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PLANÍCIE DO RIO JACAREÍ APÓS OS MOVIMENTOS DE MASSA DE 2011: considerações a partir da análise granulométrica de trincheira e mudanças do canal
Jacareí river plain after the 2011 mass movements: considerations from the granulometric analysis and channel planform changes
Llanura del río jacareí después de los movimientos en masa de 2011: análisis granulométrico de sedimentos y cambios en el canal fluvial
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 19, núm. 1, 2021
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos


Recepção: 13 Agosto 2020

Aprovação: 30 Janeiro 2021

Publicado: 01 Março 2021

DOI: https://doi.org/10.46551/rc24482692202106

Resumo: A planície costeira paranaense foi formada por distintos processos continentais e marinhos. Entre eles, citam-se os movimentos de massa. Um exemplo extremo desse processo foi observado em março de 2011 na serra do mar paranaense, onde uma sequência de deslizamentos, fluxos de lama e detritos e inundações com alta carga sedimentar atingiram a bacia do rio Jacareí (porção central do litoral do Paraná). Objetiva-se analisar a granulometria da deposição sedimentar deixada pelo evento a partir de uma trincheira aberta nas margens do rio Jacareí, bem como investigar as mudanças ocorridas no canal em sua porção de planície, tendo como base os anos de 2011, 2012 e 2019. A análise granulometria foi feita por meio de técnica de pipetagem e peneiramento mecânico, enquanto a análise do canal foi realizada em ambiente de sistema de informações geográficas, com base em imagens orbitais e imagens coletadas por aeronave remotamente pilotada. O rio foi totalmente assoreado nos trechos mais a montante e médio da planície em 2011, sendo o canal reaberto posteriormente. Em 2019, o rio Jacareí apresentou em um trecho um retorno ao padrão sinuoso. A camada deposicional deixada pelo evento apresentou 50 cm de espessura e é composta predominantemente de material mais grosso (areia muito grossa, grânulos e seixos). Foram identificados ambientes de deposição nas camadas sedimentares abaixo da camada deixada pelo evento. Recomendações de análises em maior detalhe do canal do rio e dos depósitos gerados ao longo de toda a planície são apresentadas.

Palavras-chave: Depósito sedimentar, Aluvio, Colúvio, Aeronave Remotamente Pilotada, Solos soterrados.

Abstract: The coastal plain of Paraná was formed by different continental and marine processes. Mass movements are examples of these processes. An extreme example of this process was observed in March 2011 in the Serra do Mar, where a sequence of landslides, mud and debris flows and floods with high sedimentary load reached the Jacareí River basin (central portion of the Paraná coast). In this paper, we analyze the granulometry of the sedimentary deposition left by the event from an open trench on the banks of the Jacareí river, as well as to investigate the changes that occurred in the river channel in the lowland portion, based on the years 2011, 2012 and 2019. The granulometry analysis was performed using pipetting and mechanical sieving techniques, while the channel analysis was performed in a geographic information system environment, based on orbital images and images collected by remotely piloted aircraft. The river was completely silted up in the most upstream and middle stretches of the plain in 2011, with the channel reopened later. In 2019, the Jacareí River presented in a stretch a return to the sinuosity patterns. The depositional layer left by the event was 50 cm thick and is composed predominantly of thicker material (very thick sand, granules and pebbles). Deposition environments were identified in the sedimentary layers below the layer left by the event. Recommendations for further analysis of the river channel and deposits generated over the entire plain are presented.

Keywords: Sedimentary deposit, Alluvium, Colluvium, Remotely Piloted Aircraft, Buried soils.

Resumen: La llanura costera de Paraná fue formada por diferentes procesos continentales y marinos. Entre ellos, se mencionan los movimientos de masas. Un ejemplo extremo de este proceso se observó en marzo de 2011 en la Sierra del Mar de Paraná, donde una secuencia de deslizamientos de tierra, flujos de lodo y escombros, e inundaciones con alta carga sedimentaria alcanzaron la cuenca del río Jacareí (porción central de la costa de Paraná). El objetivo es analizar la granulometría de la deposición sedimentaria dejada por el evento de una zanja abierta en la ribera del río Jacareí, así como investigar los cambios que ocurrieron en el cauce del río en la parte baja, con base en los años 2011, 2012 y 2019. El análisis granulométrico se realizó mediante pipeteo y cribado mecánico, mientras que el análisis de canales se realizó en un entorno de sistema de información geográfica, a partir de imágenes orbitales e imágenes recolectadas por aeronaves pilotadas a distancia. El río se llenó de sedimentos en la parte más alta y media de la llanura en 2011, y el canal se reabrió más tarde. En 2019, el río Jacareí presentó en un tramo una vuelta al sinuoso patrón. La capa de deposición dejada por el evento fue de 50 cm de espesor y está compuesta predominantemente por material más grueso (arena muy gruesa, gránulos y guijarros). Se identificaron ambientes de deposición en las capas sedimentarias debajo de la capa dejada por el evento. Se presentan recomendaciones para un análisis más detallado del cauce del río y los depósitos generados en toda la llanura.

Palabras clave: Depósito sedimentário, Aluvión, Coluvión, Aeronaves pilotadas a distancia, Suelos enterrados.

Introdução

No âmbito da geomorfologia fluvial, a análise de cenários pode-se pautar nas relações entre os processos de erosão, depósitos sedimentares pretéritos, as formas de relevo resultantes e o transporte e a deposição de sedimentos (FLORENZANO, 2016). Com foco nos depósitos sedimentares, cenários podem ser reconstituídos a partir de análises da composição do material, granulometria, posição na paisagem, idade, entre outros, e essas características permitem inferir o processo geomorfológico atuante e o ambiente de deposição (CRISTOFOLETTI, 1981).

Diversos ambientes de sedimentação atuaram na evolução da planície litorânea paranaense, sejam eles de origem continental ou costeira, associados aos ritmos de avanço e regressão marinha (ANGULO, 2004). Trata-se de um mosaico de ambientes com distintas gêneses de sedimentação: planícies marinhas, planícies paleoestuarinas, planícies de maré, planícies aluviais, áreas de colúvio, fundos rasos, praias, entre outros (ANGULO, 2004).

Os processos de sedimentação continentais predominam nas porções interioranas da planície costeira, próximas as vertentes da Serra do Mar (área fonte de material) (ANGULO, 2004). Algumas dessas áreas apresentam combinação de processos de sedimentação gravitacionais (movimentação de colúvio) e processos fluviais (movimentação de alúvios), podendo ser classificadas como planícies aluvio-coluvionar (BIGARELLA, 2001; ANGULO, 2004).

Colúvios são materiais sedimentares transportados pelo efeito da gravidade para sopés das vertentes e áreas próximas (GUERRA; GUERRA, 1997; ANGULO, 2004). O transporte dos colúvios pode ser intensificado com o desencadeamento de movimentos de massa, processos esses que contribuem ativamente na formação da planície litorânea (ALMEIDA; CARNEIRO, 2017).

Como exemplo, tem-se o evento de movimentos de massa que ocorreu na porção central do litoral do Paraná em março de 2011, ocasionado em função de um acumulado pluviométrico de 230,6 mm em 24 horas, valor superior ao esperado para todo o mês de março (ZAPATA; SIMIANO; PINHEIRO, 2016). Foram desencadeados na Serra da Prata uma sequência de deslizamentos, fluxos de lama e detritos e inundações com alta carga sedimentar. A região mais atingida foi a bacia do rio Jacareí, onde as inundações induzidas pelos processos causaram profunda alteração na paisagem, grande perda material e de uma vida humana.

Por se tratar de um processo natural e único, diversos estudos foram realizados na bacia do rio Jacareí após o evento, a citar: caracterização dos processos (PICANÇO; NUNES, 2013;STURION, 2013), estabilidade de vertentes (SILVEIRA et al., 2013), suscetibilidade a processos geoambientais (PINTO; PASSOS; CANEPARO, 2014;(SILVEIRA et al., 2014;PICANÇO et al., 2018) mapeamentos geomorfológicos (SILVEIRA, 2015) e tempo de recorrência de eventos pluviométricos extremos (MACHADO, 2016).

Com foco nos depósitos sedimentares foram elaborados estudos sobre a estimativa do material suscetível nas vertentes para movimentos de massa (FOLADOR; SILVEIRA; FIORI, 2018) e identificação de depósitos na planície através de índices do relevo (BUENO, 2016). No entanto, não foram elaborados estudos que caracterizem os depósitos do ponto de vista granulométrico e de sua espessura ao longo da planície do rio Jacareí. Além disso, o evento de 2011 afetou profundamente o canal do rio Jacareí. Desde então, através de análises visuais de imagens orbitais e suborbitais e em campanhas de campo, foram observadas alterações na forma e posição do canal fluvial do rio Jacareí, mudanças essas ainda não abordadas e discutidas na literatura.

Assim, objetiva-se analisar a granulometria da deposição sedimentar deixada pelo evento, a partir de uma trincheira aberta nas margens do rio Jacareí, bem como investigar as mudanças ocorridas no canal do rio na porção de planície, tendo como base os anos de 2011, 2012 e 2019.

Procedimentos metodológicos

A bacia hidrográfica do rio Jacareí (BRJ) se localiza entre os municípios de Morretes e Paranaguá, porção central do litoral do Paraná. A BRJ apresenta 40,28 km², sendo que 3,5 km² estão na porção de planície. A localização do trecho do canal fluvial analisado é apresentada na figura 1. A trincheira investigada foi aberta na porção mais a montante do canal na planície, conforme indicado na figura 1.


Figura 1
Localização do trecho do canal e trincheira analisada.
Autores, 2021.

Mudanças do canal analisado

A análise das mudanças da forma em planta do rio Jacareí foi realizada em ambiente de Sistema de Informações Geográficas (SIG) por meio do software ArcGIS 10.5.1, módulo ArcMap. Para tal, imagens orbitais e suborbitais foram levantadas e organizadas em uma base de dados geoespaciais (BDG) (PAZ; DAL PAI; PAULA, 2020).

As imagens foram escolhidas em função da disponibilidade e pelas mudanças identificadas por análise visual. A imagem orbital de 2011 foi cedida pela Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de Paranaguá, obtida por meio do satélite World View 1. A imagem orbital de 2012 foi obtida no acervo Google Earth. A imagem de 2019 foi obtida com levantamento a partir de aeronave remotamente pilotada - RPA (popular drone), modelo Phantom 4 Pro.

O plano de voo da RPA foi elaborado no aplicativo DroneDeploy. As imagens coletadas foram processadas no software Agisoft Photoscan, na qualidade média em função de limitações de hardware. O ortomosaico gerado foi exportado com uma resolução espacial de 0,1 m.

A BDG da pesquisa foi organizada no sistema projetivo padronizado na projeção UTM – Fuso 22 S (EPSG: 31981), datum SIRGAS 2000. As imagens foram georreferenciadas utilizando como base ortofotos disponibilizadas pelo Instituto de Terras, Cartografia e Geociências do Paraná (ITCG), atual Instituto de Água e Terra (IAT), sendo esta atribuída à escala 1:10.000 do padrão A do PEC (Padrão de Exatidão Cartográfico) da Diretoria de Serviço Geográfico (DSG).

O canal do rio Jacareí na porção de planície foi vetorizado nas três datas selecionadas no ArcMap, padronizado à escala de tela 1:5.000. Foi calculada a largura do canal nas porções a montante, a jusante e em um transecto médio entre os dois primeiros. Também foi calculada a área total do canal analisado.

Análise granulométrica da trincheira

A trincheira analisada recebeu o código TR01. Localiza-se nas coordenadas 25°34'2.04"S e 48°42'14.00"O. O local foi escolhido após análise da imagem orbital de 2011, estando situada às margens do rio Jacareí, justamente na primeira área atingida pelos fluxos de detritos decorrentes dos movimentos de massa de março de 2011. A trincheira foi aberta com auxílio de pá reta e enxada, apresentando 1 metro de comprimento.

Após a abertura da trincheira foram identificadas as camadas deposicionais, observando-se mudanças de textura e cor, sendo registradas as espessuras com o auxílio de fita métrica. A análise da cor dos sedimentos foi realizada a partir de uma carta de Munsell. Foi feito registro fotográfico e coleta de amostras de cada camada identificada para as análises laboratoriais.

A análise granulométrica foi realizada pelo método de pipetagem + peneiramento mecânico no Laboratório de Estudos Sedimentológicos e Petrologia Sedimentar (LabESed) da UFPR. A primeira etapa foi a secagem das amostras por 48 horas a 40º em estufa. Após a secagem, as amostras foram reduzidas utilizando um quarteador tipo Johnes. Foram separadas 2 partes das amostras com cerca de 100 gramas, utilizando uma balança analítica. Uma parte foi usada na análise por pipetagem e outra pelo peneiramento mecânico.

Para análise dos sedimentos finos foi empregado pipetagem com uso de defloculante (pirofosfato de sódio). Os sedimentos mais grossos foram analisados por meio do peneiramento mecânico, empregando-se a escala Wentworth e utilizando-se 6 peneiras: 2 mm, 1mm, 0,500 mm, 0,250 mm, 0,125 mm e 0,063 mm, respectivamente areia muito grossa, areia grossa, areia média, areia fina e areia muito fina (SUGUIO, 1973). O peneiramento foi realizado com um agitador de peneiras por 10 minutos. Após, o material contido em cada peneira foi pesado na balança analítica.

Os valores de cada classe de areia, silte e argila foram registrados em uma planilha eletrônica. Foram gerados histogramas dos valores de cada classe granulométrica. Os valores em porcentagem de areia, silte e argila foram aplicados no triangulo textural adaptado da Soil Survey Manual (EUA) (SANTOS et al., 2015). Para analisar a relação entre as amostras coletadas na trincheira foi aplicado o teste de correlação linear de Pearson.

Analisando os resultados da granulometria e cores dos sedimentos foram feitas inferências sobre a energia do sistema deposicional e provável ambiente de sedimentação. Para sintetizar os resultados foi gerada uma figura da trincheira, ilustrando a variação granulométrica, textura, cor e inferência quanto ao processo sedimentação, utilizando-se do software SedLog 3.1.

Por fim, visando explorar os resultados desta trincheira, com ênfase na pedologia, foi realizada análise química pelo Laboratório de Química e Fertilidade do Solo do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola da UFPR. Considerando a hipótese que nesta trincheira encontra-se um solo soterrado, esta análise adicional foi realizada apenas nas camadas abaixo da deposição do evento de 2011. Após análises laboratoriais, foi realizado o enquadramento de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA, 2019).

Resultados e discussão

O mapeamento do canal na porção de planície do rio Jacareí nos anos de 2011, 2012 e 2019 está apresentado na figura 2. O evento pluviométrico extremo de 2011 afetou profundamente a planície e o canal do rio Jacareí. O canal foi totalmente assoreado resultando no assoreamento do rio Jacareí, semelhante ao padrão anastomosado descrito na literatura (CHRISTOFOLETTI, 1974;STEVAUX; LATRUBESSE, 2017).

Foram identificados três trechos com características distintas na porção analisada do rio Jacareí. O primeiro, chamado de trecho montante, com extensão de 1,4 km, se apresentou totalmente assoreado em 2011, ultrapassando seu leito maior. Já em 2012 percebe-se o padrão retilíneo, decorrente da implementação de obra de desassoreamento. Esta forma retilínea manteve-se em 2019, apresentando uma média de 10 metros na largura do canal.


Figura 2
Mudanças do canal do rio Jacareí e local com intensificação da sinuosidade. No cartograma do canal em 2011 é apresentado áreas de deposito formado nas margens do rio Jacareí (amarelo).
Autores, 2021

O trecho médio, com extensão de 1,6 km, apresentou padrão sinuoso e uma média de 5 metros de largura do canal em perfil, tanto em 2012 como em 2019. Após o evento, o trecho médio do canal na planície se apresentou coberto de sedimentos, se restringindo ao seu leito maior, com largura média de 38 metros.

O último trecho identificado, mais a jusante com extensão de 0,6 km, apresenta padrão retilíneo tanto em 2012 como em 2019, e uma média de 10 metros de largura. Após 2015, foi instalado próximo a ponte da rodovia BR 277 uma área de extração de areia (areial). De acordo com imagens históricas do acervo Google Earth, a operação com draga no rio Jacareí vem aprofundando e alargando o canal no trecho a montante.

Em uma análise da dinâmica do canal do rio Jacareí entre 1980 e 2018, Paz e Paula (2021) constataram que o rio Jacareí em 2003 apresentava um padrão sinuoso. Por meio da análise do trabalho de Paz e Paula (2021) e da fotografia representada na figura 3 - A, nota-se que o rio antes do evento apresentava uma mata ciliar. Praticamente a totalidade desta vegetação foi destruída pelo evento de 2011 e depositada em porções próximas à rodovia BR 277. Com isso, as margens do rio Jacareí em 2019 apresentam apenas vegetação do porte herbáceo ou arbustivo (figura 3 - B).


Figura 3
A: Vista do canal do rio Jacareí em 2006. B: Vista do canal do rio Jacareí em 2019. Coordenadas aproximadas: 25°33'46.28"S - 48°41'57.09"O.
A - http://www.cabanhansa.com.br/ - Acesso em 28/11/2019. B - Autores, 2019.

Conforme mencionado, na imagem orbital de 2012 foi constatada a realização de uma obra de desassoreamento para a reabertura do canal, totalmente diferente do traçado antigo do rio. Com efeito, as margens do rio Jacareí vão apresentar além dos sedimentos fluviais depositados pelo evento, sedimentos oriundos da reabertura do canal, formando em algumas partes depósitos de blocos e seixos e em outras feições semelhantes a diques marginais cobertos por vegetação arbustiva.

A retificação de canais fluvial afeta a dinâmica do rio, modificando sua velocidade, tempo de permanência da água na planície, ciclagem de nutrientes, ciclo sedimentar, entre outros (STEVAUX; LATRUBESSE, 2017). Outra questão de destaque é que no trecho montante do canal foram identificadas expressivas áreas de depósitos deixados pelo evento de 2011 (figura 2). Isso se mostra preocupante visto que estes depósitos podem ser erodidos pelo rio Jacareí, intensificando as taxas de assoreamento na baía de Paranaguá.

Após a reabertura do canal nota-se de forma sútil a retomada do padrão sinuoso no seu trecho médio. Em visitas em campo foi constatado o processo de migração lateral do canal neste trecho. Conforme ilustrado na figura 2, um trecho de curva migrou para leste aproximadamente 15 metros, formando uma barra lateral de aproximadamente 950 m². Estudos mais aprofundados podem ser desenvolvidos utilizando RPA para monitoramento do crescimento dessa barra e até estimar a taxa de migração lateral do rio Jacareí.

Uma hipótese é levantada sobre a interferência da draga na dinâmica sedimentar do rio Jacareí. Com sua operação, deduz-se que ocorra uma significativa redução da carga de fundo (predominância da fração areia e maior) em função da retirada de material e aumento substancial da carga em suspensão, devido à remobilização do material na água. Recomenda-se a elaboração de estudos que mensurem ambas as taxas de transporte, antes e após a área de operação da dragagem.

Até o ano de 2011 o rio Jacareí seguia uma dinâmica de deposição sedimentar na planície. Conforme a excepcionalidade e energia do evento, tem-se a formação de um deposito sedimentar expressivo sobre os depósitos pretéritos. Essa descrição é corroborada ao observar a trincheira analisada neste estudo.

A TR01 localizada as margens do rio Jacareí, na porção montante do canal na planície, apresenta cinco camadas de deposição identificadas (Figura 4). A primeira camada (A1), tem 30 centímetros de espessura e é oriunda dos eventos de 2011, apresenta predominância de seixos e blocos. Não foi realizada análise granulométrica nesta camada pela incompatibilidade do material depositado com a técnica empregada. A segunda camada (A2) também é oriunda do evento de 2011, onde grânulos, areia muito grossa e areia grossa representam aproximadamente 76% da amostra. Tanto para a camada A1 quanto para A2 foi identificada a cor 10 YR 6/2 na tabela de Munsell (Cinzendo-brunado-claro).


Figura 4
A - TR1 e suas cinco camadas identificadas. B – Local da trincheira em relação ao canal fluvial. Vista oblíqua por RPA a 60 metros de altura
Autores, 2021.

Abaixo do material do evento encontra-se a camada A3, apresentando 5 centímetros de espessura, onde se observa predomínio da fração areia (58%) bem distribuída nas subclasses e a presença de argila (35%), além da mudança abrupta de cor (5Y 6/1 - Cinzento). Essa camada provavelmente era o horizonte A, soterrado pelos eventos de 2011. O teor de carbono dessa camada é de 15,4%.

Em seguida, abaixo da A3 observam-se camadas com características semelhantes entre si. A camada A4 e A5 apresentam distribuição granulométrica semelhante, fato evidenciado pelo teste de correlação linear de pearson que indicou alta correlação positiva (0,97). A A4 apresenta 15 centímetros de espessura, cor 5YR 6/3 (Bruno-avermelhado-claro) e teor de carbono de 12,2%. Os últimos 30 centímetros da trincheira pertencem a A5, com cor 5YR 4/2 (Cinzento-avermelhado-escuro) e teor de carbono de 8,2%.

A maior diferença entre as duas últimas camadas é a classificação textural. A A4 se enquadrou na classe franco arenosa, apresentando cerca de 9% de silte e 5% de argila, enquanto que a A5 se enquadrou na classe arenosa, apresentando 1,2% de silte e 2,5% de argila, A figura 5 sintetiza a análise granulométrica da trincheira analisada, indicando os valores de porcentagem, posição no triangulo textural e gráfico de distribuição das classes granulométricas. Também é apresentado os resultados da análise química da A3, A4 e A5.


Figura 5
Granulometria da trincheira analisada e análise química.
Autores, 2021.

A alta correlação positiva entre as camadas A4 e A5 indicam processos de sedimentação semelhantes. A correlação entre as camadas A4 e A5 com a A2 apresentou-se moderada e negativa (-0,48 e -0,42, respectivamente), indicando a interrupção de uma dinâmica de deposição e o início de outra.

Pelas características granulométricas das amostras A4 e A5, somado ao conhecimento da cor das amostras e com consultas à literatura, pode-se inferir que estes depósitos são compatíveis com ambientes de deposição de canal ou de barras (MARTINS, 2003; CUNHA; JARENTCHUK JUNIOR; OLIVEIRA, 2017).

Analisando as camadas A5, A4 e A3, observa-se um aumento da proporção de sedimentos finos, da camada mais antiga para a mais recente, indicando que ao longo da dinâmica de deposição nesta área houve uma diminuição da energia (FOLK, 1966;MARTINS, 2003). Com isso, somando a cor de A3, comumente associada a ambientes de redução, pode-se inferir que este ambiente deposicional é compatível com a dinâmica de sedimentação de planícies de inundação/várzea (CUNHA; JARENTCHUK JUNIOR; OLIVEIRA, 2017).

Ao se analisar as características granulométricas de A1 e A2, pode-se inferir fases de deposição durante o evento de 2011. Um primeiro momento (figura 6 - fase 1) ocorreu rápida e intensa deposição de material arenoso nas margens do rio, em função do maior disponibilidade de água devido à chuva intensa e concentrada. Quando deflagrados os deslizamentos e fluxos de lama e detritos (figura 6 - fase 2) foram depositados cascalhos, blocos e até matacões.

Ainda na fase 2 (camada 1), pode-se inferir que com a elevada energia propiciada pelo evento, os sedimentos de menor fração granulométrica em relação a cascalhos e blocos (grânulos e areias) foram “lavados” do perfil, sendo depositados nas porções mais a jusante da planície, próximo a rodovia BR 277 que funcionou com um dique durante o processo, enquanto que os sedimentos mais finos (argila e silte) foram transportados até o estuário de Paranaguá. Esta hipótese pode ser testada realizando novas prospecções na planície do rio Jacareí e analisando o sedimento de fundo na foz do rio no estuário de Paranaguá.

Se não houvesse ocorrido o evento de 2011, o rio Jacareí seguiria sua então dinâmica de ampliação de sinuosidade e muito provavelmente seria continuado o processo de crescimento vertical do depósito A3. Com essas análises, pode-se construir a figura 6, que sintetiza a análise granulométrica realizada na TR01 e apresenta a inferência do provável ambiente de sedimentação que construiu os referidos depósitos.


Figura 6
Características dos sedimentos na trincheira analisada e inferência de processos pretéritos. Coordenadas: 25°34'2.04"S e 48°42'14.00"O.
Autores, 2021.

Considerando o enquadramento físico-químico desta trincheira no Sistema Brasileiro de Classificação de Solos, constatou-se um CAMBISSOLO FLÚVICO Tb Distrófico típico soterrado. Trata-se de solo constituído por material mineral, com horizonte B incipiente (EMBRAPA, 2019). De acordo com o manual da EMBRAPA, a camada A4 foi assim enquadrada por apresentar: 1) predominância de cor avermelhada (10YR 6/3); 2) textura franco arenosa; 3) blocos subangulares (unidades estruturais); 4) teor de argila mais elevado e matiz mais vermelho que o horizonte subjacente (A4); 5) menor concentração de carbonatos que a camada subjacente (figura 5). A atividade da fração argila na camada A3 mostrou-se baixa (1,91 cmolc dm³) (figura 5). A saturação por bases da A3 foi de 39% (figura 5), caracterizando-se como distrófico. Em função da ausência de um horizonte glei em posição não diagnóstica, este solo foi enquadrado como típico.

Com a análise das mudanças do canal, granulometria da trincheira e classificação de solo soterrado, surgem algumas questões, como: qual a distribuição granulométrica do depósito gerado pelo evento de 2011 em outros pontos da planície do rio Jacareí? Seria possível mensurar o volume do depósito gerado?

Considerações finais

O rio Jacareí e sua planície foram profundamente alterados em função dos eventos de movimento de massa ocorridos em março de 2011. O rio foi totalmente assoreado nos trechos montante e médio da planície, sendo o canal reaberto artificialmente posteriormente. Mudanças na forma do canal foram observadas, bem como a implantação de um areial na porção mais a jusante.

Também constatou que houve um significativo crescimento vertical da deposição sedimentar na planície, de acordo com trincheira analisada. O evento de 2011 modificou o processo de crescimento do depósito até então em desenvolvimento, adicionando um pacote de 50 centímetros de material pobremente selecionado sobre ele.

Como estudos complementares, recomenda-se: 1) análise em outros pontos na planície do rio Jacareí, com vistas a explorar o crescimento vertical da mesma em função do evento de 2011; 2) analisar a variabilidade granulométrica deixada pelo evento de 2011 ao longo da planície; 3) estudos sedimentológicos dos depósitos gerados pelo evento, contemplando análise de simetria, angulosidade e grau de seleção das amostras; 4) estudos adicionais acerca dos processos de acressão vertical e lateral da planície, bem como análises em planta do canal do rio em maior detalhe; 5) Comparação das características físicas e químicas dos solos da planície do rio Jacareí antes e após o evento, por meio de dados da literatura e novos levantamentos.

Agradecimentos

Ao Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (LAGEAMB) da UFPR pelo apoio nas campanhas de campo. Ao Laboratório de Biogeografia e Solos (LABS) da UFPR por fornecer espaço, hardware e software durante a obtenção e processamento dos dados. Ao Laboratório de Estudos Sedimentológicos e Petrologia Sedimentar (LABESED) da UFPR por disponibilizar estrutura para realização das análises granulométricas. Ao Laboratório de Química e Fertilidade do Solo da UFPR pelas análises das amostras coletadas. À CAPES pela concessão de bolsa de doutorado ao primeiro autor.

Referências

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BIGARELLA, J. J. Contribuição ao Estudo da Planície Litorânea do Estado do Paraná. Brazilian Archives of Biology and Technology. [S./l.], v. Jubilee, p. 65-110, 2001. Disponível em: < https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-89132001000500005>. Acesso em: 01 mar. 2021.

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