatiality is characterized by the diverse complexity of uses and appropriations that are revealed both by reading the place and by reading the territory. Thus, this complexity observed in the experiences with the river and in semi-structured interviews outlined the fundamentals that make riverside spatiality a place-territory. El artículo tiene como objetivo discutir primero los fundamentos teóricos y conceptuales que guían las categorías geográficas de lugar y territorio y, en función de sus respectivas similitudes, presentar una lectura híbrida / compuesta de estas categorías, formando el lugar-territorio. Estas similitudes se basan en los procesos de apropiación material y simbólica, en las identidades y el sentido de pertenencia que conforman estas categorías. Como referencia empírica para el análisis, el río São Francisco se utiliza en su curso bajo, cuya espacialidad se caracteriza por la diversa complejidad de usos y apropiaciones que se revelan tanto al leer el lugar como al leer el territorio. Por lo tanto, esta complejidad observada en las experiencias con el río y en entrevistas semiestructuradas esbozó los fundamentos que hacen de la espacialidad ribereña un lugar-territorio. Lugar Território Simbolismo Materialidade Ribeirinho Place Territory Symbolism Materiality Riverside Lugar Territorio Simbolismo Materialidad Orilla https://doi.org/10.46551/rc2448269222020 INTRODUÇÃO Na contemporaneidade, a complexidade de organização das diversas sociedades sobre o espaço, assim como o conjunto de transformações socioeconômicas, políticas, culturais e ambientais desvencilhadas, sobretudo a partir das últimas décadas do século XX, tem impulsionado a ciência e, de modo particular, a ciência geográfica a buscar diferentes leituras da realidade em curso. Trata-se da busca por estratégias, conceitos e mecanismos que estreitem a realidade vivida no contexto dessas transformações. Assim, debruçar-se sobre categorias geográficas como lugar e território, sobretudo em espacialidades moldadas por peculiaridades culturais historicamente construídas, tem permitido compreendê-las como espaços de vida que se materializam pelas existências e pelos sentidos do pertencimento. Lugar e território, em maior ou menor grau, “remetem a experiências geográficas que por vezes se distinguem, por vezes se aproximam, experiências que carregam em si a marca do espaço vivido” (SERPA, 2019, p. 61). Dada essa compreensão, o objetivo do artigo é discutir os fundamentos teóricos e conceituais que norteiam as categorias geográficas lugar e território e, a partir de suas respectivas similitudes, apresentar uma leitura híbrida/composta dessas categorias, formando o lugar-território. A construção conceitual do lugar-território, aportada nas similitudes das identidades, nas relações de pertencimento e nos processos de apropriação, em diferentes dimensões, é um fundamento constituinte do próprio sentido dessas categorias, podendo ser observada nas contribuições de Santos (1996), Haesbaert (1999), Souza (2013), Serpa (2019), Carlos (2007), Helph (2014), entre outros estudiosos. Como recorte empírico e espaço de referência, recorre-se ao rio São Francisco em seu baixo curso – entre os Estados de Alagoas e Sergipe –, demonstrando a possibilidade de leitura desse ambiente pela construção do lugar-território. É cabível ressaltar, ainda, a complexidade da espacialidade ribeirinha observada no baixo rio São Francisco, em que estão presentes, por um lado, o conjunto de relações existenciais que caracterizam e atribuem forma à vida ribeirinha e às suas identidades e o amálgama local dos povos com a natureza, revelando um rio que é lugar. Por outro lado, nas mesmas espacialidades e no mesmo ambiente, está presente o conjunto de formas materiais que se revelam pela apropriação da natureza, pelas políticas de governo, pelos usos da terra e das águas, pelas relações conflituosas de posses e apropriações diversas, revelando, assim, um rio que é território. Para o desenvolvimento das análises, metodologicamente, a pesquisa está fundamentada na revisão da literatura, sustentando-se principalmente nas categorias lugar e território e nos estudos que apresentam o rio São Francisco como referência analítica. Foram realizados ainda, como fundamento à interproteção dos fenômenos in loco, trabalhos de campo, entrevistas semiestruturadas e observações dirigidas. Posto isso, o artigo está estruturado em três momentos, os quais seguem esta introdução. No primeiro momento, de abordagem teórica e conceitual, discutem-se os fundamentos materiais e simbólicos que constituem o lugar e o território. No segundo, são discutidas as relações identitárias e de pertencimento que compreendem o amálgama do lugar e do território. Em seguida, recorre-se à leitura do lugar-território pela realidade empírica do baixo rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe. MEDIAÇÃO SIMBÓLICO-MATERIAL NA CONSTITUIÇÃO DE LUGARES E TERRITÓRIOS A mediação simbólico-material apresentada na constituição de lugares e territórios tem sido abordada em diversas análises, sem que uma se sobreponha ou exclua a outra. Lugar e território, enquanto constituintes da condição primeira do espaço (RAFFESTIN, 1993), refletem o vivido, a apropriação e as relações que se estabelecem pelas territorialidades. A mediação simbólico-material do lugar pode ser notoriamente observada nas contribuições apresentadas por Tuan (2013 [1983]), Holzer (1998, 2014), Carlos (2007), Helph (2014), Marandola Jr. (2014) e Chaveiro (2014). Quanto ao território, por sua vez, destacam-se as contribuições, dentre outras, de Raffestin (1993), Haesbaert (2009), Santos (1996, 2000), Bonnemaison (2002), Cruz (2006, 2007), Saquet (2009, 2013), Almeida (2005), Souza (2013) e Serpa (2019). Todos esses estudiosos supracitados se aportam para caracterizar lugar e território em uma concretude de objetos materiais, mas também em significados, simbologias e representações sociais que significam e ressignificam o espaço enquanto produto existencial da ação humana e base de reprodução da vida. Assim, para Carlos (2007, p. 14), “o lugar abre a perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, os processos de apropriação do espaço”. Ainda para a autora, “ele [o lugar] guarda em si e não fora dele o seu significado e as dimensões do movimento da vida, possíveis de ser apreendido pela memória através dos sentidos do corpo” (CARLOS, 2007, p. 14). O corpo e, portanto, a ideia de corporeidade apresentada por Merleau-Ponty (1996) são elementos centrais na constituição do lugar, já que é por este que se experiencia e se ocupa o espaço em todas as suas dimensões escalares. É pelo corpo que de desfruta de sensações, das percepções e dos sentidos que fazem ser-no-mundo. Daí se figura a assertiva de que as relações espaciais, e com elas o mundo vivido, considerado como sendo o próprio lugar, “qualifica a experiência do existir” (CHAVEIRO, 2014, p. 251). Embora na obra de Merleau-Ponty (1996) não seja realizada menção direta ao lugar, observa-se o entendimento de que o mundo vivido apresentado pelo filósofo é constituinte do próprio lugar, que é existencial e experienciável, aproximando-se do mundo de significados [o próprio lugar] de Tuan (2013). Essa aproximação entre o lugar e o mundo vivido já foi sinalizada por Nogueira (2005, p. 13) ao discutir a necessidade de se “reaprender a ver o lugar; esta reaprendizagem se dá pelas histórias narradas por quem os vive”. Chaveiro (2014, p. 253-254) apreende o corpo enquanto “guardador de lugares” e o lugar “enquanto guardador de relações corporais”. Isso pode se dar pelo fato de ser o corpo o instrumento canalizador da experiência com o mundo. É pelo corpo e pelas relações perceptivas e cognitivas que se expressa a consciência da existência, a partir da qual são desenvolvidas as experiências do existir e de sentir o espaço, bem como suas mediações simbólicas e materiais que justificam a construção e a representação dos lugares. Assim, “o lugar é uma edificação de ininterruptas relações, vertidas por apropriação do espaço, construídas por corporeidades em movimento” (CHAVEIRO, 2014, p. 276). O lugar se dá pelo movimento do corpo, portanto, o movimento da vida que qualifica e dá singularidade aos lugares como um reflexo da atuação humana sobre o espaço apropriado. É nesse sentido que Relph (2014, p. 31) descreve o núcleo de significação do lugar. Para esse autor, “lugar é um microcosmos. É onde cada um de nós se relaciona com o mundo e onde o mundo se relaciona conosco”. A ideia do lugar enquanto “microcosmos” foi apresentada por Tuan (2013), para quem eles constituem centros de significados organizados e despertam afetividades, podendo ser acrescidas ou não ao longo do tempo. Por sua vez, Holzer (1998, p. 72) apoia-se em Tuan ao considerar que o “conteúdo do lugar é o conteúdo do mundo, já que ambos são produzidos pela consciência humana e por sua relação intersubjetiva com as coisas [...]”. É nessa circunstancialidade que o lugar está no mundo e o mundo está no lugar. Essa construção se aproxima do pensamento de Santos ao assinalar que: Cada lugar é, à sua maneira, o mundo. Ou, como afirma Maria Adélia de Souza (1995, p. 65), ‘todos os lugares são virtualmente mundiais’. [...] irrecusavelmente imerso numa comunhão com o mundo, torna-se exponencialmente diferente dos demais (1996, p. 252).A condição simbólica e cultural que arraiga a identidade no/pelo lugar e que insere o corpo no mundo envolve as relações existenciais do presente, mas, também, a memória enquanto “sedimentos” de momentos vividos, experienciados e sentidos. A esse respeito, Souza contribui ao enfatizar que: [...] no caso do conceito de lugar, não é a dimensão do poder que está em primeiro plano, ou que é aquela mais imediatamente perceptível, diferentemente com o que se passa com o conceito de território, mas sim a dimensão cultural-simbólica e, a partir daí, as questões envolvendo as identidades, a intersubjetividade e as trocas simbólicas por trás da construção de imagens e sentidos dos lugares enquanto espacialidades vividas e percebidas, dotadas de significados [...] (2013, p. 115).Em continuidade e sem se desprender da mediação simbólico-material, passa-se a entender o território enquanto constituinte dessas relações, mesmo compreendendo o sentido de poder que o atravessa e o sustenta. Todavia, é fundamental evidenciar que o lugar revelado pelo pertencimento é, também, revelado pela apropriação, seja ela simbólica ou material, e isso permite que se compreendam ambas as categorias formadas e constituídas por relações de poder. Assim, se acresce mais uma vez o pensamento de Souza: Dizer que, em se tratando do conceito de lugar, não é mais a dimensão do poder que é aquela mais imediatamente perceptível, mas sim a dimensão cultural-simbólica, não significa, porém, de jeito nenhum, sugerir que a dimensão do poder não deva ser levada em conta. Pensar assim seria cometer um rematado disparate (2013, p. 115-116).E finaliza acrescentando que: [...] é certo que lugares são, em geral, também territórios. Ocorre que postular que territórios e lugares frequentemente se superponham não é o mesmo que sugerir que sempre haja algo como uma correlação perfeita entre eles. {Para exemplificar o contexto entre lugares e territórios o autor apresenta o contexto da ilha da Irlanda} Exemplo: Para muitos irlandeses, na sua maioria católicos, toda a ilha da Irlanda é um só lugar (mas com um inconveniente de que, no Ulster, ou Irlanda do Norte, a maioria é protestante...); um lugar, porém, dividido entre dois territórios: para os protestantes do Ulster, seu território, integrante do Reino Unido, é um lugar totalmente à parte, e assim deve permanecer (SOUZA, 2013, p. 126). Ao ser revelado pelo pertencimento e pelos significados, do lugar emana o sentido de posse, de uma apropriação simbólica que o significa e que lhe é própria. Nele, estão abrigadas as experiências mais íntimas com o espaço, é onde estão assentadas as raízes ou, de outro modo, onde está a própria facticidade, e, parafraseando Santos (2000, p. 212), “o ato de pertencer aquilo que nos pertence”. Logo, o lugar é a apropriação daquilo que é mais íntimo e subjetivo e que, ainda que não seja um espaço fechado, se diferencia do lugar do “outro” em contraponto ao “meu lugar”. Haesbaert (2012, p. 96), ao se respaldar em Lefebvre, demonstra que a dimensão do território “[...] vai da dominação político-econômica mais concreta e funcional à apropriação mais subjetiva e/ou cultural-simbólica”. Para tanto, essa dimensão só é revelada pelas relações de interesses unívocas aos indivíduos que a constituem e que “dependem da dinâmica de poder e das estratégias que estão em jogo” (HAESBAERT, 2012, p. 96). Distante de ser uma dualidade conflitiva na constituição do território, esses elementos são inseridos no arcabouço do território enquanto uma teia de significados sociais geradores de identidades, pois são, também, pontos de referência em que os indivíduos encontram aporte e buscam ressignificar suas vidas pelos diferentes tipos de apropriação e de valores. Como exemplo dessa dimensão de apropriação, tem-se os territórios quilombolas e/ou indígenas, na medida em que são demarcados por e a partir de relações de apropriação que historicamente se estabelecem em um dado espaço. Essa apropriação se revela não tão somente pela posse do recorte espacial, mas pelas relações simbólicas e afetivas que foram estabelecidas no espaço e que o caracterizam e lhe dão singularidade. Tais características, de acordo com Bonnemaison (2002, p. 120), “inscrevem-se dentro de uma visão cultural e emocional da terra, isto é, dentro de uma relação de territorialidade”. A constituição desses territórios, mesmo embasada na existência de relações e conflitos políticos no processo de conquista e acesso à terra, remete ao mesmo tempo a um objetivo que é comum a um grupo e que possui de alguma maneira relações em comum, sejam elas políticas, ideológicas, culturais, étnicas, etc. São essas as características que singularizam o grupo que passa a viver e experienciar em um mesmo espaço e que, com o passar do tempo, estabelece relações de territorialidade que antes não lhe ocorriam. Consequentemente, no mesmo espaço de lutas, resistência, amor/afeição pela terra, se inscreve a identidade. Trata-se de uma identidade que é construída por objetivos que lhe são comuns, sendo caracterizada pelas trocas de experiências e por relações materiais, enfim, pela partilha de um mesmo mundo em que os significados são criados, produzidos e ressignificados. Por esse olhar se observa que esse modelo de território já não é tão somente político, mas também fonte de significados. Destarte, por esse embasamento é possível apreender, então, a espacialidade do rio São Francisco enquanto um território apropriado por sujeitos e atores sociais – pela própria figura do Estado –, mas, também, pelas relações de pertencimento em que as práticas da vida cotidiana se efetivam. Santos (2000, p. 96) considera que “o território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida sobre os quais ele influi”. O território é, assim, um conjunto indissociável de elementos materiais e imateriais que caracterizam, dão forma, essência e significado a uma determinada porção do espaço; um jogo de relações em que a identidade é o elemento-chave que o caracteriza – sem que, para tanto, seja uniforme e estática. Em se tratando das territorialidades, Bonnemaison (2002) considera que elas estão associadas ao modo como os homens se relacionam com o espaço que os circunda. Para ele, “a territorialidade é compreendida muito mais pela relação social e cultural que um grupo mantém com a trama de lugares e itinerários que constituem seu território do que pela referência aos conceitos habituais de apropriação biológica e de fronteira” (BONNEMAISON, 2002, p. 99-100). Aproximando-se da leitura de territorialidade apresentada pela escola francesa, Raffestin (2010, p. 15), na Suíça, pondera que as territorialidades se caracterizam por serem “um conjunto de relações materiais e imateriais”. Elas, portanto, singularizam o espaço e o mundo vivido, que são produzidos pela mediação dialética simbólico-material e que se materializam na paisagem, na apropriação do espaço, nas relações do cotidiano e nas redes estabelecidas entre lugares e territórios. Consistem, ainda, no conjunto de símbolos que demarcam, revelam e significam determinadas porções do espaço, sem que para tanto eles – o espaço e o mundo vivido – apresentem limites fundamentalmente específicos. É nesse sentido que as territorialidades suplantam os limites do território habitual quando percebido apenas pelo entrecruzamento de limites bem estabelecidos. As territorialidades conduzem a uma aproximação das noções de redes em que relações são instituídas entre lugares, territórios e sujeitos. Essas redes de relações constituem um espaço em que os sujeitos que o compõem possuem e desempenham funções e atividades afins, ou seja, têm características semelhantes – tanto materiais quanto subjetivas – que podem, no tempo-espaço, ser constituintes de identidades por intermediação dos significados que são atribuídos ao espaço. É pela organização do espaço, por sua funcionalidade e pelas relações simbólicas e materiais que as territorialidades se estabelecem. Estas atribuem função e sentido ao território, muito embora possam se configurar no espaço sem a precisa constituição de um. As territorialidades enquanto relação cultural são, assim, a expressão do vivido, mas envolvem também movimento e semelhanças entre sujeitos e culturas. A esse respeito, Raffestin considera que: A territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do vivido territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivas (1993, p. 158). Com efeito, se as territorialidades são concebidas pelas relações estabelecidas no cotidiano, também se concebem, em conformidade, enquanto produto da história e do tempo ou, de outro modo, produto da cultura e do enraizamento, constituindo o modo de relacionamento apresentado pelo homem no seu espaço de vivência. LUGAR E TERRITÓRIO: ESPAÇOS DE IDENTIFICAÇÃO E PERTENCIMENTO

As reflexões inerentes ao lugar e ao território, assim como aos elementos que os constituem, permitem adentrar os fundamentos da identidade e, por conseguinte, das identidades territoriais. A identidade adensa o lugar e o território, de modo que não se é mais possível falar deles sem, portanto, falar também da identidade, de mudanças e de ressignificações, como também de enraizamento, de pertencimento e dos sentidos de ser, estar, permanecer, atuar, viver etc. Ao pensar as identidades enquanto uma construção histórica e espaço-temporal que emoldura lugar e território, se delineiam os itinerários da compreensão dessas identidades como fenômenos geográficos, pois elas são reveladas pela vinculação dos fenômenos e dos sujeitos identitários ao espaço, aos lugares e aos territórios. As identidades, conforme apresentadas por Castells (1999), Haesbaert (1999, 2012) e Hall (2006), remetem à ideia de mudanças e permanências, ou seja, uma construção enquanto multiplicidade e movimento em diferentes tempos e espaços e em diferentes contextos socioculturais. Envolvem, também, discursos, representações, práticas sociais e significados que são produzidos, reproduzidos e moldados pelas experiências de vida, mas que não se tornam apáticos aos acontecimentos externos à realidade. Castells (1999, p. 22), em O Poder da Identidade, se atém à identidade enquanto “processo de construção de significados com base em um atributo cultural, ou ainda em um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significados”. Esse conjunto de atributos culturais está associado à matéria-prima ou à base necessária à existência da identidade e que “é fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais [...]” (CASTELLS, 1999, p. 22). Para Cruz (2007, p. 260), a identidade deve ser considerada “uma construção histórica e relacional dos significados sociais e culturais que norteiam o processo de distinção e identificação de um indivíduo ou de um grupo”. Assim sendo, a ideia de identidade envolve também as relações de diferenciação entre o “eu” e o “outro”, entre escalas e lugares, seja pelas distinções culturais, ideológicas, de poder, de pertencimento, entre outras. Todos esses são elementos de diferenciação, mas também de afirmação e reconhecimento. Essas diferenças são carregadas de historicidade e se reafirmam pela coletividade de grupos e pelas raízes que foram estabelecidas no/com o espaço/lugar. De modo consonante, Benitez e Levi assinalam que: La identidad es una construcción social reforzada por un discurso que lo retroalimenta, que se apoya en criterios y rasgos distintivos para afirmar y reafirmar similitudes y diferencias. [...] Aunque dichos rasgos pudiesen contemplar también aspectos de género, religión, grupo étnico, ocupación, el carácter de originario o avecindado es determinante en la forma como se perciben a sí mismos y al otro, en la forma como se construye la colectividad y se establece la alteridad (2009, p. 125). A identidade enquanto construção histórica já fora apontada por Hall (2006), para quem está sujeita à ressignificação, envolvendo os vínculos de pertencimento, as heranças e as aspirações futuras. Enquanto processo, as identidades não se apresentam de maneira estanque. Elas são significadas e ressignificadas de acordo com o contexto cultural a que pertencem e no qual são reveladas. O ambiente de referência identitário e os sujeitos que o compõem são resultantes de uma “construção” relacional em diferentes momentos, tendo como substrato heranças, percepções, histórias de vida e idealizações que não são passíveis de entendimento apenas pela leitura do momento presente. Por conseguinte, e sem a pretensão de tecer um diálogo dissociado da empiria, compreende-se que essas concepções permitem uma importante aproximação para se discutir o pertencimento e a identidade, englobando, simultaneamente, as transformações pelas quais o rio São Francisco e os povos que historicamente ocupam suas margens têm passado em decorrência, primeiro, dos ciclos econômicos e, segundo, dos grandes projetos de desenvolvimento nacional, a saber, a construção de diversos complexos de usinas hidroelétricas, sobretudo nos anos subsequentes à década de 1950 do século XX. Vargas (1999) e Fontes (2011) enfatizam as consequências políticas, geográficas e socioculturais dessas barragens e traduzem essas consequências sobretudo pelo controle definitivo da vazão das águas sanfranciscanas em detrimento da geração de energia elétrica. Essas barragens, conforme escreve Pfau (2011, p. 78), “afundaram cidades, igrejas e sítios arqueológicos, desapropriaram índios, quilombolas e vazanteiros, mexeram nas tradições e cultura dos ribeirinhos”. Já no tocante ao baixo curso, Fontes (2011, p. 43) avalia que a “construção da barragem de Xingó representou o marco definitivo em relação ao controle do homem sobre o comportamento do seguimento do sistema fluvial situado à jusante dessa barragem”. O controle definitivo da vazão do rio pelas grandes barragens influenciou de maneira significativa os modos de vida das populações ribeirinhas, que já não mais dispunham das enchentes periódicas que traziam fertilidade às várzeas e lagoas amplamente ocupadas pela cultura do arroz. Ocorria, assim, o declínio de um modelo econômico singular, com alterações também no sistema de transporte fluvial, que passou a funcionar de maneira deficitária devido às condições de vazão e assoreamento causadas pelo acúmulo de sedimentos. No que concerne a esses acontecimentos, as transformações na base física do rio São Francisco em consequência da implantação das hidroelétricas marcaram de modo mais incisivo, portanto, a chegada do outro, “os de fora”. Delinearam significativas mudanças na vida cotidiana e o reconhecimento de um modo de ser específico em detrimento dos modos de vida e dos objetivos dos que chegaram. Com essa aproximação, comunga-se do entendimento de que as identidades, embora sejam expressas pela subjetividade, não se dissociam de foram alguma de uma base de referência material. O simbólico se apresenta e é constituído pelo material, mas não somente por ele. O rio, as terras e suas paisagens, o roçado, a casa e a igreja etc., todos esses são elementos de base material, mas que não se desvencilham dos significados que se expressam pelo simbólico imaterial. A esse respeito, Cruz se posiciona afirmando que: A identidade é construída subjetivamente, baseada nas representações, nos discursos, nos sistemas de classificação simbólica, embora não seja algo puramente subjetivo e não se restrinja à ‘textualidade’ e ao ‘simbólico’. Ela não é uma construção puramente imaginária que despreza a realidade material e objetiva das experiências e das práticas sociais como muitos afirmam, e nem tão pouco é algo materialmente dado, objetivo, uma essência imutável, fixa e definitiva (2007, p. 263). De tal modo, observa-se que as identidades apresentam como principal característica as relações que se entremeiam ao universo material e simbólico, sem que isso ocorra de maneira antagônica. A existência da base material pode ser entendida como sendo o ponto de partida, a matéria-prima e/ou o espaço de referência que dá sentido à identidade e em que seus idealizadores produzem e ressignificam o espaço vivido. A esse respeito, Poche (1983) apresenta o chamado “espaço de referência identitária”, ou seja, o espaço que compreende a concretude material e a base dos elementos simbólicos. Cruz (2007, p. 271) considera que é no espaço de referência identitário que “são forjadas as práticas materiais (formas de uso, organização e produção do espaço) e as representações espaciais que constroem o sentimento e significado de pertencimento dos grupos ou indivíduos em relação a um território”. O lugar e o território constituem essa base, pois é neles que a identidade toma forma, seja pela apropriação e pelo uso ou pelas relações de pertencimento e enraizamento. Nesse contexto, as contribuições de Almeida (2005, p. 109) apontam para o fato de que “o território ele o é, para aqueles que têm uma identidade territorial com ele, o resultado de uma apropriação simbólico-expressiva do espaço, sendo portador de significados e relações simbólicas”. Haesbaert (1999, p. 178) comunga do entendimento de que as identidades se “fundamentam através do território [...], tanto no sentido simbólico quanto concreto. Assim, a identidade social é também uma identidade territorial quando o referente simbólico central da construção dessa identidade parte ou perpassa o território”. Aqui, e após esta análise, se reafirma o pensamento de Santos (2000) ao assinalar que o território não está vazio de conteúdo e de concretude humana. Os modos de vida e as sociabilidades que se expressam na vida cotidiana ribeirinha dos povos que adensam o vale sanfranciscano são reveladores de um espaço de referência identitária associado às condições necessárias de manutenção da vida no rio. É pelo rio, base física palpável, visível e sentida, que o homem estabelece sua base identitária, uma consciência socioespacial do pertencimento. A consciência do pertencimento, para Cruz (2006, p. 189), também apresenta centralidade na constituição das identidades. Não basta estar, é preciso que se tenha uma consciência do estar e do ato de pertencer a um dado lugar, ao território que se afirma pelas “práticas e representações espaciais que envolvem ao mesmo tempo o domínio funcional-estratégico (finalidades) sobre um determinado espaço e a apropriação simbólico/expressiva do espaço (afinidades/afetividades)”. O domínio funcional-estratégico é revelado, sobretudo, pela apropriação material do lugar e do território, pensado junto às relações de poder e aos usos estratégicos pelos mais diferentes sujeitos e atores sociais atuantes. Por sua vez, a apropriação simbólica está associada às relações subjetivas inerentes à vida cotidiana dos indivíduos, às relações afetivas e aos significados impregnados no lugar. Mas também está associada às concepções ideológicas e políticas e ao autorreconhecimento. Essa compreensão da apropriação material e simbólico-subjetiva do lugar e, consequentemente, dos territórios faz pensar acerca da espacialidade do rio São Francisco enquanto lugar-território, em que, de um lado, tem-se um rio institucionalizado, palco de políticas estruturais que têm se apresentado como modernizadoras, mas que desnaturalizaram o rio ao longo das últimas décadas, principalmente em seu baixo curso; e, de outro lado, tem-se um rio demarcado pelo pertencimento e pelas identidades de seus povos, revelador de uma geograficidade endêmica e que resguarda as histórias de vida, os costumes e as tradições. A memória enquanto construção histórica e cultural da vida humana ocupa centralidade na constituição das identidades territoriais e nos significados que são atribuídos aos lugares. Nesse contexto, a identidade pode ser expressa pelas lembranças e pelo sentimento de pertencimento a um determinado espaço, mesmo estando distante dele. A topofilia ou, de outro modo, o sentimento afetuoso pelos lugares, tal como apresentado por Tuan (2012), revela essa “atração” do homem pelo lugar, envolvendo os vínculos afetivos e de pertencimento, mas, também, as memória e as lembranças. Ao contextualizar o conjunto de relações inerentes à memória e à constituição do lugar, Marandola Jr. (2014) considera que este último é revelado pelas lembranças como experiências vivenciadas e sentidas em que o sentido de permanência é um elemento marcante na constituição das identidades. E acrescenta: O tempo é vivido como memória, e por isso memória e identidade adensam o lugar. A memória é a experiência vivida que o significa, definindo-o enquanto tal. Não é à toa que pensar o lugar é mais fácil recuando no tempo: lugar de nascimento, lugar de lembranças, lugar de saudade, lugar de memória, lugar de identidade. Ele parece mais conectado a uma tradição, a uma experiência profunda de entrelaçamento com a terra. Um ritmo lento onde o sentido de permanência prevalece (MARANDOLA JR., 2014, p. 229). A memória enquanto experiência vivida resguarda em si os sedimentos das histórias de vida e das relações espaciais que são desenvolvidas no lugar. Portanto, “a memória, ao mesmo tempo em que nos modela, é também por nós modelada [sic]. Isso resume a dialética da memória e da identidade, que se conjugam, se nutrem mutuamente, se apoiam uma na outra para produzir uma história de vida [...]” (CANDAU, 2012, p. 16). O ato de se recordar do lugar da infância, das atividades do cotidiano, de um modo de vida específico é, também, um processo de construção de relações espaciais. É um resgatar da própria identidade. “O espaço valorizado produz memória e é carregado de sentido e símbolos que o transforma em território cultural marcado por relações sociais que portam referenciais identitários [...]” (SCHALLENBERGER, 2011, p. 07). Uma moradora de Aracaju/SE disse o seguinte: “sinto saudade da beira do rio [São Francisco], da infância, do banho. Viver aqui era uma maravilha. Todos os fins de semana, nas festas e feriados eu e meu esposo voltamos aqui” (Entrevista realizada em Bonsucesso, povoado do município de Poço Redondo/SE, janeiro de 2019). As lembranças de momentos vividos e que se expressam pela memória são, assim, o ponto de partida que liga o passado e o presente no processo de reconstrução das experiências espaciais com o lugar, mas, também, com as outras pessoas e os demais elementos impregnados como marcas na paisagem, aos quais são atribuídos significados por meio das vivências do cotidiano. Mesmo após 30 anos residindo fora do povoado e estando em um ambiente diferenciado, caracterizado por elementos culturais distintos daqueles de sua origem – no caso específico, residindo na cidade de Aracaju/SE –, a entrevistada não se desvencilhou do enraizamento e dos elementos que dão identidade ao povoado de Bonsucesso/SE. O rio São Francisco, a igreja, as festas de padroeiro, a antiga fazenda de arroz, todos esses são elementos de referência identitária que estão impregnados nas lembranças ou se fazem presentes no cotidiano local. Esses são, pois, os fundamentos que traduzem o rio São Francisco como um lugar. O ir e voltar ao povoado ribeirinho de Bonsucesso/SE evidencia as relações de territorialidade que se estabelecem tendo por base as lembranças de momentos vividos, sobretudo, na infância, territorialidades essas que são vinculadas ao rio, às práticas cotidianas, aos festejos e à afabilidade para com o lugar, atribuindo-lhe singularidades e demonstrando o sentido material e simbólico do espaço. É constituinte ainda dos laços e das redes que os ligam ao lugar da infância, do nascimento, da primeira casa. Nessa acepção, mesmo não residindo nas proximidades do rio São Francisco, o sentido de pertencimento ao rio permanece tal como permanece o sentido de lugar. ITINERÁRIOS QUE FAZEM O “LUGAR-TERRITÓRIO” O sentido de pertencer, de ser e de estar antecipa as relações de posse e de poder e a dimensão política do território, mesmo sendo esses resultantes de um constructo simbólico-material? É possível pensar o território e as identidades territoriais à frente do enraizamento no/pelo lugar, das relações vividas no cotidiano? Essas são algumas das indagações que fazem enveredar no que Haesbaert (2016, p. 27) chamou de “constelações geográficas de conceitos” no entorno da categoria-mestra que é o espaço. E a dimensão espacial do rio São Francisco deve ser pensada como um território sobreposto ao lugar, ou seria o vivido o elemento-chave constituinte de um lugar-território? Nossos itinerários estão pautados na busca por essa compreensão, um caminho pensado pela práxis que se revela e é revelado no delineamento teórico, mas, principalmente, pelas percepções de sujeitos que vivem e experienciam a realidade colocada, ou seja, “os de dentro”, bem como pelas observações que se tracejam no rio São Francisco enquanto referência empírica de análise. A valorização das percepções para esse entendimento está assentada em Merleau-Ponty (1996) ao demonstrar que a percepção reúne as experiências sensoriais e daí, também, as concepções de espaço. Ou seja, o entendimento da dimensão espacial, em variadas escalas e pelo entendimento dos “de dentro”, será pensado e estabelecido pela realidade vivida, mas também pelas revelações percebidas e expressas nas paisagens, uma vez que estas envolvem “muito mais que uma justaposição de detalhes pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma convergência, um momento vivido, uma ligação interna, uma ‘impressão’ que une todos os elementos” (DARDEL, 2015, p. 30). A cultura enquanto produção humana no espaço qualifica, identifica, diferencia e afirma lugares e territórios, de modo que as formas materiais e simbólicas que se expressam nas paisagens e lhes atribuem sentido só se tornam possíveis e perceptíveis pela cultura. Assim, a valorização da cultura associada ao contexto da constituição identitária dá sentido e formas ao espaço, transformando-o em lugar, em território. Relembrando as contribuições teóricas já mencionadas, denota-se que lugar e território são adensados por relações de pertencimento, portanto por identidades e por elementos materiais e simbólicos. Essas características estão ancoradas em Souza (2013, p. 121) ao considerar que “[...] na prática, lugares são, menos ou mais claramente, e menos ou mais fortemente, quase sempre territórios”. É fundamental perceber que, por esse mesmo modo de ver, territórios também se apresentam quase sempre como lugares. Esses lugares do território são revelados pelo mundo vivido. Mesmo sendo o território caracterizado pelas bases econômica, biológica, social, política etc., como considerado por Bonnemaison (2002), Fernandes (2009), Thomaz Júnior (2011), Saquet (2013), entre outros, “sua expressão mais humana identifica-o como o lugar de mediação entre os homens e sua cultura. [...] O território é, pois, esta parcela do espaço enraizada numa mesma identidade e que reúne indivíduos com o mesmo sentimento” (MEDEIROS, 2009, p. 217-218). O respaldo para esse entendimento pode ser percebido, mais uma vez, no exemplo dos territórios quilombolas e/ou indígenas. Estes constituem espaços demarcados por relações de poder em que o sentido de posse é o elemento mais marcante no espaço. Todavia, esses territórios resguardam a historicidade dos povos, os hábitos, os costumes, as tradições, enfim, toda a sua cultura. São espaços de aconchego, segurança e preservação dos sentidos que os fazem “ser” quilombolas, indígenas ou, ainda, ribeirinhos, sertanejos, assentados e, portanto, que os fazem ser-no-mundo e Ser-no-mundo com os outros, pois revelam o sentido da existência. São territórios marcados pelas relações identitárias e de pertencimento. Uma topofilia[2], uma geograficidade[3] os ligam ao espaço, ao mundo vivido, onde estão assentadas as experiências da vida cotidiana. Com isso, se fala não mais de um território e sim de um lugar de vida. Um lugar que se faz território. Um lugar-território. Ao apresentar lugar e território como categorias existenciais que inserem o “ser-no-mundo”, Serpa (2017, p. 593) demonstra que ambas se engendram pelas experiências desenvolvidas com o espaço e que “deve-se es­tar atento às suas manifestações (e qualidades) nos modos como ocupamos e nos apropriamos do espaço, nas diferentes escalas e situações espaço-temporais”. Sua contribuição vai de encontro ao entendimento de que as noções de escala pouco influenciam na composição de lugar e território. A multiescalaridade é o elemento básico para esse desvelar categorial. O lugar-território enquanto uma construção relacional (Figura 1) ainda se apresenta como incipiente nas análises geográficas, principalmente quando se pensa o universo da pesquisa para além dos caminhos da teoria. Todavia, a ideia de lugar-território está presente em diversos estudos, sobretudo naqueles que buscam associação entre território, territorialidade, identidades, identidades territoriais, pertencimento, representações, poder/posse, funcional/estratégico, lugar e mundo vivido, simbólico/material, significação/ressignificação e, ainda, território-lugar. Figura 1Lugar-território enquanto construção relacional o autor, 2019. Importantes contribuições se destacam quanto ao fato da “constelação” de lugar e território. Em particular, Santos e Almeida (2018, p. 190) se utilizam das duas categorias com vistas a apresentar e “discutir o modo pelo qual o ribeirinho dá sentido ao seu espaço”. Esses sentidos estão associados aos modos de vida, aos cheiros, às percepções, mas também aos modos que antecedem a instrumentalização do território. Portanto, “estes [territórios] são originários na efetivação da pesca, no lazer, nas celebrações e culto aos ancestrais. Com isso territórios podem designar um território que emerge a partir dos seus lugares” (SANTOS; ALMEIDA, 2018, p. 207). Assim, corrobora-se a proposição de que “o território é, de início, um espaço cultural de identificação ou de pertencimento e a sua apropriação só acontece em um segundo momento” (MEDEIROS, 2009, p. 217). Trata-se de um espaço em que a condição da vida se desenvolve pela satisfação das necessidades humanas. Essa premissa nos faz falar primeiro em lugar, que é expresso por valores, significados, representações etc., e, após isso, delinear os caminhos que constituem a face do território. Antes de ser uma miscelânea de conceitos ou categorias, essa construção nos encaminha para a possibilidade de novos arranjos de leituras do espaço. Novos caminhos. Novas interpretações que se fazem e refazem por abordagens consolidadas e justificáveis, não se tratando, assim, do simples agrupamento de categorias. À vista disso, e se aportando nos caminhos até o momento delineados, entende-se o lugar-território como a porção do espaço definida por relações de pertencimento que se produzem, reproduzem e se ressignificam no cotidiano, intermediadas por um conjunto indissociável de elementos simbólico-materiais que refletem um modo de vida específico. O Lugar-território é, portanto, multiescalar, não apresenta dimensões espaciais definidas ou específicas e é “sitiado” por sociabilidades que se revelam pelo sentimento de posse, por relações políticas e pelo poder, em diferentes níveis. O lugar-território é, também, o espaço do enraizamento em que a memória e as identidades territoriais são preservadas e valorizadas e em que os grupos sociais encontram respaldo para o processo de preservação dos saberes, dos fazeres e da cultura enquanto processo que está sempre em mudança, em transformação. É um espaço em construção no qual o material não se sobrepõe ao simbólico – e vice-versa –, e isso não significa a ausência de conflitos, sobretudo quando se leva em consideração que o lugar-território também é mediado por elementos que constituem uma dimensão funcional-estratégica. Essa leitura do lugar-território permite perceber que as relações sociais, políticas e simbólicas não se excluem. E o lugar, enquanto microcosmos e mundo de significados (TUAN, 2013; MARANDOLA JR., 2014; HELPH, 2014), não se isenta dos constituintes funcionais que moldam o espaço. Dessa maneira, encaminha-se a discussão para uma possível resposta à indagação inicial ao considerar que as relações de pertencimento, os sentidos de ser e estar e a conjectura do enraizamento no/pelo lugar antecipam as relações de posse e de poder e, assim, também, a dimensão funcional-estratégica. A ressignificação do pertencer e do habitar também deve ser levada em consideração na constituição do lugar-território. Os diferentes tempos que se expressam entre um modo de vida específico, caracterizado pela cultura e pela identidade, se entrecruzam com o contraste da tecnificação do espaço, em função de projetos de desenvolvimento, de interesses diversos e, também, unilaterais. Esses são os diferentes tempos do espaço e do território e que, para Muñoz (2006, p. 236), “varía según como las personas haen uso del mismo y, e ese sentido, el tiempo establece diferencias claras entre los habitantes de su espaço concreto”. Esses diferentes tempos não estão associados tão somente ao tempo histórico ou cronológico, mas aos diferentes ritmos pelos quais as sociedades fazem uso do espaço, se utilizam da natureza e reproduzem suas vidas, seus modos de vida. Também dizem respeito ao processo de apropriação e às relações culturais. São os tempos em que os lugares são reproduzidos e moldados. O tempo da cidade não é o mesmo dos habitantes da vila rural, do ribeirinho, do pescador e das comunidades tradicionais, por exemplo. Assim, se diferenciam os tempos do camponês e do grande produtor rural, muito embora também se entrecruzem. Pensado como um lugar-território, o rio São Francisco constitui um espaço de contrastes entre os elementos constituintes das experiências cotidianas (Figuras 2C, D e F), de modos de vida específicos e do meio funcional-estratégico, caracterizado pela apropriação e instrumentalização do ambiente natural (Figuras 2A, B e E), que é o “palco” da vida ribeirinha. Figura 2Lugar-território do baixo rio São Francisco – AL/SE – entre as dimensões do cotidiano e a funcional-estratégica A) Rio apropriado por empresas de turismo e lazer, em Canindé de São Francisco/SE. B) Dimensão técnica/operativa do rio: paredões do lago da Usina Hidroelétrica de Xingó, vista do município de Piranhas/AL. C) Canoas tradicionais de pesca e transporte usadas no cotidiano dos ribeirinhos, povoado Bonsucesso, município de Poço Redondo/SE. D) Vivências: crianças tomam banho e brincam no rio, povoado Cajueiro, município de Poço Redondo/SE. E) Funcional-estratégico: rio dos limites e da integração: transporte de passageiros e cargas em lanchas no porto fluvial de Pão de Açúcar/AL. F) Múltiplos usos do rio: lazer e pesca, comunidade Bode, município de Traipu/AL.

Fonte: o autor, 2019. Essa condição contrastiva e dialética é constituinte do lugar-território sanfranciscano e, em específico, do baixo rio São Francisco. Nele, o ribeirinho, os povos que ocupam o rio e suas margens, desenvolve um modo de ser e de estar que lhe é próprio, fruto da profunda interação do homem com a natureza, mas é no mesmo ambiente que as políticas de Estado, por exemplo, são implantadas, provocando alterações significativas no ambiente e na vida do próprio homem. Outra característica desse processo é a apropriação dos recursos naturais frente às diferentes formas de uso pelos sujeitos sociais que na história recente têm enxergado o ambiente do rio e das terras adjacentes como território de políticas de planejamento e de caráter funcional e estratégico. Esses elementos integram a paisagem sanfranciscana de modo que se torna impossível pensar o rio São Francisco, seus povos, a cultura, os modos de vida e as terras de beira-rio sem essas interferências que, de forma geral, compreendem o reflexo dos grandes projetos de desenvolvimento regional e, por conseguinte, nacional. Esses apontamentos são necessários para se delinear o entendimento de que os povos que habitam o baixo rio São Francisco convivem com esses elementos que foram impregnados na paisagem e vivenciaram e vivenciam significativas mudanças nos modos de ser ribeirinho e de estar no rio. Com efeito, o rio permanece, é o lugar do habitar, da identidade, do enraizamento, e onde o pertencimento é marcante, ora pela memória/lembranças, ora pela vida que ali se faz.CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do respaldo teórico, buscou-se demonstrar ao longo deste artigo que a leitura do lugar-território se constitui na possibilidade de uma análise integrada das dimensões social, política e simbólica de determinadas espacialidades. Assim, argumenta-se que, mesmo sendo o território caracterizado pelas bases econômica, biológica, social, política e de apropriação, “a sua extensão mais humana identifica-o como o lugar da mediação entre os homens e sua cultura” (MEDEIROS, 2009, p. 217-218). Em face desse itinerário e dessa construção categorial que fazem o lugar-território, considera-se que se trata de uma interpretação entre tantas outras, um modo de ver, de fazer e de melhor entender as espacialidades que se entremeiam por sujeitos e sentidos que nem sempre são harmônicos e convergentes. O fundamento ou, de outro modo, a ideia consiste em demonstrar a coexistência de sentidos, identidades e modos de apropriação numa mesma espacialidade, no caso referido, a espacialidade ribeirinha do baixo rio São Francisco. O baixo rio São Francisco, como espaço de referência observado pelo olhar do lugar-território, compreende duas dimensões específicas e que não se excluem: a dimensão mais simbólica e subjetiva e a dimensão material de apropriação do espaço e da natureza. Não há, pois, a possibilidade de compreender uma dessas dimensões sem se levar em consideração a presença da outra. O rio São Francisco, como lugar, é revelado pela apropriação simbólica, pelas identidades, pelo pertencimento. É revelado também pelos laços afetivos e culturais que guardam as heranças e as tradições de modos de vida associados ao ciclo das águas, ainda muito fortemente representado nas memórias individuais e coletivas. O rio-lugar passa a ser entendido como um espaço com dimensões difíceis de serem estabelecidas, e as localidades de residência estão assentadas junto a um conjunto de elementos que compõem o lugar do ribeirinho. Como território, o rio São Francisco compreende o espaço, que, tal como o lugar, resguarda em suas águas e terras, entre as duas margens, uma pluralidade de identidades, sujeitos e culturas. O rio-território é apropriado cultural e politicamente. Nele estão estruturados o ribeirinho e o não ribeirinho, os “de fora”. Esse território é apropriado pelas políticas de governo, pelos grandes projetos de irrigação, por empresas de turismo e lazer, por casas e chácaras de veraneio. Mas, também, é apropriado culturalmente pelos “de dentro”, uma apropriação que é simbólica e material. Assim sendo, configura-se aí não apenas um lugar, ou tão somente um território, conforma-se, pois, um lugar-território.AGRADECIMENTOSAo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – pela concessão de bolsa de mestrado, base para o desenvolvimento da pesquisa. À Universidade Federal de Sergipe pelo fornecimento de transportes e recursos financeiros para o desenvolvimento das jornadas de campo. Notas REFERÊNCIAS ALMEIDA, Maria Geralda de. Fronteiras, Territórios e Territorialidades. Revista da ANPEGE,[S./l.], n. 2, p. 103-114, p. 1-12, 2005. Maria G ALMEIDA ALMEIDA, Maria Geralda de. ALMEIDA, Maria Geralda de. ALMEIDA, Maria Geralda de. ALMEIDA, Maria Geralda de. 2005 Fronteiras, Territórios e Territorialidades BENÍTEZ, Gisela Landázuri; LEVI, Liliana López. Entre el Arraigo y la Exclusión: fragmentaciones sociales, yuxtaposiciones territoriales en San Gregorio Atlapulco, México. In: ALMEIDA, Maria Geralda de (Org.). Territorialidade na América Latina. 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RIO SÃO FRANCISCO: um lugar-território[1]

SÃO FRANCISCO RIVER: a place-territory

RÍO SÃO FRANCISCO: un lugar-territorio

Cícero Bezerra da Silva Importar imagen Importar imagen

Universidade Federal de Sergipe – UFS, São Cristóvão, Sergipe, Brasil

E-mail: cicerogeografia016@gmail.com.

RESUMO

O artigo tem como objetivo primeiro discutir os fundamentos teóricos e conceituais que norteiam as categorias geográficas lugar e território e, a partir de suas respectivas similitudes, apresentar uma leitura híbrida/composta dessas categorias, formando o lugar-território. Essas similitudes estão assentadas nos processos de apropriação material e simbólica, nas identidades e no sentido do pertencimento que conformam essas categorias. Utiliza-se como referência empírica de análise o rio São Francisco em seu baixo curso, cuja espacialidade é caracterizada pela complexidade diversa de usos e apropriações revelada tanto pela leitura do lugar quanto pela leitura do território. Destarte, essa complexidade observada nas vivências com o rio e em entrevistas semiestruturadas delineou os fundamentos que fazem da espacialidade ribeirinha um lugar-território.

Palavras-chave: Lugar. Território. Simbolismo. Materialidade. Ribeirinho.

ABSTRACT

The article aims to first discuss the theoretical and conceptual foundations that guide the geographical categories place and territory and, based on their respective similarities, present a hybrid / composed reading of these categories, forming the place-territory. These similarities are based on the processes of material and symbolic appropriation, on the identities and the sense of belonging that make up these categories. As an empirical reference for analysis, the São Francisco river is used in its low course, whose spatiality is characterized by the diverse complexity of uses and appropriations that are revealed both by reading the place and by reading the territory. Thus, this complexity observed in the experiences with the river and in semi-structured interviews outlined the fundamentals that make riverside spatiality a place-territory.

Keywords: Place. Territory. Symbolism. Materiality. Riverside.

RESUMEN

El artículo tiene como objetivo discutir primero los fundamentos teóricos y conceptuales que guían las categorías geográficas de lugar y territorio y, en función de sus respectivas similitudes, presentar una lectura híbrida / compuesta de estas categorías, formando el lugar-territorio. Estas similitudes se basan en los procesos de apropiación material y simbólica, en las identidades y el sentido de pertenencia que conforman estas categorías. Como referencia empírica para el análisis, el río São Francisco se utiliza en su curso bajo, cuya espacialidad se caracteriza por la diversa complejidad de usos y apropiaciones que se revelan tanto al leer el lugar como al leer el territorio. Por lo tanto, esta complejidad observada en las experiencias con el río y en entrevistas semiestructuradas esbozó los fundamentos que hacen de la espacialidad ribereña un lugar-territorio.

Palabras-clave: Lugar. Territorio. Simbolismo. Materialidad. Orilla.

INTRODUção

Na contemporaneidade, a complexidade de organização das diversas sociedades sobre o espaço, assim como o conjunto de transformações socioeconômicas, políticas, culturais e ambientais desvencilhadas, sobretudo a partir das últimas décadas do século XX, tem impulsionado a ciência e, de modo particular, a ciência geográfica a buscar diferentes leituras da realidade em curso. Trata-se da busca por estratégias, conceitos e mecanismos que estreitem a realidade vivida no contexto dessas transformações.

Assim, debruçar-se sobre categorias geográficas como lugar e território, sobretudo em espacialidades moldadas por peculiaridades culturais historicamente construídas, tem permitido compreendê-las como espaços de vida que se materializam pelas existências e pelos sentidos do pertencimento. Lugar e território, em maior ou menor grau, “remetem a experiências geográficas que por vezes se distinguem, por vezes se aproximam, experiências que carregam em si a marca do espaço vivido” (SERPA, 2019, p. 61).

Dada essa compreensão, o objetivo do artigo é discutir os fundamentos teóricos e conceituais que norteiam as categorias geográficas lugar e território e, a partir de suas respectivas similitudes, apresentar uma leitura híbrida/composta dessas categorias, formando o lugar-território. A construção conceitual do lugar-território, aportada nas similitudes das identidades, nas relações de pertencimento e nos processos de apropriação, em diferentes dimensões, é um fundamento constituinte do próprio sentido dessas categorias, podendo ser observada nas contribuições de Santos (1996), Haesbaert (1999), Souza (2013), Serpa (2019), Carlos (2007), Helph (2014), entre outros estudiosos.

Como recorte empírico e espaço de referência, recorre-se ao rio São Francisco em seu baixo curso – entre os Estados de Alagoas e Sergipe –, demonstrando a possibilidade de leitura desse ambiente pela construção do lugar-território. É cabível ressaltar, ainda, a complexidade da espacialidade ribeirinha observada no baixo rio São Francisco, em que estão presentes, por um lado, o conjunto de relações existenciais que caracterizam e atribuem forma à vida ribeirinha e às suas identidades e o amálgama local dos povos com a natureza, revelando um rio que é lugar. Por outro lado, nas mesmas espacialidades e no mesmo ambiente, está presente o conjunto de formas materiais que se revelam pela apropriação da natureza, pelas políticas de governo, pelos usos da terra e das águas, pelas relações conflituosas de posses e apropriações diversas, revelando, assim, um rio que é território.

Para o desenvolvimento das análises, metodologicamente, a pesquisa está fundamentada na revisão da literatura, sustentando-se principalmente nas categorias lugar e território e nos estudos que apresentam o rio São Francisco como referência analítica. Foram realizados ainda, como fundamento à interproteção dos fenômenos in loco, trabalhos de campo, entrevistas semiestruturadas e observações dirigidas.

Posto isso, o artigo está estruturado em três momentos, os quais seguem esta introdução. No primeiro momento, de abordagem teórica e conceitual, discutem-se os fundamentos materiais e simbólicos que constituem o lugar e o território. No segundo, são discutidas as relações identitárias e de pertencimento que compreendem o amálgama do lugar e do território. Em seguida, recorre-se à leitura do lugar-território pela realidade empírica do baixo rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe.

MEDIAÇÃO SIMBÓLICO-MATERIAL NA CONSTITUIÇÃO DE LUGARES E TERRITÓRIOS

A mediação simbólico-material apresentada na constituição de lugares e territórios tem sido abordada em diversas análises, sem que uma se sobreponha ou exclua a outra. Lugar e território, enquanto constituintes da condição primeira do espaço (RAFFESTIN, 1993), refletem o vivido, a apropriação e as relações que se estabelecem pelas territorialidades.

A mediação simbólico-material do lugar pode ser notoriamente observada nas contribuições apresentadas por Tuan (2013 [1983]), Holzer (1998, 2014), Carlos (2007), Helph (2014), Marandola Jr. (2014) e Chaveiro (2014). Quanto ao território, por sua vez, destacam-se as contribuições, dentre outras, de Raffestin (1993), Haesbaert (2009), Santos (1996, 2000), Bonnemaison (2002), Cruz (2006, 2007), Saquet (2009, 2013), Almeida (2005), Souza (2013) e Serpa (2019).

Todos esses estudiosos supracitados se aportam para caracterizar lugar e território em uma concretude de objetos materiais, mas também em significados, simbologias e representações sociais que significam e ressignificam o espaço enquanto produto existencial da ação humana e base de reprodução da vida. Assim, para Carlos (2007, p. 14), “o lugar abre a perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, os processos de apropriação do espaço”. Ainda para a autora, “ele [o lugar] guarda em si e não fora dele o seu significado e as dimensões do movimento da vida, possíveis de ser apreendido pela memória através dos sentidos do corpo” (CARLOS, 2007, p. 14).

O corpo e, portanto, a ideia de corporeidade apresentada por Merleau-Ponty (1996) são elementos centrais na constituição do lugar, já que é por este que se experiencia e se ocupa o espaço em todas as suas dimensões escalares. É pelo corpo que de desfruta de sensações, das percepções e dos sentidos que fazem ser-no-mundo. Daí se figura a assertiva de que as relações espaciais, e com elas o mundo vivido, considerado como sendo o próprio lugar, “qualifica a experiência do existir” (CHAVEIRO, 2014, p. 251).

Embora na obra de Merleau-Ponty (1996) não seja realizada menção direta ao lugar, observa-se o entendimento de que o mundo vivido apresentado pelo filósofo é constituinte do próprio lugar, que é existencial e experienciável, aproximando-se do mundo de significados [o próprio lugar] de Tuan (2013). Essa aproximação entre o lugar e o mundo vivido já foi sinalizada por Nogueira (2005, p. 13) ao discutir a necessidade de se “reaprender a ver o lugar; esta reaprendizagem se dá pelas histórias narradas por quem os vive”.

Chaveiro (2014, p. 253-254) apreende o corpo enquanto “guardador de lugares” e o lugar “enquanto guardador de relações corporais”. Isso pode se dar pelo fato de ser o corpo o instrumento canalizador da experiência com o mundo. É pelo corpo e pelas relações perceptivas e cognitivas que se expressa a consciência da existência, a partir da qual são desenvolvidas as experiências do existir e de sentir o espaço, bem como suas mediações simbólicas e materiais que justificam a construção e a representação dos lugares. Assim, “o lugar é uma edificação de ininterruptas relações, vertidas por apropriação do espaço, construídas por corporeidades em movimento” (CHAVEIRO, 2014, p. 276).

O lugar se dá pelo movimento do corpo, portanto, o movimento da vida que qualifica e dá singularidade aos lugares como um reflexo da atuação humana sobre o espaço apropriado. É nesse sentido que Relph (2014, p. 31) descreve o núcleo de significação do lugar. Para esse autor, “lugar é um microcosmos. É onde cada um de nós se relaciona com o mundo e onde o mundo se relaciona conosco”. A ideia do lugar enquanto “microcosmos” foi apresentada por Tuan (2013), para quem eles constituem centros de significados organizados e despertam afetividades, podendo ser acrescidas ou não ao longo do tempo.

Por sua vez, Holzer (1998, p. 72) apoia-se em Tuan ao considerar que o “conteúdo do lugar é o conteúdo do mundo, já que ambos são produzidos pela consciência humana e por sua relação intersubjetiva com as coisas [...]”. É nessa circunstancialidade que o lugar está no mundo e o mundo está no lugar. Essa construção se aproxima do pensamento de Santos ao assinalar que:

Cada lugar é, à sua maneira, o mundo. Ou, como afirma Maria Adélia de Souza (1995, p. 65), ‘todos os lugares são virtualmente mundiais’. [...] irrecusavelmente imerso numa comunhão com o mundo, torna-se exponencialmente diferente dos demais (1996, p. 252).

A condição simbólica e cultural que arraiga a identidade no/pelo lugar e que insere o corpo no mundo envolve as relações existenciais do presente, mas, também, a memória enquanto “sedimentos” de momentos vividos, experienciados e sentidos. A esse respeito, Souza contribui ao enfatizar que:

[...] no caso do conceito de lugar, não é a dimensão do poder que está em primeiro plano, ou que é aquela mais imediatamente perceptível, diferentemente com o que se passa com o conceito de território, mas sim a dimensão cultural-simbólica e, a partir daí, as questões envolvendo as identidades, a intersubjetividade e as trocas simbólicas por trás da construção de imagens e sentidos dos lugares enquanto espacialidades vividas e percebidas, dotadas de significados [...] (2013, p. 115).

Em continuidade e sem se desprender da mediação simbólico-material, passa-se a entender o território enquanto constituinte dessas relações, mesmo compreendendo o sentido de poder que o atravessa e o sustenta. Todavia, é fundamental evidenciar que o lugar revelado pelo pertencimento é, também, revelado pela apropriação, seja ela simbólica ou material, e isso permite que se compreendam ambas as categorias formadas e constituídas por relações de poder. Assim, se acresce mais uma vez o pensamento de Souza:

Dizer que, em se tratando do conceito de lugar, não é mais a dimensão do poder que é aquela mais imediatamente perceptível, mas sim a dimensão cultural-simbólica, não significa, porém, de jeito nenhum, sugerir que a dimensão do poder não deva ser levada em conta. Pensar assim seria cometer um rematado disparate (2013, p. 115-116).

E finaliza acrescentando que:

[...] é certo que lugares são, em geral, também territórios. Ocorre que postular que territórios e lugares frequentemente se superponham não é o mesmo que sugerir que sempre haja algo como uma correlação perfeita entre eles. {Para exemplificar o contexto entre lugares e territórios o autor apresenta o contexto da ilha da Irlanda} Exemplo: Para muitos irlandeses, na sua maioria católicos, toda a ilha da Irlanda é um só lugar (mas com um inconveniente de que, no Ulster, ou Irlanda do Norte, a maioria é protestante...); um lugar, porém, dividido entre dois territórios: para os protestantes do Ulster, seu território, integrante do Reino Unido, é um lugar totalmente à parte, e assim deve permanecer (SOUZA, 2013, p. 126).

Ao ser revelado pelo pertencimento e pelos significados, do lugar emana o sentido de posse, de uma apropriação simbólica que o significa e que lhe é própria. Nele, estão abrigadas as experiências mais íntimas com o espaço, é onde estão assentadas as raízes ou, de outro modo, onde está a própria facticidade, e, parafraseando Santos (2000, p. 212), “o ato de pertencer aquilo que nos pertence”. Logo, o lugar é a apropriação daquilo que é mais íntimo e subjetivo e que, ainda que não seja um espaço fechado, se diferencia do lugar do “outro” em contraponto ao “meu lugar”.

Haesbaert (2012, p. 96), ao se respaldar em Lefebvre, demonstra que a dimensão do território “[...] vai da dominação político-econômica mais concreta e funcional à apropriação mais subjetiva e/ou cultural-simbólica”. Para tanto, essa dimensão só é revelada pelas relações de interesses unívocas aos indivíduos que a constituem e que “dependem da dinâmica de poder e das estratégias que estão em jogo” (HAESBAERT, 2012, p. 96).

Distante de ser uma dualidade conflitiva na constituição do território, esses elementos são inseridos no arcabouço do território enquanto uma teia de significados sociais geradores de identidades, pois são, também, pontos de referência em que os indivíduos encontram aporte e buscam ressignificar suas vidas pelos diferentes tipos de apropriação e de valores.

Como exemplo dessa dimensão de apropriação, tem-se os territórios quilombolas e/ou indígenas, na medida em que são demarcados por e a partir de relações de apropriação que historicamente se estabelecem em um dado espaço. Essa apropriação se revela não tão somente pela posse do recorte espacial, mas pelas relações simbólicas e afetivas que foram estabelecidas no espaço e que o caracterizam e lhe dão singularidade. Tais características, de acordo com Bonnemaison (2002, p. 120), “inscrevem-se dentro de uma visão cultural e emocional da terra, isto é, dentro de uma relação de territorialidade”.

A constituição desses territórios, mesmo embasada na existência de relações e conflitos políticos no processo de conquista e acesso à terra, remete ao mesmo tempo a um objetivo que é comum a um grupo e que possui de alguma maneira relações em comum, sejam elas políticas, ideológicas, culturais, étnicas, etc. São essas as características que singularizam o grupo que passa a viver e experienciar em um mesmo espaço e que, com o passar do tempo, estabelece relações de territorialidade que antes não lhe ocorriam.

Consequentemente, no mesmo espaço de lutas, resistência, amor/afeição pela terra, se inscreve a identidade. Trata-se de uma identidade que é construída por objetivos que lhe são comuns, sendo caracterizada pelas trocas de experiências e por relações materiais, enfim, pela partilha de um mesmo mundo em que os significados são criados, produzidos e ressignificados. Por esse olhar se observa que esse modelo de território já não é tão somente político, mas também fonte de significados.

Destarte, por esse embasamento é possível apreender, então, a espacialidade do rio São Francisco enquanto um território apropriado por sujeitos e atores sociais – pela própria figura do Estado –, mas, também, pelas relações de pertencimento em que as práticas da vida cotidiana se efetivam.

Santos (2000, p. 96) considera que “o território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida sobre os quais ele influi”. O território é, assim, um conjunto indissociável de elementos materiais e imateriais que caracterizam, dão forma, essência e significado a uma determinada porção do espaço; um jogo de relações em que a identidade é o elemento-chave que o caracteriza – sem que, para tanto, seja uniforme e estática.

Em se tratando das territorialidades, Bonnemaison (2002) considera que elas estão associadas ao modo como os homens se relacionam com o espaço que os circunda. Para ele, “a territorialidade é compreendida muito mais pela relação social e cultural que um grupo mantém com a trama de lugares e itinerários que constituem seu território do que pela referência aos conceitos habituais de apropriação biológica e de fronteira” (BONNEMAISON, 2002, p. 99-100).

Aproximando-se da leitura de territorialidade apresentada pela escola francesa, Raffestin (2010, p. 15), na Suíça, pondera que as territorialidades se caracterizam por serem “um conjunto de relações materiais e imateriais”. Elas, portanto, singularizam o espaço e o mundo vivido, que são produzidos pela mediação dialética simbólico-material e que se materializam na paisagem, na apropriação do espaço, nas relações do cotidiano e nas redes estabelecidas entre lugares e territórios. Consistem, ainda, no conjunto de símbolos que demarcam, revelam e significam determinadas porções do espaço, sem que para tanto eles – o espaço e o mundo vivido – apresentem limites fundamentalmente específicos.

É nesse sentido que as territorialidades suplantam os limites do território habitual quando percebido apenas pelo entrecruzamento de limites bem estabelecidos. As territorialidades conduzem a uma aproximação das noções de redes em que relações são instituídas entre lugares, territórios e sujeitos. Essas redes de relações constituem um espaço em que os sujeitos que o compõem possuem e desempenham funções e atividades afins, ou seja, têm características semelhantes – tanto materiais quanto subjetivas – que podem, no tempo-espaço, ser constituintes de identidades por intermediação dos significados que são atribuídos ao espaço.

É pela organização do espaço, por sua funcionalidade e pelas relações simbólicas e materiais que as territorialidades se estabelecem. Estas atribuem função e sentido ao território, muito embora possam se configurar no espaço sem a precisa constituição de um. As territorialidades enquanto relação cultural são, assim, a expressão do vivido, mas envolvem também movimento e semelhanças entre sujeitos e culturas. A esse respeito, Raffestin considera que:

A territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do vivido territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivas (1993, p. 158).

Com efeito, se as territorialidades são concebidas pelas relações estabelecidas no cotidiano, também se concebem, em conformidade, enquanto produto da história e do tempo ou, de outro modo, produto da cultura e do enraizamento, constituindo o modo de relacionamento apresentado pelo homem no seu espaço de vivência.

LUGAR E TERRITÓRIO: ESPAÇOS DE IDENTIFICAÇÃO E PERTENCIMENTO

As reflexões inerentes ao lugar e ao território, assim como aos elementos que os constituem, permitem adentrar os fundamentos da identidade e, por conseguinte, das identidades territoriais. A identidade adensa o lugar e o território, de modo que não se é mais possível falar deles sem, portanto, falar também da identidade, de mudanças e de ressignificações, como também de enraizamento, de pertencimento e dos sentidos de ser, estar, permanecer, atuar, viver etc.

Ao pensar as identidades enquanto uma construção histórica e espaço-temporal que emoldura lugar e território, se delineiam os itinerários da compreensão dessas identidades como fenômenos geográficos, pois elas são reveladas pela vinculação dos fenômenos e dos sujeitos identitários ao espaço, aos lugares e aos territórios.

As identidades, conforme apresentadas por Castells (1999), Haesbaert (1999, 2012) e Hall (2006), remetem à ideia de mudanças e permanências, ou seja, uma construção enquanto multiplicidade e movimento em diferentes tempos e espaços e em diferentes contextos socioculturais. Envolvem, também, discursos, representações, práticas sociais e significados que são produzidos, reproduzidos e moldados pelas experiências de vida, mas que não se tornam apáticos aos acontecimentos externos à realidade.

Castells (1999, p. 22), em O Poder da Identidade, se atém à identidade enquanto “processo de construção de significados com base em um atributo cultural, ou ainda em um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significados”. Esse conjunto de atributos culturais está associado à matéria-prima ou à base necessária à existência da identidade e que “é fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais [...]” (CASTELLS, 1999, p. 22).

Para Cruz (2007, p. 260), a identidade deve ser considerada “uma construção histórica e relacional dos significados sociais e culturais que norteiam o processo de distinção e identificação de um indivíduo ou de um grupo”. Assim sendo, a ideia de identidade envolve também as relações de diferenciação entre o “eu” e o “outro”, entre escalas e lugares, seja pelas distinções culturais, ideológicas, de poder, de pertencimento, entre outras. Todos esses são elementos de diferenciação, mas também de afirmação e reconhecimento.

Essas diferenças são carregadas de historicidade e se reafirmam pela coletividade de grupos e pelas raízes que foram estabelecidas no/com o espaço/lugar. De modo consonante, Benitez e Levi assinalam que:

La identidad es una construcción social reforzada por un discurso que lo retroalimenta, que se apoya en criterios y rasgos distintivos para afirmar y reafirmar similitudes y diferencias. [...] Aunque dichos rasgos pudiesen contemplar también aspectos de género, religión, grupo étnico, ocupación, el carácter de originario o avecindado es determinante en la forma como se perciben a sí mismos y al otro, en la forma como se construye la colectividad y se establece la alteridad (2009, p. 125).

A identidade enquanto construção histórica já fora apontada por Hall (2006), para quem está sujeita à ressignificação, envolvendo os vínculos de pertencimento, as heranças e as aspirações futuras. Enquanto processo, as identidades não se apresentam de maneira estanque. Elas são significadas e ressignificadas de acordo com o contexto cultural a que pertencem e no qual são reveladas.

O ambiente de referência identitário e os sujeitos que o compõem são resultantes de uma “construção” relacional em diferentes momentos, tendo como substrato heranças, percepções, histórias de vida e idealizações que não são passíveis de entendimento apenas pela leitura do momento presente.

Por conseguinte, e sem a pretensão de tecer um diálogo dissociado da empiria, compreende-se que essas concepções permitem uma importante aproximação para se discutir o pertencimento e a identidade, englobando, simultaneamente, as transformações pelas quais o rio São Francisco e os povos que historicamente ocupam suas margens têm passado em decorrência, primeiro, dos ciclos econômicos e, segundo, dos grandes projetos de desenvolvimento nacional, a saber, a construção de diversos complexos de usinas hidroelétricas, sobretudo nos anos subsequentes à década de 1950 do século XX.

Vargas (1999) e Fontes (2011) enfatizam as consequências políticas, geográficas e socioculturais dessas barragens e traduzem essas consequências sobretudo pelo controle definitivo da vazão das águas sanfranciscanas em detrimento da geração de energia elétrica. Essas barragens, conforme escreve Pfau (2011, p. 78), “afundaram cidades, igrejas e sítios arqueológicos, desapropriaram índios, quilombolas e vazanteiros, mexeram nas tradições e cultura dos ribeirinhos”. Já no tocante ao baixo curso, Fontes (2011, p. 43) avalia que a “construção da barragem de Xingó representou o marco definitivo em relação ao controle do homem sobre o comportamento do seguimento do sistema fluvial situado à jusante dessa barragem”.

O controle definitivo da vazão do rio pelas grandes barragens influenciou de maneira significativa os modos de vida das populações ribeirinhas, que já não mais dispunham das enchentes periódicas que traziam fertilidade às várzeas e lagoas amplamente ocupadas pela cultura do arroz. Ocorria, assim, o declínio de um modelo econômico singular, com alterações também no sistema de transporte fluvial, que passou a funcionar de maneira deficitária devido às condições de vazão e assoreamento causadas pelo acúmulo de sedimentos.

No que concerne a esses acontecimentos, as transformações na base física do rio São Francisco em consequência da implantação das hidroelétricas marcaram de modo mais incisivo, portanto, a chegada do outro, “os de fora”. Delinearam significativas mudanças na vida cotidiana e o reconhecimento de um modo de ser específico em detrimento dos modos de vida e dos objetivos dos que chegaram.

Com essa aproximação, comunga-se do entendimento de que as identidades, embora sejam expressas pela subjetividade, não se dissociam de foram alguma de uma base de referência material. O simbólico se apresenta e é constituído pelo material, mas não somente por ele. O rio, as terras e suas paisagens, o roçado, a casa e a igreja etc., todos esses são elementos de base material, mas que não se desvencilham dos significados que se expressam pelo simbólico imaterial. A esse respeito, Cruz se posiciona afirmando que:

A identidade é construída subjetivamente, baseada nas representações, nos discursos, nos sistemas de classificação simbólica, embora não seja algo puramente subjetivo e não se restrinja à ‘textualidade’ e ao ‘simbólico’. Ela não é uma construção puramente imaginária que despreza a realidade material e objetiva das experiências e das práticas sociais como muitos afirmam, e nem tão pouco é algo materialmente dado, objetivo, uma essência imutável, fixa e definitiva (2007, p. 263).

De tal modo, observa-se que as identidades apresentam como principal característica as relações que se entremeiam ao universo material e simbólico, sem que isso ocorra de maneira antagônica. A existência da base material pode ser entendida como sendo o ponto de partida, a matéria-prima e/ou o espaço de referência que dá sentido à identidade e em que seus idealizadores produzem e ressignificam o espaço vivido.

A esse respeito, Poche (1983) apresenta o chamado “espaço de referência identitária”, ou seja, o espaço que compreende a concretude material e a base dos elementos simbólicos. Cruz (2007, p. 271) considera que é no espaço de referência identitário que “são forjadas as práticas materiais (formas de uso, organização e produção do espaço) e as representações espaciais que constroem o sentimento e significado de pertencimento dos grupos ou indivíduos em relação a um território”.

O lugar e o território constituem essa base, pois é neles que a identidade toma forma, seja pela apropriação e pelo uso ou pelas relações de pertencimento e enraizamento. Nesse contexto, as contribuições de Almeida (2005, p. 109) apontam para o fato de que “o território ele o é, para aqueles que têm uma identidade territorial com ele, o resultado de uma apropriação simbólico-expressiva do espaço, sendo portador de significados e relações simbólicas”.

Haesbaert (1999, p. 178) comunga do entendimento de que as identidades se “fundamentam através do território [...], tanto no sentido simbólico quanto concreto. Assim, a identidade social é também uma identidade territorial quando o referente simbólico central da construção dessa identidade parte ou perpassa o território”. Aqui, e após esta análise, se reafirma o pensamento de Santos (2000) ao assinalar que o território não está vazio de conteúdo e de concretude humana.

Os modos de vida e as sociabilidades que se expressam na vida cotidiana ribeirinha dos povos que adensam o vale sanfranciscano são reveladores de um espaço de referência identitária associado às condições necessárias de manutenção da vida no rio. É pelo rio, base física palpável, visível e sentida, que o homem estabelece sua base identitária, uma consciência socioespacial do pertencimento.

A consciência do pertencimento, para Cruz (2006, p. 189), também apresenta centralidade na constituição das identidades. Não basta estar, é preciso que se tenha uma consciência do estar e do ato de pertencer a um dado lugar, ao território que se afirma pelas “práticas e representações espaciais que envolvem ao mesmo tempo o domínio funcional-estratégico (finalidades) sobre um determinado espaço e a apropriação simbólico/expressiva do espaço (afinidades/afetividades)”.

O domínio funcional-estratégico é revelado, sobretudo, pela apropriação material do lugar e do território, pensado junto às relações de poder e aos usos estratégicos pelos mais diferentes sujeitos e atores sociais atuantes. Por sua vez, a apropriação simbólica está associada às relações subjetivas inerentes à vida cotidiana dos indivíduos, às relações afetivas e aos significados impregnados no lugar. Mas também está associada às concepções ideológicas e políticas e ao autorreconhecimento.

Essa compreensão da apropriação material e simbólico-subjetiva do lugar e, consequentemente, dos territórios faz pensar acerca da espacialidade do rio São Francisco enquanto lugar-território, em que, de um lado, tem-se um rio institucionalizado, palco de políticas estruturais que têm se apresentado como modernizadoras, mas que desnaturalizaram o rio ao longo das últimas décadas, principalmente em seu baixo curso; e, de outro lado, tem-se um rio demarcado pelo pertencimento e pelas identidades de seus povos, revelador de uma geograficidade endêmica e que resguarda as histórias de vida, os costumes e as tradições.

A memória enquanto construção histórica e cultural da vida humana ocupa centralidade na constituição das identidades territoriais e nos significados que são atribuídos aos lugares. Nesse contexto, a identidade pode ser expressa pelas lembranças e pelo sentimento de pertencimento a um determinado espaço, mesmo estando distante dele. A topofilia ou, de outro modo, o sentimento afetuoso pelos lugares, tal como apresentado por Tuan (2012), revela essa “atração” do homem pelo lugar, envolvendo os vínculos afetivos e de pertencimento, mas, também, as memória e as lembranças.

Ao contextualizar o conjunto de relações inerentes à memória e à constituição do lugar, Marandola Jr. (2014) considera que este último é revelado pelas lembranças como experiências vivenciadas e sentidas em que o sentido de permanência é um elemento marcante na constituição das identidades. E acrescenta:

O tempo é vivido como memória, e por isso memória e identidade adensam o lugar. A memória é a experiência vivida que o significa, definindo-o enquanto tal. Não é à toa que pensar o lugar é mais fácil recuando no tempo: lugar de nascimento, lugar de lembranças, lugar de saudade, lugar de memória, lugar de identidade. Ele parece mais conectado a uma tradição, a uma experiência profunda de entrelaçamento com a terra. Um ritmo lento onde o sentido de permanência prevalece (MARANDOLA JR., 2014, p. 229).

A memória enquanto experiência vivida resguarda em si os sedimentos das histórias de vida e das relações espaciais que são desenvolvidas no lugar. Portanto, “a memória, ao mesmo tempo em que nos modela, é também por nós modelada [sic]. Isso resume a dialética da memória e da identidade, que se conjugam, se nutrem mutuamente, se apoiam uma na outra para produzir uma história de vida [...]” (CANDAU, 2012, p. 16).

O ato de se recordar do lugar da infância, das atividades do cotidiano, de um modo de vida específico é, também, um processo de construção de relações espaciais. É um resgatar da própria identidade. “O espaço valorizado produz memória e é carregado de sentido e símbolos que o transforma em território cultural marcado por relações sociais que portam referenciais identitários [...]” (SCHALLENBERGER, 2011, p. 07). Uma moradora de Aracaju/SE disse o seguinte: “sinto saudade da beira do rio [São Francisco], da infância, do banho. Viver aqui era uma maravilha. Todos os fins de semana, nas festas e feriados eu e meu esposo voltamos aqui” (Entrevista realizada em Bonsucesso, povoado do município de Poço Redondo/SE, janeiro de 2019).

As lembranças de momentos vividos e que se expressam pela memória são, assim, o ponto de partida que liga o passado e o presente no processo de reconstrução das experiências espaciais com o lugar, mas, também, com as outras pessoas e os demais elementos impregnados como marcas na paisagem, aos quais são atribuídos significados por meio das vivências do cotidiano.

Mesmo após 30 anos residindo fora do povoado e estando em um ambiente diferenciado, caracterizado por elementos culturais distintos daqueles de sua origem – no caso específico, residindo na cidade de Aracaju/SE –, a entrevistada não se desvencilhou do enraizamento e dos elementos que dão identidade ao povoado de Bonsucesso/SE. O rio São Francisco, a igreja, as festas de padroeiro, a antiga fazenda de arroz, todos esses são elementos de referência identitária que estão impregnados nas lembranças ou se fazem presentes no cotidiano local. Esses são, pois, os fundamentos que traduzem o rio São Francisco como um lugar.

O ir e voltar ao povoado ribeirinho de Bonsucesso/SE evidencia as relações de territorialidade que se estabelecem tendo por base as lembranças de momentos vividos, sobretudo, na infância, territorialidades essas que são vinculadas ao rio, às práticas cotidianas, aos festejos e à afabilidade para com o lugar, atribuindo-lhe singularidades e demonstrando o sentido material e simbólico do espaço. É constituinte ainda dos laços e das redes que os ligam ao lugar da infância, do nascimento, da primeira casa. Nessa acepção, mesmo não residindo nas proximidades do rio São Francisco, o sentido de pertencimento ao rio permanece tal como permanece o sentido de lugar.

ITINERÁRIOS QUE FAZEM O “LUGAR-TERRITÓRIO”

O sentido de pertencer, de ser e de estar antecipa as relações de posse e de poder e a dimensão política do território, mesmo sendo esses resultantes de um constructo simbólico-material? É possível pensar o território e as identidades territoriais à frente do enraizamento no/pelo lugar, das relações vividas no cotidiano? Essas são algumas das indagações que fazem enveredar no que Haesbaert (2016, p. 27) chamou de “constelações geográficas de conceitos” no entorno da categoria-mestra que é o espaço.

E a dimensão espacial do rio São Francisco deve ser pensada como um território sobreposto ao lugar, ou seria o vivido o elemento-chave constituinte de um lugar-território? Nossos itinerários estão pautados na busca por essa compreensão, um caminho pensado pela práxis que se revela e é revelado no delineamento teórico, mas, principalmente, pelas percepções de sujeitos que vivem e experienciam a realidade colocada, ou seja, “os de dentro”, bem como pelas observações que se tracejam no rio São Francisco enquanto referência empírica de análise.

A valorização das percepções para esse entendimento está assentada em Merleau-Ponty (1996) ao demonstrar que a percepção reúne as experiências sensoriais e daí, também, as concepções de espaço. Ou seja, o entendimento da dimensão espacial, em variadas escalas e pelo entendimento dos “de dentro”, será pensado e estabelecido pela realidade vivida, mas também pelas revelações percebidas e expressas nas paisagens, uma vez que estas envolvem “muito mais que uma justaposição de detalhes pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma convergência, um momento vivido, uma ligação interna, uma ‘impressão’ que une todos os elementos” (DARDEL, 2015, p. 30).

A cultura enquanto produção humana no espaço qualifica, identifica, diferencia e afirma lugares e territórios, de modo que as formas materiais e simbólicas que se expressam nas paisagens e lhes atribuem sentido só se tornam possíveis e perceptíveis pela cultura. Assim, a valorização da cultura associada ao contexto da constituição identitária dá sentido e formas ao espaço, transformando-o em lugar, em território.

Relembrando as contribuições teóricas já mencionadas, denota-se que lugar e território são adensados por relações de pertencimento, portanto por identidades e por elementos materiais e simbólicos. Essas características estão ancoradas em Souza (2013, p. 121) ao considerar que “[...] na prática, lugares são, menos ou mais claramente, e menos ou mais fortemente, quase sempre territórios”. É fundamental perceber que, por esse mesmo modo de ver, territórios também se apresentam quase sempre como lugares. Esses lugares do território são revelados pelo mundo vivido.

Mesmo sendo o território caracterizado pelas bases econômica, biológica, social, política etc., como considerado por Bonnemaison (2002), Fernandes (2009), Thomaz Júnior (2011), Saquet (2013), entre outros, “sua expressão mais humana identifica-o como o lugar de mediação entre os homens e sua cultura. [...] O território é, pois, esta parcela do espaço enraizada numa mesma identidade e que reúne indivíduos com o mesmo sentimento” (MEDEIROS, 2009, p. 217-218).

O respaldo para esse entendimento pode ser percebido, mais uma vez, no exemplo dos territórios quilombolas e/ou indígenas. Estes constituem espaços demarcados por relações de poder em que o sentido de posse é o elemento mais marcante no espaço. Todavia, esses territórios resguardam a historicidade dos povos, os hábitos, os costumes, as tradições, enfim, toda a sua cultura. São espaços de aconchego, segurança e preservação dos sentidos que os fazem “ser” quilombolas, indígenas ou, ainda, ribeirinhos, sertanejos, assentados e, portanto, que os fazem ser-no-mundo e Ser-no-mundo com os outros, pois revelam o sentido da existência. São territórios marcados pelas relações identitárias e de pertencimento. Uma topofilia[2], uma geograficidade[3] os ligam ao espaço, ao mundo vivido, onde estão assentadas as experiências da vida cotidiana. Com isso, se fala não mais de um território e sim de um lugar de vida. Um lugar que se faz território. Um lugar-território.

Ao apresentar lugar e território como categorias existenciais que inserem o “ser-no-mundo”, Serpa (2017, p. 593) demonstra que ambas se engendram pelas experiências desenvolvidas com o espaço e que “deve-se es­tar atento às suas manifestações (e qualidades) nos modos como ocupamos e nos apropriamos do espaço, nas diferentes escalas e situações espaço-temporais”. Sua contribuição vai de encontro ao entendimento de que as noções de escala pouco influenciam na composição de lugar e território. A multiescalaridade é o elemento básico para esse desvelar categorial.

O lugar-território enquanto uma construção relacional (Figura 1) ainda se apresenta como incipiente nas análises geográficas, principalmente quando se pensa o universo da pesquisa para além dos caminhos da teoria. Todavia, a ideia de lugar-território está presente em diversos estudos, sobretudo naqueles que buscam associação entre território, territorialidade, identidades, identidades territoriais, pertencimento, representações, poder/posse, funcional/estratégico, lugar e mundo vivido, simbólico/material, significação/ressignificação e, ainda, território-lugar.

Figura 1: Lugar-território enquanto construção relacional

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Elaboração: o autor, 2019.

Importantes contribuições se destacam quanto ao fato da “constelação” de lugar e território. Em particular, Santos e Almeida (2018, p. 190) se utilizam das duas categorias com vistas a apresentar e “discutir o modo pelo qual o ribeirinho dá sentido ao seu espaço”. Esses sentidos estão associados aos modos de vida, aos cheiros, às percepções, mas também aos modos que antecedem a instrumentalização do território. Portanto, “estes [territórios] são originários na efetivação da pesca, no lazer, nas celebrações e culto aos ancestrais. Com isso territórios podem designar um território que emerge a partir dos seus lugares” (SANTOS; ALMEIDA, 2018, p. 207).

Assim, corrobora-se a proposição de que “o território é, de início, um espaço cultural de identificação ou de pertencimento e a sua apropriação só acontece em um segundo momento” (MEDEIROS, 2009, p. 217). Trata-se de um espaço em que a condição da vida se desenvolve pela satisfação das necessidades humanas. Essa premissa nos faz falar primeiro em lugar, que é expresso por valores, significados, representações etc., e, após isso, delinear os caminhos que constituem a face do território.

Antes de ser uma miscelânea de conceitos ou categorias, essa construção nos encaminha para a possibilidade de novos arranjos de leituras do espaço. Novos caminhos. Novas interpretações que se fazem e refazem por abordagens consolidadas e justificáveis, não se tratando, assim, do simples agrupamento de categorias.

À vista disso, e se aportando nos caminhos até o momento delineados, entende-se o lugar-território como a porção do espaço definida por relações de pertencimento que se produzem, reproduzem e se ressignificam no cotidiano, intermediadas por um conjunto indissociável de elementos simbólico-materiais que refletem um modo de vida específico. O Lugar-território é, portanto, multiescalar, não apresenta dimensões espaciais definidas ou específicas e é “sitiado” por sociabilidades que se revelam pelo sentimento de posse, por relações políticas e pelo poder, em diferentes níveis.

O lugar-território é, também, o espaço do enraizamento em que a memória e as identidades territoriais são preservadas e valorizadas e em que os grupos sociais encontram respaldo para o processo de preservação dos saberes, dos fazeres e da cultura enquanto processo que está sempre em mudança, em transformação. É um espaço em construção no qual o material não se sobrepõe ao simbólico – e vice-versa –, e isso não significa a ausência de conflitos, sobretudo quando se leva em consideração que o lugar-território também é mediado por elementos que constituem uma dimensão funcional-estratégica.

Essa leitura do lugar-território permite perceber que as relações sociais, políticas e simbólicas não se excluem. E o lugar, enquanto microcosmos e mundo de significados (TUAN, 2013; MARANDOLA JR., 2014; HELPH, 2014), não se isenta dos constituintes funcionais que moldam o espaço. Dessa maneira, encaminha-se a discussão para uma possível resposta à indagação inicial ao considerar que as relações de pertencimento, os sentidos de ser e estar e a conjectura do enraizamento no/pelo lugar antecipam as relações de posse e de poder e, assim, também, a dimensão funcional-estratégica.

A ressignificação do pertencer e do habitar também deve ser levada em consideração na constituição do lugar-território. Os diferentes tempos que se expressam entre um modo de vida específico, caracterizado pela cultura e pela identidade, se entrecruzam com o contraste da tecnificação do espaço, em função de projetos de desenvolvimento, de interesses diversos e, também, unilaterais. Esses são os diferentes tempos do espaço e do território e que, para Muñoz (2006, p. 236), “varía según como las personas haen uso del mismo y, e ese sentido, el tiempo establece diferencias claras entre los habitantes de su espaço concreto”.

Esses diferentes tempos não estão associados tão somente ao tempo histórico ou cronológico, mas aos diferentes ritmos pelos quais as sociedades fazem uso do espaço, se utilizam da natureza e reproduzem suas vidas, seus modos de vida. Também dizem respeito ao processo de apropriação e às relações culturais. São os tempos em que os lugares são reproduzidos e moldados. O tempo da cidade não é o mesmo dos habitantes da vila rural, do ribeirinho, do pescador e das comunidades tradicionais, por exemplo. Assim, se diferenciam os tempos do camponês e do grande produtor rural, muito embora também se entrecruzem.

Pensado como um lugar-território, o rio São Francisco constitui um espaço de contrastes entre os elementos constituintes das experiências cotidianas (Figuras 2C, D e F), de modos de vida específicos e do meio funcional-estratégico, caracterizado pela apropriação e instrumentalização do ambiente natural (Figuras 2A, B e E), que é o “palco” da vida ribeirinha.

Figura 2: Lugar-território do baixo rio São Francisco – AL/SE – entre as dimensões do cotidiano e a funcional-estratégica

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A) Rio apropriado por empresas de turismo e lazer, em Canindé de São Francisco/SE. B) Dimensão técnica/operativa do rio: paredões do lago da Usina Hidroelétrica de Xingó, vista do município de Piranhas/AL. C) Canoas tradicionais de pesca e transporte usadas no cotidiano dos ribeirinhos, povoado Bonsucesso, município de Poço Redondo/SE. D) Vivências: crianças tomam banho e brincam no rio, povoado Cajueiro, município de Poço Redondo/SE. E) Funcional-estratégico: rio dos limites e da integração: transporte de passageiros e cargas em lanchas no porto fluvial de Pão de Açúcar/AL. F) Múltiplos usos do rio: lazer e pesca, comunidade Bode, município de Traipu/AL.

Fonte: o autor, 2019.

Essa condição contrastiva e dialética é constituinte do lugar-território sanfranciscano e, em específico, do baixo rio São Francisco. Nele, o ribeirinho, os povos que ocupam o rio e suas margens, desenvolve um modo de ser e de estar que lhe é próprio, fruto da profunda interação do homem com a natureza, mas é no mesmo ambiente que as políticas de Estado, por exemplo, são implantadas, provocando alterações significativas no ambiente e na vida do próprio homem.

Outra característica desse processo é a apropriação dos recursos naturais frente às diferentes formas de uso pelos sujeitos sociais que na história recente têm enxergado o ambiente do rio e das terras adjacentes como território de políticas de planejamento e de caráter funcional e estratégico.

Esses elementos integram a paisagem sanfranciscana de modo que se torna impossível pensar o rio São Francisco, seus povos, a cultura, os modos de vida e as terras de beira-rio sem essas interferências que, de forma geral, compreendem o reflexo dos grandes projetos de desenvolvimento regional e, por conseguinte, nacional.

Esses apontamentos são necessários para se delinear o entendimento de que os povos que habitam o baixo rio São Francisco convivem com esses elementos que foram impregnados na paisagem e vivenciaram e vivenciam significativas mudanças nos modos de ser ribeirinho e de estar no rio. Com efeito, o rio permanece, é o lugar do habitar, da identidade, do enraizamento, e onde o pertencimento é marcante, ora pela memória/lembranças, ora pela vida que ali se faz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do respaldo teórico, buscou-se demonstrar ao longo deste artigo que a leitura do lugar-território se constitui na possibilidade de uma análise integrada das dimensões social, política e simbólica de determinadas espacialidades. Assim, argumenta-se que, mesmo sendo o território caracterizado pelas bases econômica, biológica, social, política e de apropriação, “a sua extensão mais humana identifica-o como o lugar da mediação entre os homens e sua cultura” (MEDEIROS, 2009, p. 217-218).

Em face desse itinerário e dessa construção categorial que fazem o lugar-território, considera-se que se trata de uma interpretação entre tantas outras, um modo de ver, de fazer e de melhor entender as espacialidades que se entremeiam por sujeitos e sentidos que nem sempre são harmônicos e convergentes. O fundamento ou, de outro modo, a ideia consiste em demonstrar a coexistência de sentidos, identidades e modos de apropriação numa mesma espacialidade, no caso referido, a espacialidade ribeirinha do baixo rio São Francisco.

O baixo rio São Francisco, como espaço de referência observado pelo olhar do lugar-território, compreende duas dimensões específicas e que não se excluem: a dimensão mais simbólica e subjetiva e a dimensão material de apropriação do espaço e da natureza. Não há, pois, a possibilidade de compreender uma dessas dimensões sem se levar em consideração a presença da outra.

O rio São Francisco, como lugar, é revelado pela apropriação simbólica, pelas identidades, pelo pertencimento. É revelado também pelos laços afetivos e culturais que guardam as heranças e as tradições de modos de vida associados ao ciclo das águas, ainda muito fortemente representado nas memórias individuais e coletivas. O rio-lugar passa a ser entendido como um espaço com dimensões difíceis de serem estabelecidas, e as localidades de residência estão assentadas junto a um conjunto de elementos que compõem o lugar do ribeirinho.

Como território, o rio São Francisco compreende o espaço, que, tal como o lugar, resguarda em suas águas e terras, entre as duas margens, uma pluralidade de identidades, sujeitos e culturas. O rio-território é apropriado cultural e politicamente. Nele estão estruturados o ribeirinho e o não ribeirinho, os “de fora”. Esse território é apropriado pelas políticas de governo, pelos grandes projetos de irrigação, por empresas de turismo e lazer, por casas e chácaras de veraneio. Mas, também, é apropriado culturalmente pelos “de dentro”, uma apropriação que é simbólica e material. Assim sendo, configura-se aí não apenas um lugar, ou tão somente um território, conforma-se, pois, um lugar-território.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – pela concessão de bolsa de mestrado, base para o desenvolvimento da pesquisa. À Universidade Federal de Sergipe pelo fornecimento de transportes e recursos financeiros para o desenvolvimento das jornadas de campo.

Notas

[1] O artigo compõe a pesquisa de mestrado intitulada Entre Margens, Terras e Gentes: convivialidades e identidades no Sertão do Baixo Rio São Francisco, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe – PPGEO/UFS.

[2] Conceito introduzido por Tuan (1974) referente aos laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente e com os lugares.

[3] Conceito introduzido por Dardel (1954) referente às várias maneiras pelas quais as pessoas sentem e conhecem o ambiente.

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