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INTRODUÇÃO

As florestas tropicais globais são áreas de grande biodiversidade e têm passado por intensas ações antrópicas com a exploração dos seus recursos naturais (DOMINGUES; BERMANN, 2012). Entre os anos 2000 e 2012, estimou-se que 32% da perda global de cobertura vegetal provêm das florestas tropicas e desta quase metade ocorreu na floresta sul-americana, sendo que o Brasil detém de 1/3 das florestas tropicais úmidas (HANSEN et al., 2013). A Floresta Amazônica cobre aproximadamente 40% território brasileiro e é a maior floresta tropical contígua do planeta, responsável por 15% de toda fotossíntese terrestre global (DINIZ et al., 2015).

O processo de desflorestamento da Amazônia Legal Brasileira (AML) foi desencadeado pelas políticas de ocupação com áreas extensas e baratas da região associado às questões macroeconômicas envolvendo a exploração madeireira, extração mineral e agropecuária (GIBBS et al., 2015; ALMEIDA et al., 2010; FEARNSIDE, 2006; CASTRO, 2005; MERTENS, et al., 2002). Assim, a região tornou-se uma fronteira de exploração sendo palco de cenário de conflito de interesses de atores e conjunturas locais até globais (COUTINHO et al., 2013).

O arco do desmatamento é uma área crítica de grande concentração de problemas ambientais como queimadas e desflorestamento (WATRIM et al., 2020), essa área abrange desde o oeste do Maranhão passa por Pará, Mato Grosso, Rondônia, Amazonas até chegar ao Acre (BECKER, 2004). Esses estados são os que mais contribuem para o desflorestamento da AML e de acordo com os dados oficiais de desmatamento no Brasil entre 1988 e 2018 foram 436.257,00 km² de área desflorestadas, sendo o Estado do Pará o que mais contribuiu para essa estimativa, com 148.303 km². Os maiores índices do desflorestamento ocorreram entre o final da década de 90 e o ano de 2004, desde então o incremento anual foi diminuindo em virtude de pressões ambientais internacionais e da implementação de políticas públicas (VALE, 2019; NEPSTAD et al., 2014).

O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) se constituiu como uma política que visa reduzir as taxas de desmatamento e criar condições para estabelecer um modelo de desenvolvimento sustentável na AML (MELLO; ARTAXO, 2017). As geotecnologias têm sido importantes ferramentas para auxiliar a fiscalização ambiental na detecção das mudanças no espaço territorial amazônico, principalmente, por meio de sensores remotos que permitem a aquisição de dados sobre grandes extensões geográficas com agilidade e precisão, possibilitando análise pretéritas e simulações cenários prospectivos (VALE et al., 2018; MAGALHÃES et al., 2017; FERREIRA; COELHO, 2015).

A utilização de dados de sensores remotos e a aplicação do geoprocessamento auxiliam os estudos de mudanças de uso e cobertura da terra, que assim retratam as formas e dinâmicas de ocupação da terra. Esses dados são fundamentais no planejamento e na orientação da tomada de decisão quanto às análises ambientais (ROSAN; ALCÂNTARA, 2016). Esses estudos têm em vista o monitoramento do desflorestamento (FEARNSIDE, 2002), a influência da cobertura da terra na configuração de áreas queimadas (LIMA, 2013), além da modelagem e simulação das mudanças da paisagem.

Dessa forma, os estudos ambientais com utilização de produtos e técnicas de Sensoriamento Remoto e de Geoprocessamento revestem-se de grande importância, pois podem auxiliar no entendimento dos processos de ocupação da região amazônica e no desenvolvimento de planejamento político e econômico para o uso adequado dos recursos naturais disponíveis (WATRIN et al., 2005).

O Sensoriamento Remoto se constitui na utilização conjunta de sensores e equipamentos para processamento de dados, colocados plataformas orbitais com o objetivo de estudar fenômenos, eventos e processos que ocorrem na superfície do planeta Terra (NOVO, 2010). O Geoprocessamento é um conjunto de tecnologias que permitem coletar, armazenar, visualizar e analisar dados espacialmente referenciados a um sistema de coordenadas conhecidas (FITZ, 2008). A partir de dados de Sensoriamento Remoto e de ferramentas de Geoprocessamento torna-se possível sobrepor e comparar diversas informações espaciais, bem como oferece a oportunidade de executar modelagem para prever cenários futuros, auxiliando assim na tomada de decisão e elaboração de diretrizes.

Nessa perspectiva, o trabalho tem por objetivo fazer uma análise das mudanças de uso e cobertura da terra no município de Conceição do Araguaia-PA entre os anos 1999 e 2019 através de geotecnologias, a fim de contribuir com os estudos ambientais da região amazônica. Além disso, o trabalho tem a finalidade de apresentar o cenário ambiental do município em estudo, sendo fundamental para elaboração de políticas ambientais que vise a conservação ambiental e desenvolvimento econômico sustentável.

MATERIAIS E MÉTODOS

Área de Estudo

O município de Conceição do Araguaia (Figura 01) localiza-se no sudeste paraense, limita-se territorialmente com o Estado do Pará e com os municípios paraenses de Floresta do Araguaia, Santa Maria das Barreiras e Redenção. O município está na margem esquerda do rio Araguaia e tem como principais vias de acesso as rodovias PA-287, PA-327 e PA-449.

Segundo Luz (2011), o município de Conceição do Araguaia foi fundado em 14 de abril de 1887, mas foi a partir do ano de 1972 que a data oficial em comemoração do aniversário da cidade passou a ser festejada em 30 de maio. O município teria surgido a partir da missão católica do dominicano francês Frei Gil de Vila Nova com o objetivo de catequizar os índios Kaiapó que viviam na região.

De acordo com Hébette (2004) por muito tempo as terras do sul e sudeste paraense eram ocupadas por povos indígenas até que foram diminuindo, dando espaço ao processo de colonização espontânea, com os migrantes ocupando as terras devolutas nas matas do Tocantins e do Araguaia, e tornando-se posseiros. Esse processo de ocupação pelos imigrantes foi concomitante aos grandes empreendimentos de infraestrutura, que visavam à integração econômica da região ao sudeste do Brasil. Foi neste cenário de conflitos fundiários e interesses econômicos que surgiram muitos municípios paraenses, incluindo Conceição do Araguaia.

A população do município no censo demográfico de 2010 era de 45.557 habitantes e até o ano de 2019 estima-se que a população seja de 47.864 habitantes. De acordo com dados panorâmicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) em 2010 era de 0,640, a taxa da população atendida com rede de esgotamento sanitário em 2010 era de 4,8% e abastecida com água era de 53%.

Metodologia Aplicada

Para o desenvolvimento do trabalho foram utilizadas imagens do satélite Landsat-5/TM do ano de 1999 e 2009, e imagem do satélite Landsat-8/OLI-TIRS do ano de 2019 disponíveis na plataforma Google Earth Engine (GEE), que é uma ferramenta tecnológica que funciona de forma online em computação em nuvem, nela estão disponibilizadas imagens globais de satélites produzidas nas últimas décadas e fornece as ferramentas computacionais necessárias para detectar mudanças e tendências na superfície terrestre, nos oceanos e na atmosfera (GORELICK et al., 2017).

O processamento dos dados foi executado na camada de edição de códigos do GEE a partir do desenvolvimento de códigos na linguagem de programação JavaScript com aplicação do algoritmo Random Forest para classificação de uso e cobertura da terra. Para auxiliar na classificação foram utilizadas máscaras de floresta do Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES) dos respectivos anos analisados a fim de melhor classificar as áreas desflorestadas. Dessa forma, foram mapeadas as classes: Área Urbana; Cobertura Vegetal; Hidrografia; Mosaico Agricultura e Pastagem; Outros. O Quadro 01 apresenta as características das classes mapeadas.

As análises das classificações de uso e cobertura da Terra foram realizadas por meio de matriz de contingência que é uma tabulação cruzada simples dos rótulos alocados à classificação contra os dados de referência. Segundo Vale (2019), a matriz de contingência é uma maneira muito eficaz para representar a precisão do mapeamento. A leitura da matriz ocorre da seguinte forma, na diagonal principal está expressa a quantidade de pixels que foram classificados corretamente, enquanto os elementos fora da diagonal expressam a quantidade de pixels que foram incluídos erroneamente em uma classe (erros de inclusão), assim como a quantidade de pixels que foram excluídos erroneamente de uma classe (erros de omissão).

A avaliação da acurácia dos mapeamentos foi realizada a partir das seguintes etapas: distribuição aleatória de 100 amostras nas imagens de satélite em composição colorida e na classificação; checagem por interpretação visual; cálculo dos índices de concordância (Exatidão Global e Índice Kappa).

A Exatidão Global relaciona os elementos da diagonal principal da matriz de contingência, que representa o número de amostras classificadas corretamente 𝑛𝑖𝑖, pelo número total de amostras coletadas N (HELLDEN; STERN, 1980), sendo expresso por:

Em que: M é o número de categorias informacionais presentes na matriz de erros; 𝑛𝑖𝑖 referem-se aos elementos da diagonal principal, ou seja, elementos classificados corretamente; e N o número total de amostras.

O Índice Kappa é uma medida de concordância que fornece uma ideia do quanto às observações se afastam daquelas esperadas, fruto do acaso, indicando-nos assim o quão legítimo são as interpretações (COHEN, 1960). O Índice Kappa é expresso por:

Em que: 𝑃0 é a exatidão global; 𝑃𝑐 é a proporção de unidades que concordam por casualidade.

A partir dos resultados, Landis e Koch (1977) associam valores do Índice Kappa à qualidade da classificação de acordo com o Quadro 02.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O município de Conceição do Araguaia se encontra na região de expansão do agronegócio na Amazônia e vem passando por um intenso processo de mudanças de uso e cobertura da terra, que podem ser visualizados através do mapeamento multitemporal (Figura 02). Os resultados quanti-qualitativos podem ser analisados através das Tabelas 01 (área das classes em km²), 02 (matriz de contingência do mapeamento de 1999), 03 (matriz de contingência do mapeamento de 2009), 04 (matriz de contingência do mapeamento de 2019) e 05 (síntese de validação dos mapeamentos).

O município de Conceição do Araguaia segue o padrão de desflorestamento (Figura 03) que se estabeleceu na região Amazônica, onde as maiores taxas ocorreram no final da década de 90 até o ano de 2004 quando houve a implementação de políticas de fiscalização como PPCDAm. O ciclo inicia-se pela extração de madeira e pela abertura das matas para áreas de pastagem no desenvolvimento da pecuária extensiva e posteriormente estas áreas convertem-se em vegetação secundária ou agricultura, uma prática muito comum na região amazônica, chamado de pousio ou tempo de repouso dos solos (VALE, 2019; AGUIAR, 2012; FEARNSIDE, 2005).

As maiores taxas de incremento anual de desmatamento no município ocorreram até o ano de 2005, exceto no ano de 2008 que houve uma valorização de commodities agrícolas e houve aumento das taxas em toda a Amazônia, a partir de então vem diminuindo gradativamente. Uma das atividades que contribuem para o desmatamento é a pecuária extensiva e as principais áreas de pasto concentram-se em áreas que contém características de manchas de cerrado e floresta decídua, com predomínio de vegetação típica de savanas amazônicas (SOUZA et al., 2019; CARVALHO; MUSTIN, 2017). Essas áreas que também são conhecidas como savanas amazônicas vem fortes pressões antrópicas e perdas de espécies e habitats (SOUZA et al., 2020).

As savanas amazônicas estão extremamente ameaçadas pelas atividades antrópicas devido muitos fatores (Figura 04) como os de cunho ambiental (clima, aptidão do solo e biodiversidade), social (aspectos agrários) e econômico (facilidade de escoamento da produção), todos esses fatores pertencem ao conjunto que envolve a dinâmica de uso e cobertura da terra (SOUZA, 2019).

As condições edafoclimáticas, terras extensas e baratas, facilitam o desenvolvimento do agronegócio na região, principalmente, com a prática da pecuária extensiva e mais recente pelos cultivos de soja e milho (GIBBS et al., 2015; FREDERICO, 2011). Segundo D’antona et al. (2006) o tamanho da propriedade tem forte influência no uso da terra, pois propriedades menores tendem a apresentar florestas secundárias com ciclos de vida mais curtos devido à menor disponibilidade de terras. O Quadro 03 apresenta alguns registros das atividades do agronegócio e da infraestrutura instalada em propriedades do município em estudo.

A atividade agropastoril vem ganhando notoriedade no território municipal de Conceição do Araguaia, incentivado por incentivos fiscais, infraestrutura viária e boas condições naturais, assim, a pastagem e a agricultura vem tomando o espaço das áreas florestais do bioma Amazônico e Cerrado.

A região do sudeste paraense faz parte de uma tentativa de expansão da produção agrícola do centro do Brasil para a Amazônia, essa produção vem com a proposta de se favorecer das características naturais da região e aplicar técnicas modernas de agricultura, onde desde a etapa inicial se baseia em substituir os pastos naturais de cerrado por cultivos agrícolas de alta rentabilidade, como a soja (MIRANDA et al., 2014).

Corroborando com as pesquisas de Adami et al. (2015) e Barros et al. (2018) destaca-se que as áreas de agricultura vem passando por um processo de consolidação na região do sudeste paraense, incentivada por políticas como construção de uma infraestrutura para escoamento da produção (VALE, 2019) e pela modernização da agricultura (BECKMANN; SANTANA, 2019).

Os estudos sobre as dinâmicas e transições dos processos de uso e cobertura da Terra na Amazônia, Espindola et al., (2011), Gollnow e Lakes (2014) e Sousa et al. (2017), discorrem sobre o decréscimo das áreas florestais e expansão das atividades agropastoris, prática que demonstra que essas atividades estão intimamente relacionadas com a prática do desflorestamento na região e que os municípios amazônicos seguem esse padrão, com consolidação de áreas desflorestadas e busca por novas frentes de ocupação.

Assim, a floresta amazônica e a savana amazônica sofrem forte pressão pela produção de monocultura e pela pecuária. Observa-se que os produtores intercalam entre essas duas atividades, ou seja, áreas de pastagem convertidas em áreas de plantação e vice-versa. Essa prática é estimulada pela valorização das terras e outras vantagens financeiras (SAWYER, 2009). Dessa forma, o monitoramento do desflorestamento vem ser fundamental para garantir a sobrevivência da formação vegetal natural remanescente e o equilíbrio ecológico das paisagens (SILVA et al., 2020).

Esses incentivos econômicos impulsionam a diminuição de áreas florestais primárias e o crescimento das atividades agropastoris na região amazônica. Desta forma, o desflorestamento voltou a aumentar expressivamente no ano de 2019 onde foram contabilizados 9.762 km² de áreas desflorestadas e dentre os estados da AML, o estado do Pará foi que mais contribuiu para a estimativa com 3.862 km². Esse aumento despertou olhares críticos e preocupantes para a região devido altas taxas de desflorestamento e de queimadas.

O município em estudo apresenta uma configuração espacial de tendência a consolidação do espaço geográfico, uma vez que até o ano de 2019 as atividades agropastoris ocupavam 50% do território municipal. Essa detecção de mudanças de uso e cobertura na região amazônica, caracterizada pela conversão de áreas florestais em sistemas agrícolas ou pastagem, resulta em transferência de carbono da biosfera para a atmosfera e contribui para alterações climáticas em todas as escalas (MALHI et al., 2008).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados obtidos dos usos em áreas desflorestadas do município de Conceição do Araguaia entre os anos de 1999 e 2019, foi possível observar que o desflorestamento foi de 22%, sendo que a classe área urbana aumentou 45,4% e a classe mosaico agricultura e pastagem aumentou cerca de 14,6%. Com isto pode-se concluir que a agropecuária é uma das principais causas do desflorestamento e uma importante matriz econômica do município.

O município apresenta características naturais como duas estações bem definidas (chuva e seca), boa rede de drenagem, áreas planas e solos profundos, e características estruturais como rodovias de escoamento da produção que facilitam o desenvolvimento das atividades agropastoris, sendo que a mesma vem se consolidando na região do sudeste paraense, uma vez que demonstra ser uma área de expansão do agronegócio na região amazônica oriental.

O Google Earth Engine mostrou-se uma geotecnologia muito ágil e que permite obter resultados com alto grau de confiabilidade, cabendo destacar a eficiência do algoritmo Random Forest no processo de classificação das imagens de satélite que foram considerados muito bons. Assim, destaca-se que essa plataforma online vem ser uma importante ferramenta no monitoramento e controle do desflorestamento ilegal e na classificação de uso e cobertura da terra por permitir aquisição de dados de forma rápida e segura.

É importante destacar que estudos desta natureza são fundamentais para verificar a atual situação ambiental da região amazônica, tendo em vista que nos últimos anos tem sofrido com processos de mudanças de uso e cobertura da Terra, que na maioria das vezes diverge das características naturais e de legislações ambientais. Desta forma, o uso de geotecnologias e o fortalecimento de políticas públicas ambientais são necessários para a manutenção dos ecossistemas, principalmente, da Floresta Amazônica que se mantêm, até os dias atuais, condicionadas por um cenário de extremo interesses ambientais, sociais e econômicos envolvendo atores e conjunturas locais, regionais e internacionais, pois se trata da maior floresta tropical contígua do planeta.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Grupo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Amazônia (GEPAAM) vinculada a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) por todo apoio técnico no desenvolvimento deste trabalho.

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