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PRODUÇÃO DO ESPAÇO, ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E CRIMINALIDADE: o caso da cidade da Praia, Cabo-Verde
SPACE PRODUCTION, SPATIAL PLANNING AND CRIMINALITY: the case of Praia city, Cape Verde
PRODUCCIÓN DEL ESPACIO, ORDENAMIENTO DEL TERRITORIO Y CRIMINALIDAD: EL CASO DE CIUDAD DE PRAIA - CABO VERDE
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 14, núm. 1, pp. 125-139, 2016
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 30 Julho 2016

Aprovação: 08 Setembro 2016

DOI: https://doi.org/10.22238/rc24482692v14n12016p125a139

Resumo: O artigo aborda uma discussão sobre a produção do espaço, ordenamento do território e criminalidade na cidade da Praia com base nas análises tendo como referência os conceitos do espaço e território. O trabalho tem como objetivo analisar a forma como o espaço da cidade da Praia é produzido, ordenado e como isso pode influenciar na prática dos crimes. Os resultados obtidos mostram que diferentes atores produzem ações no espaço urbano da cidade de acordo com as relações do poder, e a maioria dessas ações realizadas no espaço da cidade da Praia não estabelece uma norma no ordenamento do território, principalmente nas áreas urbanas informais/espontâneas, tornando um fator preponderante na prática de alguns crimes.

Palavras-chave: Produção do Espaço, Ordenamento do Território, Criminalidade, Cidade da Praia.

Abstract: The article discusses a discussion of the production of space, regional planning and crime in Praia city based on the analysis by reference to the concepts of space and territory. The study aims to examine how the Praia City space is produced, ordered and how it can influence the practice of crimes. The results show that different actors produce actions in the urban space of the city according to the power of relationships, and most of these actions taken on Praia city space does not establish a standard in spatial planning, especially in informal / spontaneous urban areas making a major factor in the commission of certain crimes.

Keywords: Space Production, Spatial Planning, Criminality, Praia City.

Resumen: El artículo aborda la discusión sobre la producción de espacio, ordenamiento del territorio y criminalidad en la ciudad de Praia con base en los análisis teniendo como referencia los conceptos de espacio y territorio. El trabajo tiene como objetivo analizar la forma como el espacio de la ciudad de Praia es producido, ordenado y como eso puede influenciar en la práctica de los crímenes. Los resultados obtenidos muestran que diferentes actores producen acciones en el espacio urbano de la ciudad de acuerdo con las relaciones de poder, y la mayoría de esas acciones realizadas en el espacio de la ciudad de Praia no establecen una norma en el ordenamiento del territorio, principalmente en las áreas urbanas informales/espontaneas, convirtiéndose en un factor preponderante en la práctica de algunos crímenes.

Palabras clave: Producción del Espacio, Ordenamiento del Territorio, Criminalidad, Ciudad de Praia.

INTRODUÇÃO

O presente artigo traz uma breve discussão sobre a produção do espaço, o ordenamento do território e a criminalidade na cidade da Praia, levando em conta a importância do conceito de espaço e de território como categoria de análise das dinâmicas espaciais e territoriais. Desta forma a pesquisa baseia-se nestes dois conceitos, onde o conceito do território será discutido, principalmente por um dos autores como Raffestin (2011) que faz a discussão dessa categoria a partir das relações do poder de diferentes atores que intervém no uso e na produção do território.

Seguindo esta lógica que a sociedade hoje é fruto destas relações, pode pontuar que a análise territorial ao abordar diretamente os atores e suas relações, estuda quais são as causas dos problemas ou da realidade local (TEIXEIRA; ANDRADE, 2010). De acordo com Raffestin (2011), o espaço e o território não são termos equivalentes. Por tê-los usados sem critérios, os geógrafos criaram grandes confusões em suas análises, justamente por isso, se privavam de distinções úteis e necessárias. Esta discussão busca desenvolver uma reflexão teórica sobre a produção do espaço, o ordenamento do território e a criminalidade na cidade da Praia.

A cidade da Praia, tal como as demais cidades dos países em desenvolvimento e acumulando a função do capital, cresceu exponencialmente nos últimos 30 anos. O sistema de planejamento não estava preparado para dar respostas a este crescimento urbano rápido, ainda mais numa cidade em que as fragilidades são notórias (SILVEIRA, 2011). Os assentamentos espontâneos desenvolvem-se, sobretudo em ambientes frágeis, tais como encostas íngremes, vertentes acentuadas, fundo dos vales, linhas de drenagem natural, entre outros. Começando muitas vezes com barracas (construções precárias), ou pequenas construções durante a noite, em terrenos privados, vão surgindo edifícios de um ou mais pisos sem licença (NASCIMENTO, 2003).

A desordem urbanística é um dos problemas de vários bairros da cidade da Praia. A irregularidade do terreno impossibilita a prestação de um bom serviço por parte dos policiais ao combater o crime. Também nestas zonas urbanisticamente degradadas e subequipadas reside uma população socialmente desfavorecida, vulnerável ao fenômeno da exclusão social. São bairros inseguros onde a marginalidade tem reflexos negativos na qualidade de vida (SILVEIRA, 2011).

O objetivo do artigo é analisar a forma como o espaço da cidade da Praia é produzido, ordenado e como isso pode influenciar na prática dos crimes. Ele está organizado em cinco seções, após esta breve introdução, segue-se uma discussão sobre a produção do espaço, o ordenamento do território e a criminalidade na cidade da Praia, os resultados e as discussões, por fim, são feitas considerações finais.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para fomentar esta pesquisa, foi utilizado o levantamento bibliográfico sobre essa temática. Neste caso, o levantamento bibliográfico foi efetuado em diferentes fontes, como livros, artigos científicos, dissertações, teses e entre outros. Por fim, foi feito análise e tratamento de todas as informações consideradas pertinentes para este estudo.

A Figura 01 representa um modelo de análise conceitual, com a finalidade de mostrar o referencial teórico da pesquisa. Primeiramente, partiu-se da categoria “espaço” para entender o processo de produção do espaço na cidade da Praia, em seguida o “território” para entender a dinâmica territorial na cidade da Praia e de que forma tem uma relação com a criminalidade e ao mesmo tempo, analisar os indicadores do crime.


Figura 01
Modelo de análise conceitual
Autores (2016).

Produção do espaço urbano na cidade da Praia

A produção do espaço urbano refere-se as ações que diferentes atores sociais realizam num determinado espaço. Essas ações normalmente não são produzidas de forma homogênea pelos atores sociais dentro do espaço urbano, uma vez que guardam entre si diferenças através do acesso ao capital, capacidade técnica e intelectual dos atores.

Desta maneira, a partir das ações realizadas pelos diferentes atores sociais, o espaço ganha uma forma e estrutura. Segundo Santos (apud SAQUET; SILVA, 2008, p.7), “o conceito de espaço é central e compreendido como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações que estão acontecendo e manifestam-se através de processos e funções”.

O espaço é formado de objetos; mas não são os objetos que determinam os objetos. É o espaço que determina os objetos: o espaço visto como um conjunto de objetos organizados segundo uma lógica e utilizados (acionados) segundo uma lógica. Essa lógica da instalação das coisas e da realização das ações se confunde com a lógica da história, à qual o espaço assegura a continuidade (SANTOS, 2006, p. 24).

Na análise geográfica do espaço é importante levar em conta alguns aspectos relevantes, tais como: forma, função, estrutura, processo e totalidade. Portanto, o espaço é uma categoria principal no estudo geográfico e apoia na compreensão do território. Assim, à medida que ele é produzido processualmente contém uma estrutura organizada por formas e funções que podem mudar historicamente conforme a realidade de cada sociedade (SANTOS apud SAQUET; SILVA, 2008). Ainda de acordo com Santos (apud SAQUET; SILVA, 2008), a forma, a função e a estrutura são fundamentais para a compreensão da totalidade e do espaço. Por outro lado, existem outros elementos importantes na compreensão do espaço (divisão social do trabalho, urbanização e sistemas de fluxos), pois todos esses fatores têm influência na forma como o espaço é organizado.

A produção do espaço, atualmente, repousa no fato de que o desempenho capitalista se expandiu. Ao se realizar, tomou o mundo e esse é o conteúdo do processo de globalização, bem como o fio condutor que nos possibilita compreender em que termos se efetuam a redefinição da cidade e da urbanização, de sua explosão, da extensão das periferias; enfim, da construção de um novo espaço (LEFEBVRE, 1995). Nessa direção, pode-se questionar o papel da intervenção do Estado, com seus interesses geralmente muito contraditórios com os interesses dos grupos humanos. Diante da complexidade da sociedade urbana, pode-se pressupor que a produção do espaço constitui um elemento central da problemática do mundo contemporâneo, tanto do ponto de vista da realização do processo de acumulação capitalista e, por consequência, de justificativa das ações do Estado em direção à criação dos fundamentos da reprodução, quanto do ângulo da (re)produção da vida, que se realiza em espaços-tempos delimitados reais e concretos (LEFEBVRE, 1995). As práticas de resistência precisam ser pensadas com o recurso à construção de um olhar teórico profundo e dialeticamente articulado, precisamente, com a práxis, em um movimento que revele o sentido e o fundamento dos conflitos que se estabelecem hoje, em torno do espaço, como luta pelo “direito à cidade”[1].

Para Corrêa (2005), o espaço urbano também pode ser compreendido como um produto social e histórico, pois, é resultado da realização humana, uma criação que vai se constituindo ao longo do processo histórico e que ganha materializações concretas e diferenciadas em função de determinações históricas e específicas. Na sociedade capitalista, o espaço é bem econômico disputado pelos diferentes agentes intervenientes no processo de produção do espaço urbano. Por isso, os diferentes fragmentos que compõem a cidade demonstram nitidamente os interesses dos intervenientes neste processo.

Seguindo esta linha de discussão, pode-se identificar um grupo de atores sociais quase sempre presentes na produção dos diferentes espaços urbanos da cidade da Praia, como: o Estado, as empresas (construturas), os atores sociais (populações) e as demais agentes territoriais. Portanto, os atores sociais ao realizarem suas ações territorializam as práticas sociais para sua permanência nele. Mas nem sempre essas práticas revelam-se como desejadas por seus atores sociais, pois elas dependem de um conjunto de fatores de negociação e de conflitos que envolvem quase sempre mais de um interesse no espaço (CORREIA; CHAGAS; SOARES, 2015).

Desta forma, a producão do espaço entre áreas centrais e periféricas, pois toda a dinâmica espacial é refletida através da diferença salarial, do trabalho manual e intelectual, relações do poder e do grau de escolarização dos atores sociais. Contudo isto, a produção do espaço na cidade da Praia, resulta de diferentes atores sociais dentro da cidade, e essa produção pelos atores sociais, carece de umas estratégias no domínio do ordenamento do espaço urbano, de uma verdadeira política de habitação e de solos com vista a satisfazer as necessidades presentes e futuras da população em matéria de lotes e alojamentos, principalmente nos bairros de ocupação espontânea onde existe a carência de políticas sociais (CORREIA; CHAGAS; SOARES, 2015).

A necessidade de habitação não correspondida pela promoção legal e a perspectiva de melhorar as condições de habitabilidade levam a população a recorrer ao loteamento ilegal e espontâneo. Infringindo as normas urbanísticas, os residentes constroem as habitações à medida das capacidades financeiras e de acordo com modelo por si idealizado, e como consequência, nota-se uma transformação do espaço e paisagem urbana. O problema das construções clandestinas não se centra apenas na ineficácia e rigidez do processo administrativo, mas também no fato da administração não ter capacidade para responder à grande procura de lotes municipais, uma vez que apenas 20% dos terrenos da cidade são públicos (TAVARES, 2006).

Os interesses do setor imobiliário têm condicionado o acesso às áreas urbanizáveis a uma parte significativa da população que não possui recursos financeiros e poder para aceder aos lotes e fogos da promoção legal, uma vez que a especulação imobiliária valorizou e intensificou a especulação sobre os solos urbanos nas melhores áreas da cidade (TAVARES, 2006). Para o mesmo autor, a produção do espaço na cidade da Praia nem sempre esteve associada às práticas urbanísticas e nem a urbe tem incorporada na sua tradição o processo contínuo de planejamento. O processo de planejamento, não acompanhou a formação do tecido urbano da Praia (NASCIMENTO, 2003). Diante disso, uma das justificações da fragilidade do planejamento na capital cabo-verdiana foi à ausência de plano que durante longos anos permitiu que a produção do espaço se fizesse de forma desordenada, sem princípios e normas urbanísticas, por isso quem tem maior “poder” aquisitivo ocupam as áreas dotadas de planejamento e os que não têm ocupam as áreas informais (como os leitos de ribeiras, as encostas de acentuado declive e os fundos dos vales), sem levar em conta as normas de ocupação do espaço.

Ordenamento do território e criminalidade na Cidade da Praia

Os investigadores das diferentes áreas científicas têm procurado expor as suas perspectivas de ordenamento do território o que, por sua vez, se reflete na conceitualização do termo (SILVEIRA, 2011). Por outro lado, as ideias que se tecem sobre os territórios atualmente põem em evidência a questão do ordenamento. Levando em conta que o território é modelado pelas atividades humanas e segundo diferentes interesses culturais, econômicos e sociais, o ordenamento procura enquadrá-los, tendo em conta que o espaço, os grupos humanos e as atividades formam um sistema que deve ser analisada atendendo às interações e relacionamentos entre os diferentes elementos.

Em termos de fundamentos conceituais importa começar por referir que o processo de ordenamento do território é uma atribuição contemporânea, pois embora ensaiada, em certas situações, na primeira parte do século XX, e mesmo antes acaba por se generalizar somente a seguir à Segunda Guerra Mundial, tributário da ideia de Estado Social, cuja finalidade é dar respostas globais aos problemas que a ocupação, o uso e a transformação do cada vez mais limitado espaço físico (CONDESSO, 2004).

Segundo o (DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA 0N-LINE apud GASPAR, 1995, p. 1), diz que:

O ordenamento é o ‘ato de ordenar; ordenação; de um território: estudo profundo e detalhado de um território (país, região, etc.) para conhecer todas as suas características e que constituirá a base para a elaboração de um plano cuja finalidade é a utilização racional desse território, ou seja, o aproveitamento das potencialidades, a maximização da produção a par com a proteção do ambiente, visando o desenvolvimento socio-econômico e a melhoria da qualidade de vida’.

No caso cabo-verdiano, a primeira referência a este conceito foi oficialmente descrito pela lei nº 57/II/85 (define os princípios fundamentais do planejamento urbanístico), a qual o considera a resultante espacial de um conjunto de ações políticas e técnicas, coordenadas, com vista à regularização e organização das relações entre as comunidades e o meio ambiente para a promoção do desenvolvimento, a valorização do território e a melhoria da qualidade de vida. Estas diferentes perspectivas de ordenamento do território não deixam de realçar que este tem por objeto principal, o “equilíbrio do território”, que se trata de uma política pública que parte dos interesses da coletividade (SILVEIRA, 2011). Na sua origem encontra-se a necessidade de retificar os “erros” originados pelas atividades dos grupos humanos no espaço geográfico, ao mesmo tempo corrigir os desequilíbrios entre os territórios e organizar os desenvolvimentos futuros. Nesta perpectiva, é necessário implementar uma política pública, eficiente e eficaz, capaz de corrigir os problemas originados pelos diferentes atores sociais através das ações realizadas sem levar em conta a condição que o espaço oferece para produção. Na mesma linha de reflexão, Raffestin (2011, p. 128) diz que:

O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço […]. O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projectou um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder.

De acordo com o autor, o território se apoia no espaço, mas não é o espaço, é uma produção, a partir do espaço. E essa produção, a partir do espaço é feita através do uso que a sociedade realiza no território. Os atores sociais ao realizarem suas ações, qual seja político-econômico-socais territorializam práticas sociais para sua permanência nele. Mas nem sempre as práticas territoriais revelam-se como desejadas por seus atores sociais, pois elas dependem de um conjunto de fatores de negociação e de conflitos que podem envolver mais do um interesse no território (CORREIA; CHAGAS; SOARES, 2015).

O território do município torna-se, assim, o locus privilegiado para análise das práticas de gestão territorial e do campo de poder na definição do território no qual melhor pode-se evidenciar o uso do território pelos diferentes atores sociais. Portanto de acordo com Correia; Chagas; Soares (2015) nota-se que há um defícit de ordenamento do território na cidade da Praia, uma vez que os atores ao realizarem as suas ações no espaço, não respeitam as regras ou normas do ordenamento, e como consequência tem agravamentos dos problemas em torno da cidade, destacando a criminalidade. A criminalidade é parte de um território como um todo e pode ser identificada através do contexto de suas peculiaridades (RAFFESTIN, 2011). O território é reflexo de diversas variáveis sociais, como a pobreza, desigualdades sociais e qualidade de vida e a violência pode ser apontada como resultado dessa relação, o que pode justificar a territorialidade da violência.

Nos países em vias de desenvolvimento assistem-se um processo de urbanização avassalador. O crescimento rápido, impulsionado pelo êxodo rural e pelo crescimento natural da população, estabeleceu um quadro urbano de informalidade territorial e desintegração social. As instituições, sem capacidade para gerir o rápido crescimento, não conseguiram dar respostas aos problemas urbanos e às necessidades da população que fugia do campo e as cidades cresceram de forma caótica, sem equipamentos e infraestruturas. O afluxo das populações às cidades contribui para consumo desmensurado do solo urbano, degradação do ambiente, elevadas taxas de desemprego, subemprego e pobreza, desordenamento do tecido urbano, crescimento de bairros degradados sobrepovoados, com deficientes condições de habitabilidade. Estima-se que um terço da população urbana do mundo em desenvolvimento vive em bairros miseráveis e o rápido crescimento urbano sugere que os problemas dos bairros degradados se agravarão em cidades já vulneráveis (TAVARES, 2006).

Conforme os autores Correia; Chagas; Soares (2015), na cidade da Praia o crescimento da população urbana tem levado a cidade para um desenvolvimento caótico, em termos de estrutura urbana, substanciado nos bairros periféricos em que a ocupação ilegal de terrenos tem potencializado um crescimento desorganizado e com grande déficit de infraestruturas urbanas. Por outro lado, esse crescimento é acompanhado pelo aumento do desemprego, principalmente na camada jovem, o que torna um fator de vulnerabilidade perante alguns problemas urbanos, como o de “criminalidade”.

De acordo com as teorias desses autores que falam tanto da categoria do espaço e do território, a maioria dos bairros da cidade não foi produto de uma padronização e estratégia deliberada, e sim obra da criatividade dos seus moradores. Essa criatividade pelos próprios moradores da cidade faz com que haja um defícit no ordenamento do território em algumas áreas urbanas, devido a forma como produzem o território, e como consequência, essa produção sem levar em conta as leis de ordenamento do território na cidade, permitem que haja modificação tanto na estrutura urbana como no espaço em geral, tornando-se um fator contribuinte para a prática dos crimes.

Porém, segundo Correia; Chagas; Soares (2015) existem vários fatores socioeconômicos que influenciam o crescimento da violência e da criminalidade na cidade da Praia, como o aumento da taxa de desemprego, o crescimento da população, a existência de bairros onde se verifica segregação sócio espacial (população de baixa renda a ocupar lugares mais precários), o surgimento de grupos de delinquência nos jovens e entre outros.

Para Chagas (2014), a violência e/ou criminalidade dissemina-se por todas as classes sociais. Ricos e pobres são “agraciados” com sua presença. A diferença nesse contexto do espraiamento da violência é que os primeiros possuem condições econômicas de se protegerem com tecnologias que garantem uma falsa sensação de segurança, enquanto o segundo grupo por não ter esses diferenciais torna-se a parte mais vulnerável de todas as formas que a violência contém. O que se percebe é que existe uma tipificação do crime conforme o bairro estudado, nas áreas periféricas, os crimes contra as pessoas são mais comuns, enquanto nas áreas mais elitizadas são perceptíveis os crimes contra o patrimônio, furto e roubo. Geralmente, nestas áreas elitizadas, dependendo do tipo, o crime aparece de fora para dentro, oriunda da periferia, onde as desigualdades sociais se agravam, o indivíduo é facilmente influenciado e excluído socialmente e acaba levando o crime para outros lugares (lugares elitizados), onde existem as maiores atratividades (CHAGAS apud CORREIA; CHAGAS; SOARES, 2015).

Sendo assim, é de afirmar que essa realidade é bastante presente na cidade da Praia. Ainda de acordo com Correia; Chagas; Soares (2015), os casos de violência e criminalidade praticados na cidade da Praia têm ocorrido, sobretudo com maior intensidade, nos bairros periféricos mais desfavorecidos, onde se encontra grupos sociais mais pobres e vulneráveis, o que se traduz numa forte estigmatização desses bairros e dos seus residentes num auto fechamento e exclusão social. Portanto, são bairros localizados, sobretudo nos leitos de ribeiras, encostas de acentuado declive e nos fundos dos vales e com estrutura das construções bastante precários, o que tornam propício para prática dos crimes e ao mesmo tempo aumentando a criminalidade na cidade da Praia.

Esses bairros carecem de serviços e de equipamentos coletivos ou então estes são introduzidos já com critérios completamente diferentes dos bairros dotados de planejamento, pois praticamente não existem espaços disponíveis para a implantação dos mesmos, por isso a criminalidade tem maior impacto nas áreas periféricas da cidade da Praia.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

As políticas públicas que visam combater a criminalidade têm ignorado do ponto de vista prático a relação entre a estruturação e a qualidade do espaço urbano e a segurança pública. A maioria dos debates nem sequer toca nesta vertente. E ao não se considerar esta perspectiva que tem sido cada vez mais valorizada e implementada em todo o mundo, a diminuição do sentimento de insegurança e da incidência do crime, não é tão significativa, como seria desejado.

O triângulo do crime abrange a vítima/alvo, o agressor e o lugar/entorno físico. E quanto pior é o ambiente físico, maior a probabilidade de incidência de criminalidade. Quanto maior é a degradação e o abandono do lugar, maior é o sentimento de insegurança e menor a qualidade de vida.

Em Cabo Verde, principalmente na cidade da Praia, a natureza do ambiente físico contribui de forma significativa para a prática do crime, permitindo assim atrair o agressor, reduzindo o medo de se praticar o crime, impedindo também a prisão do agressor. O espaço urbano no país é marcado por muitas deficiências que não ajudam no combate a criminalidade. Espaços sem estrutura urbana definida ou sentido de orientação, edifícios voltados de costas para a rua ou espaço público, existência de becos sem saídas, ruas pouco movimentadas, fraca iluminação pública e acessibilidades locais deficientes.

Na cidade da Praia, grande parte dos territórios carece de uma boa iluminação pública e esta situação é incentivadora de delitos. Se não há boas condições de visibilidade, sistema de iluminação eficaz torna-se muito mais fácil a prática do crime. Ruas mal iluminadas aumentam a perceção da vulnerabilidade do lugar e diminui a possibilidade de o agressor ser visto ou ficar detido após cometer o crime. Tradicionalmente, áreas urbanas que melhoram a iluminação, têm, normalmente, reduções nos índices de criminalidade e redução do sentimento de insegurança, pois a luz é inibidora de delitos.

Outro aspecto que importa destacar são as deficientes acessibilidades, num contexto em que a toponímia, a sinalizar com placas indicativas de ruas e prédios públicos ainda é inexpressiva, o que dificulta não só o acesso de moradores e a consequente apropriação do espaço como também viatura dos serviços públicos, dificultando o trabalho da polícia.

Em Cabo Verde, assiste-se pouca ação consequente e prática na sua relação com a diminuição da insegurança e do crime. Se a população de uma comunidade diz que o medo advém de uma fraca iluminação pública, por certo o problema não será resolvido aconselhando as pessoas a aplicarem melhores fechaduras nas portas nas suas habitações ou estabelecimentos. Se o problema é o medo de usar as caixas multibanco porque estão localizados num local escondido ou de pouco movimento. A colocação eficaz de passeios, parques de estacionamento, paragens de autocarros, sanitários públicos e caixas multibanco, pode causar nas pessoas uma sensação de que são menos propensas a riscos e menos perigosas de usar. Há que idealizar respostas a medida dos problemas, da natureza das causas dos sentimentos de insegurança.

As pessoas não passam a sentirem-se menos inseguras a não ser que saibam que as fontes dos seus receios estão a ser removidas. O medo é baseado nas percepções, por isso a intenção da polícia em reduzir o medo deve ser consistente e assegurado que a população vê resultados.

Em suma, a maioria dos territórios na cidade da Praia se encontra pouco visíveis, acessíveis, permeáveis, legíveis e previsíveis, não permitindo uma observação adequada nem facilita o trabalho das autoridades.

Atendendo que a premissa fundamental é que os criminosos não desejam ser observados, boa parte dos territórios da cidade é um convite ao esconderijo, onde os infratores podem cometer um crime e desaparecerem sem serem vistos.

Por isso, há que criar territórios mais seguros e isto passa pela melhoria do ambiente físico e paisagístico para garantir que os territórios sejam acessíveis, transparentes, com sentido correto de orientação, percetíveis a partir de espaços envolventes, o que facilita vigilância natural (olhos na rua). E que sejam capazes de gerar atividades, facilitando o transitando ininterruptamente, atraídas pela diversidade de usos e dinâmica de atividades.

É necessário planejar os espaços e desenhar as edificações na perspectiva de prevenção do crime e combater a desordem urbana, os abusos sobre o território e as práticas sociais e econômicas lesivas ao bom convívio. Com isto é possível diminuir as oportunidades criminais e mitigar o sentimento de insegurança.

Nesta linha a nova ordem urbana deve ser de proximidade, tendo como unidade de intervenção a comunidade. Mas uma proximidade que seja potenciadora, onde as forças locais trabalhando nas divisões locais de prevenção da criminalidade articulam de forma aberta com as autoridades policiais e outros agentes públicos.

A criação de poderes inframunicipais nos maiores municípios deve ser equacionada, fazer cumprir o código de posturas e os planos urbanísticos que devem ser desenvolvidas tendo em conta também a questão da criminalidade. Há que definir as bases da intervenção da instituição policial no quadro do planejamento urbanístico. A consagração de estudos prévios na vertente da segurança de pessoas e bens, com caráter consultivo ou, eventualmente, vinculativo, projetos de urbanização e grandes equipamentos sociais do tipo “Relatório/estudo do impacto de segurança”.

Deve-se contribuir para uma maior valorização dos territórios e isto passa necessariamente pelo esclarecimento de direitos e responsabilidades, elevando a cidadania territorial e urbanística (garantindo a qualidade de vida das pessoas). Mas essa relação negativa com o meio envolvente encontra-se também em pessoas de maiores rendimentos e melhores condições de vida que não atuam na lógica de sobrevivência ou desenrascanço que ficam capturadas pela lógica das justificações baseadas na pobreza, tendem a conduzir ao aumento e cristalização dessas práticas. Amplas ações de comunicação são necessárias de forma a criar uma atitude favorável e de melhor qualidade na cidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objeto de estudo baseou-se na discussão da categoria do espaço e do território. A partir da discussão do espaço, viu-se que a produção do espaço urbano é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem o espaço e não um mercado invisível ou processos aleatórios atuando sobre um espaço abstracto. A ação dos agentes é complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção e dos conflitos de classe que dela emergem.

A complexidade da ação dos agentes sociais inclui práticas que levam a um constante processo de reorganização espacial que se faz via incorporação de novas áreas ao espaço urbano, densificação do uso do solo, deterioração de certas áreas, renovação urbana, relocação diferenciada da infraestrutura e mudança, coercitiva ou não, do conteúdo social e econômico de determinadas áreas da cidade da Praia. Constatou também que na maioria dos casos a produção do espaço não é produzido como condição que o espaço oferece, mas sim produzido de forma desordenada pelos diferentes agentes sociais.

Por outro lado, ao discutir o ordenamento do território e criminalidade a partir da discussão do território, verificou-se que grande parte dos territórios da cidade da Praia carece de uma boa ordenação do território, devido à fraca intervenção das autoridades competentes e também ao fraco poder aquisitivo, por parte dos moradores que ocupam as áreas periféricas da cidade e ao mesmo tempo poucas ofertas de terrenos das mesmas, assim como consequência notam-se agravamentos dos indices de criminalidade maior nas áreas periféricas da cidade.

Referências

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