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ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO USO DA TERRA E CONFLITOS RELACIONADOS À CONSERVAÇÃO DAS ÁREAS ÚMIDAS NA BACIA DO RIBEIRÃO BOM JARDIM, EM UBERLÂNDIA/MG
ANALYSIS OF THE EVOLUTION OF LAND USE AND CONFLICTS RELATED TO THE CONSERVATION OF THE HUMID AREAS IN THE RIBEIRÃO BOM JARDIM BASIN, IN UBERLÂNDIA/MG
ANÁLISIS DE LA EVOLUCIÓN DEL USO DE LA TIERRA Y CONFLICTOS RELACIONADOS CON LA CONSERVACIÓN DE LAS ÁREAS HÚMEDAS EN LA BACIA DEL RIBEIRÓN BOM JARDÍN, EN UBERLÁNDIA / MG
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 15, núm. 2, pp. 181-200, 2017
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 31 Maio 2017

Aprovação: 18 Outubro 2017

DOI: https://doi.org/10.22238/rc24482692v15n22017p181a200

Resumo: A análise da evolução do uso da terra através de técnicas de sensoriamento remoto contribui para a compreensão das transformações socioambientais de uma determinada área. O presente artigo apresenta resultados de pesquisa dedicada a avaliar as transformações no uso e ocupação da terra na bacia hidrográfica do Ribeirão Bom Jardim, em Uberlândia/MG, nos últimos 30 anos. O quadro de transformações no uso da terra é avaliado com ênfase nos debates pertinentes à preservação das áreas úmidas (AUs). Através de revisão bibliográfica e mapeamento utilizando imagens da série de satélites Landsat, foram constatadas as transformações e apresentadas recomendações. Verificou-se redução próxima de 12% das áreas naturais, sobretudo do bioma Cerrado, e aumento acima de 21% das áreas antropizadas ocupadas por cultura anual, o que impactou sobremaneira as Áreas de Preservação Permanente, incluindo as áreas úmidas.

Palavras-chave: Legislação ambiental, Uso da terra, Áreas úmidas.

Abstract: The analysis of the evolution of land use through remote sensing techniques contributes to the understanding of the socio-environmental transformations of a given area. The present article presents results of a research dedicated to evaluate the transformations in land use and occupation in the Ribeirão Bom Jardim basin, in Uberlândia/MG, in the last 30 years. The land use transformation framework is evaluated with emphasis on the debates related to the preservation of humid areas. Through bibliographic review and mapping using images from the Landsat satellite series, the transformations were verified and recommendations were presented. There was a reduction of around 12% in the natural areas, especially in the Cerrado biome, and an increase of over 21% in the anthropic areas occupied by the annual crop, which greatly affected the Permanent Preservation Areas, including the humid areas.

Keywords: Land use, Environmental legislation, Humid areas.

Resumen: El análisis de la evolución del uso de la tierra a través de técnicas de percepción remota contribuye a la comprensión de las transformaciones socioambientales de una determinada área. El presente artículo presenta resultados de investigación dedicada a evaluar las transformaciones en el uso y ocupación de la tierra en la cuenca hidrográfica del Ribeirão Bom Jardim, en Uberlândia/MG, en los últimos 30 años. El cuadro de transformaciones en el uso de la tierra se evalúa con énfasis en los debates pertinentes a la preservación de las zonas húmedas (AUs). A través de revisión bibliográfica y cartografía utilizando imágenes de la serie de satélites Landsat, se constataron las transformaciones y las recomendaciones presentadas. Se verificó una reducción cercana al 12% de las áreas naturales, sobre todo del bioma Cerrado, y aumento por encima del 21% de las áreas antropizadas ocupadas por cultivo anual, lo que impactó sobremanera las Áreas de Preservación Permanente, incluyendo las áreas húmedas.

Palabras clave: Legislación ambiental, Uso de la tierra, Áreas húmedas.

Introdução

Em 1971 aconteceu em Ramsar, no Irã, a “Convenção sobre zonas úmidas de importância internacional, especialmente como habitat de aves aquáticas”. Tal evento foi um marco em relação às iniciativas dedicadas à preservação das chamadas áreas úmidas (AUs). Desde então o conhecimento a respeito destes ambientes tem sido aprofundado, enfatizando-se a importância de sua preservação.

Estudos como os de Junk et. al. (2012) e Machado (2014) apontam a ineficiência dos instrumentos legais relacionados à preservação das áreas úmidas no Brasil, muito provavelmente devido à falta de um sistema nacional de classificação, mapeamento dos tipos e áreas de ocorrência, além da confusão gerada pelo grande número de instituições envolvidas na gestão. Dessa forma, este artigo relata resultados de pesquisa dedicada ao reconhecimento e discussão de aspectos ligados à preservação e proteção legal destes ambientes, tomando a bacia do Ribeirão Bom Jardim, em Uberlândia/MG, como caso elucidativo.

Sabe-se que as transformações no uso da terra afetaram a dinâmica ambiental no Cerrado brasileiro no último século. Este bioma, ambientalmente frágil, abriga diferentes tipos de AUs, cada qual com características ambientais distintas. Segundo Junk et. al. (1989) as AUs são aquelas áreas episodicamente ou periodicamente inundadas pelo transbordamento lateral de rios ou lagos e/ou pela precipitação direta ou pelo afloramento do lençol freático, de forma que a biota responde ao ambiente físico-químico com adaptações morfológicas, anatômicas, fisiológicas e etológicas, gerando estruturas específicas e características dessas comunidades. Para o Junk et al. (1989)

Áreas Úmidas (AUs) são ecossistemas na interface entre ambientes terrestres e aquáticos, continentais ou costeiros, naturais ou artificiais, permanentemente ou periodicamente inundados por águas rasas ou com solos encharcados, doces, salobras ou salgadas, com comunidades de plantas e animais adaptadas à sua dinâmica hídrica.

Estima-se atualmente que mais de 20% do território brasileiro é composto por AUs, segundo Junk et al (2012). A maioria delas está localizada no interior do continente e não é permanentemente inundada. Os alagamentos são periódicos. Dependem da dinâmica hidrológica.

As AUs do Cerrado são conhecidas como veredas, buritizais, covoais e murundus e ainda não foram mapeadas. Na bacia hidrográfica do Ribeirão Bom Jardim predominam as veredas, sobretudo as associadas aos corpos hídricos, e tem como principal característica a inundação perene. Segundo Junk et al (2012) "as AUs do Cerrado são um mosaico de vegetação hidrófilas, savanas alagáveis e manchas de florestas alagáveis e secas, adaptadas à seca severa e fogo".

A pesquisa aqui relatada teve como objetivo avaliar as transformações no uso da terra na bacia hidrográfica do Ribeirão Bom Jardim nas últimas três décadas, através de produtos de sensoriamento remoto, com ênfase nas discussões pertinentes à preservação das AUs.

FUNDAMENTAÇÃO CONCEITUAL E ROTEIRO METODOLÓGICO

Áreas úmidas no âmbito do direito ambiental

Independente do termo utilizado para designar uma AU, esta é parte do meio ambiente, fundamental na manutenção da vida na Terra. Dessa forma, conservar e resguardar estes ambientes é essencial. As inúmeras toponímias utilizadas na legislação brasileira para tratar uma AU prestam um desserviço à preservação destes ecossistemas. Segundo Junk et al. (2012), foram levantados 111 termos. Apenas 19 deles foram definidos nas leis estaduais e apenas 5 nas federais, ou seja, falta rigor técnico-científico na definição dessas áreas.

A preocupação constitucional com o meio ambiente no Brasil foi tardia, e teve início mediante pressão internacional, afirma Santos (2007). No contexto das AUs é possível citar a Convenção de Ramsar de 1971, a qual o Brasil se tornou signatário em 1992, mediante o decreto legislativo n. 33 de 1992. Em seu artigo primeiro, a Convenção define AUs como:

áreas de pântano, charco, turfa ou água, natural ou artificial, permanente ou temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo áreas de água marítima com menos de seis metros de profundidade na maré baixa (RAMSAR, 1971).

É disponibilizado ao Brasil apoio para o desenvolvimento de pesquisas e acesso a fundos internacionais para o financiamento de projetos e a criação de um cenário favorável à cooperação internacional, segundo o MMA (2017). Em contrapartida à adesão ao tratado da Convenção de Ramsar o Brasil definiu e incorporou 13 unidades de preservação (Quadro 1).

A convenção de Ramsar resguarda a proteção às grandes AUs, consideradas de importância internacional, como o Pantanal. As menores, como a área objeto do presente estudo, associadas a corpos hídricos, ainda que indiretamente, são incluídas no Código Florestal Brasileiro como Áreas de Preservação Permanente (APP).

Quadro 1
Sítios Ramsar brasileiros

Fonte: MMA (2017); Disponível em: https://goo.gl/BXhdxE

Leis estaduais tratam da preservação de ecossistemas específicos como o caso das veredas. Como exemplo disso, temos a Lei n. 9375, de 1986, do estado de Minas Gerais. No estado de Goiás a Lei nº 16.153, de 2007, dispõe sobre a preservação dos campos de murundus, também conhecidos como covoais, fitofisionomia típica do Cerrado. Contudo a Legislação Federal carece de leis que levem em consideração a totalidade destas áreas no território nacional.

As mudanças recentes no Código Florestal brasileiro representam, segundo Piedade et. al (2012), um retrocesso em relação à preservação ambiental, o que interfere diretamente nas AUs. A Lei nº 12.651, de 2012, prevê a preservação de faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular. O nível mais alto representa o leito maior ou de inundação levando em consideração os períodos de cheia, ao passo que a calha do leito regular representa o leito menor, sem que se considere a inundação em períodos de cheia.

Para compreender como a reforma da referida lei foi um desfavor à preservação das AUs, vale citar exemplos. Em alguns rios amazônicos o nível mais alto de inundação pode ser maior que 10 m em relação ao nível mais baixo. Na prática o leito pode até dobrar de tamanho. Segundo Junk et al. (2012), a nova regulamentação deixa cerca de 80% das florestas inundáveis da Amazônia sem proteção. O mesmo estudo ressalta que no Cerrado, em anos com regime pluviométrico inferior à média, as cabeceiras dos rios podem secar completamente.

Algumas iniciativas recentes são positivas e merecem referência. O Plano Nacional de Recursos Hídricos, de 2011, propõe um conjunto de ações que efetiva a gestão dos recursos hídricos no Brasil. Dentre os 13 programas propostos, o “IX - Gestão de Recursos Hídricos Integradas ao Gerenciamento Costeiro, incluindo as Áreas Úmidas” e o “XI - Preservação das Águas no Pantanal, em Especial suas Áreas Úmidas”, evidenciam uma recente preocupação, sobretudo em relação às grandes AUs.

A criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU) foi uma das contrapartidas da adesão brasileira a Convenção de Ramsar. O grupo de pesquisa vinculado a este instituto tem contribuído significativamente para o avanço do conhecimento em AUs, sobretudo em relação à importância socioambiental e classificação destas áreas, visando um inventário nacional. Outros órgãos devem ser citados: MAUA – Ecologia, monitoramento e uso sustentável de Áreas Úmidas e INPA – Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, entre outros apontados por Nunes da Cunha, Piedade e Junk (2015). Contudo, as necessidades são mais evidentes do que as iniciativas. Segundo Nunes da Cunha, Piedade e Junk (2015)

O Brasil ainda está longe de obter um levantamento pormenorizado das AUs e enfrenta dois problemas fundamentais: (1) a falta de uma definição das AUs e do seu delineamento que correspondam às condições ecológicas específicas do País; (2) uma classificação nacional das AUs que leve em consideração as condições hidrológicas e as respectivas comunidades de plantas.

Cerrado é considerado um hotspot, uma região biogeográfica ameaçada de extinção. Desde a promulgação do Código Florestal de 1965 este bioma possui normas legais específicas destinadas à sua preservação. Algumas ações têm importante papel na preservação do Cerrado, como a criação de unidades de conservação e exigência de reserva legal por parte dos órgãos ambientais. Contudo, é preciso mapear sistematicamente as perdas crescentes do Cerrado. Na área do presente estudo, nas últimas três décadas, os fatos revelam uma preocupante ineficiência na fiscalização e conscientização ambiental.

Localização da área de estudo

A bacia hidrográfica do Ribeirão Bom Jardim possui área de 395,5 km². O ribeirão é afluente da margem esquerda do Rio Uberabinha, no Triângulo Mineiro (Figura 1). O clima local é marcado por verão úmido e quente e inverno seco com temperaturas amenas. O relevo da bacia apresenta pouca distinção morfológica. Segundo Baccaro (1990) os topos são planos e largos e os vales espaçados entre si. As vertentes apresentam baixas declividades, entre 3 e 5º, com pouca ramificação da drenagem. Os tipos de solos que ocorrem na bacia estão intimamente relacionados ao material geológico de origem. Segundo Feltran Filho (1997), predominam Latossolos Vermelho Escuro, derivados dos basaltos da Formação Serra Geral, associados a níveis de areia da Formação Marília.

Elaboração dos mapas de uso da terra

roteiro metodológico da pesquisa seguiu as etapas expostas no fluxograma da figura 2. A primeira fase refere-se à revisão bibliográfica em artigos de periódicos, teses, dissertações e livros. A segunda fase foi destinada a elaboração do material cartográfico. A esse respeito, foram georreferenciadas oito cartas topográficas na escala 1:25.000 do Ministério do Exército de 1984, com objetivo de delimitar a bacia hidrográfica através das curvas de nível. Para essa tarefa, foi utilizado o software QGIS Las Palmas versão 2.18.3. O material utilizado foi disponibilizado pelo Laboratório de Cartografia e Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Uberlândia.


Figura 1
Localização da área de estudo
Cartas topográficas do Exército. Org. João Guilherme M. Barbosa (2017).

As cartas encontravam-se georreferenciadas com base no sistema de projeção original, UTM - SAD 69, sistema este em desuso atualmente. Assim, foram convertidas para UTM - SIRGAS 2000. Só então o limite da bacia hidrográfica do Ribeirão Bom Jardim foi delimitado através das curvas de nível com equidistância de 10m, além da vetorização das informações cartográficas.

A base utilizada para a delimitação das classes de uso da terra foram as imagens da série LANDSAT. Buscando maior nível de acurácia na interpretação foram utilizadas duas imagens de um mesmo ano, uma do mês de abril (início do período chuvoso) e outra de setembro (final do período chuvoso). Essa escolha foi baseada no período de plantio e colheita das culturas, possibilitando diferenciar melhor as classes de uso. Optou-se por utilizar imagens do LANDSAT 5 e 8, devido a disponibilidade histórica das informações.

O LANDSAT 5, lançado em 1984, apresenta uma das maiores séries temporais de imagens do planeta Terra, com informações desde o seu lançamento até 2012, desativado pouco antes do lançamento do LANDSAT 8 em 2013. O LANDSAT 5 possui os sensores TM/ETM com 7 bandas espectrais e resolução geométrica de 30 m em todas as bandas com exceção da 6, que possui resolução de 120 m. O LANDSAT 8 possui o sensor OLI/TIRS com 11 bandas espectrais e resolução geométrica de 30 m na maioria das bandas, com exceção da 8 (15 m) 10 e 11 (120 m). Para a composição falsa cor utilizada neste estudo foram utilizadas as bandas do infravermelho próximo, médio e azul, com resolução geométrica de 30 m, ou seja, cada "pixel" da imagem representa uma área no terreno de 0,09 ha, segundo o INPE (s/d).

As imagens foram baixadas do sitio EarthExplorer da NASA. Segundo informações do órgão, em 2016 o United States Geological Survey (USGS) reprocessou as imagens da série LANDSAT 4, 5 e 7 aplicando metodologias de calibração radiométrica e ortorretificação, a fim de serem utilizadas em análises temporais.

A integridade das imagens foi verificada no conjunto de ferramentas ENVI 5.1, e constatada a qualidade das correções aplicadas pela USGS. Desta forma, foi necessário apenas correções atmosféricas, processo essencial em analises multitemporais, segundo Dias (2014).

Para a correção atmosférica foi utilizado o conjunto de ferramentas ENVI 5.1, através do método empírico QUAC, utilizado na correção atmosférica das bandas do espectro visível e infravermelho. Através do mesmo conjunto de ferramentas, foi gerado a composição falsa cor das imagens com as bandas do infravermelho próximo, infravermelho médio e azul, a fim de evidenciar a característica espectral das áreas úmidas e da vegetação, conforme aponta Dias (2014).


Figura 2
fluxograma do roteiro metodológico da pesquisa
Do autor.

Os mapas de uso da terra foram gerados através da classificação manual, conforme proposto por Novo (2008) com o objetivo de detectar, reconhecer, analisar, deduzir, classificar e avaliar a precisão das informações. Com base na proposta de Rosa (2009) foi utilizada uma chave de interpretação (quadro 2), técnica aplicada no reconhecimento e delimitação das classes de uso, objetivando maior rigor na interpretação, realizada através do conjunto de ferramenta ArcGIS 10.3, utilizado também na organização do layout dos mapas.

Após mapear as classes de uso foi possível organizar gráficos e tabelas com as informações porcentuais e o total da área ocupada por cada categoria. Para gerar este produto foi utilizado o software Excel 2016. As classes de uso foram somadas no ArcGIS e exportadas para o Excel, onde as informações visuais foram organizadas.


Quadro 2
Chave de interpretação aplicada ao reconhecimento e delimitação das classes de uso da terra
Legenda: L5 = Landsat 5; L8 = Landsat 8; R = Vermelho; G = Verde; B = Blue. Fonte: ROSA (2009).

RESULTADOS

Evolução do uso da terra e interferências nas áreas úmidas

Uso da terra em 1986

A figura 3 mostra a distribuição dos usos das terras em 1986. Percebe-se a herança dos reflorestamentos da década anterior apontado por Schneider (1996). No total 11,8% da área da bacia estavam ocupados por reflorestamento de pinus e eucaliptos. As pastagens, em sua maioria natural, representavam 14,36% da área total. A cultura anual é predominante (36,05%). Não foi encontrado registro de cultura perene.


Figura 3
Mapa de uso da terra em 1986
Landsat, Carta Ministério do Exército, LACAR-UFU Drenagem: Ministério do Exército 1:25.000 Org. João Guilherme Machado Barbosa (2017).

As classes de vegetação natural de Cerrado ocupavam 17,40% da área total. As matas representavam 1,95%, no geral associadas aos corpos hídricos, característica de mata de galeria. As áreas úmidas representavam 18,66 do percentual total, associadas aos corpos hídricos. Foram verificada situações de avanço das culturas temporárias sobre as áreas úmidas.

Uso da terra em 1996

Em comparação à década anterior foi verificada redução considerável da área destinada ao reflorestamento (figura 4). Em 1996 apenas 3,37% da área estavam ocupadas por reflorestamento, uma redução de 8,21%. A pastagem permaneceu estável, com 15,87% do total, um acréscimo de pouco mais de 1,5%. Nota-se a substituição de algumas áreas que antes eram de pastagem natural por cultura e a ampliação das pastagens cultivadas. Quanto à cultura anual, o acréscimo foi de 16,57%. Áreas antes destinadas ao reflorestamento e com vegetação natural do Cerrado foram substituídas por cultura anual que passaram a ocupar mais da metade da área da bacia.

O Cerrado foi reduzido quase pela metade, uma perda de 9,34% em relação à década anterior. No ano de 1996 representava apenas 8,06% do total. Em contrapartida a área de mata sofreu um pequeno acréscimo de menos de 1%. O decréscimo percentual das áreas úmidas foi pouco em comparação à área do Cerrado. Poucas manchas de Cerrado, associadas a áreas úmidas permaneceram preservadas, algo problemático para o equilíbrio ecossistêmico da bacia.

Uso da terra em 2006

A área ocupada por reflorestamento permaneceu quase a mesma entre 1996 e 2006 (Figura 5). A área de pastagem cresceu 3% em relação à década anterior. As pastagens, em sua maioria, são cultivadas e concentram-se na porção central, na margem direita do Ribeirão Bom Jardim. A redução da cultura anual foi ínfima, menos de 2%, e ainda representava mais da metade da área total da bacia.

O percentual da área ocupada por mata continuou aumentando, ainda que discretamente, provavelmente devido às leis ambientais que definem os limites para preservação da vegetação das faixas marginais de proteção dos cursos d’ água e nascentes, que permitiu a essas áreas regeneração natural. Contudo, a área de Cerrado continua diminuindo, caindo 1,3% em relação à década anterior. As AUs reduziram 0,38%. Não é possível afirmar que isso tem relação com uso da terra ou trata-se de influência do regime pluviométrico.


Figura 4
Uso da terra em 1996
Landsat, Carta Ministério do Exército, LACAR-UFU Drenagem: Ministério do Exército 1:25.000 Org. João Guilherme Machado Barbosa (2017).


Figura 5
Uso da terra em 2006
Landsat, Carta Ministério do Exército, LACAR-UFU Drenagem: Ministério do Exército 1:25.000 Org. João Guilherme Machado Barbosa (2017).

Uso da terra em 2016

Por fim, o uso de 2016 revela a consolidação da predominância da cultura anual na bacia. O reflorestamento representa agora 0,43% do total. A área destinada às pastagens caiu 4,84% em relação à década anterior. Foi verificada, também, a introdução de galpões para armazenamento e distribuição de grãos, o que nos revela a importância comercial das culturas anuais na região.

O Cerrado continua diminuindo aos poucos, menos de 1% em relação à década anterior. Em contrapartida, as matas aumentaram na mesma proporção. Quanto às áreas úmidas, estas representam atualmente 18,64% do total da bacia. Devido às pequenas alterações e, considerando a resolução geométrica das imagens, as modificações não são significativas.


Figura 6
Uso da terra em 2016
Landsat, Carta Ministério do Exército, LACAR-UFU Drenagem: Ministério do Exército 1:25.000 Org. João Guilherme Machado Barbosa (2017).

Retrospecto geral do período 1986-2016

Através do mapeamento multitemporal ficou clara a ampliação da área destinada à agricultura, estabilização da pecuária e o quase esgotamento dos reflorestamentos. As mudanças em relação às áreas úmidas são pequenas e imprecisas. Em sua tese, Schneider (1996) estabelecia uma comparação entre a perda das áreas úmidas e o avanço da agricultura, afirmando que a incorporação destas áreas à produção agrícola era preocupante e um desrespeito à legislação ambiental. Ao comparar os mapas de 1964 e 1994 a autora constatou a “assustadora diminuição” das áreas úmidas. O período mapeado é o de maior antropização da área. A cada ano, durante o processo de preparo do solo para o plantio, o limite das AUs era calmamente incorporado à agricultura. A prática mais efetiva adotada pelos agricultores na conversão das AUs em áreas agricultáveis, segundo a autora, foi a abertura de canais artificiais de aproximadamente dois metros, que rebaixavam o lençol freático, proporcionando condições de plantio em solos antes hidromórficos.

Através do gráfico 7 é possível comparar e analisar as transformações no uso da terra, com base nas diferentes classes mapeadas na presente pesquisa.


Figura 7
Gráfico da evolução das classes de uso da terra (1986-2016)
Landsat, Carta Ministério do Exército, LACAR-UFU Drenagem: Ministério do Exército 1:25.000 Org. João Guilherme Machado Barbosa (2017).

É observado o acréscimo de 21,3% na área ocupada por cultura anual entre 1986 e 2016, o que corresponde a 84.223 ha. O relevo plano, associado ao fato do município de Uberlândia destacar no armazenamento e distribuição de grãos, corroborou para esta característica.

A pastagem é uma classe de uso estável ao longo das últimas quatro décadas, sendo observado um pequeno acréscimo no ano de 2006 de aproximadamente 4% em relação as demais décadas, sendo o ano de 2016 o menor percentual de área ocupada com 13,99% do total.

A área destinada ao reflorestamento de pinus e eucalipto sofreu decréscimo de 11,15% entre 1986 e 2016. As áreas de mata acresceram 1,76% de 1986 a 2016, sobretudo devido às leis destinadas a preservação das Áreas de Preservação Permanente. Contudo, a área de Cerrado sofreu decréscimo de 11,91% entre os anos de 1986 e 2016. A perda do Cerrado é lamentável e demonstra que o bioma ainda sofre com a pressão exercida atualmente pela agricultura. Dentre os ambientes naturais mapeados, certamente este dado é o mais preocupante.

As AUs sofreram um pequeno decréscimo entre 1986 e 2006 de menos de 1% e voltou a aumentar em 2016. No geral o pequeno decréscimo ao longo dos anos esteve associado ao avanço discreto das culturas anuais. Contudo, a dinâmica natural da bacia hidrográfica, associada ao surgimento e aprimoramento dos instrumentos legais pode explicar a pequena recuperação na década seguinte.

CONCLUSÕES

O clima tropical brasileiro favorece a ocorrência de AUs. Durante os meses chuvosos a água é acumulada até que o solo seja saturado. Nos meses secos a água é calmamente devolvida à rede hidrográfica, rebaixando o nível do freático até que a superfície seque novamente. O ambiente de vereda é exceção, pois permanece saturado o ano todo e recebe atenção especial quanto à sua conservação. É garantida às veredas a preservação de uma faixa marginal de no mínimo 50 m, segundo o artigo 4º, inciso XI do Código Florestal de 2012.

O levantamento bibliográfico revelou que as AUs no Brasil são relativamente desprotegidas pela legislação ambiental, sobretudo as pequenas, como é o caso das que ocorrem na bacia hidrográfica do Ribeirão Bom Jardim. A repartição de competências entre os integrantes da federação e as várias normas legais destinadas a proteção ambiental prestam um desfavor, assim como as inúmeras toponímias utilizadas para referir-se a uma AU nas leis ambientais, pois geram conflitos entre as competências e inviabilizam a fiscalização ambiental.

Até que um levantamento sistemático das AUs brasileiras seja realizado e cada fitofisionomia possa ser resguardado por uma lei específica, este estudo defende a adesão de um termo geral, possível de ser inserido nas leis ambientais e que reflita a realidade ambiental brasileira como o proposto por Nunes da Cunha, Piedade e Junk (2015) que leva em consideração o pulso de inundação e inclui

[...] todas as áreas cobertas ou encharcadas por água doce ou salinizada, temporárias ou permanentes, até uma profundidade média máxima nas cheias e da maré alta, correspondentes à amplitude média máxima do respectivo pulso de inundação no respectivo local.

Só assim estas áreas continuarão prestando aos seus serviços socioambientais, conforme aponta o Junk et al. (2012) como refúgio para a biodiversidade, além de estocagem periódica da água e lenta devolução para o sistema, recarga de aquíferos e lençol freático, retenção de sedimentos, purificação da água, dessedentação animal, irrigação de lavouras, regulagem microclimática, estocagem de carbono orgânico, entre outros benefícios ambientais.

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