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AS POLÍTICAS PÚBLICAS E SEUS REFLEXOS NO MODO DE VIDA RIBEIRINHO NA COMUNIDADE MENINO DEUS EM PORTEL (PA)
THE PUBLIC POLITICIES AND THEIR REFLEXES IN THE WAY OF LIFE OF THE RIVERSIDE DWELLERS IN THE MENINO DEUS COMMUNITY IN PORTEL (PA)
LAS POLITICAS PUBLICAS Y SUS REPERCUSION EN EL MODO DE VIDA RIBEREÑOS EN LA COMUNIDAD MENINO DEUS EM PORTEL (PA)
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 14, núm. 2, pp. 161-183, 2016
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 30 Julho 2016

Aprovação: 14 Dezembro 2016

DOI: https://doi.org/10.22238/rc24482692v14n22016p161a183

Resumo: Este trabalho tem como objetivo identificar e analisar de que maneira as políticas públicas permeiam o cotidiano dos ribeirinhos da Comunidade Menino Deus, bem como, indicar a relação existente entre ela e o modo de vida desses sujeitos. Desse modo, verificamos que as políticas públicas aplicadas nessa Comunidade são desarticuladas uma das outras, onde os órgãos responsáveis, não planejam e nem formulam suas ações de forma conjunta, muito menos garantem a participação desses sujeitos nos processos de elaboração e decisões das políticas públicas. Portanto, a análise desse processo deu-se por meio de observações realizadas na referida Comunidade, onde foi possível apreender os reflexos de tais políticas no modo de vida. Utilizou-se de aplicação de questionários e entrevistas com os moradores de Menino Deus, bem como, alguns instrumentos de pesquisa como fotos do espaço estudado e, posteriormente, a análise dos dados que são apresentados no corpo deste trabalho, facilitando o entendimento e a interpretação dos resultados.

Palavras-chave: Políticas Públicas, Modo de Vida Ribeirinho, Comunidade.

Abstract: The aim of this work is to identify and analyze how these public politicies permeat the daily lives of the Riverside dwellers from the Menino Deus Community, as well as explain the relationship that exixts between it and the way of living of those people. Even though, we have noticed that the public politicies that were applied in that Community are disjointed fron the others, where the responsible bodies don’t plan, nor formulate their actions jointly and much less guarantee the participation of those individuals in the process of elaborations and decisions of the public politicies. Therefore, the analysis of that process was through observations made in the referred Community, where it was possible to learn the reflexes of such politicies in their way of living. It was used the application of a questionnaire and interviews with Menino Deus’ residentes, as well as, some research tools as pictures of the studied space and subsequentlyr, the analysis of the data that are presented in the body of this work, facilitates the understanding and the interpretation of the results. Word-keys: Public Politicies; Riverside dwellers; Way of Life; Community.

Palabras clave: Políticas Públicas, Modo de Vida Ribereño, Comunidad

INTRODUÇÃO

O modo de vida ribeirinho baseia-se na relação intrínseca do homem com o rio e a floresta, que são parte do seu espaço vivido. E, é nesse contexto que se identificam as atividades que são comuns dessa população, tais como: a pesca, a colheita do açaí, a caça, o roçado e outras técnicas artesanais que formam um conjunto de técnicas que são arquitetadas para o uso próprio de determinada comunidade. Assim, atrelam-se técnica e cultura, construindo um modo de vida que é denominado como ribeirinho expressado nos diversos usos que fazem do território (FARIAS, SILVA, CORREA, 2015).

Os ribeirinhos são considerados uma categoria política (NEVES, 2009) que luta para que políticas públicas cheguem ao interior da Amazônia e alcance comunidades como a de Menino Deus. Nesse sentido, até observa-se a implantação de tais políticas, mas de modo que não contemplam o universo ribeirinho na essência, uma vez que, são objetos de macro políticas pensadas sem contexto algum com realidade amazônica.

A Comunidade Menino Deus que está localizada na margem direita do rio Anapu no município de Portel, pertencente a mesorregião do Marajó, na Amazônia Paraense, congrega uma população de 342 pessoas, tem uma produção de subsistência baseada nas atividades de pesca, caça, roça, extração de madeira, entre outras. Na divisão social do trabalho, os homens praticam as atividades mais pesadas e perigosas como à caça, a extração da madeira e o preparo das roças. Já as mulheres se ocupam dos afazeres domésticos e da produção da farinha. Os jovens por sua vez, estudam e participam de atividades recreativas da escola, mas também ajudam suas famílias nas atividades de caça e pesca.

É importante salientar a questão religiosa e cultural, fatores com grande expressividade no local de estudo, visto que, os ribeirinhos em sua totalidade são adeptos da religião católica que tem grande influência na organização socioespacial comunitária.

Verificou-se que nessa Comunidade além das políticas públicas (educação, saúde, moradia e regularização fundiária) serem parcas, elas estão sendo trabalhadas de maneira desarticuladas entre elas, principalmente com o modo de vida que deveria ser levado em consideração devido a importância que tem para a preservação ambiental e acima de tudo para reprodução desses sujeitos.

Diante disso, objetivou-se identificar e analisar de que maneira as políticas públicas permeiam o cotidiano dos ribeirinhos da Comunidade Menino Deus, bem como, indicar a relação existente entre ela e o modo de vida desses sujeitos. Para isso, foi realizada uma análise desse processo a partir de observações que objetivemos realizadas no local de estudo, onde foi possível apreender os reflexos das políticas públicas no modo de vida. Além disso, foram obtidas informações de cunho quantitativa e qualitativa com intuito de sabermos se os mesmos são ou não contemplados com tais políticas, sendo que os moradores da comunidade Menino Deus responderam previamente aos questionários aplicados no período de 12 a 15 de outubro de 2014, bem como, foram feitas fotografia do espaço analisado. E, posteriormente, realizou-se o tratamento dos dados, facilitando o entendimento e a interpretação dos resultados desta pesquisa.

O modo de vida Riberinho

egundo Farias, Silva e Correa (2015) o modo de vida foi tratado de gênero de vida na geografia por La Blache (1954), que em sua teoria expôs que o homem é como um hóspede que se adapta ao meio que o envolve, criando um acervo de técnicas, hábitos, usos e costumes sendo esse conjunto de técnicas e costumes o gênero de vida. Para La Blache, o gênero de vida pode se transformar e se expandir tendo como principal atributo a autonomia e a estabilidade.

Sorre foi discípulo de La Blache e, não obstante seguiu a concepção de seu mestre, porém, avançando no método. Sendo assim, designa o modo de vida como um:

[...] conjunto mais ou menos coordenado das atividades espirituais e materiais consolidadas pela tradição, graças às quais um grupo humano assegura sua permanência em determinado meio. Descrevemos, assim, os gêneros de vida baseados na pesca, na criação nômade, na agricultura e em seus diversos modos (SORRE, 1984, p. 90).

Na atualidade, esse conceito continua sendo utilizado no campo científico, tanto por geógrafos, quanto por sociólogos e antropólogos. Na geografia destacamos o trabalho de Marques (1994) que se refere ao modo de vida como um conjunto de práticas cotidianas desenvolvidas por um determinado grupo social. Correspondendo assim, à forma como um determinado grupo social manifesta sua vida. Essas práticas cotidianas decorrem da história e da posição que o grupo ocupa na sociedade e da forma específica que assegura a sua reprodução social.

A autora assegura ainda que os hábitos e as preferências de um grupo são expressos por intermédio de um conjunto de objetos constituído pelos meios de sustento, vestimenta, habitação, instrumentos e armas, onde seus hábitos se tornam ritos, reforçados por crenças e superstições (MARQUES, 1994).

No entanto, afirma-se que existem diversas leituras e formas de tratamento quando se fala do modo de vida ribeirinho. Cabral (2002), por exemplo, afirma que estes:

Ora são tratados como vítimas de uma sociedade excludente, ora como índios, preguiçosos, como heróis das selvas por conseguirem adaptar-se a uma floresta e raras vezes como pessoas que definiram uma filosofia de vida, o fato é que, em geral, o ribeirinho é marginalizado (CABRAL, 2002, p. 2).

Nesse sentido, nota-se que essa marginalização está relacionada com o avanço do processo de acumulação do capital, da cultura dominante e principalmente da exclusão social que interfere negativamente na vida e no cotidiano dos ribeirinhos, haja vista que, seu modo de vida é tratado como insuficientemente produtivo e sustentável.

Mas, também há concepções que valorizam o caráter identitário desses sujeitos com o meio em que vivem, principalmente com o rio e a floresta, elementos que singularizam esse modo de vida, sobretudo pelo fato de o ribeirinho portar-se a esses elementos como constitutivo da vida tanto material quanto imaterial. Dessa maneira:

Temos como definição de “ribeirinho” a população constituinte que possui um modo de vida peculiar que a distingue das demais populações do meio rural ou urbano, que possui sua cosmovisão marcada pela presença do rio. Para estas populações, o rio não é apenas um elemento do cenário ou paisagem, mas algo constitutivo do modo de ser e viver do homem (SILVA e SOUZA FILHO, 2002 apud CABRAL, 2002, p. 2).

Assim, entende-se que a peculiaridade desse modo de vida está diretamente atrelada a natureza e a sua maneira de se relacionar com ela, que é pautada numa relação pouco degradante, sendo do ponto de vista sustentável, uma organização socioespacial e ambiental que se difere da urbana, sobretudo porque sua produção não está ligada à produção do excedente como determina o capitalismo. Entretanto, é necessário compreender o ribeirinho não só como aquele que vive à margem do rio, mas, principalmente como aquele que respeita o rio e a floresta, tendo a natureza como subsidiadora de toda sua riqueza material e imaterial, riqueza não na definição capitalista, mas no sentido de valor atribuído individual e coletivamente, de uso material e imaterial dos recursos no território.

Por outro lado, Loureiro (1994) afirma que o modo de vida ribeirinho:

Trata-se de um mundo de pescadores, indígenas, extratores consumidos em largas e pacientes jornadas de trabalho; de uma geografia de léguas de solidão e dispersão entre as casas e pequenas cidades, de um viver contemplativo onde predominam a linguagem e a expressão devaneantes, como se seus habitantes caminhassem entre o eterno e o cotidiano (LOUREIRO, 1994, p. 68).

Portanto, o ribeirinho cria e institui seu próprio modo de vida, expandindo ou limitando seus espaços, originando uma população distinta por seus traços físicos, culturais, alimentares, de crenças e organizações para o trabalho tendo o rio e a floresta como importantes símbolos de seu universo, uma vez que, ambos são para esses sujeitos objetos de uso material e imaterial.

Nestes termos, percebe-se que é a relação homem/natureza que ilumina e reflete a cultura do povo ribeirinho, que têm nas matas e nas águas toda uma simbologia expressa, diante de um espaço único, místico e de muitas interpretações. E, é a partir desta perspectiva que se pode considerar a cultura baseada em uma racionalidade específica, ou seja, em uma identidade única que só o ribeirinho possui.

Dessa maneira, reconhece-se que o ribeirinho possui sua identidade própria, munido de valores sociais e ambientais como a solidariedade e a preocupação com o ambiente que vive além dos costumes, mitos e crenças que o tornam um ser exclusivo de seu meio. Assim, a vida cotidiana é como aquela vida dos mesmos gestos, ritos e ritmos de todos os dias (inclusive) os sonhos, desejos, insatisfações, angústias, opressão, mas também, segurança (CARVALHO, 1994).

No cenário atual, os ribeirinhos tentam manter os principais traços do seu modo de vida, uma vez que, está ocorrendo uma desestruturação de modo mais geral gerada pelo capital, do mesmo modo, como sobreveio e sobrevém em várias regiões brasileiras. Essas afirmações asseguram que, o espaço destas comunidades ribeirinhas, bem como, outros fatores que constituem sua realidade, está extremamente ligado a pessoas, que primam por suas peculiaridades, haja vista que, estão sendo deturpadas pelo capitalismo que modifica e transforma o território e as relações sociais. Porém, o ribeirinho ainda possui de certo modo, o “controle” do seu território, que direta ou indiretamente estão ligados aos significados presentes em seu ambiente e, portanto, não se separa deles diretamente, pois lá possuem seu modo de vida específico. Neste sentido, afirma Nascimento Silva que:

O espaço, nas comunidades ribeirinhas, ainda está muito próximo, ou melhor, está intimamente ligado às pessoas, e elas mesmas ainda não perderam completamente o controle desse espaço, onde reconhecem os signos e significados que estão presentes em seu ambiente sem se separarem deles inteiramente, sem transformá-lo essencialmente em mercadorias. (NASCIMENTO SILVA, 2000, p. 94-95).

Entretanto, com a expansão do capital no campo, as relações sociais e a propriedade privada, bem como, o próprio Estado, vêm impondo às sociedades rurais, principalmente as ribeirinhas, um padrão e modo de vida a serem seguidos. Todavia, poucas são as comunidades que conseguem manter parte do seu modo tradicional de viver.

Deste modo, a alteração dos antigos padrões culturais, de técnicas que asseguram os meios de sustento, habitação e trajes das comunidades, bem como, o contato com outros povos, o crescimento populacional, a distinção profissional, a divisão do trabalho, a circulação de capital, técnicas modernas e mercadorias estão sendo substituídas por novas formas de organização social, uma vez que estão transformando o modo de vida, a existência e a sobrevivência das populações tradicionais. Para tanto, todo este avanço tecnológico acaba ocupando a vida do ribeirinho e modificando seu modo de vida.

Neste sentido, Suzuki (1996) aponta que a difusão do mundo da mercadoria, desagrega o modo de vida, construindo “o novo”, onde as relações passam a ser midiatizadas pelo mercado e pela mercadoria. O mundo da mercadoria invade a vida das pessoas e tudo se estabelece numa cadeia de troca e venda. Portanto, com a expansão do capital no campo, as relações sociais acabam se tornando mais abstratas, a exemplo, as festas comunitárias, que marca a vida dos ribeirinhos e, como tal, ganham novos sentidos. Por outro lado, com a expansão da propriedade privada, esses sujeitos que antes viviam “livres” e de forma mais solidária passam a exercer o individualismo e com isso acabam se isolando, tornando-se apáticos uns aos outros.

Portanto, pode-se afirmar que as políticas públicas deveriam exercer o papel de garantir a importância dos ribeirinhos como sujeitos que usam os recursos do território de forma alternativa e sustentável, pois por meio delas, seu modo de vida e seu território seriam assegurados de modo que não houvesse rupturas irreversíveis tanto nas relações sociais, quanto espaciais e ambientais. Todavia, não é o que se percebe na Amazônia, principalmente na Comunidade Menino Deus.

As políticas públicas

A Política Pública é tudo o que os governos escolhem fazer ou não fazer (PAL, 1987 apud AMARAL, 2002). No entanto, estas deveriam ser como o próprio nome diz um ato onde a participação social nas suas formulações e aplicações fossem asseguradas de modo a garantir o debate a partir de um diagnóstico da realidade local. Porém, isso pouco ou quase nunca ocorre, haja vista que, o Estado brasileiro concentra nas elaborações de políticas públicas o pensamento dominante, o qual trata como modelo as políticas aplicadas em realidades do centro-sul do país e expostas em relatórios de organismos internacionais como FMI, BIRD, BID, etc.

A política é uma maneira hábil de agir, e público é algo que serve para uso de todos, portanto, políticas públicas em nosso ponto de vista, são artifícios criados pelos governantes – sejam em esfera municipal, estadual ou federal para a melhoria da sociedade em geral. Nesse sentido, afirma Souza (2003) que: política pública é aquela em que os governantes traduzem seus propósitos em programas e ações, que produzirão resultados ou mudanças desejados no mundo real.

Porém, para Moraes (1994) as políticas públicas podem ser agrupadas em três grandes segmentos:

1. Políticas econômicas, incluindo neste grupo as políticas cambial, financeira e tributária;

2. Políticas sociais, englobando as políticas de educação, saúde e previdência;

3. Políticas territoriais, que compreende políticas de meio ambiente, urbanização, regionalização e de transportes.

Mesmo o autor acima, as agrupando em segmentos diferentes, não se pode deixar de mencionar a articulação que é necessário entre as diferentes políticas públicas, uma vez que, uma pode impulsionar a outra. Todavia, observa-se que na Amazônia tais políticas vêm sendo aplicada de maneira específica e/ou setorial (HURTIENNE, 2005; COELHO, 2005) atrelada na maioria das vezes a grandes projetos, sendo uma forma de minimizar tensões e conflitos.

Portanto, as políticas públicas não atendem aos anseios da maioria das comunidades como deveriam atender, ou seja, partindo de diagnóstico socioeconômico, político, cultural e ambiental. Nesse sentido, Hurtienne (2005, p. 93) afirma que:

[...] as políticas públicas são bastante desorientadas, desatualizadas, ou melhor dizendo, são atreladas a uma visão de Brasil ultrapassada, ou vinculadas, aos interesses econômicos específicos, ou mesmo a um projeto de modernização, não totalizante, mas setorial e espacialmente seletivo.

O autor continua dizendo que “a visão das políticas públicas é totalmente envenenada por várias mitologias, e uma delas é a do pequeno produtor que sofre e que é um problema da política social, mas não é um ator que está realmente produzindo algo julgado importante para a sociedade” (HURTIENNE, 2005, p. 93).

Desse modo, os movimentos sociais, assumem um papel fundamental quando nos reportamos às lutas por melhorias na qualidade de vida do povo ribeirinho, pois são eles que junto aos governos lutam pela implantação de políticas públicas que visam o bem comum da sociedade. E, além disso, se torna mais viável a conquista de ideias, de maneira coletiva do que individualmente.

Diante disso, nota-se que o ribeirinho pouco tem participado das discussões de políticas públicas, uma vez que, o mesmo, por falta de informações e conhecimento das leis encontra-se excluído, social e economicamente. Desse modo, é necessário que haja uma tomada de consciência por parte desses sujeitos de que esta realidade necessita ser alterada, tendo em vista, a crescente pobreza, o desemprego, às desigualdades sociais e as dificuldades de acesso às políticas públicas como moradia, saúde, educação, transporte, infraestrutura, saneamento básico, etc.

Desse modo, a política pública para o desenvolvimento deve ter um enfoque patrimonial de gestão dos recursos naturais, ou seja, uma política ambiental preventiva que, segundo Vieira (1995), significa o conjunto de objetivos para regular as interações entre o meio ambiente biofísico e o construído. Isto é, regras sociais que governem a apropriação dos recursos naturais, espaços e hábitat. Uma gestão do espaço que favoreça a dimensão produtiva e ao mesmo tempo a distributiva. Isto exige a efetiva participação da população em todos os estágios do processo: diagnóstico, planejamento, acompanhamento e avaliação.

Na comunidade Menino Deus objeto de estudo deste trabalho, é perceptível essa falta de articulação entre as políticas públicas elaboradas e o modo de vida local, pois tais políticas foram constatadas apenas na área de educação, saúde e regularização fundiária, porém, sem nenhuma articulação entre elas. Portanto, ressalta-se que não foi detectada a presença de políticas ou programas que contemplem de forma específica a comunidade Menino Deus como população tradicional.

Aspectos do modo de vida da comunidade menino deus

Baseado em Ellis (1993 apud ICMBIO, 2012) pode-se identificar uma comunidade de duas maneiras: a) o espaço em que há aglomeração populacional e infraestruturas sociais como: escola, posto de saúde, igrejas, abastecimento de água, serviços telefônicos entre outros, sendo nesse sentido um local onde existe uma organização social e os sujeitos se integram, solidificando as relações sociais, políticas, econômicas e culturais. b) a comunidade também pode ser o local onde somente ocorrem as trocas, as relações, as confraternizações e os encontros entre os moradores de um mesmo território e/ou de seu entorno, não precisando conter a infraestrutura mencionada no item anterior. Portanto, este trabalho se baseia nesses conceitos de comunidade.

De acordo com Farias, Silva e Correa (2015) a comunidade Menino Deus está localizada na margem esquerda a montante do rio Anapú, em seu curso baixo chamado de estreito do Anapú, no município de Portel – Pará (figura 01).


Figura 01
Localização da Comunidade Menino Deus
Farias, 2016.

O local era uma área de floresta que, primeiro foi habitada pela família do Entrevistado 1 que no decorrer do tempo foi transformando de acordo com suas necessidades imprimindo nesse espaço características que são próprias do modo de vida ribeirinho.

Ainda de acordo com Farias, Silva e Correa (2015) foi no dia 05 de maio de 1985 que o Frei da Paróquia de Nossa Senhora da Luz do município de Portel, numa missa que reuniu tanto as cinco famílias do local quanto do entorno, foi realizado o cerimonial de fundação da Comunidade que foi denominada Menino Deus, sendo assim, oficializada dentro da rede de comunidades da Paróquia. Ressalta-se que a oficialização da comunidade pela igreja católica foi realizada juntamente com a inauguração da capela do Santo Menino Deus.

A referida Comunidade possui atualmente 80 famílias, totalizando 342 pessoas, distribuídas em 40 casas onde na maioria residem duas famílias. Possui também uma capela, uma sede comunitária local onde acontecem as programações festivas como bingo, festa dançante, aniversário e reuniões como mostra a figura 02, um centro comunitário (lugar onde são preparadas as refeições no dia dos eventos citados anteriormente) e uma escola de ensino fundamental.


Figura 02
Sede da Comunidade Menino Deus
Silva, maio de 2014.

A média de membros por família nessa Comunidade é de 4,2 pessoas, fato este que, de acordo com algumas famílias entrevistadas, dificulta a sobrevivência de tais ribeirinhos, uma vez que há necessidade de maior poder de produção e/ou aquisição de alimentos e outros bens materiais.

Quanto ao acesso à Comunidade, ocorre por meio de barco em viagem de três horas de duração saindo da sede urbana do município de Portel. A interligação dessa comunidade com essa cidade se dá quinzenalmente quando os moradores se deslocam até ela para vender sua produção de (farinha e madeira serrada), comprar produtos alimentícios e combustíveis (óleo diesel e gasolina) para utilização nos motores dos barcos, rabetas[1] e geradores de energia.

A extensão territorial da Comunidade Menino Deus corresponde a uma área de aproximadamente seis quilômetros de comprimento e um quilometro de largura. Sendo que 100 metros quadrados foram doados pelo proprietário para a Paróquia de Nossa Senhora da Luz, onde foi construída a capela, o centro comunitário e a sede comunitária, locais das celebrações religiosas e culturais dos moradores.

A organização comunitária se dá em um padrão socioeconômico comum a maioria das Comunidades do município de Portel (PA), constituindo-se na forma de produção de subsistência, a plantação da mandioca, a extração madeireira, do açaí e da pesca. Os itens citados anteriormente constituem tanto a subsistência quanto ao pequeno comércio. Existe ainda a coleta de produtos como a tala de arumã, destinado à produção de paneiros[2] e peneiras[3] e óleos (de andiroba e copaíba) que são destinados à prevenção e cura de algumas doenças infecciosas. E também a caça de animais silvestres (paca, tatu, veado, cutia, etc.), destinados apenas para subsistência. E por fim, alguns benefícios do governo federal, como aposentadoria, bolsa família, bolsa verde[4] e seguro defeso. Deste modo, ressalta-se que as maiores rendas são provenientes da produção artesanal da farinha de mandioca e da extração madeireira como ilustra a figura 03 (A e B).

É importante destacar que mesmo a Comunidade estando próxima a cidade de Portel, e ainda que seus moradores busquem nesse centro urbano boa parte dos bens necessários que não produzem no local, o regatão ainda é uma figura muito presente nas trocas comerciais. De acordo com o Entrevistado 2, a relação com o regatão não para pelo fato deste receber o seu produto como forma de pagamento pela mercadoria dele. Acrescenta também, [...] que o regatão lhe avia produtos alimentícios coisa que na cidade é mais difícil de conseguir no comércio.

É importante destacar que mesmo a Comunidade estando próxima a cidade de Portel, e ainda que seus moradores busquem nesse centro urbano boa parte dos bens necessários que não produzem no local, o regatão ainda é uma figura muito presente nas trocas comerciais. De acordo com o Entrevistado 2, a relação com o regatão não para pelo fato deste receber o seu produto como forma de pagamento pela mercadoria dele. Acrescenta também, [...] que o regatão lhe avia produtos alimentícios coisa que na cidade é mais difícil de conseguir no comércio.


Figura 3A
Produção Artesanal da Farinha e 3B - Extração de Madeira
Silva, maio de 2014.


Figura 3A
Produção Artesanal da Farinha e 3B - Extração de Madeira
Silva, maio de 2014.

Os moradores da comunidade labutam em conjunto, onde os homens são responsáveis pelo trabalho que requer mais esforço físico, a exemplo, a extração da madeira, a derrubada de áreas na mata para o plantio da mandioca e outros produtos como, o milho, a cana-de-açúcar, entre outros, e ainda, a retirada da mandioca nas áreas de cultivo. As mulheres têm sua participação, pois ajudam no processo de descascar a mandioca, cevar[5], colocar na prensa[6], para retirar todo o seu líquido e depois coar[7] para assim ir ao forno. Já os jovens, com cerca de quinze a dezoito anos de idade, estudam e realizam outras atividades como: ajudar no cultivo dos produtos ora citados, promover a arte de caçar e pescar no fundo do rio com arma produzida artesanalmente. E, por fim, temos as crianças que, como forma de aprendizagem, fazem parte do processo de algumas dessas atividades, deste modo, o contato dessas crianças com os pais ou parentes nas atividades acima é considerado como uma forma de transmissão de conhecimentos e, por outro lado, como entretenimento.

Sobre a questão religiosa, infere-se que apesar do avanço observado nas ultimas décadas das religiões protestantes e neopentecostais nos interiores da Amazônia, nesta Comunidade nenhum morador se declarou adepto dessas religiões. Sendo, portanto o catolicismo a única religião professada, contando com aproximadamente 120 membros atuantes, divididos entre jovens, crianças e adultos.

Desse modo, o catolicismo tem grande influência na organização socioespacial de Menino Deus, haja vista que as casas são construídas em torno da capela e os eventos da igreja fazem parte do cotidiano comunitário tanto que a produção de farinha é intensificada em períodos que antecede os eventos mais expressivos como a festividade em comemoração ao dia do Santo Menino Deus, padroeiro da Comunidade e ainda durante o círio de Nazaré que ocorre na cidade de Portel. As ações desenvolvidas pela igreja católica não se restringem somente ao campo das relações sociais, mas também, serve para o fortalecimento na luta por melhorias no campo socioeconômico.

Nesse sentido, destacamos a festividade do Santo Menino Deus, por esta provocar uma mobilização comunitária de 14 dias que inicia no dia 10 de dezembro com a celebração de missa, levantamento do que eles denominam de mastro, juntamente, com a bandeira do Santo Padroeiro e a saída deste para celebrações diárias previamente programadas no entorno da Comunidade.

Essas celebrações diárias ocorrem em residências de várias pessoas do estreito do rio Anapu. Essa programação ocorre no decorrer do dia 15 ao dia 23 do mês de dezembro, onde são realizadas apresentações de rituais como, rezas, danças e gestos com a bandeira. Mas, segundo o Entrevistado 3 “o dia mais esperado é o 24 de dezembro quando acontece à passagem do santo para a capela da Comunidade, seguida da celebração da missa principal, ministrada pelo Pároco da cidade de Portel, da derrubada do mastro e finalizando com o bingo de prêmios e leilões”.

Portanto, observou-se que nesses momentos aparece de forma bem marcante os laços de solidariedade e compadrio dos comunitários. Assim, conforme Quiroga (2001) a igreja mostra-se muitas vezes como um lugar a partir do qual se constroem ações solidárias e voluntárias, oferecendo noções que funcionam como operadores de legitimação para a prática de ação social. Verificou-se também que nesse dia os moradores enfeitam suas casas, barcos e a capela, e, vão até a cidade comprar roupas e calçados para usarem especialmente nessa festa comunitária.

Deve-se destacar que, o padroeiro do lugar também é a referência que nomeia tanto a igreja quanto a Comunidade, pois ambos também são cognominados Menino Deus. Contudo, a cultura não se restringe apenas nos atos religiosos, existe ainda, a questão das lendas (a cobra grande, a mulher de branco que passeia na vila, a lenda do boto) e costumes como (mergulhar no rio caçando peixe à noite, habito de acordar às cinco da manhã para trabalhar, caçar animais silvestres na madrugada) que são bastante fortes nessa comunidade, pois são heranças advindas de muitas gerações.

Políticas públicas na comunidade menino deus: importância e reflexos

Na Comunidade Menino Deus percebe-se de forma tímida e precária a promoção de políticas públicas que de forma direta ou indireta interferem na vida desses ribeirinhos. As ações de agentes e instituições públicas da área de Saúde, regularização fundiária (INCRA) e principalmente da Educação foram observadas nessa pesquisa.

Na área da saúde verificou-se certo descaso por parte da Secretaria Municipal de Saúde, pois na comunidade em análise há somente o serviço de Agente de Combate as Endemias – Malária (ACE/Malária) e de Agente Comunitário de Saúde (ACS). Este último, de maneira precária, apenas distribui hipoclorito na casa dos ribeirinhos e por vezes oferta assistência às pessoas que necessitam de auxílio para tratar alguma enfermidade na cidade. Ou seja, em casos de maior gravidade, solicitam a ambulancha[8] para fazer o transporte do paciente até o hospital na sede do município. Ressalte-se que este serviço de transporte nem sempre está disponível.

Nesse sentido, pode-se afirmar que tal prática se configura como uma política assistencialista, realizada em sua maioria em períodos que antecedem pleitos eleitorais como afirma o Entrevistado 1.

Os serviços de saúde que em sua maioria só é feito na cidade chegam até a comunidade em anos eleitorais. Nesse período vem o posto flutuante de saúde realizando atendimento odontológico, consulta médica, vacinação, exames como preventivo do colo do útero, de DST, de fezes, urina e sangue (ENTREVISTADO 1, PESQUISA DE CAMPO REALIZADA EM 10/2014).

Desse modo, percebe-se que os governantes do Município de Portel estão infringindo a lei maior do Brasil que é a Constituição Federal, a qual no Art. 196 afirma que:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1998, p. 111).

Portanto, verifica-se que nitidamente ocorre a negação e deturpação de um direito que é garantido em lei. Por outro lado, a má promoção desta política pública, pouco influencia e/ou reconfigura o modo de vida dos moradores da Comunidade Menino Deus, como afirmado pelo Entrevistado 4 “aqui em casa realizamos o tratamento de determinadas doenças com o uso de plantas medicinais que são cultivadas e manipuladas pelas pessoas mais antigas da própria Comunidade”.

Também foi analisada a atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) que por meio do programa de assentamento do governo federal beneficiou cerca de 50% dos moradores de Menino Deus com serviços de delimitação territorial, construção de moradias, estas, toda em madeira e coberta com telha de barro, contendo 04 compartimentos - sala, quarto, cozinha e banheiro e a emissão de documento que dá apenas o direito de uso e permanência do/no território.

Dessa forma, observou-se que a atuação do INCRA, mesmo não atendendo todos os moradores da Comunidade, contribuiu para que as pessoas atendidas pudessem ter acessos a programas de financiamento ao agricultor familiar, além de que, a nova moradia trouxe mais comodidade e conforto. Porém, destaca-se que a casa com banheiro dentro fez com que diminuísse o banho no rio, principalmente entre os mais velhos, fato considerado positivo, pois houve uma redução no número de acidentes em pontes e/ou trapiches, ou seja, as quedas, escorregões que, geralmente, resultavam em pequenas escoriações e até fraturas; outra mudança está relacionada à forma de apropriação da terra, pois com a delimitação do espaço de cada morador o uso do território que era totalmente baseado no uso comunitário passou a ter um caráter mais restrito, principalmente no que concerne a produção de roças.

A despeito da moradia, a Constituição Federal de 1988 no Art. 23. Inciso IX afirma que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.

A educação, por sua vez, é uma das políticas públicas que mais se destaca nesta comunidade. Porém, de modo precário, uma vez que, pouco leva em consideração a realidade e especificidades do lugar, pautando-se, em uma matriz curricular que timidamente enfatiza o modo de vida ribeirinho.

Relacionadas ao desenvolvimento do ensino, há outros programas como: a merenda escolar, o transporte escolar e o projeto mais educação que é um programa criado pela portaria Interministerial, nº 17/2007, que aumenta o tempo de permanência dos alunos nas escolas públicas por meio de atividades optativas que foram agrupadas em macro campos, como: acompanhamento pedagógico, meio ambiente, esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, prevenção e promoção da saúde, educomunicação, educação científica e educação econômica.

Desse modo, detectou-se que na Comunidade Menino Deus, existe uma escola de ensino fundamental (figura 04), de identificação homônima a da Comunidade. Sua fundação data do ano 2000, sendo antes da fundação oficial apenas uma pequena estrutura coberta com palha, que foi reconstruída durante os anos de 1999 a 2000 pelos próprios moradores. É importe frisar que os primeiros professores contratados pela prefeitura municipal de Portel eram habitantes da Comunidade.


Figura 04
Escola Municipal de Ensino Fundamental Menino Deus
Silva, maio de 2014.

Atualmente, a escola possui 01 biblioteca, construída com recursos de patrocinadores (Expedição Vaga Lume), disponibilizando livros da escola e da biblioteca da Expedição Vaga Lume do Estado de São Paulo, que foi implantada no ano de 2009 para contribuir na construção do ensino aprendizagem das crianças, assim como, despertar o desejo a leitura. Possui ainda 05 salas de aula, sendo 01 a do prédio oficial inaugurado pela prefeitura no ano 2000 e outras 04 que funcionam em prédios cedidos e alugados pela Comunidade à Secretaria Municipal de Educação (SEMED). Conta com 210 alunos matriculados, 01 coordenador pedagógico, 03 barqueiros, 03 serventes e conselho escolar.

Ressalte-se que a Comunidade cedeu seus prédios em virtude de uma parceria com a SEMED, até a construção de uma nova escola, haja vista que a referida escola não tem mais espaço para comportar a quantidade de discentes acima mencionados. Com isso, notou-se, o empenho, a colaboração e a importância que os moradores da Comunidade dão a questão educacional. Enfatizado pelo Entrevistado 1 “ professor apesar de eu ser analfabeto, entendo que a educação é um negócio que transforma a vida do caboco num piscar de olho”.

Portanto, percebe-se que a Comunidade tem desenvolvido seu papel naquilo que assegura a Constituição Federal em seu Artigo 205 quando afirma que a educação deve ter a colaboração da sociedade:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, p. 117).

Dessa maneira, pode-se afirmar que a política pública educacional é a mais enfatizada e a que mais tem contribuído para a melhoria das condições de vida dos moradores de Menino Deus. Pois, além de promover o acesso ao conhecimento há uma absorção da mão de obra local para a prestação de serviços diretamente relacionados à educação do campo como barqueiros, merendeiras, serventes, coordenação pedagógica e professores.

Dessa maneira, afirma-se que as políticas públicas, promovidas em conformidade com as necessidades e características do local, pode ser um instrumento de potencialização do modo de vida ribeirinho, pois além de contribuir para sua perpetuação também poderia garantir mais qualidade de vida. Pois, com programas de incentivo para o manejo da pesca, criação de peixes em tanques e de animais como galinhas, porcos e patos, roças mais sustentáveis e rentáveis.

Entende-se por roças sustentáveis como aquela que é criada em períodos distintos, onde após a extração dos produtos, um espaço ficaria em repouso, ou seja, em processo de manejo, recomposição do solo e no outro continuaria a extração do produto, haja vista que, a produção não se restringiria apenas a mandioca sendo consorciada com outras culturas como o milho, a banana, jerimum, cana-de-açúcar, melancia, etc.

No entanto, para que isso ocorra se faz necessário a integração de órgãos como a EMPRAPA, EMATER, ADEPARÁ, Secretaria Municipal de Agricultura, Secretaria de Meio de Ambiente e a Comunidade com seus conhecimentos acumulados sobre o seu território.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar a implantação de políticas públicas em Comunidades Tradicionais Ribeirinhas requer também verificar se elas estão sendo construídas a partir da realidade local, ou seja, verificando se os saberes e as práticas objeto da tradição dessas comunidades com seu ambiente estão sendo priorizados dentro de tais políticas, bem como se há articulação entre os responsáveis por sua aplicação.

Mas, para detectar se as políticas públicas estão tomando por base o modo de vida dessas Comunidades é necessário evidenciar na pesquisa a tradição e os valores identitários e culturais ribeirinhos. Valores que são materializados no território por meio dos símbolos, da religião, dos mitos, da organização socioeconômica, entre outros aspectos, que produzem um contexto diferenciado e ao mesmo tempo único de comunidades que se organizam em torno de laços solidários, recheado de conhecimentos que sistematizados revelam a história e a construção de uma vida ribeirinha.

Assim, afirma-se a necessidade de políticas públicas voltadas à realidade dos ribeirinhos como os programas de incentivo para o manejo da pesca, a criação de animais e roças mais rentáveis. Para tanto, é por meio dessas políticas de incentivo para produção sustentável, que nossas autoridades deveriam refletir, onde o agricultor familiar possa continuar usando a natureza de forma sustentável e rentável de modo a lhe proporcionar qualidade de vida.

Diante disso, foi detectado que na Comunidade Menino Deus as políticas públicas estão presentes por meio das três esferas de poder, atendendo nas áreas de Educação, Saúde, Moradia e Regularização Fundiária. No entanto, suas ações não estão voltadas para atender aos anseios dessa população, por serem políticas pensadas fora do lugar, sem fazer um diagnóstico da realidade socioeconômica, cultural, ambiental e geográfica. Em outras palavras, não há preocupação em potencializar o modo de vida dessas populações ribeirinhas. Além, de estarem desarticuladas umas das outras, também não atendem o mínimo necessário, sendo que, não há nenhuma política pública voltada para o saneamento básico, energia e produção econômica.

Portanto, afirma-se que as políticas públicas poderiam ser um importante instrumento para o enriquecimento e perpetuação do modo de vida das populações tradicionais, uma vez que, pensadas em conformidade com as características sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais ribeirinhas poderiam assegurar o uso e a permanência desses sujeitos no campo, ou seja, em seu território. Pois como foi demonstrado no desenvolvimento desse trabalho, em Menino Deus existe uma forte relação de seus moradores com a religião católica que influencia diretamente na organização socioespacial e cultural da Comunidade, muito bem explicitada na realização dos eventos da igreja e na parceria com o governo local na promoção da educação.

Outro ponto que defende-se que seja elencados nas políticas públicas é a forma do ribeirinho produzir seus produtos sem causar grandes danos a natureza, haja vista que eles se baseiam na produção de subsistência trabalhando em diversas atividades que garantem uma variedade de alimentos e utensílios que lhes proporcionam certa qualidade de vida. Qualidade de vida esta que seria bastante melhorada se as políticas públicas garantissem as infraestruturas mencionadas anteriormente.

Desse modo, é necessário que tais ribeirinhos sejam reconhecidos ou lembrados pelos administradores dos municípios, dos estados e de nosso país, haja vista que, os ribeirinhos estão desprovidos de políticas públicas que priorizem seus conhecimentos, sua cultura e sua forma de produção.

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Notas

[1] Canoa com motor acoplado na parte traseira.
[2] Utensilio utilizado para transporte da mandioca e seus derivados.
[3] Utensilio utilizado para refinamento do açaí e outros produtos.
[4] É um programa de benefício econômico nos moldes do Bolsa Família destinado a famílias em situação de extrema pobreza que desenvolvem atividades de conservação ambiental em áreas de Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas, Reservas de Desenvolvimento Sustentável, Projetos de Assentamento Florestal ou Agroextrativista e outras áreas definidas pelo MMA (IBAM, 2015, p. 32).
[5] Cevar: Forma se triturar a mandioca.
[6] Prensa: Modo de secar a massa triturada para cozimento.
[7] Coar: Passar a massa no crivo para torna-la mais fina.
[8] Transporte fluvial utilizado na locomoção dos cidadãos com doença grave.


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