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O CRESCIMENTO CANAVIEIRO no município de Rio Brilhante-MS e os impactos ambientais causados pela queima da palha da cana-de-açúcar (2001 a 2010)
the sugarcane GROWTH in the municipality of Rio Brilhante-MS and the environmental impacts caused by burning straw of the sugarcane (2001 to 2010)
LA CROISSANCE DU SECTEUR cannier DANS LA MUNICIPALITÉ DE rIO BRILHANTE-MS ET LES IMPACTS ENVIRONNEMENTAUX CAUSÉS PAR LE BRÛLAGE DE LA PAILLE DE CANNE À SUCRE (2001 À 2010)
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 14, núm. 1, pp. 58-76, 2016
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 09/06/16

Aprovação: 23 Agosto 2016

DOI: https://doi.org/10.22238/rc24482692v14n12016p58a76

Resumo: O objetivo desse trabalho é analisar o crescimento da cana-de-açúcar no município de Rio Brilhante-MS, correlacionando esse crescimento com os impactos ambientais causados pela técnica de facilitação da colheita manual com a queima da palha da cana-de-açúcar. Para compreendermos o processo expansionista canavieiro, analisamos os incentivos do governo estadual e do governo federal, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Fundo Constitucional do Centro-Oeste e pelo Programa de Aceleração do Crescimento. Também foram analisados dados estatísticos de órgãos públicos, entidades e intuições da área. Como considerações, foi possível demonstrar que a queima da palha da cana-de-açúcar se tornou um dos fatores que, acompanhados dos aspectos sociais e ambientais, decorrentes do processo de expansão dessa monocultura no Estado, ocasionou várias formas de degradação ambiental com alto potencial de risco a fauna e flora, além de ser prejudicial ao próprio ser humano, gerando consequências como: invasão de Biomas e as Áreas de Preservação Permanente ou de Preservação Ambiental, além da contaminação dos recursos hídricos, dos solos e poluição do ar, dando indícios que os ganhos econômicos muitas vezes se sobrepõem a um ambiente saudável.

Palavras-chave: Cana-de-açúcar, Impactos Ambientais, Queima da palha.

Abstract: The objective of this study is to analyze the growth of sugarcane in the city of Rio Brilhante-MS, correlating this growth with environmental impacts caused by manual harvesting facilitation technique with the burning straw of the sugarcane. To understand the sugarcane expansionist process, its analyzed the incentives from the state government and the federal government, through the National Bank for Economic and Social Development, the Constitutional Fund of the Midwest and the Growth Acceleration Program. Also statistical data from government agencies were analyzed, as entities and intuitions of the area. As consideration, it was possible to demonstrate that the burning of straw sugarcane became one of the factors that, together with the social and environmental aspects arising from the expansion of this monoculture process in the state, led to various forms of environmental degradation with high potential risk fauna and flora as well as being harmful to human being, generating consequences as: Biomes invasion and the Permanent Preservation Areas or Environmental Protection, and the contamination of water resources, soil and pollution of the air, giving evidence that the economic gains often overlap with healthy environmental.

Keywords: Sugar cane, Environmental impacts, Straw burning.

Résumé: Ce travail a pour but d’analyser le processus d’expansion de la canne à sucre dans la municipalité de Rio Brilhante-MS, en faisant un rapprochement entre cette croissance et les impacts environnementaux provoqués par la technique d’optimisation de la récolte manuelle, à savoir le brûlage de la paille de canne à sucre. Afin de mieux comprendre le processus d’expansion du secteur cannier, nous soumettons à l’analyse les programmes de soutien du gouvernement régional et du gouvernement fédéral, menés par la Banque Nationale de Développement Économique et Social, Fonds Constitutionnel de la région Centre-Ouest et par le Programme d’Accélération de la Croissance. Nous examinons également les données statistiques des organes publiques, entités et institutions concernés par le secteur cannier. Cette étude a pu démontrer que la technique de brûlage de la paille de canne à sucre est devenue, à côté des aspects sociaux et environnementaux découlant du processus d’expansion de cette monoculture dans la région, l’un des facteurs qui se trouvent à l’origine des formes diverses de dégradation environnementale à haut risque sur la faune et la flore, en plus des effets nuisibles pour l’être humain lui-même, parmi lesquels l’invasion de biomes et de zones de préservation permanente ou de préservation environnementale, la contamination des ressources hydriques, des sols et la pollution de l’air, ce qui indique que les gains économiques devancent souvent un environnement sain.

Mots clés: Canne à sucre, Impacts environnementaux, Brûlage de paille.

INTRODUÇÃO

Desde a criação do Instituto do Açúcar e Álcool (IAA) na década de 1930, o Brasil deu seu primeiro passo para o processo de expansão da cana-de-açúcar. O objetivo do IAA era de regulamentar a economia canavieira depois de anos de reivindicações dos produtores, garantindo os direitos de quem produzia sob o controle do governo.

A década de 1950 foi marcada pela expansão da agroindústria canavieira, sobretudo em São Paulo, ocupando terras anteriormente destinadas ao cultivo do café, mantendo a estrutura fundiária vigente e aos poucos, reforçando sua concentração. A partir desta década o Estado de São Paulo tornou-se o maior produtor de açúcar do país e pela primeira vez desde o período colonial, Pernambuco perdeu sua primazia. (SANTOS, 2009, p. 110).

O cenário nacional passou a ter, no Sudeste, uma nova concentração de produção com incentivos do governo para a produção paulista de açúcar e álcool, que passou a ampliar o seu cultivo, abastecendo todo o mercado interno nacional. (CAMPOS, 2011).

Já no Mato Grosso do Sul ocorreram três ciclos no processo de expansão canavieira. O primeiro teve início de modo mais organizado com o Proálcool no fim da década de 1970. O segundo ciclo ocorreu após 1990 com algumas mudanças no marco regulatório do setor que objetivavam maior desregulamentação e, assim, mais usinas se instalaram na região. Após 2005 vem ocorrendo o terceiro processo expansionista da cana-de-açúcar no Mato Grosso do Sul, principalmente com suporte do governo federal para políticas de biocombustíveis e a popularização das tecnologias flex. (DUARTE, 2011).

O objetivo do trabalho é analisar o crescimento da produção canavieiro em Rio Brilhante-MS, com olhar voltado ao crescimento acelerado do cultivo dessa monocultura, buscando as suas possíveis relações com os impactos ambientais pela queima da palha da cana-de-açúcar no município, que é um dos maiores produtores de cana-de-açúcar do Brasil.

Para compreendermos o processo expansionista das lavouras canavieiras, recorremos à análise dos elementos do espaço geográfico discutidos por Milton Santos (2008a), a saber: homens, firmas, instituições, meio ecológico e infraestruturas. O homem se torna elemento do espaço, seja como agente da transformação, seja como fornecedor de trabalho; já as firmas serão tratadas pelas indústrias da canavieira, que tem, em sua função principal, a produção de bens de consumo; as instituições são representadas pelo Estado, seja ele em escala estadual, municipal ou federal, que elaboram e implementam as leis que vigoraram na sociedade, além é claro de criar incentivos e benefícios para atrair as firmas; o meio ecológico é a natureza como espaço de transformação devido às expansões agroindustriais; e as infraestruturas que são resultados do trabalho humano.

Além da introdução, esse artigo está divido em outras três partes. A seguir, será abordada a questão do expansionismo canavieiro no Mato Grosso do Sul e mais especificamente no município de Rio Brilhante-MS, posteriormente ocorrerá uma discussão a respeito da viabilidade técnico-econômica e dos impactos ambientais ocasionados pela queima da palha da cana-de-açúcar e, por fim, algumas considerações finais.

O expansionismo canavieiro no Mato Grosso do Sul e no município de Rio Brilhante-MS

Com a crise do sistema Bretton Woods, choques do petróleo e a crise internacional da década de 1970, o Brasil instituiu de 1975-79 o II Plano Nacional de Desenvolvimento. Com a chamada “fuga para frente” o país adotou medidas que eram opostas a ortodoxia dos países desenvolvidos e lançou investimentos estruturais nas áreas de bens de capital, alimentos e energia. Nesse contexto, foi criado, de acordo com Lima (2008), o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), modificando globalmente o mercado agroindustrial canavieiro. Os seus principais elementos eram a integração entre agroindústria da cana-de-açúcar, a indústria de bens de capital, as empresas automobilísticas e políticas de transporte.

Com as crises internacionais do petróleo que ocorreram de 1973 a 1979, houve crescimento, em grande escala, na produção de cana-de-açúcar, em que o Brasil buscou uma forma de diminuir sua dependência da importação do petróleo. Em 1975, o então presidente Ernesto Geisel, estimulou o processo de expansão das lavouras de cana-de-açúcar quando por meio do decreto – Lei n° 76.593, de 14 de novembro de 1975, criou o Proálcool com objetivo principal de atender as necessidades de consumo interno e externo e o de aprimorar a mistura do etanol à gasolina, desenvolvendo o primeiro carro movido a álcool, fazendo com que outras regiões se desenvolvessem e se tornassem novas regiões produtoras de cana-de-açúcar, entre elas, o Centro-Oeste brasileiro.

Segundo Müller (1982), no final da década de 1970 o Brasil passou a ter um setor industrial produtor de bens voltado para a agricultura. As décadas de 1970 e 1980 são marcadas pelo intenso processo de modernização do campo e da indústria e o expansionismo em escala nacional das lavouras de cana-de-açúcar.

No início da década 1980 houve, no recém-criado estado de Mato Grosso do Sul, crescimento na produção da cana-de-açúcar, contribuindo para que o estado se tornasse um grande produtor de cana-de-açúcar no cenário nacional. Em meados da década de 1980, mais precisamente em 1984 e 1985, marca a primeira produção no estado de Mato Grosso do Sul, um período de grande movimentação no campo fruto da implantação de várias unidades produtivas financiadas pelo governo. (DOMINGUES, 2010).

Quadro 1
Instalação de unidades produtivas de cana-de-açúcar em Mato Grosso do Sul (1979 – 1983)

CONAB, 2009.* Atual cidade de Sonora.

O Quadro 1 mostra o ano de instalação das unidades produtivas de cana-de-açúcar no Mato Grosso do Sul, sendo essas as primeiras unidades em atividade no estado. O mapa 1 mostra a localização das primeiras unidades produtivas da cana-de-açúcar no estado de Mato Grosso do Sul instaladas a partir de 1979.

Segundo o IBGE (2010), o principal instrumento financiador do setor sucroalcooleiro é o BNDES, que durante o século 21 passou a contribuir com a expansão da cana-de-açúcar no Brasil, seus financiamentos para o setor cresceram entre os anos 2006 e 2007 o equivalente a 160%, com a sua carteira de empréstimos ultrapassando os U$ 3 bilhões.


Mapa 1
Localização das unidades produtivas de cana-de-açúcar em Mato Grosso do Sul (1979-1990)
IBGE (2010)

Segundo o IBGE (2010), o principal instrumento financiador do setor sucroalcooleiro é o BNDES, que durante o século 21 passou a contribuir com a expansão da cana-de-açúcar no Brasil, seus financiamentos para o setor cresceram entre os anos 2006 e 2007 o equivalente a 160%, com a sua carteira de empréstimos ultrapassando os U$ 3 bilhões.

Em 2001 o estado de Mato Grosso do Sul lançou o “Programa MS Empreendedor”, por meio dele, o governo ofereceu isenção de até 67% do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), de até 15 anos para as indústrias que ampliaram suas unidades, ou que passaram pelo processo de instalação.

O Estado passou a ser o principal financiador do processo expansionista canavieiro, intervindo diretamente no preço da terra (arrendamento e parcerias dos produtores), concedendo grandes áreas para instalação industrial, isenção de impostos e benefícios fiscais, o que passou a ser vantajoso para a instalação das indústrias processadoras de cana-de-açúcar no Mato Grosso do Sul, fazendo com que o setor sucroalcooleiro se tornasse um grande expoente na balança comercial do país. (DOMINGUES, 2010).

Segundo Domingues (2010), o expansionismo canavieiro traz consequências como: ampliação das relações de dominação do capital sobre o trabalho, controle social, exclusão dos camponeses e indígenas, imposição do capital à monocultura e degradação ambiental. Segundo Thomaz Junior (2002, p. 56), a participação do Estado no crescimento desse setor, não está restrita apenas as áreas de planejamento e controle, mas também “[...] na normatização e regramento jurídico-institucional das relações sociais de trabalho, com o atributo de realizar a mediação entre capital e trabalho [...].”

Tabela 1
Evolução da produção de cana-de-açúcar no estado de Mato Grosso do Sul (1984 – 2010)

IPEA, 2016.

A expansão da cana-de-açúcar ocorreu de forma acelerada a partir de 2001 em Mato Grosso do Sul. Esse processo de crescimento da produção canavieira deu uma nova roupagem ao setor agroindustrial no estado, alterando o mapa agrícola nacional ao substituir áreas destinadas a outras culturas.

O município de Rio Brilhante-MS está localizado a Sudoeste do Estado de Mato Grosso do Sul, microrregião de Dourados, a 151 km de Campo Grande, capital do estado. Possui uma área de 3.987, 53 Km² e está situada em sua totalidade sobre o Aquífero Guaraní, que é a maior reserva de subterrânea de água doce do mundo.

Atualmente o município possui 3 (três) usinas processadoras de cana-de-açúcar, usina Passa Tempo, usina Rio Brilhante, ambas pertencentes ao grupo Louis Dreyfus Commodities (LDC), que ocupa o posto de segundo maior processador mundial de cana-de-açúcar e um dos maiores produtores brasileiros de energia elétrica renovável proveniente da biomassa; e usina Eldorado, que pertence ao grupo Odebrecht-ETH, terceira indústria instalada no município. (ODEBRECHT, 2014).

Segundo a CONAB (2009) para que o desenvolvimento do agronegócio canavieiro seja competitivo, é necessário investimentos em larga escala nas diversas estruturas de transporte, principalmente na rodoviária, que corresponde a 60% do modal brasileiro, contra 24% do ferroviário e o 14% do hidroviário.

A mão-de-obra é outro fator que chama atenção, uma vez que na década de 1980 iniciou-se, no estado de Mato Grosso do Sul e no município de Rio Brilhante, a expansão da cana-de-açúcar. Por não ser uma atividade tradicional da região Centro-Oeste, houve a necessidade de contratar mão-de-obra capacitada para as operações industriais e para o manejo da monocultura. Para o pleno funcionamento das indústrias que estavam instaladas no município foi necessário a contratação de trabalhadores vindos de outros estados. (BACKES, 2009).

O setor agroindustrial canavieiro no estado de Mato Grosso do Sul possui um grande número de migrantes de outras regiões do país, que chegam às indústrias e lavouras com o sonho de melhores condições de vida. Juntamente com o fluxo migratório, aumentam a demanda por serviços como: educação, saúde, lazer, moradia e infraestrutura.

A Prefeitura Municipal de Rio Brilhante conta com programas para melhorar a falta de moradias com a iniciativa de doações de lotes e casas populares. A Secretaria Municipal de Administração afirma que tem diminuído os problemas relacionados à moradia, nos anos de 2008 a 2013 conseguiu disponibilizar, aproximadamente, 1.600 lotes e 200 casas para trabalhadores. Sobre a saúde no município, entre os anos de 2005 a 2009 o número de postos de saúde passou, segundo o IBGE, de 7 (sete) para 18 (dezoito), sendo um federal e 17 (dezessete) municipais.

Segundo o jornal Diário MS, as cidades que mais investem no setor sucroenergético são as que mais crescem no estado de Mato Grosso do Sul. Em 2000 Rio Brilhante possuía, aproximadamente, 20 mil habitantes, comparado com o ano de 2014 houve um aumento populacional para 34 mil habitantes. Nesse mesmo período o município passou a empregar, nas três usinas processadoras de cana-de-açúcar, por volta de 3,5 mil trabalhadores.

Outro fato apontado que decorre do crescimento canavieira nas relações de trabalho, são as condições precárias que os trabalhadores dos canaviais enfrentam constantemente, pois os rendimentos estão ligados ao corte manual, com ganhos por produção, ou no corte mecanizado, que terceiriza a mão de obra, o que acarreta grande esforço físico por parte dos trabalhadores que possuem metas pré-estabelecidas. (Domingues, 2010).

No Mato Grosso do Sul, o processo de crescimento da cana-de-açúcar iniciou-se pós 2001, nos mapas a seguir é possível observar o crescimento da cana-de-açúcar no município de Rio Brilhante-MS a partir do ano de 2003.


Mapa 2
Área plantada de cana-de-açúcar no município de Rio Brilhante (2003)
CANASAT/2013.

Em 2003 deu-se início ao processo de expansão da cana-de-açúcar no munícipio, onde o plantio, ao qual se refere a legenda, trás a cana-de-açúcar soca (processo pelo o qual a cana-de-açúcar é cortada pela segunda vez), com o maior destaque para a concentração dessa monocultura na porção Noroeste do município. Ao analisarmos o mapa 3, é possível notar a consolidação do crescimento canavieiro no município, com aumento significativo no plantio dessa monocultura na porção Leste do município.


Mapa 3
Área plantada de cana-de-açúcar no município de Rio Brilhante (2006)
CANASAT/2013.

O mapa 4 retrata as imagens de satélites tiradas no ano de 2010 da área plantada da cana-de-açúcar. Com a ampliação da área plantada de cana no município, essa monocultura tornou-se umas das principais atividades econômicas desenvolvidas no estado. Segundo o IBGE, o estado de Mato Grosso do Sul obteve, em 2010, um crescimento de 38% na produção de cana-de-açúcar em relação ao ano anterior. Tal aumento se justifica pela expansão da área colhida que aumentou 40%, contribuindo para que o estado se tornasse um dos expoentes na produção de cana-de-açúcar no Brasil.


Mapa 4
Área plantada de cana-de-açúcar no município de Rio Brilhante (2010)
CANASAT/2013.

Aspectos técnico-econômicos e impactos ambientais causados pela queima da palha da cana-de-açúcar

As lavouras de cana-de-açúcar tendem a ser cultivadas em grandes extensões de terras, utilizando-se de vários recursos naturais como solo e água para o seu desenvolvimento, aumentando a preocupação com a questão de contaminação de recursos hídricos e o enfraquecimento do solo.

Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB, 2010), no Cerrado é onde se encontra a maior concentração da produção de cana-de-açúcar do Brasil, sendo que das 623.905.100 toneladas que foram produzidas em 2010, 33% estão no bioma Cerrado, a produção nacional no Cerrado corresponde a 82,46%, ressaltando que no estado de Mato Grosso do Sul existem três grandes biomas: pantanal, que possui leis que o ampara para sua preservação; Mata Atlântica, com apenas alguns resquícios; e o Cerrado, hoje já ameaçado pela crescente expansão das agroindústrias.

As áreas de agricultura moderna se tornam a presa de racionalidade devoradora [...] o campo modernizado é muito mais sujeito a um processo de regulação, que é comandado pelas forças de mercado hegemônico, deixando pouca margem às formas, mais precárias, de regulação local ou de regulação pelo poder público [...]. (SANTOS, 2008b, p. 90).

De acordo com IBGE (2015) o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, a cana tornou-se uma das principais matrizes energéticas do país. Por isso a necessidade de atenção aos campos, onde hoje passam a ser o “lócus” do capital canavieiro, em que a monocultura apresenta suas faces com a mescla da tecnologia derivada da ciência e o trabalho do homem, que juntos interferem na natureza modificando-a, como bem relata Milton Santos (2008b, p. 90-91):

Lócus do capital hegemônico facilmente difundido é o campo, onde as horizontalidades que se estabelecem têm como base material a ciência, a tecnologia e a informação. [...] o campo é o lugar onde uma certa tipologia de capital, de tecnologia e de organização se dá de forma espalhada sobre certas áreas, redefinindo-as.

Ao analisar a queima da palha da cana-de-açúcar, nota-se que ao passar dos anos ela se tornou uma técnica muito utilizada como forma de espalhar a palha, facilitando o manuseio e diminuindo custos. Outro argumento utilizado pelos produtores é que os trabalhadores se rejeitam a cortar a cana-de-açúcar crua, tendo um baixo rendimento no corte, além é claro dos riscos de animais peçonhentos e outros riscos a saúde. Na maioria das vezes esses trabalhadores são pagos por produtividade.

Segundo Paredes Junior (2012), com a colheita manual logo após o corte da cana-de-açúcar, dá-se início a um novo ciclo de aproximadamente 12 meses, repetindo-se o processo de cinco a seis vezes até se dar a reforma do canavial, sendo a avaliação econômica o fator que irá determinar a renovação dos canaviais.

Com as queimadas têm-se várias consequências ao meio ambiente e a própria sociedade, causando uma degradação à vegetação e um crime a vida de todos os seres vivos. A degradação do solo, pelo cultivo, é manifestada por processos erosivos, redução da matéria orgânica, perda de nutrientes, compactação do solo, redução de populações microbianas de atividades enzimáticas e pH. Assim, é necessário o uso de práticas agrícolas que causem menor impacto ao meio ambiente, definindo uma melhor forma de manejo do solo.

O cultivo da cana-de-açúcar por anos, num mesmo solo, pode proporcionar queda da fertilidade e menores rendimentos da cultura. Um manejo indevido do solo, por um longo período, pode trazer consequências com o esgotamento das reservas orgânicas e minerais, transformando o solo em terras de baixa fertilidade.

Segundo Bonilha (2007), a queima da palha dos canaviais se espalha e atinge diretamente a vegetação nativa, uma vez que há canaviais próximos às áreas de preservação permanente e áreas de reservas legais. O discurso utilizado pelos usineiros de que a condição do tempo ocasionou o fogo nos canaviais e por sua vez se perdeu o controle não é raro.

A técnica da queima é feita com a intenção de diminuir a quantidade de palha, facilitando a colheita, aumentando o rendimento do corte manual e o carregamento mecânico, técnica essa contestada por muitos estudiosos e ambientalistas, sendo proibida em alguns estados. A Lei Estadual n° 3.404, 30 de julho de 2007, no artigo 3°, faz valer, como determinação legal para a maioria dos municípios do estado de Mato Grosso do Sul, que a técnica de utilização do fogo para facilitar a colheita da cana-de-açúcar, deve ser substituída gradualmente pela colheita mecanizada.

Na literatura de avaliação técnica-econômica da colheita de cana-de-açúcar, encontra-se, geralmente, que os procedimentos mais modernos e mecanizados possuem um custo mais baixo em relação a colheita manual, que exige a queima da palha. De acordo com Rodrigues e Saab (2007), que avaliaram os custos econômicos da colheita manual e mecanizada da cana-de-açúcar no Paraná, os valores foram de 3,06 US$.t-1 para o custo da colheita mecanizada da cana sem queima e de 4,14 US$.t-1 para a colheita manual da cana queimada, observando-se uma redução de 32,74% em favor do custo da tonelada colhida mecanicamente. Todavia, uma justificativa apontada para a continuação das queimadas seriam os altos investimentos que a aquisição de novas máquinas e equipamentos demandaria.

Na tentativa de diminuir as queimadas e minimizar os impactos da queima da palha da cana, no dia 17 de junho de 2008, a prefeitura de Rio Brilhante, fez vigorar a Lei N° 1.532 que dispõe sobre o emprego do fogo como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar e dá outras disposições, sendo esse projeto de lei um instrumento de amparo as indústrias produtivas para utilizar, de forma legal, a queima da palha da cana-de-açúcar.

No Art. 1° da referida Lei, consta que o emprego do fogo, como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar, deverá ser eliminado gradativamente no município, tendo seu início em 2009 com o seu término previsto para 2012. No Art. 3° da referida Lei, pede-se que não se utilize a queima da palha da cana-de-açúcar a menos de 50 (cinquenta) metros ao redor do limite das estações ecológicas, de reservas biológicas, reservas legais e áreas de preservação permanente, de parques e demais unidades de conservação. O que nos chama a atenção é o curto espaço dos locais onde pode ser feita a queima da palha da cana-de-açúcar com as áreas de preservação, uma vez que os canaviais estão localizados em grandes áreas produtivas.

O Art. 4° relata que o responsável pela queima da palha da cana deve utilizar tal prática apenas no período noturno, compreendido entre o pôr e o nascer do sol, evitando os períodos com temperaturas mais elevadas, respeitando as condições climáticas de forma que possa facilitar a dispersão da fumaça sem que haja incômodo ao bem-estar social. Outros parágrafos desse mesmo artigo enfatizam o aprimoramento e a capacitação dos trabalhadores com equipamentos adequados e com treinamentos de combate a incêndio.

A queima da palha da cana-de-açúcar, seja ela em qualquer período do dia, se torna um risco eminente à vida do ser humano em médio prazo, ocasionando algumas doenças respiratórias. Estudos científicos comprovaram que o aumento das doenças respiratórias no Brasil está ligado às queimadas dos canaviais, que prejudica diretamente a vida e aumenta os gastos públicos com despesas em tratamento de saúde da população. Segundo Zamperlini (1997), a queima da palha da cana-de-açúcar libera substâncias conhecidas como Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos – HPAs, que podem causar mutações genéticas.

No Art. 11° temos as consequências em caso de descumprimento da Lei, que é a aplicação da pena de multa de 3 (três) salários mínimos por hectare queimado, onde o proprietário reincidente terá esse valor aplicado em dobro. O Decreto n° 6.514, de 22 de julho de 2008, traz na subseção III, o Art. 61, que o indivíduo que causar a poluição da natureza, ocasionando a destruição da biodiversidade e mortandade dos animais, deverá pagar multa de R$ 5.000 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000 (cinquenta milhões de reais).

Quando se fala em poluição muitas pessoas associam com grandes centros industriais e com emissão de gases pelos automóveis, mas pouco refletimos sobre a queima da palha da cana-de-açúcar que é uma prática que contribui de forma significativa para a poluição atmosférica. (ROSEIRO, 2002).

A queima da palha da cana-de-açúcar libera, na atmosfera, alguns poluentes como: monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio, dióxido de enxofre e o ozônio, que causam intoxicação, com consequências sérias a vida como: diminuição da capacidade respiratória, agravamento das doenças respiratórias, aumentando os indícios de doenças como a asma, broncopneumonias, infecções respiratórias e danos aos tecidos dos pulmões. (GOMES, 2002).

Segundo Goulart (1999, p. 367):

Efeito estufa artificial – os gases lançados artificialmente na baixa atmosfera pelas queimadas absorvem a radiação solar e operam como fontes secundárias de calor, provocando o aumento da temperatura e uma série de problemas ambientais decorrentes desse aumento (alterações climáticas, subida do nível dos mares; queda da produção agrícola; disfunções no desenvolvimento das florestas; mudanças do regime de chuvas, déficit no suprimento de água potável, etc.).

O fogo altera a composição química, física e biológica dos nutrientes do solo, enfraquecendo-o e deixando-o improdutivo. Ao se analisar o processo histórico do município de Rio Brilhante, observa-se que o método de atear fogo, como forma de facilitar a colheita da cana-de-açúcar, é herdado pelos nossos colonizadores e que se estende até os dias atuais. O processo expansionista impede a valorização do trabalho, destrói o meio ambiente e prejudica a sociedade. O uso do fogo pode ocasionar desertificação, com destruição da cobertura vegetal nativa de proteção das nascentes e mananciais, alterando o ciclo das chuvas. (GEWANDSZNAJDER, 2002).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A queima da palha da cana-de-açúcar se tornou um dos fatores que, acompanhados dos aspectos sociais e ambientais decorrentes do processo de expansão dessa monocultura no estado, ocasionou várias formas de degradação ambiental com alto potencial de risco a fauna e flora, além de ser prejudicial ao próprio ser humano, gerando consequências como: invasão de Biomas e as Áreas de Preservação Permanente (APP) ou de Preservação Ambiental (APA), além da contaminação dos recursos hídricos, dos solos e poluição do ar, dando indícios que os ganhos econômicos muitas vezes se sobrepõem a preservação ambiental.

Apesar de vários estudos apontarem para uma redução nos custos da colheita com a mecanização e a não queima da palha, o que se observa na prática é a utilização em larga escala das queimadas. Possíveis explicações seriam a tradição desta técnica e os altos investimentos exigidos em termos de máquinas e equipamentos para que a colheita seja totalmente mecanizada e livre de queimadas.

Diante da seriedade do problema, com danos à saúde e com prejuízos socioeconômicos e ambientais, é interessante que novos estudos com diferentes metodologias e em outras localidades continuem a abordar esta relevante temática.

REFERÊNCIAS

BACKES, Thaine Regina. O Capital Agroindustrial Canavieiro no Mato Grosso do Sul e a Internacionalização da Produção. 2009. 204f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdades de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados. 2009.

BRASIL. Casa Civil. DECRETO N° 6.514, de 22 de julho de 2008, Presidência da República. Dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências. Brasília.

BIOSUL. Associação dos Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul. Disponível em: . Acesso em: 25 de abr. 2013.

BONILHA, R. P. Queima da palha da cana-de-açúcar: Questões jurídicas e sócio-econômicas. 2007. 76f. Monografia (Bacharelado em Direito). Faculdade de Direito de Presidente Prudente, Presidente Prudente. 2007.

BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Agropecuária. Disponível em: . Acesso em: 08 de jun. 2016.

CÂMARA MUNICIPAL DE RIO BRILHANTE. LEI N° 1.532, de 17 de junho de 2008. Dispõe sobre emprego do fogo como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar e dá outras disposições. Rio Brilhante, 2008.

CAMPOS, N. L. Expansão canavieira e impactos sócio-espaicais da produção de agrocombustível no triangulo mineiro (1980-2011). 2011. 111f. (Monografia). Instituto de Geografia de Uberlândia, Uberlândia, 2011.

CANASAT. Monitoramento da cana-de-açúcar. Disponível em: Acesso em: 01 de abr. 2013.

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