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GEOGRAFIA: relações científicas e análise de métodos
GEOGRAPHY: scientific relations and analysis of methods
GEOGRAFÍA: asuntos científicos y métodos de análisis
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 15, núm. 2, pp. 347-367, 2017
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 30 Novembro 2016

Aprovação: 05 Outubro 2017

DOI: https://doi.org/10.22238/rc24482692v15n22017p347a367

Resumo: Embora a sistematização da Geografia remonte apenas no século XIX, na Prússia, atual Alemanha, por Alexandre Von Humboldt e Karl Ritter, já se observava a existência do conhecimento geográfico desde os tempos primitivos. Ao longo da evolução dessa ciência diferentes abordagens a caracterizaram, como a Positivista, a Neopositivista, a Humanística e a Crítica. Atualmente a Geografia que se tem buscado (re)fazer é de cunho holístico, uma Geografia plural. Contudo, esta visão criou uma excessiva fragmentação do conhecimento geográfico, que promoveu um distanciamento da identidade do geógrafo. Diante disso, o objetivo deste trabalho é apresentar o panorama do pensamento geográfico e a relação com o conhecimento científico ao longo da evolução histórica do pensamento geográfico, bem como os principais métodos que a tangenciou nesse processo. O caminho metodológico está baseado em levantamento bibliográfico que permitirá analisar os métodos utilizados na trajetória da Geografia enquanto ciência. Palavras- chave: Geografia; Método; Epistemologia Geográfica.

Abstract: Although the systematization of Geography dates back only to the nineteenth century, in Prussia, present Germany, by Alexandre Von Humboldt and Karl Ritter, the existence of geographic knowledge had been observed since the earliest times. Throughout the evolution of this science different approaches have characterized it, as Positivist, Neopositivist, Humanistic and Critical. Nowadays the Geography that has been tried to make and to remake is of holistic character, a plural Geography. However, this view created an excessive fragmentation of geographic knowledge, which promoted a distancing of the geographer's identity. Therefore, the objective of this article is to present the panorama of geographic thought and the relation with the scientific knowledge along the historical evolution of the geographic thought, as well as the main methods that concern it in this process. The methodological path is based on a bibliographical survey that will allow to analyze the methods used in the trajectory of Geography as science.

Keywords: Geography, Method, Geographical Epistemology.

Resumen: A pesar de que la sistematización de Geografía so lamente volver a montar em el siglo XIX, em Prusia, ahora Alemania, por Alexander von Humboldt y Karl Ritter, ya se ha observado la existencia de conocimiento geográfico desde los primeros tiempos. Longo da la evolución de esta ciencia diferentes enfoques caracterizados como un positivista, el neopositivista, la a geografía Humanístico y Crítica. Atualmente que ha intentado rehacer y la naturaleza holística, una geografía plural. Sin embargo, esta visión ha creado una excesiva fragmentación Del conocimiento geográfico, que promovió um distanciamiento de la identidaddel geógrafo. Por lo tanto, el objetivo de este trabajo es presentar el panorama del pensamiento geográfico y La relación com el conocimiento científico a lo largo de la evolución histórica del pensamiento geográfico y los principales métodos que tangenciou este proceso. El enfoque metodológico se basa em la literatura que examinará los métodos utilizados em la trayectoria de la geografía como una ciencia.

Palabras clave: Geografía, Métodos, Epistemología Geográfica.

INTRODUÇÃO

O progresso da humanidade está associado ao conhecimento da superfície terrestre que se iniciou com a expansão dos grupos humanos por toda Terra. Os mesmos eram pouco densos, mas de grande mobilidade. Os homens primitivos se deslocavam em busca de espaço e alimento. Desse modo a mobilidade ocorreu principalmente por necessidade, para a sua sobrevivência, desenvolvendo uma Geografia de pratica, de sobrevivência e de necessidade.

Observa-se que é muito antiga a preocupação do homem em conhecer o meio no qual se desencadeia a vida, sendo isso útil para fins diversos que compreendem desde a sua sobrevivência até a organização de sua vida econômica, política e social. Nesta perspectiva, podemos situar o nascimento da Geografia na própria origem do homem, embora esta ciência ter sido sistematizada apenas no século XIX com a contribuição dos autores Alexander Von Humboldt e Karl Ritter.

Muito se tem discutido a ciência geográfica em mesas de debates e perspectivas múltiplas, chegando à constituição de uma amálgama multiforme carregada de ideologias, pensamentos distintos, complexos e epistemologias dinâmicas. Trata-se de uma herança teórico-metodológica que perpassou o histórico da Geografia e ainda hoje se institui no meio acadêmico e escolar. Corrobora para esse feito o fato de que não existe uma ciência estanque com limites corpóreos rígidos e, igualmente, estáticos. Primeiro, porque a realidade é interconexa e segundo porque as dinamicidades da história e, junto destas, a evolução humana dificultam abordagens que tendem a violar a unidade essencial da realidade. Santos (1986, p.29) traz à baila que desde os seus primórdios o conhecimento geográfico foi marcado por uma gama de fundamentos filosóficos. Nas palavras desse autor:

Se queremos encontrar os fundamentos filosóficos da ciência geográfica no momento de sua construção entre o final do século passado [XIX] e início deste [XX], temos que ir buscá-los em Descartes, Kant, Darwin, Comte e os positivistas, mas também em Hegel e Marx.

Neste sentido, foi com base nessa herança filosófica que a Geografia viu-se subsidiada quanto à construção de sua estrutura conceitual para título e status científico. É bom ter em conta, nessa análise, que a ciência é um produto do pensamento humano e surge como resposta às demandas da sociedade. Neste sentido, cada época trata o saber de acordo com suas particularidades, podendo ocorrer grandes rupturas epistemológicas no desenvolvimento da ciência, pois a força de um paradigma reside no consenso científico de determinada comunidade científica em certa época. Entende-se por paradigma, em consonância a Sposito (2001), um conjugado de ideias, pensamentos, doutrinas, teorias, teses, baseados em um método e que refletem uma tendência científica. A Geografia também se encontra inserida nesse contexto de mudança e, ao longo de sua evolução, vários foram os paradigmas por ela incorporados.

Neste contexto, insere-se uma constante busca teórico-conceitual e metodológica para a Geografia. Por isso, é quase unânime a ideia de que ter a compreensão de como enquadrá-la na ordem científica implica em difícil tarefa. Tal dificuldade se dá tanto pelo fato de existir uma pluralidade de bases teórico-metodológicas, pela aparente dicotomia ciência da natureza/ciência humana/ciência social, quanto pela ampliação do seu campo de pesquisa. Resulta disso, abordagens seriamente fragmentárias e despossuídas da tão almejada “unicidade” no bojo geográfico, o que engendrou mais inúmeros questionamentos, até mesmo, a respeito da autenticidade e identificação da Geografia enquanto ciência.

O exposto sobre a perspectiva histórica do método geográfico, ratifica que o método não é universal e nem homogêneo, a cada mudança histórica muda-se a maneira de utilizar e entender o método e todo método é passível de crítica. Desse modo não existe meio viável, mas um método que subsidia o alcance de determinado objetivo, podendo ser procedimentais ou de abordagens, mas em ambos um facilitador da ciência.

Observa-se também que o método geográfico não é algo particular da Geografia, mas apenas acrescentam-se focos espaciais incluídos nos outros métodos já existentes e que a evolução do pensamento geográfico é seccionada a partir dos diversos métodos utilizados por cada corrente.

Diante do exposto, o presente artigo tem por objetivo apresentar o panorama do pensamento geográfico e sua relação com o conhecimento científico ao longo de sua evolução, bem como dos principais métodos que a tangenciou nesse processo. O caminho metodológico consistiu, essencialmente, em levantamento bibliográfico, especialmente nos estudos de (BROEK, 1976), (MOREIRA, 1994), (GOMES, 1991), (LACOSTE, 1988), (MENDONÇA, 1998), (MORAES, 1999), (REZENDE, 2005), (RODRIGUES, 2008), (SANTOS, 1986) e (SIMON, 2005) dentre outros.

Contextualizando as relações da Geografia com o conhecimento científico

Nos dias atuais é amplamente aceito a ideia de que a Geografia é uma ciência factual que investiga elementos naturais e sociais tomados em conjunto e em suas interfaces. Entretanto, ao longo do pensamento geográfico muitos impasses se sucederam e resultaram em divisões como Geografia Física e Geografia Humana. A essa setorização, inicialmente, cuidou o dualismo Determinismo x Possibilismo. A perspectiva determinista desenvolveu-se primeiramente na Alemanha e posicionou a Geografia ante um conhecimento naturalista, influenciada por Humboldt e Ritter, e que condicionava as atividades humanas às determinações naturais. Ocorreu desta forma, “[...] uma ênfase na utilização dos aspectos físicos para explicar a organização dos diferentes espaços e como arma para a dominação de uns povos sobre outros, o que se constitui nas primeiras manifestações dos estudos de geopolítica.” (MENDONÇA, 1998, p.21). No contexto determinista, destaca-se o papel de Friedrich Ratzel e os seus desígnios imperialistas da burguesia alemã. É dele que emana teorias como a do “espaço vital” e a defesa da ideia de que o território e suas relações de poder devem ser analisadas sob a ótica organicista. Entre outros fundamentos, estes acima se situam na primeira matriz acadêmica da Geografia: a “Escola Alemã”.

Já o possibilismo, inserido no âmbito da chamada “Escola Francesa”, foi uma teoria de Paul Vidal de La Blache, segundo o qual há uma reciprocidade de influências entre o elemento “homem” e o elemento “meio”, sendo que dentro dessa relação o homem possui ampla possibilidade de agir influxamente sobre o espaço onde vive. Para Moreira (1994, p.37), “Com a ‘escola francesa’ a Geografia ganhará sua imagem atual semelhante a um armário: a Geografia divide-se em Geografia física (Humboldt) e em Geografia humana (Ritter), que se subdividirão ao infinito.”. Da visão lablachiana, herdamos também o enfoque regional e os tradicionais estudos monográficos em Geografia.

Porém, quando nos detemos mais amiúde e com um senso maior de criticidade, averiguamos que esse embate pautado na relação entre o homem e seu meio, assim como a bipolaridade Geografia Física e Geografia Humana, encerra no âmbito do pensamento geográfico uma resposta ao conflito imperialista franco-alemão, de modo que, ratificando. “O atual discurso da Geografia é o produto final dos embates que dominam as relações entre os imperialismos alemão e francês ao longo do século XIX, principalmente em suas últimas décadas.” (MOREIRA, 1994, p. 14).

Atualmente, a Geografia apresenta quatro campos gerais de estudo, todos eles remanescentes das conformações históricas por que passou o pensamento geográfico: a saber: as já aludidas Geografia Física e Humana, Geografia Regional e Geografia Geral. Estamos tencionando abordá-las guiados pelo princípio de que tal setorização só tem sentido quando for utilizada para fins didáticos ou para compreender os processos históricos que constituíram sua gênese.

A Geografia Regional implica um estudo que tem por unidade básica a região, tomando em consideração seus elementos físicos e humanos que distribuídos em arranjos próprios conferem àquele espaço um caráter específico e, assim, dotado de particularidades. Sob este prisma, a Geografia é considerada uma ciência ideográfica, ou seja, trata de “[...] fatos não repetitivos, não reprodutíveis e, portanto, sem aspectos regulares que possam fundamentar leis ou normas gerais.” (GOMES, 1995, p. 58). Os estudos regionais têm sua origem cunhada nos postulados lablachianos e na Escola Francesa de Geografia. A sua função primeira esteve ligada à sustentabilidade da cientificidade geográfica, uma vez que as singularidades das regiões constituiriam um objeto preciso e delimitado do conhecimento da referida ciência, passível de apreensão pela observação. Em suma, a região no âmbito geográfico constituiu-se como uma resposta aos desígnios positivistas.

A vantagem do estudo regional consiste no fato que ele pode subsidiar o entendimento de micro-partículas espaciais, às quais análises apenas sob o ponto de vista global correriam o risco de ignorar e, consequentemente, engendrar análises preambulais e despidas de minudência. Apesar disso, atualmente, o conceito tradicional de Região deve ser redefinido devido às transformações impactantes do processo de Globalização. Trata-se de um processo que traz para o espaço um sentido ontológico e estrutural mais complexo, gerando ao mesmo tempo processos integracionistas e reações fragmentárias. Pode levar também exames, calcados no senso comum, a porem em xeque a legitimidade da perspectiva regional.

É lugar-comum o fato de que a Globalização reestrutura o espaço geográfico, quer seja do ponto de vista técnico-informacional, das novas relações capitalistas de trabalho que se estabelecem e dos fluxos globais que dinamizam a superfície terrestre; quer seja do ponto de vista físico-ambiental e da pluralização teórica das demais categorias de análise geográfica. Destarte, desfecha-se da relação entre a Globalização e a redefinição da região, e logo da Geografia Regional, o pressuposto de que o viés regional clássico é incipiente para a compreensão da nova realidade em que vivemos e que o viés contemporâneo abrange o paradoxal fragmentar/ individualizar e o globalizar/integrar.

No que tange à Geografia Geral, também chamada de Geografia Sistemática, podemos dizer, a simples argumento, que ela tem por objetivo estudar a superfície terrestre de maneira mais abrangente, de modo que os fenômenos espaço-geográficos possam ser estudados a partir de aplicações de leis gerais e universais. Coincide nesse ponto com as ciências de natureza nomotética, o que significa dizer que a Geografia, segundo Gomes, (1995, p. 58), “[...] procura nos fatos aquilo que é regular, geral e comum [...] e estabelece assim modelos abstratos que podem antecipar resultados a partir do conhecimento das variáveis fundamentais que definem um fato ou fenômeno.”

Para essa Geografia, o espaço é tomado a partir de suas interconexões e do ponto de vista mais holístico, retomando o antigo princípio de Humboldt e mais tarde de La Blache, o “princípio da unidade terrestre”, o qual compreende ser a Terra apenas apreendida a partir de uma visão em conjunto e dentro disso, o “princípio da conexão”, de Jean Brunhes, segundo o qual o entendimento de que todos os lugares e elementos dasuperfície terrestre se inter-relacionam. Uma das questões que circunda essa abordagem refere-se ao risco que ela corre de cair naquilo que é tão questionado pela “Geografia Renovada”: as áridas descrições, classificações exacerbadas e enumerações a-críticas, esta última mais questionada pela chamada corrente critica. Esse risco pode derivar da tentativa de investigar “[...] um determinado grupo de características produzidas por um tipo de processo, quaisquer que sejam as características que possam ocorrer no mundo.” Broek (1976, p.82). Tomando para si um universo de análise acerbo e demasiadamente complexo. “Será inútil pensar que podemos dominar a totalidade de conteúdo de qualquer área.” (BROEK, 1976, p.82).

Apesar destas maneiras distintas de delinear os estudos geográficos, a escala regional e a global, o geógrafo deve ter estar consciente de que o espaço geográfico pode ser entendido sob várias perspectivas, métodos e escalas diversas. Deve observar que tanto a Geografia Regional quanto a Geografia Geral, representam campos complementares e não excludentes, uma vez que ambas podem participar do processo de escolha daquilo que se vai perscrutar. Defendemos isto, embasados no pensamento de Broek (1976), para quem o estudo geral na Geografia abrange o reconhecimento de áreas homogêneas, onde se constitui o método regional. Paralelamente, o estudo de regiões que são homogêneas a partir de critérios específicos recai no uso do método geral, dado que os pressupostos de definição são gerais.

Em se tratando de Geografia Física e Humana, tecemos até o presente informações que já nos possibilitam sintetizar e “sistematizar” algumas reflexões a esse respeito. Sabemos que a primeira é aquela atinente ao estudo dos elementos naturais, enquanto a segunda pesquisa os fenômenos humanos e sociais (população, indústria, agricultura, comércio, etc.). Por isso, a Geografia apresenta a vantagem de a ter no seu escopo variáveis físicas e humanas com maior afinco. É essa abrangência que diferencia a ciência geográfica das demais ciências, que ora lidam com um elemento, ora com outro, muitas das vezes, isoladamente. Não obstante, tal conjectura levou a entraves teóricos, metodológicos e epistemológicos na história do pensamento geográfico, dado que para entender, a um só tempo, a dinâmica da natureza e a social, o que é o ideal, requer esforço e competência, no dizer de Mendonça (1998).

Consideramos relevante falarmos a respeito de algumas considerações levantadas pelo autor supracitado – no parágrafo anterior – a respeito desses dois ramos da ciência geográfica. Uma delas é bem incisiva ao argumentar que a especialização em um ramo específico dota-se de ambiguidade, uma vez que é justamente o fato de abarcar a esfera natural e humana em conjunto o que singulariza a Geografia. Esta não pode dirigir-se aos fenômenos sociais esquecendo do espaço físico sobre o qual eles se sucedem, sendo a recíproca verdadeira, ou seja, analisar o quadro físico sem pontuar as relações humanas em seu contexto também incorre em erro. Também considera que a Geografia Física possui características fundamentais, a saber, a sua aproximação com as ciências naturais e simultaneamente com as ciências humanas quando volta sua atenção para a problemática ambiental decorrente da ação antrópica na organização espacial. Este quadro torna difuso o estabelecimento de uma hierarquização de valor entre esses dois domínios. Há de se argumentar ainda, que é necessário que se trabalhe pela unicidade do pensamento geográfico, o que implica em não atomizar a geograficidade da realidade espacial. Em outras palavras, a Geografia Física é:

[...] uma parte da ciência denominada Geografia e que, como tal, é uma subdivisão das ciências humanas; quer seu enfoque seja aceito dentro da dicotomia Geografia física versusGeografia humana, quer como aspecto importante de uma Geografia de caráter mais global (MENDONÇA, 1998, p. 68).

Encabeçadas estas discussões, é preciso deixar claro nestas considerações gerais a respeito da Geografia e suas relações com o conhecimento científico, que há um acordo entre os geógrafos contemporâneos de que a ciência geográfica está em crise. Esta crise é orientada pelas transformações ocorridas nas relações sociais, haja vista a inoperância e ineficácia dos fundamentos que nortearam o desenvolvimento geográfico-espacial, que lhe deram sustentação teórica e que ordenou a sua epistemologia, para com a explicação da complexidade do mundo hodierno e de suas sociedades complexas. A Geografia da crise é, acentuadamente, resultado de uma pluralidade de pontos de vista e de embates metodológicos acirrados.

Indubitavelmente, precisar os debates referentes às questões científicas, epistemológicas, filosóficas, técnicas e metodológicas na Geografia conduz a uma dialética que abrange desde a preocupação com a sua autonomia científica, a multiplicidade conceitual, até ás diversas discussões quanto ao seu objeto de estudo e sua natureza. Essas discussões que se dão, principalmente, no contexto da Geografia Tradicional ensejam nas suas várias concepções domínios naturais, sociais, humanos: “a Geografia é uma ciência ponte entre as ciências da natureza e as ciências do espírito”; “é a ciência dos lugares”; “é ecologia dos homens”; “é uma ciência social”; “é o estudo científico da paisagem”; “é um campo aberto, sem limites”; “é uma forma de pensar”, entre outros. Há, todavia, uma predominância da ideia de que a organização espacial, oriunda da relação entre a sociedade e a natureza, é a principal preocupação da Geografia, conforme atesta a definição de Gerardi (1981) para quem essa ciência é a área do conhecimento que se preocupa com a análise dos processos de organização socioambiental, relacionados a uma perspectiva espacial, ou para Mendonça (1998, p. 17) afirmando que a Geografia:

Enquanto ciência que tem por objeto de estudo as relações entre o homem e o meio, numa troca simultânea de influências [...] se encontra preocupada com a compreensão dos aspectos naturais do planeta tanto em suas especificidades quanto no seu inter-relacionamento e configuração geral; também a sociedade, parte integrante deste inter-relacionamento, assume importantíssimo papel no contexto geográfico, dividindo igualmente com o quadro físico do planeta o rol de preocupações desta ciência.

Para não digressar muito, resumimos em Rodrigues (2008, p. 16) dizendo que o espaço “[...] é estudado no contexto da relação sociedade-natureza”.O exposto acima é contundente para que possamos reafirmar o caráter eclético e heterogêneo da Geografia. Chega-se a falar, devido a isso, em interdisciplinaridade e no uso do conhecimento de outras ciências para a construção e pontificação do conhecimento geográfico. Acreditamos que a Geografia é uma ciência com um campo de investigação próprio, mas que pelo fato de integrar-se à uma realidade multifacetada, acaba por realmente ter que se mediar entre diversos outros ramos do saber humano, como a Biologia, a Física, a Matemática, a Antropologia, a Sociologia, a Economia Política, a Etnologia, a História, a Geologia, a Astronomia, a Meteorologia, a Hidrologia, entre outros. A necessidade de contato com essas ciências decorre do fato de que ao lidar com a produção do espaço pela sociedade, a Geografia aproxima-se das ciências sociais e humanas. Por seu turno, se tem que estudar as intervenções antrópicas no meio físico, tem de manter trocas com as ciências naturais. Também não podemos nos esquecer de que ao usar técnicas cartográficas e modernas, como as computacionais, a Geografia estreita relações com as ciências exatas e tecnológicas.

Havemos de convir que se a Geografia foi influenciada pelas ciências elencadas, o conhecimento geográfico também as influenciou, ainda que de forma menos contundente, tanto é que surgiram daí setores específicos como a BioGeografia (Geografia e Biologia), a Hidrografia (Geografia e Hidrologia), Geomorfologia (Geografia e Geologia) e a utilização dos saberes geográficos em inúmeros trabalhos de outras áreas. Apesar de isso ter posto a Geografia em simbiose com outras ciências, tal feito colaborou para que houvesse muitas dificuldades na consubstanciação do objeto e objetivo geográficos ao longo do tempo, engendrando conflitos entre o ser “unitário” e o ser “diverso”.

Tais reflexões suscitam a importância da Geografia para a compreensão da realidade. Emergem, então, três caminhos para o entendimento disso. Há aqueles que depositam nos estudos geográficos um caráter de “ciência pura”, onde se investiga o espaço apenas por vontade de aquisição de conhecimentos e de descoberta dos elementos que constitui a realidade do mundo. Outros apostam numa Geografia instrumental e de caráter profundamente geopolítico, isto é, de um saber a favor das reproduções das relações de poder e da regência do espaço de modo a favorecer um grupo social, econômico e/ou político que nele predomina, ou como disse Lacoste (1988, p. 22-23) “a Geografia serve, em princípio, para fazer a guerra.”, pois, continua:

Para toda ciência, para todo saber deve ser colocada a questão das premissas epistemológicas; o processo científico está ligado à uma história e deve ser encarado, de um lado, nas suas relações com as ideologias, de outro, como prática ou como poder. Colocar como ponto de partida que a Geografiaserve, primeiro, para fazer a guerra não implica afirmar que ela só serve para conduzir operações militares; ela serve também para organizar territórios, são somente como previsão das batalhas que é preciso mover contra este ou aquele adversário, mas também para melhor controlar os homens sobre os quais o aparelho de Estado exerce sua autoridade (LACOSTE, 1988, p. 22-23).

Há ainda os que creditam na Geografia um vetor de transformação social, mais precisamente os geógrafos críticos, para os quais o conjunto cognitivo dessa ciência deve estar a favor do equilíbrio biológico entre o homem e a natureza, assim como do bem- estar social, devendo, portanto, indicar caminhos à sociedade no processo de apropriação da natureza. Mas isso, só é possível devido à Geografia conformar em seu seio o estudo das relações entre o homem e o seu meio.

Do disposto até agora, realmente não cabe inferir outra coisa senão a variedade de pleitos e (des)encontros submetidos a/na Geografia, tornando igualmente complexo a retomada e a discussão de suas faces. Isto que aqui se dispomos, foi apresentado apenas de forma geral e feitio contextualizador, uma vez que é por demais laboriosos fazê-los de forma totalizante.

Os métodos na ciência Geográfica

Por muito tempo, os métodos utilizados pela Geografia pautaram-se nos fundamentos positivistas que contagiaram não só a ciência geográfica, mas como diversos outros campos científicos. A questão do método viu-se mascarada pela questão primordial, de então, buscar uma definição do objeto de estudo. Tratou-se de um equívoco no pensamento geográfico.

A esse respeito Santos (1986) afirma que Geografia é viúva do espaço, pois se preocupou tanto em definições que não levaram a nada e esqueceu-se de seu objeto principal que é o espaço geográfico. Assim, definir Geografia – “[...] uma palavra cada vez mais vazia de conteúdo [...]” (SANTOS, 1986, p.91) – se fez majoritário em detrimento de se discutir o método, que se tornara cada vez mais confuso e ausente em termos de um debate mais precisado no temário geográfico.

Deve-se a isso as influências do positivismo na Geografia. Mas antes de especificarmos tais influências, retornaremos a alguns princípios básicos das doutrinas positivistas. A palavra “Positivismo” possui um vasto sentido. Pode significar desde uma teoria que recusa toda e qualquer negação, onde se elimina o contraditório e afirma o similar, o positivo, até uma doutrina que considera como objeto de estudo do conhecimento apenas aquilo que é positivo, ou seja, o que é fornecido pelos sentidos. Entretanto, num sentido mais preciso, o positivismo deve ser entendido como uma doutrina e uma escola fundada por Augusto Comte no século XIX e que influenciou a organização social, científica e religiosa da sociedade. Na verdade, os postulados positivistas emergem de uma burguesia antiabsolutista na tentativa de institucionalizar uma ideologia industrial e conservadora ao longo do século XIX.É devido a esses pareceres que Simon (2005, p.144) afirma que:

O positivismo, de acordo com Augusto Comte, não é uma corrente filosófica entre outras, mas a que acompanha, promove e estrutura o último estágio que a humanidade teria atingido, fundado e condicionado pela ciência. Comte usa o termo filosofia com o mesmo sentido que lhe atribuía Aristóteles, isto é, como definição do sistema geral do conhecimento humano. E o termo positivo significando o real, por oposição ao quimérico, o útil em oposição ao ocioso, a certeza em oposição à indecisão, o preciso em oposição ao vago.

Para Comte, a ciência é uma forma de conhecimento que é caracterizado pela sensibilidade em sua certeza e por uma observação sistemática e metódica, ocorrendo, assim, uma apreensão adequada dos fenômenos observados. Considera também que o conhecimento científico é capaz de prever e controlar aquilo que possa vir a construir uma sociedade positiva; levanta inquérito sobre os fenômenos pautando-se na busca por suas leis e relaciona os acontecimentos observados a partir de princípios combinados isoladamente. As ciências, sejam elas da natureza ou da sociedade, devem ser orientadas pela explicação causal do que se investiga de forma neutra, sem atribuir valor, ideologias ou preconceitos.

A classificação das ciências de acordo com Comte se daria da seguinte forma, ao ver de Rezende (2005, p. 157):

Comte estabelece uma classificação das ciências a partir de certos critérios: (a) a ordem cronológica de seu aparecimento; (b) a complexidade crescente; (c) a generalidade decrescente; (d) a dependência mútua entre os diversos estudos científicos (resultante da dependência dos fenômenos a eles correspondentes). São estas as cinco ciências fundamentais que já atingiram o estado positivo: a astronomia, a física, a química, a fisiologia e a física social ou sociologia.

Destaca-se aí a importância da física social ou sociologia. Augusto Comte a vê como a mais complexa entre as ciências classificadas por ele. Além de estudar os fenômenos sociais, a sociologia tinha por objetivo subsidiar o estabelecimento de uma base racional e científica para uma reforma moral e intelectual por que deveria passar a sociedade sob as premissas do espírito positivo e organizacional das estruturas sociopolíticas. Essa ciência estaria dividida em estática, quando a sociedade estivesse em repouso (ordem social), e a dinâmica (abrangeria o estudo do processo de alcance do progresso social advindo do desenvolvimento orgânico da sociedade).

Além destes princípios atinentes à ciência, podemos relatar outros tais como: a sociedade é regida por leis naturais e independentes da vontade e da ação humana; a sociedade pode ser assimilada pela natureza em âmbito epistemológico e, portanto, estudada pelos mesmos métodos e submetida às leis naturais e organicistas. Sob esses pontos de vista, o Positivismo nega o caráter histórico e social do conhecimento e ressalta-lhe a concepção empiricista, estabelece a indução a partir da observação como método e condiciona as ciências sociais aos domínios das ciências naturais.

Diante desses princípios o funcionamento da sociedade é estudado a partir de leis naturais invariáveis. Por isso, e por serem considerados como obstáculos ao progresso científico e social, os conflitos entre as classes, as diversidades políticas conflitantes, a questão dos valores morais e as distintas interpretações a cerca do mundo são negligenciadas. O sujeito ocupa nesse contexto um papel de receptáculo dos fenômenos reais, concomitantemente, ao seu papel de descritor e tradutor dos mesmos de forma a manter-se distinto de passionalidade e de todo apriorismo.

Apesar de que para o Positivismo as leis sociais são análogas às leis naturais, enseja que o progresso é entendido como uma lei da história da humanidade em que, com o avanço das ciências, adquire-se mais conhecimento e uma transformação dos meios técnicos e, consequente, alcance da realização humana. Há desta forma, um aprimoramento das relações progressistas, onde o futuro será melhor do que o presente que foi melhor do que o passado. Neste processo estabelece-se a ideia de ordem como vetor do progresso.

Quando falamos em Positivismo é imprescindível aludirmos sobre a “lei dos três estados”, já aqui alinhavada anteriormente quando falávamos das concepções de ciência. Essa é uma lei fundamental para Comte, onde o espírito dos indivíduos, a espécie humana e as ciências passariam por três etapas: a teológica, na qual os fenômenos se explicariam de acordo com variáveis sobrenaturais; a metafísica ocorrendo que na explicação dos fenômenos não se dão mais em face de agentes sobrenaturais, mas em virtude de forças abstratas; e o último estado, o positivo no qual realmente ocorre o espírito científico, a sua racionalidade, a execução de suas prerrogativas e a busca por leis.

Destarte, esses fundamentos básicos do Positivismo comteano, retomados neste trabalho para melhor entendermos os métodos utilizados na Geografia em decorrência de seus influxos, foram conformadores de vários pressupostos das ciências que se consolidaram no século XIX. Contudo, muitos desses fundamentos já foram superados pela comunidade científica contemporânea. Hoje sabemos que cada ciência utiliza um método próprio e de acordo com os seus objetivos e não um método único e aplicável a todas as ciências. Compreendemos também que o cientista não está isolado do mundo que ele pesquisa e que, assim, ele não está isento de posicionamentos morais e políticos, da mesma forma que já é admissível aideia de que o conhecimento científico é dotado de historicidade/diacronia e que o mesmo ocorre num contexto social e espacial estando a mercê de um grupo ou classe majoritária dentro da sociedade a que ele se destina.

Entendidas as premissas do Positivismo, encaminharemos nosso estudo às influências delas sentidas na Geografia. A mais expressiva delas foi asseguridade da unidade no pensamento geográfico traduzida em máximas e princípios que o perpassou por um longo período de tempo. De acordo como Moraes (1999), as máximas e os princípios decorrentes do Positivismo permitiram que elementos díspares e antagônicos vivessem e harmonia na produção geográfica, já que foram tomados de forma não crítica, mesmo sendo frágeis, vagos e de um nível bastante elevado de generalidade. Justamente, por isso, é que eles permitiram “sustentabilidade” ao discurso geográfico.

Desde o século XIX até os anos iniciais do século XX, o método geográfico esteve apoiado nos princípios, que tidos como inquestionáveis e atuantes como regras de procedimento, eram oriundos da pesquisa de campo (observação). Segundo Moraes (1999) e Rodrigues (2008) foram os seguintes:

Princípio da extensão: legado por Friedrich Ratzel, segundo o qual os fenômenos se manifestam num espaço variável do planeta, ocorrendo que para o geógrafo estudá-lo deveria localizar e estabelecer os seus limites através do uso de mapas e do seu conhecimento direto.

Princípio da Geografia Geral ou da analogia: enunciado por Karl Ritter, refere-se à necessidade de comparar uma área com outras, estabelecendo diferenças e analogias. Isto porque a diversidade dos lugares só é passível de apreensão pela contraposição das individualidades.

Princípio da unidade terrestre: oriundo de La Blache, compreende que a Terra é um todo e que deve ser estudada a partir de uma visão de conjunto, pois não se apresenta fragmentada.

Princípio da causalidade: tem sua origem em Alexander von Humboldt. Para ele, depois de se observar os fenômenos deveriam ser buscadas as causas que os determinaram num sistema de relação causa e efeito.

Princípio da conexidade: foi elaborado por Jean Brunhes, segundo o qual todos os elementos da superfície terrestre e todos os lugares se inter-relacionam. Neste sentido, a construção das paisagens se dá por meio da interação entre os fatores físicos e humanos de forma dependente e interpenetrante, inclusive com outros elementos.

Princípio da atividade: tudo na Terra está em constante dinamismo. Também foi criado por Jean Brunhes, que acreditava que o espaço geográfico está em constante reorganização devido à ação constante dos diversos fatores/fatos geográficos.

Princípio da individualidade: cada lugar possui uma característica que lhe é peculiar e individual e que, assim, não se repete em outro lugar.

Princípio da localização: enuncia que todo fenômeno e sua manifestação são passíveis de serem delimitados.

Estes princípios nortearam toda a questão que envolvia o método e, principalmente, o objeto de estudo da Geografia. São gêneros principistas de cunho extremamente naturalista, salvo um ou outro, e generalizantes. Para Santos (1986, p.27), estes princípios sincronizaram a Geografia com as ciências modernas e, portanto, possuem significado para a ciência geográfica, ou como diz: “Para a época, era sem dúvida, um progresso e essas ideias que hoje nos parecem menos articuladas guardam, todavia, todo o seu valor, como inspiração pioneira.” Contudo, argumenta que o retrocesso na Geografia deveu-se a um movimento de tributário e fechado de ideias retrógradas, onde certamente se assentam os princípios sobreditos.

Junto aos princípios estiveram as máximas. Estas também representaram filiação com o Positivismo e permitiram que a Geografia saísse da miscelânea com outras ciências e a indefinição do seu campo de atuação, ou melhor, favoreceram lhe os argumentos em defesa de sua autonomia enquanto ciência, mesmo que isso tenha passado por mais discussões e discursos na história do pensamento geográfico.

Tomando como referência Moraes (1999), temos que são as seguintes as máximas:

A Geografia é uma ciência empírica pautada na observação: depreende-se desta máxima o caráter empiricista do Positivismo, onde a observação, a descrição, a enumeração e a classificação dos fatos eram os objetivos de estudo, que nesta postura, encontrava-se condicionado pelo mundo dos sentidos. Pautada nestes termos, a Geografia deveria/estaria limitada à indução e a juízos genéricos apressados. Além de especificar algo como geográfico, o real, que é comum a todas as ciências, fez com que as análises geográficas ficassem reduzidas a formalismos tipológicos e a-históricos.

A Geografia é uma ciência de contato entre o domínio da natureza e da humanidade: se aceita que o método aplicado nas ciências naturais deve ser comum às demais ciências. Não se considera a diferença entre as ciências de domínio natural e humano. Esta máxima serviu para ocultar o naturalismo que estigmatizava a Geografia. Por isso, o homem era tido apenas como um elemento da paisagem, um fator a mais na modelagem da superfície terrestre.

A Geografia é uma ciência de síntese: atende ao Positivismo quanto à ideiadesse de que as ciências devem ser hierarquizadas e classificadas. O conhecimento geográfico estaria responsável por relacionar e ordenar os produtos das outras ciências. Por demais abrangente, já que tudo aquilo que ocorresse na superfície terrestre estaria no seu campo de estudo, esta máxima serviu para mascarar a vaguidade e indefinição do objeto. Configurava-se, então, em torno de um paradoxo, uma vez que o Positivismo requeria uma definição precisa do objeto de estudo para legitimar uma ciência.

Apesar dos embargos transmitidos ao desenvolvimento da Geografia enquanto ciência, não podemos ser antidialéticos e ocultar as contribuições que estes deram à cientificidade geográfica, uma vez que foram as máximas e os princípios que subsidiaram a construção das premissas da Geografia, o posicionamento desta frente às outras ciências e a garantia, ainda que aparente, de um possível status acadêmico e científico. Desta forma, os métodos da Geografia Tradicional se assentaram nos fundamentos positivistas e, é claro, tiveram na indução (exemplo evidente da Escola Possibilista) o aporte de investigação e tomada de conclusões.

Porém, as ciências mudam e os seus métodos também. Como a Geografia é uma ciência dinâmica, pois as mudanças históricas impõem uma reformulação dos paradigmas que norteiam cada ramo do saber científico considerando, sobretudo, que uma verdade científica não é um saber eterno, ao contrário, é passível de evolução permanente, o método da mesma mudou. Por isso, uma mudança de paradigma implica uma mudança na forma de apreensão da realidade tal como ela se apresenta num dado momento histórico.

Ademais, consideramos necessário lembrar que o geógrafo, ao realizar seu trabalho na busca de uma verdade sobre determinada realidade espacial, o faz com base num paradigma. A escolha por um método – aqui entendido como o conjunto de abstrações teórico-filosóficas que refletem a visão teórico-filosófica do sujeito remontando-se à perspectiva paradigmática – é uma alternativa única, sendo pouco possível que o indivíduo possa ser marxista e positivista ao mesmo tempo. A opção pelo método e pela metodologia na pesquisa geográfica é, obviamente, profundamente influenciada pelas predisposições ideológicas do pesquisador.

Nesta ordem de ideias, é possível entender as diferentes abordagens que caracterizaram a Geografia ao longo de sua evolução: a positivista, a neopositivista, a humanística e a crítica. Como pretendemos retomar mais minuciosamente cada corrente dessas no capítulo posterior a este, faremos apenas uma breve delimitação do método adotado por cada uma corrente filosófica introdutoriamente. Devido ao fato de já termos retomado o método da Geografia Positivista, partiremos do paradigma neopositivista.

O neopositivismo, também chamado de positivismo lógico, refere-se a uma reformulação do positivismo tradicional. Seu núcleo fundamental foi o Círculo de Viena, fundado em 1920 na Alemanha, onde se sustentou que a lógica, como ciência formal da representação simbólica, é autossuficiente em relação às ciências empíricas, num processo de recusa à metafísica e ao idealismo. Contudo, o neopositivismo se consolidou na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos e não na Alemanha, já que devido à negação de todo idealismo e juízo de valor fizeram com que os neopositivistas sofressem perseguições por parte dos nazistas.

Em consonância a Ferreira e Simões (1993) as principais características do neopositivismo são: toda forma de conhecimento tem sua premissa na observação e destitui o idealismo e os problemas metafísicos, sendo, portanto, objetivo; existe uma linguagem comum a todas as ciências; o uso da linguagem matemática e da lógica imprimem à ciência clareza e objetividade; não existe dualismo entre as ciências naturais e sociais. Conforme Japiassú (1986), o neopositivismo foi incisivamente criticado por Karl Popper, uma vez que este considerava que o critério positivo de verificação a que o pensamento neopositivo se propunha impedia a elaboração de hipóteses, tidas por ele como essenciais para o desenvolvimento da ciência.

O neopositivismo se desenvolveu/aperfeiçoou em todo um contexto histórico-científico que influenciou suas implicações no conhecimento geográfico. No plano científico, constitui exemplo a aproximação das ciências com as descobertas da Física Quântica e aplicabilidade das leis probabilísticas em detrimento das leis deterministas do positivismo no século XIX. Recusa-se a indução como forma de incidir sobre a verdade.

No plano histórico situam-se o modelo de superprodução nos Estados Unidos e a, consequente, crise de 1929 e suas repercussões em todo o espaço geográfico mundial. Disso resultou um maior desenvolvimento das ciências sociais que encontraram na grave situação socioeconômica estabelecida um campo aberto para discussões, a serem aprofundadas no período após a Segunda Guerra Mundial. Passa-se a solicitar o desenvolvimento de uma nova forma de entender a economia (economia positiva), a instrumentalizar os meios de controle social e a inserir os métodos urbanos e regionais para o planejamento das cidades europeias devastadas com os resultados da guerra.

Diante desse processo histórico, a Geografia viu-se em face de um espaço mais complexo e não passível de explicação apenas pela descrição. Urgia uma forma de explicação que otimizasse a utilização dos recursos naturais e das atividades humanas no globo terrestre através de modelos espaciais. Surgia, neste contexto, a Geografia Teórico-Quantitativa ou “New Geography” para os norte-americanos.

O método da referida Geografia é o hipotético-dedutivo. A partir da percepção de alguns fatos o geógrafo cria uma imagem do espaço que investiga, constrói um modelo e levanta uma hipótese para verificá-lo. Como isso acontece de forma exacerbada, isto é, com o apanhado de muitas variáveis, o geógrafo recorre ao computador e ao armazenamento das informações num banco de dados, bem como a utilização da abordagem sistêmica e de elementos estatísticos em massa. Assim, o método hipotético-dedutivo na perspectiva geográfica esteve relacionado à construção de modelos a serem utilizados nas análises espaciais de forma teórica e a serem verificados por meio de técnicas matemáticas e estatísticas.

Portanto, o método científico da Geografia Teórico-Quantitativa, como nos diz Ferreira e Simões (1993, p.86):

[...] não é determinista, isto é, a hipótese não tem de ser verificada em todos os casos, mas é probabilista, isto é, a hipótese deve verificar-se num número significativo de casos. A partir daqui podem formular-se leis probabilistas e construir-se a teoria do modelo.

A partir de 1950 as estruturas sociais e econômicas mundiais passaram por novas profundas mudanças e engendraram novas formas de conceber o pensamento geográfico. As ciências sociais passaram a se preocupar com a questão do Terceiro Mundo e do subdesenvolvimento ligado às relações de discrepâncias sociais oriundas do capitalismo. A Geografia passa a incorporar o temário social de forma diferente, sob duas vertentes: a Humanística e Crítica.

A primeira possui expoentes como Anne Buttmer, Yu Fu Tuan e Julian Wolpert. São os que adotam o método fenomenológico e de cunho existencialista. Acreditam na importância do sujeito no processo de construção do conhecimento, pois cada um apreende e avalia o espaço de forma diferenciada: destacam a subjetividade, o simbolismo, a intuição, os sentimentos e a experiências individuais. Por isso, o trabalho de campo e aplicação de questionários tornam-se imprescindíveis para o levantamento geográfico.

A segunda é uma corrente do pensamento geográfico fundamentada numa crítica radical sobre o papel da Geografia na sociedade. Adotam o método materialista histórico e materialista dialético, analisando, desta forma, os modos de produção e as formações socioeconômicas. Isto é para que se possa dotar a ciência geográfica de instrumentalidade quanto à transformação social, ou seja, o conhecimento geográfico não se distancia da ideologia, mas antes estreita as relações entre os dois.

Há de se considerar que ambas as correntes também sofreram e sofrem críticas. A corrente humanística pelo seu psicologismo, pela sua fluidez teórica e pela falta de esclarecimento epistemológico, enquanto a corrente crítica pelo dogmatismo exacerbado, por conferir ao marxismo um papel panacéico na análise geográfico e por negligenciar os estudos empíricos, o subjetivo e por exigir um nível de abstração muito elevado.

Todos esses métodos da Geografia ainda são utilizados na atualidade. É onde se coloca e ratifica a complexidade que envolve o trato com ele. Destaca-se também o papel da Globalização em um movimento dinâmico e de transformação do espaço geográfico, exigindo uma atenção mais aprofundada com a questão metodológica, já que se vive um processo reacionário e paradoxal de unificação e fragmentação territorial, onde dizer que este ou aquele método é o correto incide em erro grave.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Geografia é o campo do conhecimento que analisa as relações espaciais. Em detrimento da amplitude de conhecimento que essa ciência abarca, seus estudos são por vezes idealizados com base em uma bipolarização, Geografia Física/ Geografia Humana, contudo essa dicotomia empobrece a ciência geográfica.

O exposto sobre a perspectiva histórica do método geográfico, ratifica que o método não é universal e nem homogêneo, a cada mudança histórica muda-se a maneira de utilizar e entender o método e todo método é passível de crítica. Desse modo não existe meio viável, mas um método que subsidia o alcance de determinado objetivo, podendo ser procedimentais ou de abordagens, mas em ambos um facilitador da ciência.

Observa-se também que o método geográfico não é algo particular da Geografia, mas apenas acrescentam-se focos espaciais incluídos nos outros métodos já existentes e que a evolução do pensamento geográfico é seccionada a partir dos diversos métodos utilizados por cada corrente.

REFERÊNCIAS

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MOREIRA, Ruy. O que é Geografia? 15. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

FERREIRA, Conceição Coelho; SIMÕES, Natércia Neves. A evolução do pensamento geográfico. 8. ed. Lisboa: Gradativa, 1993.

GERARDI, Lúcia Helena de Oliveira; SILVA, Barbara-Christine Nentwig. Quantificação em Geografia. São Paulo: Difel, 1981.

GOMES, Horieste. Reflexões sobre teoria e crítica em Geografia. Goiânia: CEGRAF/UFG, 1991.

GOMES, P.C. da C. O conceito de região e a sua discussão. In: CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R. L.. (Org.). Geografia: conceitos e Temas.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. Cap. 2, p.49 -76.

JAPIASSÚ, Hilton Ferreira. Introdução ao pensamento epistemológico. 4. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986.

LACOSTE, Yves. A Geografia - isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Campinas: Papirus, 1988.

MENDONÇA, Francisco. Geografia Física: Ciência humana?. 6. ed. São Paulo: Contexto, 1998.

MORAES, Antônio Carlos Robert. Geografia: Pequena História Crítica. São Paulo: Hucitec, 1999.

REZENDE, Antônio. Curso de Filosofia: Para professores e alunos dos cursos de segundo grau e de graduação. 13. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

RODRIGUES, Auro de Jesus. Geografia: Introdução à ciência geográfica. São Paulo: Avercamp, 2008.

SANTOS, Milton. Por uma Geografia nova: da crítica da Geografia a uma Geografia crítica. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1986.

SIMON, Maria Célia. O positivismo de Comte.In: REZENDE, Antônio. (Org). Curso de Filosofia: Para professores e alunos dos cursos de segundo grau e de graduação. 13. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p.144-158.

SPOSITO, Eliseu Savério. A propósito dos paradigmas de orientações teórico-metodológicas na Geografia contemporânea. In: Terra Livre: Paradigmas da Geografia - Parte I. São Paulo, Associação dos Geógrafos Brasileiros, n.16, p.99-112, Jun.2001.



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