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O IHGB e a noção tropical do Brasil: a busca pelos “Alegres Trópicos”
THE IHGB AND TROPICAL NOTION OF BRAZIL: the search for the "Alegres Trópicos"
THE IHGB AND TROPICAL NOTION OF BRAZIL: the search for the "Alegres Trópicos"
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 14, núm. 1, pp. 30-57, 2016
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 16 Maio 2016

Aprovação: 21 Julho 2016

DOI: https://doi.org/10.22238/rc24482692v14n12016p30a57

Resumo: O que pretendemos neste artigo é mostrar como os trópicos foram tratados pelos membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro de maneira a configurarem como elemento positivo, e assim, integrar-se como uma das bases da construção da identidade nacional brasileira. A partir da análise dos artigos publicados nas revistas do IHGB do século XIX, poderemos observar como o clima tropical, mesmo sendo objeto de detração na Europa, foi ressaltado como elemento capaz de despertar o orgulho nacional brasileiro.

Palavras-chave: Clima Tropical, IHGB, Historiografia.

Abstract: Our intention in this article is to show how the tropics have been treated by members of the Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro in order to be configured as a positive element, and thus be integrated as one of the bases of the construction of Brazilian national identity. From the analysis of articles published in journals from IHGB the nineteenth century, we can observe how the tropical climate, even though detraction object in Europe, was highlighted as an element capable of awakening the Brazilian national pride.

Keywords: Tropical Climate, IHGB, Historiography.

Resumen: Nuestra intención en este artículo es mostrar cómo los trópicos han sido tratados por los miembros del Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, con el fin de ser tratado como un elemento positivo, y por lo tanto, ser integrado como una de las bases de la construcción de la identidad nacional brasileña. A partir del análisis de los artículos publicados en las revistas del IHGB el siglo XIX, podemos observar cómo el clima tropical, a pesar de la detracción en Europa, se destacó como un elemento capaz de despertar el orgullo nacional brasileño.

Palabras clave: Clima Tropical, IHGB, Historiografía.

INTRODUÇÃO

O que pretendemos aqui é mostrar que a partir da leitura das revistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - o IHGB - produzidas no século XIX notamos que o clima brasileiro, tropical por excelência, ganha destaque como elemento de unidade e marcação simbólica do Brasil. Afinal, ele representava aquilo que a Europa das altas latitudes não era: a exuberância, o perigo, a inspiração, a preguiça, a fartura e a doença, por exemplo. Para o bem ou para o mal, o Brasil era um país tropical, e isso precisava ser mostrado, ainda mais em um período como era o século XIX brasileiro, momento no qual marcar as diferenças era algo tão importante para se demarcar uma identidade nacional brasileira[2].

Desta maneira, o IHGB, amparado por toda uma literatura produzida nos tempos coloniais ou no início do período imperial, mostra o clima como elemento-chave nessa luta por demarcar uma identidade tropical brasileira, como traço intrínseco de uma identidade nacional, que é o que veremos aqui.

Entretanto, vale ressaltar que a questão do clima tropical na construção da identidade nacional brasileira não é algo simples e isenta de embates, uma vez que o clima tropical era elemento de detração no pensamento social da época, principalmente aquele de origem europeia, que o via como contraponto ao seu ambiente naturalmente favorável ao progresso e à civilização (BARBATO, 2014b).

Assim, dentro desse contexto do século XIX, o clima tropical brasileiro, ao mesmo tempo em que era exaltado, também era detratado, inclusive no IHGB, que, como perceberemos no decorrer do artigo, via nas características tropicais elementos de distinção para a construção de uma tão necessária identidade nacional brasileira. No entanto, o que buscamos aqui é mostrar justamente como os membros do IHGB tomaram os elementos positivos do clima tropical, colocando-o assim como algo capaz de despertar o orgulho nacional e marcar as diferenças tão importantes nesses jogos identitários, por isso, nos ateremos aos “alegre trópicos”[3] dentro das revistas do grêmio carioca, ou seja, aqueles trópicos que eram capazes de encher os olhos de nacionais e estrangeiros.

No entanto, principalmente por razões de espaço, não adentraremos nesse outro lado do clima tropical no pensamento social brasileiro do século XIX, que era aquele responsável por mazelas como a preguiça, a luxúria, a imprevidência, a insalubridade, entre todas as outras desvantagens tropicais[4].

No entanto, antes de adentrarmos em como os intelectuais do IHGB trabalharam essa noção, é importante que notemos como o clima tropical figurou nesses relatos que acabaram por inspirar os membros do instituto carioca e ajudaram a fundar essa identidade tropical brasileira, que segundo a historiografia dedicada ao tema, viu justamente na tropicalidade brasileira um dos alicerces para a fundação de uma identidade nacional (SÜSSEKIND, 1990;VENTURA, 1991; NAXARA, 2001; BARBATO, 2011).

Senhores! Si o nome do Brazil, como diz Freyanet recorda tudo quanto a natureza tem de mais belo e fecundo; si, como diz Southey, os Brazileiros receberam por herança uma das mais bellas porções da terra; si, como diz Beauchamp, é impossível fallar d´este abençoado solo sem nos lembramos que o ouro e o diamante sahem do seu seio, ao mesmo tempo que todas as culturas n´elle prosperam; muito nos devemos ufanar de termos nascidos em um tal paiz! Mil graças pois rendamos ao Creador por tão grande benefício (MAIA, 1846, p.116).

Ou ainda:

E aqui no Brazil, mais do que em outra qualquer parte do globo, se ostentão ellas inescediveis até a qualquer reproducção ideal, por mais esforços que faça o pintor para retratar os primores de tão extraordinaria natureza (ANÔNIMO, 1887, p. 158).

E como nos ressaltou Francisco Paz, a natureza brasileira, marcada pela ação dos trópicos, é entendida como elemento definidor de uma unidade natural para o Brasil, afinal, todo o país foi contemplado por uma natureza exuberante, e todos os brasileiros, espalhados pelos mais distantes rincões do país, compartilhavam desse mesmo motivo de orgulho (PAZ, 1996, p.24).

Desta maneira, as imagens positivas a respeito da natureza brasílica surgem através das publicações do IHGB em todo o período estudado e a respeito de todo o Brasil. Na Bahia retratada nunca falta alimento, e os frutos “alli produz espontaneamente a natureza” (MASCARENHAS, 1846, p.497-198). O Maranhão é descrito como um lugar de “ar commodo, preciosas aguas, grande fertilidade seguida ao mais pequeno cultivo e a sua nunca interrompida verdura, são as circunstancias que fazem com que este paiz seja o mais abundante e delicioso” (RIBEIRO, 1874, p.44). O Paraná foi retratado como o detentor do “mais bello céo do universo” e que por ele, era possível ver “rolar caudalosos rios, atravessando as mais pittorescas e magnificas florestas do Brasil” (ELLIOT, 1870, p.155-156). São Paulo era descrita como uma província possuidora de um “céo benigno” e de uma “natureza magnifica e encantadora” (LOPES, 1872, p.316).

As imagens positivas a respeito da natureza tropical brasileira[6] eram abundantes dentro das publicações do IHGB, como podemos notar, além das citadas acima, há ainda uma série de várias outras que, no mesmo sentido, exaltam essa condição natural brasileira. Assim, podemos resumir a condição da natureza brasileira como exuberante, próvida e generosa, como uma dádiva da Providência Divina ao Brasil e ao brasileiro, como fica evidente no trecho abaixo:

as pequeninas Povoações de – Tauóca – Rezina de Baixo e Rezina de Cima, vivos painéis da miseria; mas demonstrativos da bondade do Creador que dá vida, e vida vigorosa n’este Brazil a aquelles de seus filhos, mesmo que vivem nús e crús sobre a terra, tendo a esta por leito, e o Céo, sempre assetinado, por cobertor (SILVA, 1859, p. 204).

Podemos dizer então que o IHGB assumia e ajudava a perpetuar essa imagem idílica dos trópicos brasileiros, propagada por tanto tempo em nossa história. Nesse sentindo, há a recuperação do sentido paradisíaco dos trópicos, presentes nos primórdios da colonização brasileira. As impressões de Cabral, Colombo e Vespúcio, sobre a natureza tropical americana, e em especial a brasileira, foram retomadas. A partir da suposta sensação de Cabral, descrita por Joaquim Noberto de Souza Silva, notamos que o sentimento de ufanismo em relação aos trópicos estava impregnado dentro do IHGB:

Cabral arrebatou-se á vista d´esta terra encantada que lhe pareceu surgia do sepulchro do sol (...); com suas encostas cobertas de espessos bosques, com suas aguas despenhadas em assombrosas catadupas, que se destacaram, recuando em vales dilatados e sombrios, em verdes e risonhas planices, em que serpejam ribeiros, bordados por praias, por alvas franjas, que se encurvam e onde se perdem as ondas em doce murmúrio, gozou da brisa da terra, que lhe trouxe os perfumes de suas flores, e ouvio o hymno harmonioso da natureza virgem e luxuriante do novo mundo (SILVA, 1888, p.127).

Podemos entender essa série de recuperações das visões idílicas da América – e, principalmente do Brasil – como parte da série de repetições empreendidas pelo IHGB dentro do processo de invenção das tradições que ocorreram nesse período, que tinham como objetivo a promoção da noção de que todo brasileiro, apesar de disperso pelo imenso território do país, partilhava de valores comuns, como é o caso da natureza tropical exuberante.

Segundo Hobsbawm e Ranger, a invenção de tradições é essencialmente um processo de formalização e ritualização, caracterizado por referir-se ao passado, mesmo que apenas pela imposição da repetição (HOBSBAWM; RANGER, 1984, p.12). Desta maneira, preconizava-se a noção de que a natureza brasileira sempre fora algo digno de orgulho para o brasileiro, isso porque, desde os primeiros contatos do europeu com a natureza tropical, há a percepção de que se tratava esse elemento de algo único e belo, capaz de despertar sensações indescritíveis nos homens vindos das temperadas terras europeias. Desta maneira, criava-se a impressão de que o Brasil sempre fora algo original, distinto em sua natureza, e que essa originalidade fora percebida já pelos primeiros europeus que aqui pisaram.

Vale ressaltar que no momento de fundação do IHGB, a História recém-havia conquistado seu lugar entre as disciplinas consideradas científicas, o que imputava que os membros do instituto deveriam produzir uma história pautada pelo rigor da veracidade e da imparcialidade (PAZ, 1996, p. 228-229). Aliado a isso, havia a missão patriótica delegada àquele historiador, que deveria ressaltar os valores da pátria brasileira para seus leitores, despertando assim sentimentos de amor ao país (DOMINGOS, 2009, p.36). Assim, nessa busca pelas “informações corretas” e pela identidade, tem-se início à defesa dos trópicos em relação às palavras – nem sempre amigáveis – propagadas por homens vindos de nossa sociedade modelo, paradoxalmente, de cópia e distinção: a Europa.

E não nos parece, senhores, que ja era tempo de entrarmos, sem auxilio estranho, no exame e investigação d’este solo virgem, onde tudo é maravilhoso? De desmentirmos esses viajantes de má fé ou levianos que nos tem ludibriado e calummniado? De mostrarmos finalmente ao mundo que não nos faltam talentos e as habilitações necessárias para a pesquizas scientíficas? (SAPUCAHY, 1898, p. 91).

A partir do trecho acima, notamos a noção da necessidade de construção de uma história produzida por nacionais, e não a partir do olhar do outro[7]. Notamos ainda o patriotismo que a função de historiador carregava, na qual há a exaltação do solo da pátria brasileira, onde “tudo é maravilhoso”, mas também, notamos que a necessidade de distinção era inerente, pois, apesar de inserido dentro das mais modernas concepções europeias de pensamento – como é o caso da pesquisa científica realizada a partir dos cânones estabelecidos no Velho Mundo – o Brasil precisava mostrar que era capaz de traduzir as singularidades dos trópicos, mas sem perder a correspondência com o mundo civilizado (PAZ, 1996, p. 229).

Exemplos dessa história patriótica brasileira, que buscava elementos de exaltação e distinção, mas sem se esquecer das bases da civilização europeia, podem ser observados na série de defesas da América e do Brasil, em relação às teorias detratoras lançadas por europeus, em tempos remotos ou contemporâneos.

Como vimos anteriormente, o século XVIII foi marcado por uma série de teorias que traçavam um panorama nada alentador para a América e seus habitantes, uma vez que uma série de características físicas próprias do novo mundo – e distintas das presentes na Europa – se apresentavam como impeditivas ao seu desenvolvimento. Em finais dos setecentos, essas teorias perderam força, no entanto percebemos que elas ainda eram capazes de atacar o brio daqueles homens mais empenhados na exaltação da nação brasileira, e que elas ainda viviam no pensamento social do século XIX, como veremos no decorrer do trabalho.

Primeiro, notamos o conhecimento dessas obras detratoras, e em seguida, o uso de explicações racionais, que legitimavam as críticas contrárias às teorias produzidas dentro da Europa:

A história, em nome da qual Montesquieu fez acreditar essa doutrina, é um protesto contra a sua verdade. Com effeito, se é o clima, se é o aspecto physico que determina a grandeza de uma nação, porque a patria de Temístocles converteu-se em serva do Alcorão, e, depois n’essa monarchia bastarda, que ahi vive na Europa, dando o espetáculo desolador de uma interminavel agonia? (MAGALHÃES, 1862, p.516).

Nesse caso, por exemplo, Couto de Magalhães refuta as impressões de docilidade e propensão à escravidão levantadas por Montesquieu, citando argumentos assentados sobre bases históricas, como é o caso dos episódios da revolta de Felipe dos Santos, e a Inconfidência Mineira, citados como exemplos que contestam tais condições difamatórias inerentes às gentes tropicais (MAGALHÃES, 1862, p.517).

E não é só a Montesquieu que os escritores do IHGB tecem críticas a respeito de suas teorias que iam de forma contrária à história patriótica que eles buscavam construir e entregar ao povo brasileiro. Buffon, De Pauw e suas teorias também receberam duras críticas dentro das publicações do instituto.

Como sabemos, Buffon defendeu a ideia de uma natureza menos ativa no Novo Mundo, em comparação ao mundo natural do Velho Mundo, o que explicava a ausência de animais de grande porte na América, o que contrastava com os grandes quadrúpedes que viviam em solos africanos, asiáticos e europeus (VENTURA, 1991, p.21-22). Para rebater essas afirmações, eram levantados dados recolhidos através de pesquisa científica que informações como essas eram errôneas, e que os brasileiros disso deveriam tomar conhecimento.

Para contrariar Buffon, que, por exemplo, afirmara que “de duzentas espécies differentes de quadrupedes espalhados sobre a superfície da terra, achou-se apenas um terço d’ellas na America ao tempo da sua descoberta”, Cerqueira e Silva, membro do IHGB, contrasta seu estudo com o de A. de Saint-Hilaire, naturalista que afirmou ter enviado “mais de cento e vinte e nove quadrupedes para o museu de Paris” (CERQUEIRA E SILVA, 1949, p.182). Ou seja, tais exemplos mostram que o membro do IHGB, imbuídos de sentimentos patrióticos, buscava meios legítimos – no caso, calcados em um tipo de conhecimento com validade na Europa – para cumprir sua missão como cientista ao evitar dados errôneos, e como patriota, ao defender sua nação de detratores estrangeiros.

Defesas da América[8], do Brasil e dos trópicos se estendem por uma série de artigos, há críticas que vão desde as opiniões dos pensadores da antiguidade, que concebiam a “zona tórrida” como inabitável[9], a viajantes que aqui estiveram e deixaram suas impressões negativas[10], ou a autores contemporâneos, que em seus tratados, acabam tecendo críticas ao Brasil e suas gentes[11].

Todos esses exemplos que contrastam as versões brasileiras com as versões europeias, que aqui encontraram espaço para a detração, nos mostram que, pelo menos em uma primeira leitura, a perspectiva humboldtiana dominava o pensamento intelectual do grêmio carioca, isso porque a natureza americana como um todo era vista, analisada e depois colocada à prova, agora como objeto científico, e não apenas como correlato estético ou espaço de projeção filosófica, por parte da Ilustração europeia (VENTURA, 1991, p.27). Nesse momento, a América, e por consequência, o Brasil, eram colocados frente à Europa como um território específico, que não era analisado à luz da semelhança europeia.

Sabemos que Alexander Von Humboldt desempenhou papel fundamental dentro da série de debates acerca da natureza americana que ocorreu no século XVIII, sendo considerado o principal agente em uma suposta vitória dos “defensores” da América, sobre os “detratores” deste continente. Graças aos seus estudos, nos quais prevalecia uma visão positiva sobre a América, principalmente no que concerne à sua natureza, tornou-se uma figura muito querida, não só dentro do IHGB e outros círculos intelectuais brasileiros, mas também entre os líderes das independências na América. Desde 1839, Humboldt já figurava entre os sócios do grêmio carioca, sendo muito respeitado pelos demais membros (SCHIAVINATTO, 2003, p.616), e isso fica evidente o notarmos os elogios dirigidos à sua figura, encontrados em diversas passagens dentro da revista do instituto[12].

Desta maneira, podemos encontrar dentro do IHGB uma espécie de continuidade na luta de Humbold para provar, perante aos olhos do Velho Mundo, que a natureza americana não era inferior, nem imatura, em relação à dele. Tudo isso atrelado ao ideal de historiador cientista e patriota, que se engajou na escrita de uma história nacional brasileira, e de uma pretensa identidade nacional brasileira. Assim, podemos citar o trecho abaixo como um exemplo que atesta o que acabamos de dizer:

Comprovam [os estudos de Humboldt, Curviers, Brongniarts, entre outros] por novos descobrimentos n’esta parte da terra, que a antiguidade do continente americano excede a do velho mundo, e que a povoação do Brazil coincide com os tempos históricos do velho hemispherio! (SILVA, 1888, p.131).

A natureza então se apresenta como um campo de batalha, na qual a identidade brasileira vai se construindo a partir de uma série de embates entre Brasil e Europa. Isso porque, como afirmamos, toda identidade é relacional, e para que ela se construa, há necessariamente um agente externo, distinto à homogeneização que aparentemente caracteriza uma identidade nacional.

E nesse caso, era justamente a Europa que fazia esse papel, apesar de simultaneamente representar o papel de modelo a ser seguido e copiado. E quando tocamos na questão do clima brasileiro essa questão se torna deveras interessante, uma vez que é nesse aspecto de nossa constituição natural que se opera grande parte das distinções que asseguram as tais diferenças relacionais necessárias à criação de uma identidade nacional.

Nessa série de distinções entre o Brasil e a Europa no que concerne a seus aspectos climáticos, essenciais à constituição de nossa identidade, podemos começar a partir da constatação científica da existência de uma diferença climática entre o Brasil tropical e a Europa das altas latitudes:

Comparando agora estas observações [meteorológicas, a partir do Recife], com as de Lisboa e do Rio de Janeiro, aquellas que me tem chegado ás mãos, vemos, que aqui o máximo calor tem sido 84° pelo termometro de Fahrenheit, assim mesmo menor 5° que o que houve em Lisboa a 16 de julho de 1786, a que chegou a 89°.

Comparando com o do Rio de Janeiro tem sido menor 10°, pois que a 9 de fevereiro de 1804 n’aquella cidade chegou a 94°, na escala Fahrenheit. Há porém diferença muito sensivel nos termos do menor calor, por que sendo aqui o minimo que tem indicado o termometro 75° em julho de 1808, e em Lisboa 35° em fevereiro de 1785, vem a ser a diferença 40° para menos n’aquella cidade.

No Rio de Janeiro sendo o menor que se observou 52° em julho de 1785, vem a ser a diferença 23° para menor n’aquella cidade (LAGO, 1882, p.64).

A partir do artigo citado, podemos notar que segundo a meteorologia, que ganhava espaço e encontrou grande desenvolvimento no século XIX (FERRAZ, 1994, p.238-251), a ação dos trópicos era algo real, e não uma mera invenção europeia. Viver nos trópicos significava viver de uma maneira distinta do modo de vida europeu, o que seria importante para formular políticas públicas no século XIX, tais como se pensar nos meios de se combater as doenças típicas desse ambiente, ou promover meios, principalmente através da educação, de se superar os efeitos deletérios dos trópicos sobre a população.

E em uma época em que as ciências ditavam as regras, essa constatação “científica” da existência dos trópicos, que é anterior a esse período, legitima os dizeres dos patriotas do IHGB, que buscam características distintivas para o Brasil.

No entanto, é no campo simbólico que as distinções entre Brasil e Europa – e também, em menor grau, EUA – se mostram mais frequentes dentro das revistas do grêmio. Tais diferenças imputadas pelo clima ao Brasil levaram ao surgimento de um povo único, adaptado aos trópicos e suas chuvas, calores, animais peçonhentos, e tudo mais, de positivo ou negativo, que isso implicava. Trópicos para os quais o europeu, já distinto do brasileiro, não poderia compartilhar sem problemas.

Nesse sentido, a frase abaixo, de Casimiro de Abreu deixa isso bastante evidente, uma vez que marca a diferença do Brasil em relação à Europa pelo clima tropical, e sugere uma possível inadaptabilidade mútua em relação ao transplante de seus moradores:

Arrancai a planta dos climas tropicais e plantai-a na Europa; Ella tentará reverdecer, mas cedo pende e murcha, porque lhe falta o ar natal, o ar que lhe dá vida e vigor (...). Como a planta dos trópicos, os climas da Europa enfesam-me a existência, que sinto fugir no meio dos tormentos da saudade (SILVA, 1869, p. 303-304).

Essas imagens dos trópicos como algo distinto, próprio para brasileiros se propaga no IHGB, sendo recorrentes os casos em que se prega uma possível incapacidade de adaptação dos europeus que para cá insistiam em fixar residência. Assim, era destacada uma diferença entre nós, brasileiros, aptos à vida no calor dos trópicos, e eles, estrangeiros, que ao chegar aqui, se deparavam com um clima distinto do que estavam acostumados, e por isso, sentiam com mais força os desconfortos tropicais:

Não acredito que nenhuma raça estrangeira do norte possa aqui fazer prole perduravel, a menos que se não cruze com os elementos indigenas, tapuios, negros ou seus descendentes. Para o indigena, porém, o clima, beneficado pelas grandes correntes dos ventos alizios, é benigno, e seria até favoravel, sinão fora a constante e flagrante violação dos primeiros preceitos da arte de conservar a saude. Ao forasteiro oriundo dos climas frios, elle será sempre fatal, fazendo assim d´este magnifico valle apenas uma região – proventura a mais bella e a mais rica de todas – de mera exploração mercantil (VERISSIMO, 1987, p.386).

Essas diferenças no ser e no viver tropical, para uma vida nas regiões temperadas do hemisfério norte, também são observadas no parágrafo abaixo:

É desnecessario dizer quaes seriam os incommodos, sustos e fadigas nestes primeiros tempos de colônia; os moradores se entregavam com difficuldade aos trabalhos ruraes, a que não eram affeitos, e viam-se obrigados a estar acautelados de dia e noite, e sempre com as armas na mão, para evitar as sorpresas dos indios. Nesta vida laboriosa corriam os dias sem notável prosperidade, antes se diminuiam as forças da nascente com as molestias adquiridas neste novo modo de viver, sob um clima quente e humido, a que não estavam acostumados (RUBIM, 1860, p.203).

O clima era agente de distinção, e na segunda metade do século XIX, apareceram alusões a teorias que mostravam evidências científicas do potencial de cada raça à vida sob determinada zona climática e meios para melhor aclimatar os – desejados – europeus nos trópicos, uma vez quem em diversas passagens é apontado seu definhamento nas baixas latitudes, através de cruzamentos com raças consideradas mais aptas, como é o caso do indígena brasileiro.

A Lei dos Climas era evocada, e como nos disse o Coronel Ignácio Cerqueira e Silva, é essa lei “que quer que cada povo, cada espécie vivente ou vegetante, cresça e more no seu paiz natal. O amor da patria parece imposto pela natureza a todos o seres, assim como o da conservação” (CERQUEIRA E SILVA, 1849, p.193). Desta maneira, se os animais europeus aqui definhavam e se amiudavam, como afirmava o abade Raynal – e isso Cerqueira e Silva não negava –, porém isso não se dava graças ao clima tropical, mas sim à transplantação e ao poder de aclimatabilidade dos seres vivos, não sendo necessariamente um fenômeno típico dos trópicos[13]. Era mais uma vez o Brasil se analisando a partir de parâmetros próprios, e em um esforço científico e patriótico, se colocando de maneira contrária às afirmativas europeias.

Cada vez mais esse brasileiro do IHGB tinha a noção de que vivia em um país que por mais civilizado que fosse – afinal, vivia sob o governo das tradicionais monarquias Bourbon e Bragança, enquanto seus vizinhos eram dominados por indesejadas repúblicas (SCHWARCZ, 2008, p. 13) - e que se modernizava constantemente aos moldes do progresso europeu, ele estaria sempre exposto aos rigores de um sol demais ardente, a um regime de chuvas constante, a animais peçonhentos que invadiam suas casas, a mosquitos que nunca lhe deixariam em paz, a brejos que nunca secavam, e que espalhavam suas pestes à população, tudo isso mesclado a uma fauna e flora exuberantes, espalhadas por terrenos férteis, lotados de riquezas visíveis ou escondidas no seu subsolo. Definitivamente, uma vida nos trópicos era algo em tudo singular.

No entanto, apesar de todo esse ufanismo nas letras que destacam as maravilhas tropicais brasileiras, de todas as demonstrações que colocavam o Brasil em pé de igualdade em debates que acusavam nosso clima de nos trazerem mais reveses que virtudes, havia ainda outras questões envolvidas. Por trás dessa suposta Europa antagônica, detratora, que se localizava do lado oposto numa disputa que tinha como grande prêmio a identidade nacional, encontramos demonstrações de profundo respeito perante o Velho Continente, e que, apesar das alegações a respeito das positividades dos trópicos, era lá o lugar do progresso e da civilização, e era nele que deveríamos nos espelhar.

Mas como foi dito aqui, o processo de construção da identidade nacional não se baseou na oposição à antiga metrópole, mas sim, os membros do IHGB enxergavam a nova nação brasileira como uma continuadora da missão civilizatória iniciada pelos portugueses séculos antes. Além disso, a influência francesa se fazia presente no pensamento dos membros do instituto, o que conferiu a busca por um modelo branco e europeu de civilização, o que justifica as inúmeras demonstrações de apreço pelos europeus e seus povos, no decorrer da revista, e deixa implícita uma vontade de serem próximos aos então antagônicos modelos para nossa nação.

Primeiro, percebemos uma intensa vontade de ser lido e entendido na Europa[14], por isso encontramos trechos que fazem alusões claras à Europa, mesmo em descrições de elementos da natureza brasílica que nada tinham em comum a ela:

Cento e oitenta leguas distantes da cidade de Salvador, capital da provincia da Bahia, para a parte sudóeste, ficam situadas as montanhas de Nhumaramã e Cassucã, tão elevadas ás espheras pela sua altura, tão inaccessiveis ao trato pela sua aspereza, que seus cumes são perpetuamente inundados de neve; e tudo o mais parece destinado só para a habitação de feras (MASCARENHAS, 1846, p. 497).

Ou ainda:

Penetrando por esse pittoresco plató, percorrendo um solo sempre elevado, coberto de vegetação cerrada e vigorosa, cortado por correntes de água perenne, deparando um clima em toda parte fresco e amenissimo; o viajante sente-se transportado ás regiões mais risonhas da zona temperada; e mal poderia convencer-se de que o rodeam os ardores do equador (MELLO, 1872, p. 81).

Esse apreço dos brasileiros pelo continente Europeu, até agora aparente só nas entrelinhas do discurso apresenta exemplo bastante diretos, que deixam bem claro a vontade do Brasil – aqui representada pelos membros do IHGB – de partilhar do modelo europeu de civilização. A presença do europeu era requisitada e bem vinda:

[Após a Independência do Brasil] o commercio crescia com a população que se disseminando pelo vasto continente, hia penetrando as virgens florestas, afugentava os gentios, fazia correr para longe as féras, derrubava os vetustos madeiros para dar caminho ao genio civilizador, substituia por povoações regulares, as mesquinhas aldeias, ou ranchos de primitivos habitantes, e o homem civilisado da Europa ia levar a industria e a cultura ao seio dos desertos americanos, até então fechados pelas cadeias coloniaes á luz da civilisação. A fertilidade e riqueza destas terras povoaram rapidamente os sertões que gradualmente se descobriram, nos quaes novas propriedades se estabeleceram (FIGUEIREDO, 1859, p. 508-509).

A partir do trecho acima, percebemos que a natureza brasileira se mostrava benigna, detentora de fertilidade e riqueza, capaz de sustentar propriedades. No entanto, se o Brasil quisesse realmente partilhar da cultura ocidental, e assim integrar-se ao rol das consideradas grandes nações, como almejava o IHGB, uma natureza esplêndida não era suficiente para isso. O mundo civilizado era visto e pensando como o contraponto do mundo natural, e nesse aspecto o Brasil, considerando sua natureza e suas gentes – muitas das quais “perdidas”[15] em meio a ela – encontrava-se perigosamente afastado da civilização (NAXARA, 1999, p. 77)[16].

E como levar esse projeto adiante sem a presença dos Europeus? Lembremos que os indígenas e negros era acusados de uma série de deficiências, desde tempos remotos, e que com o advento das teorias raciais, no século XIX, eles, aos olhos dos membros do IHGB, não se apresentavam como as pessoas mais indicadas para tocar um processo civilizatório. Os europeus, então, tornavam-se fundamentais. E por isso, eram, apesar das rixas com o velho continente que comentamos, eram esses povos muito bem quistos dentro das publicações do IHGB, e isso ficará evidente quando trabalharmos de maneira mais específica a relação entre o homem e o clima tropical no Brasil do período.

Nesse sentindo se o Europeu era o homem do progresso, muito disso se explicava devido ao clima em que se desenvolvera. Se homem europeu representava o progresso, o clima temperado da Europa também o representava, e nesse ponto, percebemos uma espécie de ressentimento, bem mais velado, visto o número de artigos que tocam nesse ponto, em relação aos que exaltam as belezas tropicais, de o Brasil estar localizado na faixa do globo que engloba as áreas que vão do trópico de Câncer ao trópico de Capricórnio.

Apesar dos magníficos quadros naturais, capazes de encher os olhos de seus expectadores, ofertados pela natureza tropical brasileira e que produziam sentimentos orgulhosos aos nacionais, a verdade é que ainda notamos um certo temor em relação aos efeitos dos trópicos sobre aspectos importantes dentro de uma civilização de bases europeias.

Exemplo disso é uma pretensa dificuldade de produzir conhecimento no calor das zonas tropicais. Raymundo José da Cunha Mattos, por exemplo, ao discorrer sobre a dificuldade de escrever corografias e histórias das nações, afirma que se nos “paizes cultos” tal tarefa já se apresentava como algo bastante dificultoso, mesmo àqueles homens sábios não faltando meios de se instruírem e de “se conservarem”, tal tarefa era deveras pior no interior do Brasil[17], porque, além da carência de livros, mapas e “informações exactas”, o escritor patriota deveria travar uma batalha contra o clima que o ameaçava (MATTOS, 1974, p.214).

Esse texto de Cunha Mattos nos serve de ótima referência para mostrarmos os diversos temores que assombravam aqueles homens patriotas[18], desejosos em escrever uma história para a nação brasileira, empenhados no projeto de uma identidade nacional para o país.

Percebemos que para Cunha Mattos, que escreveu na primeira metade do século XIX, as ameaças que o clima tropical proporcionava ao Brasil eram muitas, e abrangiam aspectos físicos e psicológicos, o que ressalta que, apesar da exaltação tropical, presente no IHGB, uma civilização nos trópicos haveria de ter muitos problemas a serem resolvidos (MATTOS, 1974, p.214-394).

Doenças, indolência, calor, umidade... Tudo isso se apresentava como problemas palpáveis a qualquer homem interessado nos futuros da nação, e contornar esses problemas se tornariam uma tarefa bastante árdua, como veremos nos capítulos a seguir.

Enquanto o brasileiro vivia sob um clima presumidamente benévolo, com fartura de caça, de pesca, de madeiras de qualidade, terras férteis a perder de vista, e com temperaturas que, na maior parte de seu território, eram muito complacentes, o Europeu vivia em uma terra cansada que pouco lhe dava sem seu trabalho:

Na Europa perde-se o desejo do consorcio pela difficuldade de subsistência, no Brasil, havendo favoráveis meios de subsistir, o individuo entrega-se à ociosidade. (...) No Brasil, nenhum indivíduo morrerá de fome, querendo dar-se a um pequeno trabalho: os rios abundam em peixes; as florestas em caças de innumeraveis espécies; as praias em mariscos saborosos de tamanhos variados (REBELLO, 1867, p.11-12).

E essa tal imagem, do sofrimento a que os europeus estavam sujeitos, comparativamente aos brasileiros, parecia se confirmar aos olhos desses homens ao lerem relatos como o seguinte, que mostra o sofrimento de homens despreparados perante a inclemência do frio, no inverno paranaense:

Aquelles pobres habitantes das selvas andam nus, apenas envoltos com alguns pedaços de panno immunndo, a que chamam curú. O dia estava bastante frio e chuvoso, elles tremiam com o frio em tinham fome (NASCIMENTO, 1886, p. 11-12).

Desta maneira, percebemos que, apesar das aclamadas vantagens de uma vida nos trópicos, o clima ainda era objeto de muitos receios dentro do pensamento social da época, e que os temores sobre os efeitos do clima tropical sobre a população era um fardo pesado demais, para quem estava preocupado com a nação, como notaremos no decorrer do trabalho. Por isso, lugares com climas frios, mais próximos dos climas do velho continente, comuns no sul do país e em área montanhosas, eram vistos com bons olhos dentro do IHGB.

Apesar de não partilharem em sua totalidade do clima tropical presente na maior parte do Brasil, regiões mais austrais do país ou localizadas em lugares de altitude mais elevada, e por isso, marcadamente mais frios que a maior parte das regiões do país, eram motivo de muitos elogios e aclamações dentro das publicações do IHGB, deixando nítido o projeto de unificar o Brasil através da sua natureza, e a pujança e riqueza da natureza tropical era estendida às áreas subtropicais brasileiras[19].

O Rio Grande do Sul, por exemplo, é um lugar no qual as benesses dos trópicos já não podem ser desfrutadas durante todo o ano, como acontecia na maior parte das regiões do Brasil. Frio intenso e ocorrência de neve nessa então província brasileira surgem em relatos do IHGB[20].

No entanto, mesmo o Rio Grande do Sul não partilhando dessa característica nacional, que é o clima tropical, ele não deixa de ser reverenciado dentro do contexto nacional, devido a sua natureza, que, graças ao seu clima, permite o cultivo de gêneros da Europa, típicos de climas mais frios[21]. Isso sem que, no entanto, ele não seja útil para o cultivo de gêneros tropicais, como “as larangeiras, as bananeiras, as cannas de assucar” que “mesmo nos nossos limites do sul crescem com mais ou menos prosperidade” (OLIVEIRA, 1866, p. 177), além das araucárias e “em geral todas as arvores dos paizes frios”[22].

Outras regiões de clima frio, como é o caso do montanhoso sul de Minas, também aparecem como motivo de orgulho dentro do IHGB, evidenciando um processo de inclusão, do qual as regiões que não partilhavam de uma natureza típica de clima tropical, foco da maior parte das exaltações, também compartilhavam do orgulho de pertencer a um paraíso tropical, mesmo não possuindo um clima característico dele:

O sul de Minas é o mais rico painel, que a natureza prodigalizou ao paiz dos trópicos. (...) A natureza fizica do sul de Minas aprezenta um quadro d’essa Suissa osculando a orla dos gelados Alpes, reclinada ás cristalinas águas do Rheno. É impossível, que esse clima da Itália, esses montes, e campos que tanto alegrão a vista na amplidão e matizes do horizonte, não fale ao coração humano (SILVA, 1882, p. 405-406).

Nessas passagens, fica bastante evidente o apreço pela Europa, pois suas belezas naturais são exaltadas, e comparadas às brasileiras[23], em mais um exercício de alteridade. Esses lugares de clima frio apresentam-se como ilhas da esperança, nas quais uma cultura mais próxima da europeia pode florescer com mais vigor. Neles há a possibilidade de se cultivar gêneros europeus[24], há terras menos expostas às doenças causadas pelos temidos miasmas da época, e os homens estão menos propensos aos efeitos do clima tropical, como veremos. Ou seja, são áreas com características mais europeias, valorizadas na época, e nem por isso menos belas.

Como certa vez nos disse Nicolas Taunay sobre o Brasil, a paisagem brasileira bem podia lembrar as luzes da Itália e as matas que ele percorria na sua infância na vizinha Paris. Taunay, que já se fartara da luminosidade italiana, parecia agora interessado em encontrar o idílio nesse lugar que seria seu paraíso tropical. O sol e a luminosidade do Brasil só eram comparáveis à claridade romana, como nos mostrou Schwarcz (SCHWARCZ, 2008, p.243).

Segundo Schwarcz, no conjunto de obras de Taunay, vários elementos aparecem de maneira repetida, como é o caso da natureza tranquila do Brasil (representada por um clima ameno, águas doces e um sol sempre a nos iluminar), nos seus animais, nas suas árvores ou nas figuras, que podiam aproveitar do bom clima para ficar ao ar livre, insinuando assim uma Arcádia nos trópicos. Assim, podemos perceber a possibilidade de uma nova civilização (SCHWARCZ, 2008, p.243 – 254).

Nesse sentido, uma série de aproximações entre o clima do Brasil, país este perigosamente afastado da civilização graças às suas diferenças naturais – refletida em suas gentes – aparecem nas publicações do IHGB. A Europa era a medida, e aproximar-se dela era um fio de esperança para aqueles construtores da nação. Que, apesar das exaltações de um Brasil tropical, diferente em sua essência, pareciam não estar muito seguros de sua viabilidade.

Assim, não são só comparações que trazem a Europa ao Brasil, e que aqui relatam áreas de climas comparáveis aos do progresso, frios por excelência, e nos quais gêneros e povos europeus vingavam, que encontramos nas publicações do instituto. Encontramos também mostras de que a Europa – e também as outras admiradas regiões do norte – também apresentavam climas correlatos aos do Brasil, desta vez, quentes por excelência, capazes de produzir gêneros tropicais, e nem por isso distantes do progresso.

O Visconde de Abrantes, em seu artigo de 1851, discorre sobre a cultura e comércio das plantas do gênero Indigofera, planta da qual é produzida o anil, e que, a partir do seu relato, dá a entender que é uma planta oriunda e característica da zona tórrida, vegetando “em qualquer paragem, situada entre os tropicos, seja da Azia e África, ou da America e Oceania”, tanto que essas plantas eram conhecidas como “filhas do sol” (ABRANTES, 1888, p. 44).

No entanto, essas “filhas do sol” prosperam em regiões de latitudes relativamente avançadas da zona temperada[25], como notamos no trecho abaixo:

Todavia observarei por fim, que sem embargo da sua origem tropical a indigofera não deixa de medrar em paragens menos frias da zona temperada. Sabe-se, que na Carolina do Sul, situada entre 32°, e 35° lat. N., cultiva-se o anil com vantagem. (...) Além d’isso, tempo houve, que em Malta, na Toscana, no Sul da França, e no da Hespanha, a cultura da indigofera andou em voga” (ABRANTES, 1888, p. 44 - 46).

Assim, podemos concluir que, dentro da vontade de se construir uma identidade brasileira, processo marcado por uma exaustiva fala de si mesmo, na qual era ressaltado tudo o que era exótico, tendo sua natureza como elemento principal (DECCA, 2002, p. 92). Experiência essa calcada em um desejo ambíguo, de se diferenciar de sua mãe Europa, e ao mesmo tempo de não se afastar. A Europa era ao mesmo tempo o contraponto e a medida, e é justamente essa dualidade que encontramos em toda a análise das revistas do IHGB.

Mas de forma geral, notamos que apesar dessa relação de amor e ódio com a Europa, marcada por detrações e elogios de ambas as partes – mesmo sendo as críticas daqui para lá desproporcionais em relação às de lá para cá – consolidou-se uma suposta identidade tropical para o Brasil, em construção desde que o primeiro português aqui pisou. Mas agora, não eram mais estrangeiros que diziam que nós, brasileiros, éramos um povo forjado sob um sol escaldante nos trópicos, mas sim éramos nós mesmos, brasileiros, que assumíamos essa nossa condição, que, pelo o que encontramos nos artigos do IHGB, se amalgamara em nossas almas:

Não haverá um só brasileiro, verdadeiramente amigo de seu paiz, que desejasse ver quebrado este magnifico vaso de porcelana (...); que não agradeça á Providencia Divina de ter-nos conservado essa integridade, base fundamental da nossa futura grandeza. Hollandezes no norte, portugueses no centro, francezes no sul seriamos fracos e desunidos; fallariamos tres linguas, teriamos talvez duas religiões: e o gigante dos trópicos, que quiçá deterá um dia no isthmo do Panamá a marcha invasora do audaz anglo-saxonio, fazendo recuar a aguia do Mississipi, seria olhado com despreso, e nem se quer escutado nos conselhos da America (PINHEIRO, 1859, p. 112).

Ou ainda:

No dia em que a sciencia demonstrou que o Brasil tinha por cima de sua cabeça o sol dos equinocios, a seus pés um oceano, nos seus braços rios gigantescos, no seu dorso alcantiladas cordilheiras, e no seu regaço inesgotaveis thesouros de riqueza mineral e vegetal, proclamou ao mesmo tempo que a civilisação pacifica que desde o começo dos seculos caminha do oriente para o ocidente encontrara o emporio das letras e das artes. Desde a cascata que nos inspira até os raios do sol que nos incendia, desde o aceno que nos extasia até a floresta que segreda comnosco, tudo, tudo no Brasil convida á poesia, é pintura, á musica, á sciencia, a todos os festins da intelligencia (FILGUEIRAS, 1860, p. 661).

Um “gigante tropical” era aclamado, sonhar com um país americano cunhado sob o sol, capaz de rivalizar contra a grande potencia das Américas, formada sobre as intempéries da zona temperada era um sonho palpável, pelo menos por parte daqueles construtores da nossa nação, que viam no sol ardente e natureza majestosa do Brasil um convite às artes e ciências, ou seja, um convite ao tão desejado progresso. A negação dos trópicos não aconteceu, gostassem ou não, o Brasil era um país tropical, não havia como negar “o sol que nos mostrou a toda luz aos olhos do velho mundo” (PINHEIRO, 1859, p. 738).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trouxemos aqui imagens alegres e positivas em relação aos trópicos brasileiros, de regiões recordadas por sua beleza, de trópicos que devem trazer orgulho, e não temor. Em um exercício de patriotismo daqueles historiadores engajados em um projeto de construção de uma identidade nacional brasileira, a imagem de um Brasil sempre iluminado pelo sol, parece se sobrepujar à imagem de um Brasil sempre ofuscado pelo sol. Era o reconhecimento, a aposta um tanto arriscada, em um Brasil assumidamente tropical, pronto para encarar essa condição em um mundo marcado pelo eurocentrismo. Mas será que esse não seria um fardo pesado demais? Frente a todas as “ciências” do século XIX, que condenavam os trópicos e suas gentes como incapazes de gestar uma civilização, podemos antever a resposta para essa questão.

Desta maneira, gostaria de deixar claro que aqui focamos apenas em mostrar como o clima tropical brasileiro foi tratado de maneira positiva nesse momento de construção de uma identidade nacional para o jovem país, no entanto, devemos lembrar que dentro desse mesmo IHGB o clima tropical não escapou às noções difamatórias que sobre ele existiam, sendo também objeto de preconceito pelos próprios brasileiros. No entanto, deixemos essa questão para uma próxima oportunidade.

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Notas

[1] Trabalho foi apresentado e publicado no XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, São Paulo, julho 2011. A partir das sugestões, o artigo foi reformulado para versão enviada à Revista Cerrados.
[2] Sobre a questão da construção da identidade nacional brasileira no século XIX, consultar: BARBATO, 2014a.
[3] Na expressão de Leyla Perrone-Moysés, ao trabalhar as descrições, carregadas de elogios, que os primeiros cronistas franceses legaram sobre o Brasil, ainda nos séculos XVI e XVII, aqui utilizada apena colo recurso estilístico para ressaltar esse lado positivo dos trópicos, objeto de estudo deste artigo (PERRONE-MOISÉS, 1989).
[4] Para entender esse outro lado das representações sobre o clima tropical no Brasil do século XIX, conferir: BARBATO, 2013; BARBATO, 2015.
[5] A “carta de fundação” do mito da coletividade que denominamos Brasil, segundo Edgar de Decca (DECCA, 2002, p.3).
[6] É interessante que notemos que havia a noção que a pujança e fecundidade da natureza brasileira era decorrência de sua localização tropical, como podemos notar a partir do trecho: “A natureza é tão fecunda, na America, nas suas producções vegetaes, que intental-as comprehender é ardua empreza e de dificil execução. Nem podia deixar de assim acontecer em uma clima, em que a disposição de um humido permanente corresponde ao calor do sol ardentissimo em todas as estações do anno” (COELHO, 1872, p. 253).
[7] Afinal, como nos mostrou José Carlos Reis, segundo a concepção de Stuart Hall, “interessa-se pelo tema da identidade e busca discuti-lo quem quer assumir uma “posição de sujeito”, isto é, quem quer fazer, agir. A iniciativa da ação exige o reconhecimento do próprio desejo, da própria forma e imagem, da própria identidade. A ação só pode ser empreendida por um sujeito que se auto aprecie, que se auto respeite, que queira viver e se expressar de forma plena e própria”. Nesse caso, onde o Brasil pretendia assumir as rédeas da própria representação, era fundamental levar ao seu povo o conhecimento de suas características e ter motivos para amá-lo (REIS, 2006, p.10).
[8] Apesar de a maior parte dos relatos concentrarem-se na defesa na América, mas tomando o Brasil como exemplo, encontramos relatos nos quais os escritores do IHGB defendem também outras paragens da América, sendo essas sempre legitimadas de acordo com os padrões científico vigente na Europa, como por exemplo a seguir, no qual o autor recorrer a cientistas de renome, para legitimar sua opinião: “Depois que o nosso sábio consocio o Sr. Agassiz provou ao mundo scientifico que o nosso continente era o mais antigo geologicamente fallando, depois que o venerado Humboldt fez brilar a luz do seu gênio no recesso das antiguidade mexicanas, a attenção da Europa culta volveu-se para aquém do Atlantico; já não é lícito duvidar que (...) n’essas immensas regiões banhadas pelo oaceanico Amazonas, vagavam anteriormente á conquista européa tribus barbaras e selvagens; muitos outros povos viviam congregados em grandes sociedades, perfeitamente organizadas, regidas por leis previdentes, governadas por chefes electivos, ou hereditarios, possuindo uma religião, um culto, com ritos e sacrifícios, conhecedoras da arte da tecelagem e da cerâmica, sabendo fundir metaes, construir palácios e fortalezas, lançar pontes sobre caudalosos rios, e rasgar monumentaes estradas, como a que de Cuzco se dirigia a Quito. Começa a decifrar-se o mysterioso palimpsesto da historia americana, e a revelar que todas essas magnificencias se ostentavam quando quasi toda a Europa jazia immersa nas trevas da barbaria” (PINHEIRO, 1866. pp. 378-379).
[9] Podemos citar aqui as críticas dirigidas a Aristóteles, considerado o “primeiro que infamou a América, e toda a mais terra situada debaixo da zôna torrida por incapaz de habitação, pelos excessivos ardores causados da proximidade d’ella”(BARRETO, 1898 p.41); ou ainda a Macróbio, que em seu Sistema do Mundo ,acreditava “que as regiões vizinhas aos trópicos não podiam ser habitadas, em conseqüência dos ardores do sol” (PINHEIRO, 1866, p.382); A frase de Joaquim Noberto de Souza e Silva nos é interessante, como mostra da opinião corrente dentro do IHGB, a respeito dessas teorias criadas na antiguidade, que pregavam a zona tropical como inabitável: “nós mesmos somos testemunhas do contrario”. (SILVA, 1898, p.480).
[10] Como é exemplo no trecho: “Portaram-se [viajantes como Biard, Expilly, Mansfeldt, Suzannet e Dabadie] com ingratidão, pagando a generosa hospitalidade, que receberam, com calumnias e ridiculos, escurecendo o que acharam de bom e exagerando com verdadeira maldade aquillo, que (como muita cousa em seus paizes) pode atrahir reparo de censura” (SOUZA, 1880, p. 17).
[11] Aqui podemos citar as críticas a Robertson, que, acusado de partir das teorias de De Pauw, “não admira que sejam tão afastadas [suas idéias] da verdade; de modo que com menos exageração e mais erudição só chegou a identicos resultados”. Para corroborar a defesa da América frente às opiniões de De Pauw e Robertson, o autor traz os dizeres de d’Orbigny, que diz “que estes dois autores, que não conheceram os americanos por observação própria, ou que não tomaram das obras por elles consultadas senão o que combinava com suas ideias e preconceitos, despojaram pouco a pouco os habitantes do novo mundo de todos os dotes da natureza, até fazerem d’elles creaturas fracas, degeneradas no physico como no moral, e dotadas, quando muito, dos instinctos dos animaes do antigo continente” (DIAS, 1867, p. 169); Ou ainda as crítica a Agassiz, devido às suas opniões a respeito da degeneração racial no Brasil, aspecto que aprofundaremos mais a frente (VERISSIMO, 1987, p. 301).
[12] Como: “Um dos maiores sabios de nosso tempo” (ALLEMÃO, 1898, p. 540); “E a America e Brazil muito deve a esse grande luzeiro da Prussia: Humboldt foi um segundo Colombo para o novo mundo; e sua inteligencia, mais vasta que a do primeiro, patenteou toda a magnificência da natureza americana” (PINHEIRO, 1859. p. 737-738); “Do Brazil o nosso ilustre Andrada ainda se correspondia com os principaes sabios da Europa. Humboldt, a quem a America Meridional tanto deve, era um d’esse que sempre lhe escreviam (...)” (MAIA, 1846. p. 133).
[13] Como nos diz o autor: “o clima e a natureza do ar e do solo que se oppoem ao sucesso da sua transplantação”, assim, “á semelhança das plantas das plantas da America transportadas para a Europa, o gado da Europa tem continuamente degenerado na America” (CERQUEIRA E SILVA, 1849, p.193).
[14] Lembremos, o IHGB mantinha um intenso intercâmbio com instituições congêneres na Europa e América do Norte.
[15] Sobre esse tema, conferir BARBATO, 2009.
[16] Nesse aspecto, podemos notar ainda que, segundo Vera Chacham, mesmo nas cidades, havia uma concepção “natural” do estrangeiro sobre a sociedade brasileira, evidenciando essa distancia existe entre o Brasil e a “civilização”. Não a natureza enquanto tal, mas uma natureza na forma humana, representada pelo exotismo e pela permanência de costumes arcaicos como a escravidão, que dominam a cena urbana. Segundo a autora, a convivência desse quadro urbano e “natural”, com imagens de um movimento histórico superficial, que apenas imita as aparências da civilização, além de uma memória mais “residual” que voluntária, produz essa visão naturalizada da cidade e de seus homens. Mesmo nas cidades brasileiras, “a história seria feita quase à sua revelia” (CHACHAM, 2003. p. 98).
[17] Cunha Mattos se refere à província de Goiás, na primeira metade do século XIX.
[18] Palavra do próprio Cunha Mattos (MATTOS, 1974, p.214).
[19] Nesse sentido, de integrar as regiões brasileiras em torno de uma natureza comum, é interessante os dizeres de Homem de Mello, ao aproximar províncias tão distantes geograficamente, como é o caso do Ceará e do Rio Grande do Sul, através de seus climas, trazendo o clima gaúcho, notório pelas suas baixas temperaturas como mais ameno, e o cearense – mesmo que de uma região montanhosa – notório pelo calor, com intervalos frios, buscando assim um clima médio, suportável a todos os brasileiros: “Estamos viajando no coração do inverno; e é este dos mais rigorosos, que tem havido na provincia. Eu que nasci e tenho vivido em climas muito diversos, e que ainda recentemente passara quasi dois annos no Norte, embora tenha estranhado o frio, comtudo supporto perfeitamente a temperatura, e tenho feito a viagem sem incommodo. Está verificado, que o clima do Rio Grande do Sul não é intoleravel para os filhos de outras províncias, e deve desvanecer os receios, que se levantam por tal motivo”; Sobre sua viagem ao Ceará: “As noites [no povoado da serra], com ser tão dentro da zona torrida, são frigidissimas em todo o anno, e no inverno com tanto rigor, que igualam os grandes frios do Norte, e só se podem passar com a fogueira sempre ao lado” (MELLO, 1971, pp. 81-112).
[20] Exemplos podem ser encontrados no seguinte relato: “O tempo era o maior rigor do inverno, que teve principio no mez de junho, com insupportaveis neves, e frios, sendo tão continuadas as chuvas, que puzeram intratáveis os caminhos, desde o Rio Grande, até aquella paragem de Castilhos (...)” (CUNHA, 1894, p. 146).
[21] O que se evidencia no trecho a seguir: “O terreno é muito fertil; não só produz quase todas as fructas da Europa, supposto que mais inferiores em qualidade, mas toda a casta de grãos, a bellissima hortaliça(...)”; ou ainda “Não sei se algumas plantas d’Azia produzirão aqui, porque não tenho noticias que haja algumas, mas é muito provável produzam aqui as mesmas coisas que dão na Europa, visto ser o clima quasi igual” (ANÔNIMO, 1867, pp.55-57).
[22] Referência à localidade de Ilha dos Marinheiros, no Rio Grande do Sul (MELLO, 1872, p. 154).
[23] Tantos elogios aos climas europeus, chegaram a ofender membros do IHGB, Augusto Fausto Souza, por exemplo nos traz que “muitos de nossos patrícios há que, ao regressar de dispendiosa viagem, narram enthusiasmados as bellas paizagens, que admiraram nas montanhas da Suissa, nas praias do Mediterraneo ou nas margens do Rheno, inscientes de que em sua mesma patria, bem perto de sua habitação, existe um magico panorama, que analysado, reune, excedendo, todas aquellas bellezas, que elles, com sacrificio foram procurar em terras estranhas (...). Tal indifferença é indesculpavel; e além de revelar atrazo, falta de gosto e insensibilidade pelos formsos quadros e opulências da natureza, constitue um crime de leso-patriotismo” (SOUZA, 1881. p. 7-8).
[24] É interessante que há diversas regiões aclamadas como “análogas” às europeias, e aptas a cultivar seus gêneros característicos, dentro das revistas do IHGB, algumas localizadas em regiões notórias pela sua tropicalidade, como é o caso do Maranhão ou do Ceará; sobre o Maranhão: “assim mesmo os trigos, as cevadas e todos os mais grãos e frutos da Europa vegetariam aqui se os plantassem, muito abundantes e em pró da capitania, porque certamente não tem bocado mais analogo, nem assim tão interessante”. Cf. RIBEIRO, Francisco de Paula. Op. Cit. p. 48; sobre o Ceará: “O seu platô [ da Serra do Baturité] offerece sem interrupção uma área de 105 kilometros de comprimento e 46 de largura, apropriada aos differentes generos de cultura das zonas temperadas” (MELLO, 1872, pp. 82-83).
[25] Não que esses europeus relatados abaixo, provenientes das áreas do sul da Europa, fossem os mais admirados no Brasil da época, isso porque, segundo De Decca, buscava o país distinguir-se de sua referência paterna, representada pelos portugueses, e que se dispunha a buscar suas novas referências numa outra Europa, marcada pelo signo da modernidade, representada por Paris (DECCA, 2002, p.92). Como veremos mais a frente, há muitas críticas e muito ressentimento em relação aos “pais portugueses”, que, apesar de trazerem as luzes da civilização europeia para o Brasil, também deixaram como legado muito de seus problemas, que marcavam sua sociedade “atrasada” dentro da Europa.


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