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UM OLHAR SOBRE A ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ATUALIDADE: A CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA EM SERGIPE[1]
A LOOK AT THE STRUCTURE OF LAND TODAY: A LAND CONCENTRATION IN SERGIPE
UNA MIRADA A LA ESTRUCTURA DE LA ACTUALIDAD TIERRA: UNA CONCENTRACIÓN DE LA TIERRA EN SERGIPE
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 14, núm. 2, pp. 202-229, 2016
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 26 Setembro 2016

Aprovação: 06 Dezembro 2016

DOI: https://doi.org/10.22238/rc24482692v14n22016p202a229

Resumo: O presente trabalho teve como objetivo analisar a concentração de terras no estado de Sergipe no período de 2002 à 2012. A pesquisa baseou-se no método Materialista Histórico Dialético, tendo em vista sua potencial contribuição para desvelar a realidade dos fenômenos em estudo. Procedeu-se com a abordagem quali-quantitativa dos dados, compreendendo sua complementariedade. Ademais se constituiu em um estudo exploratório, que tem como intuito o desenvolvimento e a modificação de conceitos e ideias, a fim de suscitar elementos para trabalhos posteriores. Enquanto procedimentos de pesquisa recorreu-se, por um lado, a revisão bibliográfica da literatura encontrada, e por outro lado a pesquisa documental em sites institucionais que lidam com informações do universo agrário. Para tal teceu comparações com o panorama fundiário apresentado no Nordeste e no Brasil, ressaltando as particularidades da formação sócio-histórica que incidem decisivamente na configuração da questão agrária do país. De um modo geral, os resultados revelam que a concentração fundiária ainda é um elemento forte no Brasil, no Nordeste e em Sergipe. Embora no caso desse estado em específico, tem-se a particularidade da região do Alto Sertão, que através da luta dos movimentos sociais organizados conseguiu alterar esse quadro.

Palavras-chave: Estrutura fundiária, Questão Agrária, Concentração fundiária, Sergipe.

Abstract: This study aimed to analyze the concentration of land in the state of Sergipe from 2002 to 2012. The survey was based on Dialectical Materialism History method, given its potential contribution to unveil the reality of the phenomena under study. We proceeded with the qualitative and quantitative analysis of data, including their complementarity. Furthermore became an exploratory study, whose order the development and modification of concepts and ideas in order to raise elements for further work. While research procedures we used, on the one hand, the literature review of the literature found, and on the other hand the documentary research on institutional websites dealing with information of the agricultural universe. For such weaved comparisons with the panorama land presented in the Northeast and in Brazil, highlighting the features of the socio-historical formation that focus decisively on the configuration of land in the country concerned. In general, the results show that land concentration is still a strong element in Brazil, the Northeast and Sergipe. Although in the case of the latter in particular, has the particularity of the Alto Sertao region, through the struggle of organized social movements could change this picture.

Keywords: Land ownership, Agrarian Question, Land concentration, Sergipe.

Palabras clave: Propiedad de la tierra, Cuestión agraria, Concentración de la tierra, Sergipe

INTRODUÇÃO

Apesar de ser o menor estado da federação, Sergipe ocupa o 13º lugar no ranking de concentração de terras do país, segundo o último censo agropecuário brasileiro realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006. Na região Nordeste, a concentração da terra é uma das maiores do mundo. Fato esse que se explica ao tomar como base o controle exercido por determinados grupos sociais sobre os ativos produtivos e sobre a riqueza gerada, e o direcionamento das políticas macroeconômicas para os recursos naturais dos estados. Nesse sentido, formam-se verdadeiras alianças de poder em torno dos mais ricos, que manobram a máquina estatal na direção mais vantajosa, de modo a obter mais poder e mais riqueza. Assim surgem as poucas famílias ricas e grupos políticos que dominam a região por longos períodos (LEMOS, 2007).

Lemos (2007) destaca que esses fatores, quando associados aos altos níveis de degradação dos recursos naturais (a ocorrência de secas e a desertificação), propiciam condições desfavoráveis à produção e a sobrevivência, provocando o empobrecimento e a situação de instabilidade de segmentos significativos da população rural. Logo essas áreas não são capazes de manter a população rural por não apresentarem alternativas para a produção agrícola ou para a criação.

Veiga (1984, p. 8) aponta que é difícil que um governo adote uma reforma agrária que promova alterações significativas na estrutura fundiária brasileira, visto que “além de modificar a distribuição da propriedade da terra, uma reforma desse tipo tem o poder de mudar as relações de força entre as classes sociais”. Portanto, não há como fazer transformação social sem a socialização das riquezas.

A manutenção de grandes extensões de terras, se explica tomando como base a centralidade do modelo agroexportador na economia e ocasiona disputas entre os grandes proprietários rurais e os trabalhadores rurais. A concentração fundiária se desdobra em profundas desigualdades, seja na expropriação dos trabalhadores rurais e sua expulsão do campo, que trazem à tona os traços da formação sócio histórica brasileira e do poderio político-econômico exercido pela classe dominante agrária. O estado de Sergipe, mesmo com sua dimensão, apresenta altos índices de concentração fundiária, o que justificou a realização desse estudo, além disso, a realidade fundiária sergipana é pouco abordada como tema de pesquisa, sendo notória a necessidade de fomentar a sua discussão no seio acadêmico.

O objetivo desse texto comporta a análise da concentração de terras no estado de Sergipe, no período de 2002 à 2012, de forma a particularizar a estrutura fundiária do estado. Desse modo, serão tecidas algumas considerações acerca da estrutura fundiária sergipana e do quadro apresentado pela região Nordeste e pelo Brasil e em seguida serão expostos alguns conceitos referentes às categorias utilizadas para facilitar a compreensão dos dados quantitativos. Os dados do INCRA apresentados foram obtidos através do estudo comparativo entre os perfis das estruturas fundiárias do Brasil de 2003 e 2010, realizado por Gerson Luiz Mendes Teixeira[2], através do Censo Agropecuário 2006 do IBGE e do Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA)[3].

A pesquisa em tela consistiu em um estudo exploratório, que teve “[...] como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”. (GIL, 2008, p. 27). Os dados coletados são de natureza quali-quantitativa, levando em consideração a complementaridade existente entre os dois tipos de dados. Assim, tanto se buscou compreender e interpretar as dimensões qualitativas do objeto pesquisado quanto foram utilizados dados estatísticos para embasar e ratificar as análises.

A coleta de dados foi realizada através de revisão bibliográfica, que tem a finalidade de colocar o pesquisador em contato direto com a produção escrita, dita ou filmada sobre determinado assunto. Além desta estratégia, recorreu-se também à pesquisa documental, orientada com base em um roteiro previamente elaborado, que congregou os dados recolhidos em documentos e análises publicadas em meios eletrônicos e impressos. De acordo com Gil (2008, p. 51) esse tipo de pesquisa “vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa”.

A partir das informações coletadas, realizou-se a categorização dos dados. As categorias orientadoras básicas se referiram à estrutura fundiária, questão agrária, concentração fundiária, obedecendo a própria lógica do objeto e ao movimento do real. Estas categoriais foram analisadas à luz do materialismo, por se tratar de um método que contribui para desvelar a realidade concreta dos fenômenos estudados, tendo em vista apreender o real a partir da sua gênese e desenvolvimento histórico, captando as categorias mediadoras que possibilitam a sua apreensão numa totalidade.

Notas sobre a Questão Agrária no Brasil e em Sergipe

O uso predatório da terra no país obedece incialmente, o serviço prestado à engrenagem da acumulação primitiva[4] do capital e provoca diversos impactos, dentre eles a mercantilização da terra e dos recursos naturais. A própria transformação do produtor em trabalhador assalariado só foi possível mediante a usurpação de todos os seus meios de produção, restando-lhe apenas para oferecer a sua força de trabalho, isso notadamente no caso das experiências de passagem do feudalismo ao capitalismo.

A forma de apropriação histórica da terra no Brasil privilegiou a parcela rica da população, o que justifica o fato do país apresentar um dos maiores índices de concentração de terra e de renda no mundo. A terra não pode ser reproduzida e a quem é outorgado o título de proprietário é dado o direito de utilizá-la ou não, mesmo sendo o meio de produção indispensável para a agricultura. Logo, a propriedade privada e altamente concentrada da terra caracteriza-se como o empecilho que separa os trabalhadores dos meios de produção.

No século XVI o território brasileiro foi dividido em quinze grandes porções de terra, por uma série de linhas paralelas ao Equador que iam do litoral ao meridiano de Tordesilhas, que foram entregues pelo rei a pequenos nobres, burocratas e comerciantes ligados a Coroa. Essas pessoas foram denominadas donatários ou capitães e, por conta disso, as terras foram chamadas de capitanias hereditárias. No entanto, os donatários não eram proprietários da terra mas sim possuidores, e por meio dessa posse detinham poder econômico e administrativo. Tinham autoridade para doar sesmarias[5] e assim deu-se início a formação de grandes latifúndios (FAUSTO, 1997).

No que se refere ao território hoje conhecido como Sergipe, em 1534 a região foi doada a Francisco Pereira Coutinho e fazia parte da Capitania da Bahia. Somente em 1575, Sergipe passou a despertar interesse, pois facilitaria o maior contato entre o centro administrativo, que era a Capitania da Bahia, e o centro econômico, a Capitania de Pernambuco. Em meados de 1590 inicia-se o processo de colonização de Sergipe por Cristóvão de Barros, através do sistema de sesmarias (SANTOS, 2011).

Nas primeiras décadas, desde a colonização, a economia brasileira concentrou suas atividades principalmente na produção de mercadorias exportáveis, buscando abastecer o comércio internacional europeu. Com grande interesse mercantilista, a Coroa portuguesa fez do Brasil uma grande plantação de gêneros tropicais, enfatizando o açúcar obtido através da cana-de-açúcar como produto principal para obtenção de lucros excessivos, seguido da criação de gado, principalmente nos primeiros 200 a 300 anos do período colonial.

No caso do estado de Sergipe, a primeira atividade econômica responsável pela ocupação do território foi a criação de gado. A produção de fumo também se tornou importante para a economia, mas no decorrer do século XIX foi superada pelo cultivo do algodão e da produção açucareira, que foram produtos significativos para a exportação. Em 1604, na região, já funcionavam quatro engenhos e com o aumento do mercado açucareiro ampliou-se esse número, chegando a 680 no ano de 1852 (SANTOS, 2011).

As capitanias, sob o regime de vários donatários, não possibilitaram a prosperidade esperada. A estratégia da Coroa foi substituir o sistema de capitanias por um Governo Geral em 1549, como sede optou-se pela capitania da Bahia, especialmente por sua centralidade e em posterior foi erguida a primeira capital do Brasil: Salvador.

A metrópole portuguesa irá incentivar a empresa comercial e manufatureira, com base em alguns produtos exportáveis em grande proporção e firmada na grande propriedade. Como diz Fausto (1997, p. 48), “a opção pela grande propriedade ligou-se ao pressuposto da conveniência da produção em larga escala”. Segundo Prado Júnior (2004) o plantio da cana só se tornava vantajoso quando era realizado em grandes volumes; desse modo, o pequeno produtor não era interessante. Instaurou-se no país o regime da grande propriedade, conjuntamente com o trabalho escravo, que juntamente com os outros fatores permitiram a grande exploração.

O latifúndio escravagista era o eixo de atividade econômica da colônia. Todavia, no final do século XVII, com a descoberta das primeiras jazidas de ouro, houve um deslocamento do centro econômico colonial das capitanias do Nordeste para as regiões das minas, provocando mudanças significativas na administração da colônia, como a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763. Assim, o Nordeste brasileiro, sofre o declínio econômico, perdendo destaque nacionalmente para a região Sudeste, ocasionando uma crise social, política e econômica de grandes proporções. Diante desse cenário, ocorrem manifestações sociais de vários segmentos da população.

Até 1823 era simplesmente através de doações – concessões de sesmarias – que se constituía a posse da terra. Porém, após a independência da colônia brasileira, transformada em Império, ocorrido em 1822, essas concessões não puderam mais ser feitas. Mesmo assim, alguns senhores, com o intuito de ampliar suas terras, começaram a ocupar, diante da ausência de legislação sobre a propriedade da terra, mais e mais espaços. Esse período, que se estendeu de 1822 a 1850, ficou conhecido como “Império de posse” ou “Fase áurea do posseiro”, uma vez que, não havendo regulamentação, a única forma de aquisição da terra era através da posse. Com isso aumentou-se “[...] paulatinamente o número de posseiros, de grandes propriedades e também marca a formação das oligarquias rurais no Brasil.” (FILHO; FONTES, 2009).

O capitalismo comercial imperou até o século XVII, no entanto, no século XVIII entra em declínio o chamado pacto colonial, em que as colônias só poderiam comercializar com suas próprias metrópoles (PRADO JÚNIOR, 2004). E isso se dá pela eclosão do capitalismo industrial, que substitui o capitalismo comercial. Os países centrais precisavam das matérias-primas existentes nos países periféricos, bem como da exploração da força de trabalho para o crescimento do mercado consumidor.

Somente no século XVIII se esboça um verdadeiro capitalismo industrial, dedicado exclusivamente à produção manufatureira. O capitalismo industrial tem como ideal um comércio absolutamente livre, por isso se revoltará contra todos os monopólios. Enquanto o capitalismo comercial impugnava uma série de barreiras, o capitalismo industrial pregava a livre concorrência entre os mercados, tão cara ao seu desenvolvimento. Tão logo esse antagonismo culmina na eliminação de todos os empecilhos ao livre desenvolvimento do capital industrial, o que gera o declínio do sistema colonial.

Desde 1850 as atividades ganham impulso novo e não se interrompem mais. Os diversificados empreendimentos industriais, comerciais e principalmente agrícolas persistem, aumentando em acelerado ritmo e começa a se notar a concentração de capitais, mesmo que de forma incipiente, principalmente provenientes da agricultura (PRADO JÚNIOR, 2004). O trabalho escravo se tornava ineficiente para essa indústria nascente, fato esse que serve de base para explicar a gênese do proletariado industrial brasileiro.

A transição do Império e o início da República refletiram, especialmente, na transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Foi necessário comprovar as concessões das sesmarias e legalizar a posse, atividade que crescia desordenadamente no final do período colonial. Inicia o declínio do regime escravagista e, por pressão da Inglaterra[6], em 1850 o Brasil proíbe o tráfico negreiro. No Nordeste, os usineiros fundam a Confederação Nacional da Indústria e em especial no estado de Sergipe, tem-se o nascimento da indústria têxtil.

Nesse mesmo ano foi criada uma legislação que restringia o acesso à terra, a Lei nº 601 Euzébio de Queiroz, de 18 de setembro de 1850, também conhecida como Lei de Terras, que estabelecia que todas as terras desabitadas só poderiam ser apropriadas mediante compra e venda. Dessa forma, os escravos libertos, que não dispunham de recursos para realizar a compra da terra, teriam que continuar a mercê dos grandes fazendeiros, agora vendendo sua força de trabalho em troca de pequenos salários para manter sua subsistência.

A Lei de Terras foi regulamentada com a obrigação das terras serem registradas pelos vigários da paróquia nas quais estivessem localizadas, se constituindo como registros paroquiais. Apesar dessa documentação apresentar aspectos importantes, como tipo de propriedade e natureza da posse, não constatava o tamanho da propriedade (SANTOS, 2011). Muitos desconheciam a extensão da própria propriedade ou acabavam declarando mais do que realmente possuíam, contribuindo para o aumento da concentração fundiária.

Outra característica da Lei de Terras é sua contribuição para a imigração no país, uma vez que previa a abolição do trabalho escravo, além de ter sido “uma espécie de divisor de águas em relação à territorialização do Brasil, tanto na legitimação da propriedade privada e do latifúndio como na demarcação de terras devolutas no país.” (FILHO; FONTES, 2009. p.4).

Ocorreu em todas as regiões do Brasil, de forma diferenciada, a descentralização do sistema de registros das propriedades, predominando a conservação do latifundiário, sob influência das oligarquias agrárias[7]. Em meio à dificuldade que os camponeses enfrentavam para regularizar suas terras, eles não podiam ficar por muito tempo na mesma localidade. Em busca da sobrevivência os camponeses eram obrigados a abandonar o seu território, já que era fato recorrente os latifundiários conseguirem a titulação das terras por meios ilícitos.

A questão agrária refere-se ao conjunto de interpretações e análises da realidade agrária que procura explicar como se organiza a posse, a propriedade, o uso e a utilização das terras na sociedade brasileira. Não se resume somente a luta pela terra, mas se refere ao conjunto de manifestações geradas a partir da introdução da lógica capitalista de produção no campo, as transformações inerentes as relações de produção, além da organização dos trabalhadores e do espaço em que essas relações acontecem (STÉDILE, 2005).

O grau de concentração fundiária do país é um dos maiores do mundo; grande parte das terras ocupadas e os melhores solos encontram-se nas mãos de um número reduzido de proprietários, conforme afirma Graziano da Silva (1981). Enquanto os latifundiários, que veem as terras como negócio, possuem a maior quantidade de terras, os trabalhadores que necessitam da terra para sua sobrevivência possuem uma pequena propriedade ou nada possuem. Essas reflexões sobre a concentração fundiária, serão adensadas a seguir.

Contextualizando a concentração fundiária do Brasil, do Nordeste e de Sergipe

Para a compreensão das análises que serão realizadas, é necessário fazer uma explicação conceitual acerca das categorias que serão dispostas. Assim, segundo o Censo Agropecuário do IBGE (2012, p. 41), estabelecimento agropecuário se configura como

toda unidade de produção dedicada, total ou parcialmente, a atividades agropecuárias, florestais e aquícolas, subordinada a uma única administração: a do produtor ou a do administrador. Independente de seu tamanho, de sua forma jurídica ou de sua localização em área urbana ou rural, tendo como objetivo a produção para subsistência e/ou para venda, constituindo-se assim numa unidade recenseável.

Este mesmo documento retrata que o INCRA conceitua imóvel rural como sendo uma área contínua, independentemente de sua localização na zona urbana ou rural do município, que seja ou possa ser destinado à exploração agrícola, extrativa vegetal, pecuária, florestal ou agroindustrial. No entanto, há diferenças no quantitativo de estabelecimentos agropecuários e imóveis rurais, em virtude da adoção de conceitos diferenciados. Explicando melhor: um único imóvel rural, que esteja ocupado por mais de um produtor em lotes determinados, representa mais de um estabelecimento agropecuário, bem como mais de um imóvel rural adjacentes, que sejam arrendados por um mesmo produtor, representa um único estabelecimento agropecuário. (IBGE, 2012).

Girardi (2008, p. 202 – grifos originais) alerta que o cadastro do INCRA é realizado “com dados de natureza declaratória”, e as informações não são conferidas com as dos cartórios de registro de imóveis. O sistema possui fragilidades, e muitas são as razões para a área declarada não ser a área real do imóvel, a saber: diminuição de impostos, o aumento de crédito rural e grilagem de terras, bem como ocultar a existência de terras improdutivas. No entanto, mesmo que haja essas alterações no valor real dos imóveis não se devem descartar os dados do INCRA, já que esses possíveis desvios não se aplicam à maioria dos donos das terras. No caso do IBGE, seus dados também não estão isentos de desvios, contudo, imagina-se que haja um menor interesse em fornecer falsas informações, já que este tem uma finalidade censitária. (GIRARDI, 2008).

A Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, que dispõe sobre o Estatuto da Terra, estabelece a categoria minifúndio como “o imóvel rural de área e possibilidades inferiores às da propriedade familiar”, e este por sua vez, como consta no inciso II do art. 4, é definido como o “imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros”. O minifúndio representa uma área territorial inferior a um módulo rural.

No entanto, com o surgimento da Lei nº 6.746/80, que estava diretamente vinculada ao Imposto Territorial Rural (Decreto nº 84.685/80), a unidade de medida agrária considerada passou a ser o módulo fiscal, que é estabelecido para cada município, seguindo determinados fatores, a saber: o tipo de exploração predominante no município, a renda obtida no tipo de exploração predominante; outras explorações existentes no município e o conceito de propriedade familiar.

Com a Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, denominada Lei Agrária, o módulo fiscal passou a ser utilizado para a classificação fundiária do imóvel, em relação ao tamanho da propriedade. Definindo como pequena e média propriedade, respectivamente, a área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais e a área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais. Foi omitida a definição da grande propriedade, mas esta é definida como a área que possui mais de 15 módulos fiscais.

Na análise das estatísticas do INCRA feitas por Teixeira, foram desconsiderados os imóveis não classificados e os inconsistentes. Consideraram-se os imóveis classificados pelo próprio INCRA e, de acordo com a legislação, utilizando as categorias de minifúndio, pequena, média, grande propriedade e grande produtiva. Em entrevista[8] Teixeira afirma que no período de análise houve “um importante, ainda que localizado, processo de agravamento da concentração de terra, acompanhado do incremento dos níveis de ociosidade da grande propriedade”.

Tabela 01
Brasil - Imóveis Rurais: Número e Área 2003 e 2010

Site do MST/ Elaborado por Gerson Teixeira.

Na tabela 01, observa-se que o quantitativo de imóveis rurais ascendeu de 4.288.672, em 2003, para 5.167.476, em 2010, e as suas respectivas áreas de 416.112.784 hectares, para 568.258.741 hectares, representando um acréscimo de 36,5%. Todas as categorias apresentaram um crescimento em relação à área, sendo as grandes propriedades as que apresentaram o maior percentual, com 48,4%. No estudo constatou-se que isso resultou da incorporação, nessa categoria, de 104 milhões de hectares, e destes, 73 milhões de hectares, ou 70%, se concentram na região Norte. O crescimento da área total no Brasil foi de 152 milhões de hectares, e a área das grandes propriedades correspondeu a cerca 68% desse valor.

Quando se refere à participação de cada categoria em relação ao total da área dos imóveis, percebe-se que em 2003 as grandes propriedades detinham 51,6% da área total e em 2010 passaram a deter 56,1%. No entanto, as demais categorias tiveram redução na participação, a saber: o minifúndio de 9,4%, para 8,2%, a pequena propriedade de 17,8% para 15,6%, a média propriedade de 21,2%, para 20%. No entanto, a participação das áreas das grandes propriedades produtivas também reduziu, apresentando um declínio de 37,7% em 2003, para 28,3%, em 2010. Portanto, esse dado permite compreender que houve um aumento relativo do grau de ociosidade nas grandes propriedades.

A região Nordeste ocupa 18,3% do território nacional com uma superfície territorial de 165,1 milhões de hectares. Destes, 60,5 milhões estão cadastrados junto ao INCRA distribuindo-se em 780.804 imóveis rurais. A região compreende nove estados brasileiros que estão distribuídos em sub-regiões, a saber: o sertão, que representa aproximadamente 60% da área total, apresenta clima semiárido quente; a zona da mata, que vai do Rio Grande do Norte ao sul da Bahia; o agreste que tem como principal atividade econômica a pecuária; o litoral; o semiárido e o meio norte, que corresponde aos estados do Maranhão e do Piauí. Essa última sub-região caracteriza-se pela produção agroextrativista, desenvolvendo-se uma importante fronteira agrícola, baseada principalmente na lavoura comercial do arroz (CARDIM; VIEIRA; VIÉGAS, 2005).

Localizado na região nordeste, Sergipe é o menor estado da Federação, com uma área de 22.050 km2, que corresponde a 0,26% do território nacional. Sua população está distribuída entre os 75 municípios que compõe o estado. No que toca a economia, já esteve relacionada a pecuária e à agricultura, principalmente na produção de açúcar-de-cana, e nas últimas décadas a produção de frutas cítricas, em especial da laranja, vem exercendo papel significativo no cenário econômico. Aliado a isso, a descoberta de petróleo e gás natural trouxe novas perspectivas de desenvolvimento[9].

O número total de imóveis no Nordeste apresentou um acréscimo de 233.468 imóveis entre os anos de 2003 e 2010. Quando se refere à área, o aumento foi de 25.479.317 hectares. A categoria que houve maior aumento de área foi a grande propriedade, com 37,1 %, seguida da média propriedade, com 36,3%. No entanto, a área produtiva das grandes propriedades no período estudado foi reduzida de 21% para 17%. Portanto, a participação da área produtiva vem diminuindo, enquanto que o quantitativo de grandes propriedades improdutivas vem apresentando um acentuado crescimento.

TABELA 02
Região Nordeste - Imóveis Rurais: Número e Área 2003 e 2010

Site do MST/ Elaborado por Gerson Teixeira.

Andrade (2005) expõe que um dos fatores que explicam as disparidades de renda apresentadas pela população nordestina, sobretudo os residentes no campo, remonta a estrutura fundiária dominante desde os tempos coloniais, que devido à ausência de garantia dos contratos, tendem a facilitar a concentração da propriedade. O autor afirma ainda, com base nos dados cadastrais do INCRA, que além do número de imóveis diferir e muito do coeficiente de famílias residentes na área rural, é recorrente um mesmo proprietário possuir mais de um imóvel.

Outro dado que explica a concentração fundiária nordestina, refere-se ao caráter essencialmente comercial da agricultura, isto desde a colônia e que persiste até os dias atuais, mesmo com o crescimento do mercado interno. Por um lado, a “mão” do Estado atua sobre as lavouras de grande porte – cana-de-açúcar, café e cacau –, que galgam em um terreno de facilidade de crédito, garantia de preços mínimos, assistência técnica e gerenciamento da comercialização; por outro lado, total abandono da agricultura de subsistência, que cai nas armadilhas do crédito, dos atravessadores e subsistem as oscilações da safra. Dito isso, entender o sucesso da grande lavoura e o declínio da agricultura de subsistência torna-se uma tarefa muito simples. (ANDRADE, 2005).

Tabela 03
Evolução da Concentração da Propriedade da terra no Brasil medida pelo INCRA -2003/2010

Cadastro do INCRA - Classificação segundo dados declarados pelo proprietário - de acordo com a Lei Agrária/93.

No Brasil houve um aumento de 891.163 imóveis entre 2003 e 2010, tendo no minifúndio um acréscimo de 582.025 imóveis, na pequena propriedade de 195.363, na média propriedade de 83.364 e na grande propriedade houve um aumento de 18.052 imóveis. Contudo, quando se refere à área, um dado da tabela chama a atenção: o percentual em 2010 da área da grande propriedade em relação ao total, que é de 55,8%. Percebe-se também que houve diminuição da área do minifúndio e da pequena propriedade, comparando as duas datas; já a média e principalmente a grande propriedade aumentaram a área. O crescimento do quantitativo de hectares da grande propriedade foi significativo, totalizando 104.060.874 hectares a mais.

Comparando os dados de 2003 com 2010 percebe-se que somente as grandes propriedades ampliaram a participação das suas áreas nas áreas totais dos imóveis rurais, sofrendo um aumento de 51,3% para 55,8%. Por outro lado, a participação da área das pequenas propriedades sofreu uma redução de 17,7% para 15,5%; a participação das médias diminuiu de 21,1% para 19,9%; e a participação da área dos minifúndios também declinou de 9,3% para 8,2%.

Tabela 04
Brasil e Regiões: Grandes Propriedades Improdutivas

Site do MST/ Elaborado por Gerson Teixeira.

Como demonstrado na tabela 04, no Brasil, houve um aumento de 18,7% no número de grandes propriedades improdutivas entre 2003 e 2010, perspectiva essa apresentada em todas as regiões do país. Contudo, a região que apresentou o maior aumento neste segmento, foi a Região Sul, com quase 32%, seguida da Região Norte, com 30%, e depois pela Região Nordeste, com 25%. Quando se retrata a variação existente em relação a área, o Brasil apresentou um crescimento de 70,8%, nesse aspecto a Região Norte obteve o aumento mais significativo, apresentando um percentual de 155,5%; já a Região Nordeste alcançou um crescimento de 43,7%, seguida pela Região Sul com 39,6. Na região Norte, mais precisamente na Amazônia Legal, nota-se a constante expansão das fronteiras agropecuária, mineral e energética, o que pode trazer impactos inclusive para a área ambiental, com o crescimento exacerbado da grande propriedade improdutiva.

Em 2010, existiam no Brasil 69,2 mil grandes propriedades improdutivas, com área equivalente a 228,5 milhões de hectares. Esse número é bastante expressivo e revelador, já que a utilização da terra e consequentemente a improdutividade da terra é o principal critério utilizado pelo INCRA para a desapropriação da terra para reforma agrária. Sobre esse tema é suscitada uma série de questionamentos, em que se poderá ver que a reforma agrária não é a prioridade no período em análise.

Em seu terceiro capítulo, a Constituição Federal trata da política agrícola e fundiária e da reforma agrária, e uma informação importante consta em seu art. 184, que retrata que “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”. E logo abaixo, no art. 186, consta que a função social da terra é efetivada quando a propriedade rural atende, ao mesmo tempo, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos requisitos seguintes: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; a observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

No entanto, em termos reais, existe um número muito maior de propriedades improdutivas, pois mesmo que a constituição estabeleça uma série de critérios para considerar a função social da terra – aspectos como preservação do meio ambiente e atendimento da legislação trabalhista –, conforme exposto, na prática o INCRA só verifica se o imóvel é produtivo ou não. Indo de encontro mais ainda com a possibilidade de desapropriação, é recorrente a articulação do proprietário com os juízes estaduais, em prol do requerimento do imóvel, ao passo em que o processo é analisado a nível federal.

De acordo com os dados do último Censo Agropecuário do IBGE, o Brasil possui um quantitativo de 5.175.636 estabelecimentos agropecuários, com uma área de 333.680.037 ha. Em relação ao quantitativo de estabelecimentos no país, os que possuem menos de 100 ha correspondem a 85,96% do total. No entanto, quanto à área, representam 21,19%. Na região Nordeste a realidade não é diferente, pois nesta categoria o número de estabelecimentos corresponde a 87,58%, abarcando 31,40% da área total. Os dados de Sergipe mostram que 95,24% dos estabelecimentos desta categoria compreendem uma área que representa 50,29% do total. O percentual de área dos estabelecimentos agropecuários em Sergipe é superior quando comparado a mesma classificação do Brasil e do Nordeste, e o percentual do número dos que possuem menos de 100 há também é maior que o do país e da região.

No entanto, quando observada a categoria 1000 ha e mais, há certa inversão, em relação ao valor das porcentagens, já que as maiores agora se apresentam na área, permitindo observar a concentração de terras existente nas grandes propriedades. Os censos agropecuários já vêm demonstrando esse aspecto, inclusive nas análises do próprio IBGE, acerca dos últimos censos agropecuários, se constatou a permanência da desigualdade na distribuição da terra no país.

Tabela 05
Número de estabelecimentos e Área dos estabelecimentos agropecuários por grupos de área total – 2006

IBGE - Censo Agropecuário 2006. Nota: 1 A categoria Total para Grupos de área total inclui os estabelecimentos agropecuários sem declaração de área; 2 - Os dados da série histórica disponibilizados nesta tabela são reflexo das publicações disponíveis à época. Especificamente para o ano de 1995, pequenas correções foram feitas após a publicação, o que pode ocasionar uma diferença mínima entre estes e aqueles disponíveis em outras tabelas cujos dados foram tabulados posteriormente à divulgação oficial. 3 - Os dados das Unidades Territoriais com menos de 3 (três) informantes estão desidentificados com o caractere X.

O Brasil apresenta um percentual de 0,92% em relação ao número total de estabelecimentos se encontram com 1000 ha e mais, totalizando uma área de 150.143.096, o que corresponde a 45% da área total do país. No Nordeste, 0,33% do total de estabelecimentos estão nesta categoria, com uma área correspondente que totaliza 30,90%. Em Sergipe o percentual em relação ao total do número de estabelecimentos agropecuários corresponde a 0,08%, que representa uma área de 10,30% da área total do estado.

O índice de Gini é uma medida de concentração que varia de zero (concentração nula) até um (concentração absoluta), quanto mais alto o valor do índice de Gini maior a concentração de uma determinada distribuição. Tomando como base o índice de Gini da concentração de terra, o Brasil em 2003, alcançava o patamar de 0,816. Na Região Nordeste mediu 0,790 e em Sergipe 0,773. (IBGE, 2006). Esse quadro justifica-se historicamente, no caso nordestino, pelo domínio e concentração do poder sob o julgo dos coronéis, que marca decisivamente a configuração da estrutura fundiária do Nordeste e de Sergipe, trazendo como sequelas a enorme concentração de terras.


Figura 01
Índice de Gini da Estrutura Fundiária – 2012
DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra, 2013.

Percebe-se ao analisar o mapa, que na região Norte se encontram os maiores patamares no que se refere ao índice de Gini da Estrutura Agrária, apresentando localidades com percentuais compreendidos entre 1 e 0,650. Na região Nordeste a predominância maior é de 0,650, alcançando em algumas localidades o patamar de 0,800, como é o caso dos estados da Bahia e do Maranhão.


FIGURA 02
Sergipe: Evolução do Índice de Gini por municípios – 1992 – 2012
DATALUTA Sergipe - Banco de Dados da Luta pela Terra, 2012. LABERUR/NERA, 2013. (modificada).

Por sua vez, Sergipe apresenta, em boa parte de seus municípios, um Índice de Gini da Estrutura Fundiária que gira em torno de 0,650. No entanto, um dos territórios sergipanos que merece atenção é o Alto Sertão, apresentando um Índice de Gini de 0,500. Este dado se dá, pode-se dizer, em virtude do forte protagonismo político desempenhado por diversos sujeitos coletivos nessa localidade, que através da luta e da resistência, de forma organizada, vem exercendo um papel importante na organização política do território, através dos movimentos ligados à luta pela terra, em que se destaca o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) (TANEZINI, 2014).

De acordo, com análises do DATALUTA, pode-se observar uma ligeira diminuição da concentração fundiária de Sergipe nos últimos anos, atingindo no ano de 2012 o índice de 0,751, mesmo diante dessa perspectiva o estado ainda possui uma estrutura fundiária classificada como altamente concentrada (RAMOS FILHO, 2012).

Sendo a estrutura fundiária compreendida como a distribuição da propriedade da terra por número de imóveis e suas dimensões, Sergipe apresenta o seguinte quadro: em 2003 havia o quantitativo de 61.701 imóveis com menos de 100 hectares, que são considerados pequenos, numa área de 742142,9 hectares. Em 2011, o número desses imóveis aumentou para 79.327, dividindo a área de 951.166 ha. Os imóveis médios, de 100 a 1000 ha, totalizaram 2.723 em 2003, ocupando a área de 67798,5 ha. No ano de 2011, esse percentual subiu para 3.236 imóveis, na área de 748044,7 ha. No que toca aos imóveis grandes, com mais de 1000 ha, em 2003 contavam 91, em posse de 160268,9 ha. Em 2011 o número de imóveis sofreu redução para 72, ocupando 133361,7 ha (RAMOS FILHO, 2012).

Observando cuidadosamente os dados é possível perceber a discrepância que revelam, pois mesmo com a diminuição do número de imóveis com mais de 1000 hectares no período entre 2003 e 2011, e com o aumento do número de imóveis pequenos e médios e da área por eles pleiteada, em termos quantitativos a dimensão de terra em poder dos grandes imóveis é bem maior, quando comparada com a de uma pequena ou média propriedade. Esses resultados escancaram o quão é desigual o acesso a terra em Sergipe como também mostram a enorme concentração fundiária do estado, com um número reduzido de propriedades de posse de imenso quantum de terras.

Na análise acerca das mudanças da estrutura fundiária por macrorregiões e estados no período de 2003, 2010, 2011 e 2012 (GIRARDI; VINHA, 2013), o quadro brasileiro leva a inferir que quase a totalidade das regiões apresentam um aumento no total da área pleiteada pelos imóveis. Somado a isso, tem-se a ocorrência de um processo parecido com o número de imóveis, pois também sofrem um aumento ao longo do período em análise. Dessas observações pode-se denotar que nos últimos anos pode estar ocorrendo a incorporação de novas áreas na malha fundiária do país, ou ainda, pode significar uma declaração mais precisa, pois por se tratar de dados obtidos mediante a afirmação do proprietário, consequentemente pode ocasionar uma mensuração imprecisa do total real da estrutura fundiária.

No que se refere as mudanças na estrutura fundiária por classe de área no período de 2003, 2010, 2011 e 2012 (GIRARDI; VINHA, 2013), tem-se o aumento contínuo no número de imóveis e no percentual de área ocupada. Isso se vê em todos os segmentos de classificação de área, no entanto, cabe destacar que os imóveis com mais de 100.000 hectares apresentam uma variação bastante significativa; mesmo sofrendo um aumento no seu número, ao longo dos anos têm-se um aumento ainda maior da área total do conjunto desses imóveis. Isso significa que a propriedade fundiária continua ainda mais concentrada, tendência esta que só aumentou no período em análise.

Na tabela 06, na categoria menos de 10 ha, o estado de Sergipe permaneceu com a mesma porcentagem em relação ao quantitativo de imóveis, que foi de 64%. E em relação à área apresentou um pequeno aumento, de 2003 a 2012, de cerca de 1%. Na categoria menos de 100 ha, nos anos 2003 a 2012 os índices permaneceram praticamente inalterados, correspondendo há pouco mais de 95% do total de imóveis; em relação a área total, representavam em 2003, 46,9% e nos anos posteriores chegou a 52,39%.

A categoria 100 a menos de 1000ha é a que apresenta o menor percentual na quantidade de imóveis e uma maior área. Em 2003, a quantidade de imóveis dessa categoria em relação a total foi de 4,2%, que correspondia a 42,9%. Contudo, essa realidade permaneceu pouco alterada, visto que em 2012 os imóveis representavam 3,8%, com uma área 40,3%.

Por fim, a análise da última categoria – 1000 a mais – sinaliza que no estado existem poucas propriedades classificadas como grandes, mas que apresentam uma relativa área, contando em 2003 com o percentual de 0,14% dos imóveis em uma área de 10,1%, e apresentando nos últimos anos um decréscimo ao pleitear uma área de 7,3% para um quantitativo de imóveis de 0,09%.

Tabela 06
Sergipe: Evolução da Estrutura Fundiária, por classes de área - 2003, 2011 e 2012

DATALUTA Sergipe - Banco de Dados da Luta pela Terra, 2012. LABERUR/NERA, 2013. (modificada).

Com foi possível compreender os dados revelam uma estrutura fundiária bastante concentrada em tempos como hoje, e mesmo que se observe uma curvatura nessa tendência, com o aumento do número das pequenas propriedades, quando esse percentual é comparado ao número das grandes propriedades, percebe-se que estas últimas abarcam um quantum expressivo de terra. Essa perspectiva, com algumas particularidades em determinados locais, se alastra pode-se dizer, por todas as regiões do Brasil, pelo Nordeste e por Sergipe. Com isso, infere-se que as políticas destinadas a questão agrária não exercem um impacto significativo na real demanda por reforma agrária, e que essas ações não são prioridade dos governos no período estudado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de pesquisa permitiu verificar a veracidade parcial da hipótese levantada, na qual se supunha que a exacerbada concentração fundiária apresentada no Brasil não é diferente da realidade apresentada no estado de Sergipe e no Nordeste. Por meio das análises verificou-se que a concentração fundiária do país é uma das maiores do mundo e Sergipe, embora seja o menor estado da federação, não está distante da realidade nacional, ocupando o 13º lugar no ranking de concentração de terras do país conforme foi visto (IBGE, 2006).

A hipótese foi confirmada parcialmente na medida em que, por meio dos dados que foram apresentados em formato de tabela, evidenciou-se que durante o período de 2002 à 2012, o perfil da estrutura fundiária sofreu alterações, porém essa mudança não se deu no sentido da diminuição da desigualdade no domínio da terra. No entanto, nesse aspecto Sergipe apresenta suas especificidades.

Em termos de Brasil, no geral, tem-se um quadro fundiário em que se pode observar que, mesmo com o aumento no percentual de minifúndios e de pequenas propriedades e com uma pequena diminuição na área pleiteada pelas médias e grandes propriedades, leia-se propriedades improdutivas, ainda estas últimas dominam uma parcela expressiva do território brasileiro. No tocante ao estado de Sergipe, deparou-se com a particularidade fundiária apresentada pelo território do Alto Sertão Sergipano, mais especificamente, que apresenta uma das menores taxas em termos de concentração fundiária. Essa conquista é um ganho oriundo das pressões exercidas pelos movimentos sociais organizados frente ao Estado, resultado de uma luta histórica pelo acesso à terra na região.

Deve-se reconhecer a possibilidade da concentração de terras no país ser ainda maior do que o apresentado, visto que, por exemplo, vários proprietários possuem mais de um imóvel rural. Apesar de se registrar consideráveis avanços na legislação que normatiza a distribuição de terras no país, não se presenciou uma mudança significativa na estrutura fundiária brasileira.

Mesmo com um longo passado, o Brasil não presenciou alternativas significativas para a minimização da questão agrária, fato esse que pode ser explicado tomando como base o caráter passivo e conservador das revoluções que aqui se processaram, capazes de mesclar elementos novos nos velhos moldes de exploração e dominação. Segundo Silva (2009) a não ocorrência de reforma agrária no Brasil é uma característica inerente a formação sócio histórica, que se expressa no passado colonial, na junção entre poder econômico e poder político e no comprometimento do Estado com os latifundiários, é corrente que quem detém boa parte das terras brasileiras detenha também o poder político, e use dessa condição para atender aos seus preceitos individuais, fazendo da legislação um instrumento eficaz na obtenção de seus interesses.

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Notas

[1] Recorte a partir de Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado A Questão Agrária em Sergipe: uma análise a partir da estrutura fundiária do período de 2002 à 2012, apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe no ano de 2014, como requisito para a conclusão do curso de Serviço Social, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Nailsa Maria Souza Araújo – nayaraujo5@yahoo.com.br.
[2] Engenheiro agrônomo, ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) e integrante do núcleo agrário do Partido dos Trabalhadores.
[3] NERA - Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária - FCT/ UNESP. Coordenação: GIRARDI. E. P.; - Presidente Prudente, São Paulo. Disponível em: .
[5] Foi definida por sesmaria a grande porção de terra virgem doada a um sesmeiro, que tinha a obrigatoriedade de cultivá-la no período de cinco anos e de pagar uma taxa, o que na verdade era um imposto relativo a produção, a coroa portuguesa.
[6] A partir de 1850 a Inglaterra passa pela segunda Revolução Industrial. Para o capital industrial não tem nenhum valor o trabalho escravo e assim a Inglaterra pressiona Portugal a proibir o tráfico negreiro no Brasil. O Brasil se tornava “aberto à livre concorrência internacional”. (PRADO JÚNIOR, 2004, p. 153).
[7] A oligarquia agrária intensificou seu poderio, quando os governos estaduais se tornaram responsáveis pelos assuntos relacionados a terra, e com isso o governo federal deixou a responsabilidade da questão da terra nas mãos daqueles que buscavam desorganizar e desestruturar o modelo de desenvolvimento agrário baseado no trabalho familiar e na pequena propriedade. O poder de decisão, no que concerne ao uso e posse da terra, bem como os direitos de propriedade, dificilmente foi exercido pelos legisladores estaduais, uma vez que dependiam do apoio dos grandes proprietários nas eleições. Diante desse quadro, a figura do coronel se torna evidente, pois tinha sob seu domínio muitos trabalhadores, manipulando também seus votos, sem falar no suporte financeiro que os coronéis disponibilizavam para os candidatos aos quais se aliavam. A data-limite para a garantia de direitos adquiridos de imóveis e para o sistema de registro paroquial da terra, estabelecidos na Lei de Terras de 1850, foi transferida de 1854 - 1878 para 1900-1930, dependendo dos governos estaduais e dos proprietários de terras (FERNANDES; WELCH; GONÇALVES, 2012). Contudo, não era de interesse dos latifundiários o conhecimento do tamanho real das suas propriedades, visto que a definição de uma base fiscal poderia resultar em custos para eles.
[8] Disponível em: . Acesso em: 08 de mai. 2014.


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