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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO PROJETO “PRODUÇÃO E ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO NO PROGRAMA BIODIVERSIDADE NAS COSTAS – PARNA MONTANHAS DO TUMUCUMAQUE”
BIODIVERSITY EXTENSION PROJECT EXPERIENCES BACK TUMUCUMAQUE AS CONTRIBUTION TOPRACTICALTHINKINGOFENVIRONMENTALEDUCATION INGEOGRAPHYTEACHING
PRODUCCIÓN Y PREPARCIÓN DE MATERIAL DIDÁCTICO PARA EDUCACIÓN AMBIENTAL A PARTIR DEL PROGRAMA BIODIVERSIDAD A CUESTAS – PARQUE NACIONAL MONTAÑAS DE TUMUCUMAQUE – GEOGRAFÍA
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 15, núm. 2, pp. 03-20, 2017
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 26 Março 2017

Aprovação: 26 Agosto 2017

DOI: https://doi.org/10.22238/rc24482692v15n22017p03a20

Resumo: Esse texto tem por finalidade socializar as experiências vivenciadas durante a realização de uma das fases do Projeto de Extensão “Produção e Elaboração de Material Didático para Educação Ambiental a partir do Programa Biodiversidade nas Costas - PARNA Montanhas do Tumucumaque – Geografia” realizado no Laboratório de Pesquisa e Ensino de Geografia (LAPEGEO) da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). O projeto teve por objetivos, contribuir para a formação e o aperfeiçoamento de alunos e professores do curso de Geografia a partir da elaboração de um material didático voltado para práticas de Educação Ambiental e que partiu do Plano de Manejo do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Além das leituras e trocas de conhecimento, o grupo de pesquisadores realizou um Trabalho de Campo ao PARNA enquanto “repositório” de vivências e experiências geográficas com as paisagens, os lugares, os territórios, sujeitos, culturas e de práticas educativas nos campos do Ensino de Geografia e Educação Ambiental. Como resultados foram elaborados um conjunto de materiais didáticos, um GIBI (Quadrinho), jogo de tabuleiro e um Diário de Campo expressando e propondo narrativas geográficas sobre o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque a partir da experiência vivida.

Palavras-chave: Educação, Meio Ambiente, Ensino de Geografia, Trabalho de Campo.

Abstract: This text aims to socialize the experiences during the course of the first phase of the extension project "Production and Development of Teaching Materials for Environmental Education from the Biodiversity Program Coastal – National Park Tumucumaque Mountains - Geography" developed by teachers and students members the Research Laboratorie and Geography Teaching (LAPEGEO) in the Federal University of Amapá - Brasil. The objective was to contribute to the training and the improvement of students and Geography faculty members from the elaboration of didactic material facing environmental education practices in the National Park Tumucumaque Mountains. The results were prepared two textbooks, one HQ and Field Journal on park that involved in its construction interesting methodological practices to think about the geography teaching relationship and environmental education.

Keywords: Education, Environment, Geography Teaching, Fieldwork.

Resumen: Este texto tiene como objetivo socializar las experiencias vivenciadas durante la primera fase del Proyecto de Extensión “Producción y Elaboración de Material Didáctico para Educación Ambiental a partir del Programa Biodiversidad a Cuestas – Parque Nacional (PARNA) Montañas de Tumucumaque – Geografía” realizado en el Laboratorio de Investigación y Enseñanza de Geografía (LAPEGEO) de la Universidad Federal de Amapá (UNIFAP). El Proyecto tuvo como meta la de contribuir a la formación y perfeccionamiento de estudiantes y profesores del curso de Geografía por medio de la producción de material didáctico sobre prácticas de Educación Ambiental tomando como base el Plan de Manejo Ambiental del Parque Nacional Montañas de Tumucumaque. Además de las lecturas e intercambio de conocimiento, el equipo de investigadores realizó un Trabajo de Campo en el PARNA, un espacio que guarda vivencias y experiencias geográficas con paisajes, lugares, territorios, personas, culturas y prácticas educativas en los ámbitos de la Enseñanza de Geografía y Educación Ambiental. Como resultado de estas experiencias se han elaborado un conjunto de materiales didácticos: una historieta, un juego de mesa y un Diario de Campo que expresan y proponen narrativas geográficas sobre el Parque Nacional Montañas de Tumucumaque.

Palabras clave: Educación, Medio ambiente, Enseñanza de Geografía, Trabajo de Campo.

INTRODUÇÃO

O mundo meu é pequeno, Senhor.

Tem um rio e um pouco de árvores.

Manoel de Barros, O Livro das Ignorãças

O sujeito aprendiz que busca acessar o Meio Ambiente, passa a apreender o espaço e compreender o "mundo" a partir de suas vivências e experiências geográficas com ele, não sendo exclusivamente de uma forma científica, mas através do caminhar ou do viajar, através das brincadeiras, do devanear e de uma escrita que expresse o “pertencimento” aos lugares e suas paisagens, tal qual a relação com o mundo apresentada pelo poeta Manoel de Barros ao criar uma imagem de mundo composto por pertencimento, afetos e valorização da Natureza.

A proposta de Educação Ambiental aqui apresentada, parte de experiências espaciais vividas por alunos e professores do curso de Geografia da UNIFAP no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (a maior Unidade de Conservação brasileira, localizada entre os estados do Amapá e do Pará, e fronteira com a Guiana Francesa), e que aqui são relatadas como integrantes de processos de criação de materiais didáticos e práticas pedagógicas no contexto do Ensino de Geografia e do Meio Ambiente.

Relatamos nesse texto algumas das experiências vivenciadas durante a realização da primeira fase do Projeto de Extensão voltado a produção de material didático em Educação Ambiental, desenvolvido por professores e alunos integrantes dos Laboratórios de Pesquisa e Ensino de Geografia (LAPEGEO), em parceria com o Laboratório de Geoprocessamento da Universidade Federal do Amapá. O projeto de Extensão “Produção e Elaboração de Material Didático para Educação Ambiental a partir do Programa Biodiversidade nas Costas - PARNA Montanhas do Tumucumaque – Geografia” foi realizado em parceria com o Departamento de Biologia (UNIFAP), Instituto Chico Mendes (ICMBio), das ONGs WWF e Ecocentro/IPEC e foi desenvolvido entre os anos de 2013 e 2014.

O Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque é a Unidade de Conservação mais recente no contexto de PARNA’s no Brasil, criado em 22 de agosto de 2002, teve como principal objetivo a preservação do seu ecossistema natural. Está localizado na região noroeste do Amapá, numa porção da Floresta Amazônica bastante peculiar, com características únicas e ainda pouco exploradas. Estende-se por uma área de 3.867.000 hectares de Floresta Tropical protegida, é o maior do Brasil nessa qualidade (Ver figura 1). Além da diversidade na flora e fauna, seu subsolo é rico em minerais com valor comercial, como ouro, minério de ferro e manganês. O entorno do PARNA Montanhas do Tumucumaque é portador de uma dinâmica social na qual convivem diversos agentes com interesses diferentes e antagônicos, dos quais destacam-se as populações extrativistas, grupos indígenas, e grupos ligados a exploração do minério realizada por grandes empresas internacionais e às práticas agropecuária, indicando um cenário de conflitos e pressão sobre a área de conservação.


Figura 1
Localização do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e a cidade de Macapá – AP situada às margens do rio Amazonas
ICMBIO/MMA, 2014.

A elaboração do projeto foi motivada por uma necessidade que tem sido unânime nos debates educativos no Amapá e outros lugares e universidades da Região Norte brasileira, que é a produção de materiais de caráter educativo produzidos pelos sujeitos que moram e vivem nestes lugares, que seja possível a elaboração de falas e a produção de imagens que tenha sentido e significado cotidiano, que seja uma forma de resistência à “importação” de textos, conceitos, estereótipos e formas de “ver” e acessar a Amazônia, produzidas em espaços, lugares e regiões de produção de conhecimento que pouco vivenciam tais realidades.

Neste contexto, se deu a intenção de criar subsídios e conteúdo a partir da realidade local através de um material didático voltado para práticas em Educação Ambiental no contexto do Estado do Amapá, tendo como tema gerador o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e alguns processos (sociais, ambientais, políticos, culturais,...) que permeiam sua criação e funcionamento. Dessa forma o projeto teve como objetivos, criar e oferecer espaços de formação pedagógica e cientifica aos pesquisadores (docentes e alunos do curso de Geografia) no LAPEGEO, que impulsionaram as ações e atividades de elaboração de um material didático voltado para práticas de Educação Ambiental o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque.

Na construção dos “fazeres metodológicos” do projeto, optou-se pelo trabalho coletivo e participativo, multidisciplinar e engajado com a sociedade e suas questões, e considera que cada pessoa tem a sua “leitura de mundo” dada a sua singularidade e suas experiências. Ela se dá na busca por um encontro do sujeito com os lugares, paisagens, seus sujeitos e suas memórias, falas, saberes a partir de suas vidas e “viagens”.

Sobre esta educação dos “encontros e das viagens”, Paulo Freire (1970) nos indica que, ninguém desvela o mundo ao outro e, ainda quando um sujeito inicia o esforço de desvelamento aos outros, é preciso que estes se tornem sujeitos do ato de desvelar, portanto não é apenas o “transmitir conteúdos específicos” as vezes tido como fundamental no processo educativo, mas sim promover novas formas dos educandos se relacionarem com a experiência vivida, de maneira que o relacionamento educador-educando se estabelece na horizontalidade e que juntos se posicionam como sujeitos do ato do conhecimento.

Ainda segundo esse autor, a ação educativa deve ser sempre um ato de recriação, de ressignificação e a atitude dialógica, deve ser antes de tudo, uma atitude de amor, humildade e fé nos homens, no seu poder de fazer e de refazer, de criar e de recriar. Daí que, para esta concepção como prática da liberdade, a sua dialogicidade comece, não quando o educador e educando se encontram como educandos/educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes.

A Educação Ambiental nesta perspectiva, deve ser vista como o estímulo a um olhar ético para com o mundo e seus inúmeros problemas ambientais, e assim, como estas participam da realidade dos sujeitos e de seus lugares. Deve buscar o entendimento de que os inúmeros problemas ambientais presentes no mundo contemporâneo são resultados de um modelo de desenvolvimento indicado pela sociedade ocidental e está intimamente relacionada com os modos de vida e de produção espacial, que esta adotou no decorrer do seu processo de evolução.

Tal proposta, partiu do entendimento de que a vivência cotidiana dos participantes do Projeto e a relação cotidiana com a floresta e os rio Amazonas situado às margens da cidade de Macapá, a cultura ribeirinha e suas marcas identitárias como a alimentação, a moradia, os deslocamentos, o lazer, poderiam ser considerados elementos essenciais para a manutenção da vida humana, pois “uma geografia do meio impõe, não somente um conhecimento, mas um certo respeito do meio ambiente” (DEBESSE-ARVISET, 1974, p. 17). Visto que suas vidas e seus processos de formação como geógrafos já implicavam uma tipo de Educação Ambiental, pois a Geografia implicaria no aperfeiçoamento do olhar para com o meio ambiente (tanto em seus aspectos naturais, como os humanos).

Neste sentido, “o alfabeto da geografia consiste não em ensinar definições de palavras e o resumo de leis, mas em observar as coisas e encontrar-lhes as relações no seu complexo natural o meio geográfico, isto é, o meio” (DEBESSE-ARVISET, 1974). Assim, a Geografia escolar deve basear-se na ideia ecológica, onde todos os eventos da natureza/homens estão intimamente interligados e interagindo entre si em estado de equilíbrio (ou desequilíbrio) com o lugar, a comunidade, a escola, ou como poderá ver-se posteriormente, com o PARNA Montanhas do Tumucumaque.

Ainda sobre este modelo, Diegues (2010) afirma que este modelo, assentou-se sobre alguns princípios básicos: o progresso como sinônimo de crescimento econômico, a afirmação da dicotomia homem/natureza a partir da construção da ideia de “natureza natural”, e na transformação dos elementos naturais em recurso/mercadoria. Isso foi extremamente impactante sobre a natureza, pois orientou, incentivou e justificou a exploração sem limites dos elementos naturais necessários para garantir a dinâmica, especialmente a econômica.

Dessa forma, ações de Educação Ambiental que visam incentivar uma relação sociedade/natureza mais harmônica não devem acontecer distanciadas dessa compreensão mais totalizadora e integrada que envolvem as relações da sociedade com a natureza. No mesmo caminho proposto por Diegues (2010), entendemos que as práticas educativas devem promover relações sustentáveis entre sociedade/natureza, provocando um olhar “para além” das questões conceituais ou técnicas, considerando as questões políticas, sociais, as visões de vários grupos sociais com interesses divergentes a respeito do uso e acesso dos recursos ambientais. Este processo deve revelar que não existe um único paradigma de sociedade de bem-estar (a ocidental) a ser atingido por vias do "desenvolvimento" e do progresso linear, e sim, de que existem vários tipos de sociedades e modos de se relacionar com a natureza, com os lugares e as paisagens naturais: com respeito, ética, de formas sustentáveis, considerando modos particulares, históricos e ancestrais de se relacionar com o mundo.

Atualmente esse projeto se encontra em sua terceira etapa, que é a avaliação dos materiais didáticos produzidos no âmbito do projeto, por professores da Rede Básica de Ensino do Estado do Amapá que trabalham e vivem no entorno do Parque do Tumucumaque. A primeira fase, relatada nesse texto, foi concluída em janeiro de 2014 e envolveu professores do Curso de Geografia da Universidade Federal do Amapá- UNIFAP ligados à área de Ensino de Geografia, Geoprocessamento e Educação Ambiental, mais 13 alunos do curso Geografia da Universidade Federal do Amapá. Foram nove meses de trabalho em que o protagonismo dos alunos e a produção de vários materiais didáticos, dentre eles o Gibi Ana Clara e Jupará: uma aventura pelo Tumucumaque, um jogo de tabuleiro e um Diário de Campo onde os alunos discorrem sobre a experiência de conhecer o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e propõem atividades de produção de textos, imagens, poesias e narrativas de pertencimento a partir de viagem realizada ao PARNA.

A viagem ao Tumucumaque como projeto de envolvimento afetivo e Educação Ambiental

A viagem (expedição) ao Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque ocorreu em função do anseio e da necessidade de vivenciar o lugar estudado pelos pesquisadores do Projeto de Extensão, que apontaram a necessidade de conhecer a realidade (saberes da experiência) sobre a qual estavam escrevendo, e com intuito de fomentar, ampliar o entendimento e as reflexões que compuseram o material didático em Educação Ambiental.

A viagem aconteceu no mês de Outubro de 2013 e teve como objetivo além de conhecer o parque, coletar dados, produzir imagens fotográficas e audiovisuais, georreferenciar alguns pontos da área do Tumucumaque e relatar estes percursos em linguagem poética, informações indispensáveis para subsidiar o material que os acadêmicos estavam produzindo.


Figura 2
Dois momentos da viagem ao PARNA Montanhas do Tumucumaque: Trilha do Tauarí e percurso de barco pelo Rio Feliz
Trabalho de Campo, 2014.

Nesta viagem, os pesquisadores (acadêmicos e professores) não se limitaram a produzir esses registros, se permitindo ao encontro e as conversas com moradores, idosos, estudantes, barqueiros, guias e mateiros encontrados durante os percursos em algumas comunidades, escolas, centros comunitários localizados no entorno do PARNA o que contribuiu para a ampliação de um olhar da sociedade e da biodiversidade que o envolve.

Para os participantes da expedição, a viagem foi fundamental para o levantamento de informações, coleta e sistematização de impressões que fomentaram e direcionaram a elaboração do gibi (Quadrinho). Contudo foi mais do que isso, foi também um momento de troca de experiências e vivências, de reflexões profundas sobre os sentidos da natureza no mundo atual e da desconstrução e reconstrução dos valores e ideias que muitos alunos e professores tinham sobre o Parque e “suas geografias”. Tonou-se um momento em que muitos entenderam um pouco mais de suas próprias histórias, sua condição humana no mundo atual e a construção de um sentido de Educação Ambiental que transcendesse qualquer entendimento de uma área do saber meramente burocrático, impositivo ou desconectado de suas realidades. Em suma, buscou-se uma educação para (com) o ambiente, entendendo os sujeitos como parte integrante deste.

A valorização da natureza e o pertencimento aos lugares, podem ser acessados nas falas que seguem, indicando o fortalecimento de ideais ambientais e de um olhar de afeto e valorização do Meio Ambiente. Um olhar exploratório (baseando na percepção primeira) sobre o lugar, foi lançado pelos pesquisadores/investigadores, dando início ao trilhar investigativo e ao acesso à experiência, que segundo a perspectiva de Tuan em relação a percepção é: “uma atividade, um estender-se para o mundo(...)" (TUAN,1980).

Percepções que se ampliam e se consolidam como pertencimento, como as que são apresentadas nas falas de alguns alunos e que foram coletadas durante a visita ao Parque:

“…eu nunca tinha tido contato com a natureza, e quando a minha mãe falava a relação dela com a natureza, eu não entendia porque eu nunca tinha ido. A primeira vez que eu tive contato com o interior, foi quando eu fui lá para enterrar a minha mãe. A mãe dizia pra gente que quando morresse, ela queira ser enterrada na terra dela (...). Hoje, com esses momentos que nós estamos vivendo eu consigo ter o mesmo sentimento que ela tinha, e queria transferir pra gente e a gente não conseguia entender .... a viagem está sendo uma realização pessoal minha, de crescimento como ser humano e de respeito com a natureza” (Acadêmico do Curso de Bacharelado em Geografia da UNIFAP).

“...das primeiras vezes que vi falar do parque não foram coisas muitas boas, falavam que não podia entrar aqui, .... então eu achava que era uma fortaleza toda blindada, fechado e que os gestores eram monstros que não deixavam ninguém entrar aqui (rs)... e hoje não, eu vi o trabalho que estão fazendo e esforço para transformar esse lugar em espaço de visitação. Eu aprendi que nós devemos valorizar todas as pessoas, hoje a gente veio com os barqueiros, eu não conheço eles, mas acredito que o nível de escolarização deles não deve ser tão elevado, um dos barcos vinha sendo guiado por dois adolescentes e naquele momento, pra quem não sabe nadar toda a nossa vida estava nas mãos deles... todo o nosso conhecimento não serviria de nada e nossa vida toda estava entregue a eles” (Acadêmico de Licenciatura em Geografia da UNIFAP).

“(...) o que mais deu significado a essa reflexão que eu consegui fazer, principalmente relacionada a estratégia de gestão, e que eu não entendia tanto, fui até preconceituoso em certos momentos. Eu perguntava porque não abriam o parque, porque as pessoas não realizavam uma visitação maior, porque não se implantava a questão do turismo, do ecoturismo e o significado não veio através das reposta que eu esperava, mas através do que eu não esperava. Foi uma dificuldade tremenda de se chegar aqui no parque, necessidade de uma logística muito grande .... principalmente de compartilhar esse momento com pessoas que estão junto comigo nessa caminhada de amadurecimento, de amadurecimento na Universidade, amadurecimento de reflexão crítica e isso me proporcionou um ganho muito grande...” (Acadêmico de Licenciatura em Geografia da UNIFAP)

“(...) é um coisa boa, acho que todos aqui conseguem perceber esse afloramento dos sentimentos, esse estimulo as nossas percepções, de estar realmente sentindo todos os detalhes, um sentimento bom .... a gente percebe que dentro do “corre corre” do dia, isso ai é tomado da gente, o nosso tempo, o nosso sentimento vem sendo controlado vai se perdendo a medida a gente vai sendo engolido por sistema que oprime, que realmente não respeita a natureza porque é progresso, progresso, progresso …. então em cima disso a gente é mais o sentir do que o próprio intelecto do que próprio conhecimento que transcende, e a gente vê a nossa pequenez perante todo essa exuberância da natureza, realmente perante a natureza é gente é tão pequeno…” (Acadêmico de Licenciatura em Geografia pela UNIFAP).

Tais falas indicam percursos singulares e compartilhados do campo de pesquisa, de um acesso ao lugar a partir da experiência, e constituem-se numa possibilidade de se conseguir não só uma aproximação com o objeto de estudo, mas também, de criar conhecimento partindo da realidade vivenciada. Neste caminho de encontro ao PARNA Montanhas do Tumucumaque, os sujeitos se valeram da pesquisa qualitativa, da investigação participante, partindo da construção teórica acerca do objeto de estudo para que o campo se tornasse “um palco de manifestações de intersubjetividade e interações entre pesquisador e grupos estudados, propiciando a criação de novos conhecimentos" (NETO, 2001, p.54).

Muitas dessas narrativas se fazem presentes no diário de campo que foi elaborado pelos acadêmicos como forma de registro da viagem e indicação pedagógica, na qual foram orientados a produzirem poemas, falas em primeira pessoa, fotografias, vídeo e imagens de caráter poético, documental, produzidos por esses alunos como registro de uma vivência e de percepções espaciais e ambientais.

Ao conhecer de um jeito tão próximo as paisagens e lugares que dão forma ao Parque Tumucumaque, ao estarem próximos de árvores centenárias com mais de 500 anos, ao ouvir as narrativas carregadas de saberes tradicionais dos habitantes que sempre viveram nesse lugar, ao experimentarem com tanta intensidade os sons e ambiências da natureza, puderam compreender “um mundo”, como a relação de amor que os antepassados nutriam pelo lugar; que a floresta é um lugar especial, que ela é um sistema em equilíbrio natural, que ela é abrigo de culturas, de histórias, de vida.

Estas experiências geográficas de encontro com o mundo e com a natureza, permitiram elaborar e materializar paisagens “em movimento” no percurso de barco pelas corredeiras e braços do rio Feliz, no canto dos pássaros e outros animais, na vista da floresta exuberante ou o encontro (abraço) com um imponente Tauarí após uma trilha que se constitui um itinerário de lugares significativos quando guiado por um habitante do lugar. Em percursos educativos, pois conforme Tuan, “(...) cada pausa estabelece uma localização como sendo significativa, transformando-a em lugar” (TUAN, 1982). Os lugares e suas conexões tornam-se expressões de amizade, de solidariedade e de afeto, as vezes de um olhar ou um gesto, que podem indicar um novo modo e postura com o relacionar-se com a natureza.

A viagem para o PARNA Montanhas do Tumucumaque, tornou-se significativa para os estudantes e pesquisadores a partir do momento em que permitiu um contato direto e vivido com este espaço, este “recorte da amazônia”, com seus contrastes e conflitos, seus sujeitos e práticas socioespaciais, com a conservação e o uso de modo sustentável, com seus lugares e suas paisagens antes vistas apenas nos livros, documentos e relatórios, indicando uma rede de lugares a partir do pertencimento e envolvimento.

Das práticas realizadas para produção do material didático e da Expedição ao Tumucumaque

Para elaborar o gibi (História em Quadrinhos) propôs-se a criação de um grupo de trabalho que teve a participação de cerca de 10 alunos da graduação de Geografia e integrantes do Laboratório de Pesquisa e Ensino de Geografia. Os alunos tiveram como ponto partida para a construção do gibi, um aprofundamento de leituras acerca das paisagens naturais e culturais da Amazônia e a leitura do Plano de Manejo do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, fundamentando e referenciando a construção do quadrinho, entendendo que este processo se daria na “transformação” de uma linguagem técnica (do documento) em uma linguagem acessível e prazerosa para os alunos do Ensino Fundamental I, transpondo saberes e construindo pontes de saber a partir das informações contidas no Plano Manejo.

A ideia inicial foi a viagem de uma menina chamada Ana, que sai de Macapá com seu pai, e percorre caminhos que se transformam em trajetórias e experiências pelo Estado do Amapá em sua busca pelo Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Nesta viagem realizada de ônibus, trem (dos municípios de Santana a Serra do Navio), de barco pelos rios e corredeiras, percursos fundados em um caminho real, mas que se desdobra em narrativa enquanto dado imaterial, subjetivo, repleto de lendas, histórias, mitos e até mesmo de um Jupará (marsupial endêmico símbolo do PARNA), personagem guia que vai apresentar a Floresta Amazônica, a população indígena (representada por Guanacira), a cultura ribeirinha e os elementos naturais do lugar.

O trajeto da personagem principal construído pelos participantes deste grupo, foi inspirada na viagem “real” realizada pelos mesmos, não que o espaço objetivo fosse determinante para esta escrita, dada a capacidade destes sujeitos em imaginar espaços, mas se consolidou a partir dos recortes de suas experiências: o que era relevante ou marcante do caminho vivido, foi relembrado de forma coletiva e individual, e inserido enquanto um percurso a ser percorrido pela personagem principal, caminho repleto de aventuras, descobertas, curiosidade e pertencimento.


Figura 3
Três lugares e trajetos significantes no gibi “Ana e Jupará”: 1 – Marco Zero e Fortaleza em Macapá, o trem de passageiros de Serra do Navio e rio Feliz, acampamento na entrada sul do PARNA
Eliane Silva, 2014.

Tal construção, se dava diante de algumas indagações e inquietações descritas pelos pesquisadores quanto a superficialidade do que se é ensinado nas escolas, como se temas presentes nos currículos não dissesse daquela realidade, ou como não fossem importantes. A Amazônia como espaço a ser preenchido ou visto nos mapas como uma imensa cobertura “na cor verde” se distanciava do que era acessado e encontrado nos estudos, nas conversas, e também na viagem. A valorização dos saberes da experiência em contextos da Educação Ambiental (e de Geografia) faz com que o aluno ao sair de nossas escolas, reconheça na natureza aqueles fenômenos, aquelas leis tão cientificamente estudadas (DEBESSE-ARVISET, 1974). Pois os conteúdos escolares na maioria das vezes apresenta conteúdos vagos, distantes da realidade, o que faz com que os alunos percam o interesse de aprender.

O “GT do Quadrinho”, foi um momento importante do projeto de extensão, dado que estimulou a criatividade, permitiu que os alunos escrevessem uma narrativa pedagógica a partir de seus olhares sobre a natureza próxima, tendo como marco o protagonismo dos alunos. Estes organizaram a proposta de roteiro para o gibi, escreveram a história e elaboraram os desenhos que compõe o material. Da mesma forma estabeleceram uma organização do trabalho entre eles, com seus ritmos e disposição ao encontro, o que permitiu no final da produção do trabalho, o entendimento de que este foi resultado de um trabalho coletivo e colaborativo.

O Diário de Campo

Antes do início da viagem ao campo, ainda durante as leituras do plano de manejo, era estimulado nos participantes, a elaboração de textos e escritas que descrevessem as experiências de encontro, impressões diretas escrita em diários de viagem, cadernos de anotação de impressões do campo, em poemas e textos literários. Os professores participantes acompanharam o desenvolver do trabalho, contudo na condição de orientadores, não interferindo diretamente na escolha do tema e dos personagens, no processo criativo, indicando algumas referências bibliográficas e didáticas (especialmente àquelas que versavam sobre Pesquisa Qualitativa e Participativa) que poderiam indicar caminhos para a escolha de conteúdos e informações a serem organizadas, como por exemplo a leitura e busca pela “tradução” em uma linguagem pedagógica do Plano de Manejo do PARNA Montanhas do Tumucumaque (BRASIL, 2009) como referência guia, buscando construir a autonomia e a liberdade na produção do “Diário de Campo”, permitindo que estes elaborassem narrativas que versem sobre suas experiências com o Ambiente vivido, observado, percebido.

O trabalho no “GT Geografia” teve como premissa a participação coletiva e colaborativa, entendendo o conhecimento como um processo compartilhado e “de trocas”, se constituindo em um espaço de diálogos e de amadurecimento de um olhar e um saber fundado na Natureza. É importante ressaltar o papel da corporeidade neste processo de envolvimento com o PARNA, pois os pesquisadores não se propuseram a “produzir” um material didático, mas sim, construir falas e narrativas (escritas, fotográfica,...) a partir de suas experiências de pertencimento com os lugares, por percursos carregados de sensações e significados, como no poema sobre o Tauarí (árvore símbolo da Amazônia). O que Tuan (1930) aborda no livro, Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente, quando se refere ao conceito título do livro, remetendo-se ao nível e intensidade da relação de “pertencimento aos lugares” dos sujeitos, a partir dos elementos do meio ambiente. Tais escritos, vão ao encontro de Tuan (1980), para quem, os sentimentos que temos para com um lugar são mais permanentes e mais difíceis de expressar por representar o meio de se ganhar a vida, por ser o lar, o locus de reminiscências.


Figura 4
Dois trechos do Diário de Campo: poema sobre o Tauarí e fotografias do rio Amaparí
Eliane Silva, 2014.

O jogo “Nas Trilhas do Tumucumaque”

Como parte do material didático elaborado pelo “GT Geografia”, deu-se a elaboração de um jogo de tabuleiro, a partir de uma parceria com o Laboratório de Geoprocessamento da UNIFAP. Foram trabalhados aspectos cartográficos para a preparação da viagem e referenciamento dos lugares, onde o percurso vivido viria a ser representado no tabuleiro, que foi adquirindo o formato de uma “cobra grande” (presente nos mitos e lendas amazônicos).

O jogo de tabuleiro inicialmente foi se construindo a partir de conversas e ideias, da colaboração e debate, tendo seus primeiros esboços realizados por uma acadêmica do curso de Artes integrante do projeto. A partir do Plano Diretor, das propostas de uso e gestão do PARNA, das reuniões com gestores, das concepções do Programa “Biodiversidade nas Costas” e de mapas do lugar, foi se delimitando um esboço com os conteúdos e ações lúdicas e didáticas.

Após o Trabalho de Campo, o tabuleiro ganhou novos elementos a partir das vivências dos acadêmicos, agora apresentando de forma mais detalhada: a fauna e a flora (o beija-flor ‘bico de fogo”, o cipó “escada de jabuti”, insetos, o jupará), lugares, situações, atividades potenciais para o desenvolvimento sustentável que seriam a realização de esportes radicais como bóia-cross e rafting pelo rio São Felício (proposta de uso para o turismo apresentado no Plano de Manejo), bird watching ou a hospedagem no Centro Rústico de Vivência. Um outro elemento que se materializou no tabuleiro foi a Trilha Interpretativa da Copaíba que estava em fase experimental no PARNA.


Figura 4
Tabuleiro do jogo “Nas Trilhas do Tumucumaque”
Eliane Silva, 2014.

Este “percurso” agora guiado pelos personagens do Gibi, buscou tratar de questões éticas, sociais, ambientais e educativas a partir de problemas e contextos apresentados neste espaço, como a caça ilegal, os garimpos ou a pesca predatória no interior do parque, a relação dos povos ribeirinhos com a floresta, a importância da conservação para a pesquisa científica e para a vida de todos seus sujeitos, dialogando com os outros materiais didáticos elaborados e o Plano Diretor. Ambas questões apresentam o sentido de despertar a solidariedade, o pertencimento, a contemplação e o respeito pelo “outro” e pela natureza através do jogo e do lúdico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No percurso realizado durante a execução do projeto, passando pela Viagem ao Parque Tumucumaque, até a elaboração dos Materiais Didáticos (a publicação do Quadrinho, do jogo e do Diário de Campo) enquanto produtos pedagógicos, fica evidente a valorização do protagonismo e participação dos alunos no desenvolvimento de ações e práticas educativas, fundamentais para ações e reflexões nos contextos do debate metodológico sobre a Educação Ambiental baseadas no Ensino de Geografia na região Norte do Brasil e no bioma amazônico.

Na produção desses materiais os alunos construíram um grupo de trabalho que se pautou por práticas colaborativas, de troca de saberes e amadurecimento de um olhar para com a natureza, iniciado nos estudos acerca do PARNA Montanhas do Tumucumaque. Indicando um processo de socialização do conhecimento que permitiu que o grupo todo tivesse informações adequadas sobre a temática, possibilitando assim a eles escreverem e produzirem os conteúdos e imagens que compuseram tanto a cartilha quanto o diário de campo. Da mesma forma realizaram um aprimoramento acerca de práticas, métodos e metodologias do Ensino de Geografia para fazer com que assuntos escritos em uma linguagem “extremamente” técnica, pudesse ser compartilhada em uma linguagem direcionada ao Ensino Fundamental I.

Além disso, durante a viagem, ao observarem a realidade do Parque buscaram narrar e elaborar um material que tivesse de fato uma identidade local baseado em vivências, com personagens, paisagens e sentimentos que condizem com o lugar, para que os meninos das escolas do entorno do PARNA ou do Estado do Amapá, ao trabalharem com o material, possam se reconhecer nele. Desta forma, a viagem ao Tumucumaque foi para além da condição de apropriação e troca de conhecimento, e se transformou em uma grande ação reflexiva por parte dos participantes da expedição, conforme observado nas falas dos discentes citadas. Esse foi um momento em que os pesquisadores confrontaram conceitos, imagens e ideias construídas sobre a natureza e Unidades de Conservação a partir de suas realidades, o que contribuiu para refletirem sobre as formas de ver a natureza e se relacionar com ela no mundo do presente.

REFERÊNCIAS

BARROS, Manoel. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2011.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente/Instituto Chico Mendes de Conservação. Plano de Manejo: Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Macapá, 2009.

DIEGUES, A. C. S. DesenvolvimentoSustentável ou Sociedades Sustentáveis – da crítica ao modelo aos novos paradigmas. Disponível em: http://www.preac.unicamp.br/eaunicamp/arquivos/diegues_rattner.pdf. Acessado em 08/05/2010.

DEBESSE ARVISET. A escola e a agressão do meio ambiente: Uma revolução pedagógica. Tradução de Gisela stock de Souza e hélio de Souza. Ed. Difel.1974.

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